Teologia da Convergência 3 edição

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Teologia da Convergência ênfase nas religiões afro-brasileiras Ano I I - Nº3 - agosto de 2011 - ISNN 2236-1642

RELIGIÕES DE TRANSE DIRIMINDO QUESTÕES SOCIAIS

IDENTIDADE

DAS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS

COSMOVISÃO

POSSIBILIDADES DE DIÁLOGO EM F. RIVAS NETO


Expediente Teologia da Convergência é uma publicação da Faculdade de Teologia Umbandista (FTU)

Diretor Geral da FTU F. Rivas Neto (Pai Rivas) Vice-Diretora Geral da FTU Maria Elise Rivas (Sacerdotisa Yamaracyê) Coordenação do Curso e Editor-Chefe Cassiano Terra Rodrigues Jornalista responsável e diagramação Rodrigo Mariano - MTB 32394/RJ Webdesigner e responsável técnico Gerson Albuquerque Alexandra Abdala Fotos Acervo fotográfico da FTU

Teologia da Convergência

ênfase nas religiões afro-brasileiras

Ano II - Nº 3 - julho de 2011

SOTER

Religiões Afro-brasileiras, religiões de transe: dirimindo questões sociais - pág. 4 Teologia com ênfase nas Religiões Afro-brasileiras: Sua construção epistemológica e interação na esfera pública - pág. 15 Religião e Educação: valorização do ensino religioso nas instituições educacionais - pág. 27 Laicidade do Estado e Isonomia nas IES - pág. 37

ABHR

A Identidade das Religiões Afro-Brasileiras - pág. 46

ANPTECRE

Cosmovisão das religiões afro-brasileiras e cosmologia: possibilidade de diálogo em F. Rivas Neto - pág. 54

Matéria Toque de Jurema A cura em várias dimensões pág. 63

Resenha - À sombra da Jurema encantada: mestres juremeiros na Umbanda de Alhandra. FACULDADE DE TEOLOGIA UMBANDISTA Avenida Santa Catarina, 400 – Vila Alexandria 04635-001 – São Paulo – SP Telefone 55 11 5031-8852 www.ftu.edu.br - faculdade@ftu.edu.br

pág. 67

Entrevista - Fábio Mauricio pág. 70


Editorial

Teologia com ênfase nas religiões afro-brasileiras na esfera pública A revista digital “Teologia da Convergência – Ênfase nas Religiões Afrobrasileiras” vem ao ar pela terceira vez em menos de um ano! Nas duas últimas produções a revista mesclou produções dos seus alunos e professores com artigos de pesquisadores consagrados no estudo das Religiões Afro-brasileiras. Nesta edição fui convidado para escrever o editorial, pois participei como docente da FTU nos três congressos que receberam as produções acadêmicas da nossa instituição. As principais produções estão disponíveis nesta revista. Em ordem cronológica, temos uma comunicação realizada no 3º Congresso Nacional ANPTECRE (Associação dos Programas de Pós-graduação em Teologia e Ciências da Religião). Na sequência, os professores participaram do XII Simpósio da ABHR (Associação Brasileira de História das Religiões). Finalmente, a revista publica as produções

apresentadas no 24º Congresso Internacional da SOTER (Sociedade de Teologia e Ciências da Religião). Especificamente na SOTER, uma comunicação marcou a FTU. Trata-se da última publicação acadêmica em vida de José Flávio Pessoa de Barros (in memoriam) escrita com F. Rivas Neto, sacerdote e fundador da FTU. Além de ser uma homenagem póstuma a tão importante nome na academia, esta comunicação também marca um momento importante quando um sacerdote das Religiões Afro-brasileiras apresenta uma crítica construtiva sobre a construção teológica destas religiões. Convidamos todos para uma leitura atenta desta revista. Sejam todos bem-vindos à terceira edição! João Luiz Carneiro Professor da FTU


Religiões Afro-brasileiras, religiões de transe: dirimindo questões sociais¹

F. Rivas Neto (FTU), José Flávio Pessoa de Barros (UERJ)

in memoriam.

Introdução O transe nas religiões foi analisado historicamente sob vários ângulos e ficou marcado por preconceitos. No início do século XX não foram poucos os cientistas sociais e até mesmo médicos que classificaram o transe como distúrbio mental. Atualmente o panorama mudou sensivelmente e o tema é considerado como uma manifestação legítima dentro de expressões religiosas específicas, caso das Religiões Afro-brasileiras, porém no imaginário brasileiro este estigma de certa forma permanece. A comunicação discutirá o transe, encarado pelas Religiões Afro-brasileiras como estado superior de consciência, e seus mecanismos que dirimem questões sociais tomando como ponto de partida a análise crítica da Teologia com ênfase nas Religiões Afro-brasileiras expressa pela primeira faculdade do gênero: FTU.

Um recorte no século XX: O olhar preconceituoso sobre o transe² É possível observar vários momentos no século XX onde o transe, principalmente quando aplicado às Religiões Afro-brasileiras é observado como algo negativo, doentio tanto no sentido literal quanto simbólico. Especialmente em 1930, marcado pelo contexto político de muita conturbação culminando com o Golpe de Estado, Getúlio Vargas assume o poder. Os primeiros anos de governo caracterizaramse por um governo provisório, pois não possui uma constituição. Apenas em 1933 a Assembléia Constituinte é eleita e redigiu a nova constituição. A constituição de 34 mantinha a separação entre Igreja e Estado, logo a liberdade religiosa. Contudo, na constituição de 1937 – com Vargas no comando do Estado Novo – influenciada pelo nazi-fascismo, é excluída a liberdade religiosa e a garantia de segurança aos civis.

_________________________________________________ 1 Autores: F. Rivas Neto (FTU), contato: rivasneto@ftu.edu.br e José Flávio Pessoa de Barros (UERJ) – in memoriam. 2 Capítulo escrito tendo como base o TCC da teóloga Érica Ferreira da Cunha Jorge intitulado: “O embate entre Medicina e múltiplas artes de cura no Brasil – A inovação da Umbanda frente a esses saberes”, orientada por F. Rivas Neto. (JORGE, 2008).

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Nessa época os curandeiros, feiticeiros, mateiros, raizeiros e todas as classes sacerdotais existentes nas Religiões Afro-brasileiras já não atuavam isoladamente. Houve um processo de “aglutinação” dessas figuras pelos movimentos espirituais tais como a Umbanda em suas diversas Escolas3 , Culto de Nação Africana, entre outros4. Sendo assim, o fato dos curandeiros, raizeiros, benzedores, feiticeiros passarem a fazer parte desses movimentos por afinidades espirituais e socias, pelo modus operandi do exercício da cura, não os liberou das perseguições e restrições de manifestarem suas crenças. As religiões afro-brasileiras não os asseguravam seu exercício, até porque eram veementemente atacadas pelo governo getulista. Durante esse período, Getúlio Vargas promoveu grandes perseguições aos terreiros, uma vez que ele estava associado à religião cívica, ou seja, à Igreja Católica. Os terreiros das Religiões Afro-brasileiras passaram por uma das fases mais difíceis de sua história. Para que pudessem trabalhar, eram obrigados a se registrar nas delegacias e a efetuar o pagamento das chamadas “Taxas de Proteção”, que eram verdadeiras extorsões. Os que não se registravam, atuavam na clandestinidade, correndo o risco de serem surpreendidos pelas investidas policiais e estas fechavam literalmente os templos, não permitindo mais sua atuação. Um mesmo processo ocorrido períodos antes contra os terreiros por conta no início da institucionalização médica no país se repete agora no intuito de eliminar pessoas consideradas impróprias para a sociedade. Também é neste período que se acentua a distinção entre “alto” e “baixo espiritismo”, principalmente por outra classe social que ganha força; formada por antropólogos e so-

ciólogos, entre os quais destacamos Gilberto Freyre, Nina Rodrigues, Arthur Ramos, Edison Carneiro e René Ribeiro (lembrando que muitos deles eram também médicos). O transe, principalmente quando associado às diversas práticas curativas, passa a fazer parte do discurso que institucionaliza as ciências sociais que têm como objeto de pesquisa a religião. Esse tema, antes trabalhados pela medicina ganham status de “sociais” e “culturais”. O papel de Roger Bastide frente a isto é inquistionável. Como exemplo temos a sua proposição de uma psicologia das classes sociais utilizando dois argumentos centrais. O primeiro era a distinção entre as diversas práticas de espiritismo e o segundo fazia menção à natureza do transe. Para este capítulo do artigo, basta a análise do primeiro argumento em que ele divide o espiritismo de acordo com a interpretação que cada classe social lhe confiou. Assim, segundo ele teríamos: EspiritismoCiência: classes altas, elite; Espiritismo-Religioso: classes médias e brancas, caracterizado pelo moralismo e intelectualismo. Organizado em igrejas sobre a dogmática kardecista; e Espiritismo de Umbanda: classes pobres e negras. Religião ritualística e não organizada. Não fica difícil perceber pela exposição acima o porquê da exclusão dos rituais das Religiões Afro-brasileiras. A formação delas é muito mais ampla e complexa do que este conceito reducionista defendido pelos cientistas sociais da época que observavam a religião desde fora, sem ouvir o seu adepto. A Umbanda e as Religiões Afro-brasileiras se constituíram sim das classes marginalizadas de todos os tempos, pobres, negros, índios, imigrantes indo-europeus, excluídos sociais de diversos matizes que se juntaram e consolidaram uma

_________________________________________________ Neste contexto é importante incorporar à abordagem teológica o conceito de “Escolas” nas Religiões Afro-brasileiras trazido por F. Rivas Neto, na justa medida em que permite uma maior abertura para compreender este sistema religioso policêntrico. “Na Umbanda, pela diversidade dos seus adeptos, há também uma diversidade de ritos e de 3

formas de transmissão do conhecimento. A essas várias formas de entendimento e vivência da Umbanda denominamos escolas ou segmentos. As várias escolas correspondem a visões, umas voltadas mais aos aspectos míticos e outras mais voltadas à essência espiritual, abstrata. Embora não haja consenso quanto à ritualística, que são as várias formas de interpretar e manifestar a doutrina, a essência de todos é a mesma e todos são legitimamente denominados umbandistas”. (Rivas Neto 2003:459) A importante deixarmos claro que a Umbanda e as Religiões Afro-brasileiras não surgiram neste momento, mas sim de muito tempo e hoje já temos registros de pessoas que, em transe, atuavam com as mesmas características destas religiões tal e qual reconhecemos atualmente. 4

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realidade que não é mais a união de suas culturas, compõe-se de uma convergência, uma realidade que transcendeu, não centrada nas partes.

A assimetria do Sagrado nas Religiões Afro-brasileiras

“O Sagrado transcende as Religiões”

No estudo da sociologia aprendemos que a religião é uma instituição social. Das instituições é a única que não se baseia apenas em necessidades físicas do homem (cf. Durkheim, 1989). É um fenômeno social que é universal, pois pode ser encontrado em todas as sociedades. No Ocidente é problemático relacionar as religiões com o Sagrado, pois quando pensamos nas religiões, o senso comum e boa parte do senso crítico nos leva a pensar somente nas religiões abraâmicas ou religiões do livro (Tradição Escrita). Pode-se fazer uma crítica aos teólogos que ironizavam as concepções religiosas orientais e valorizavam as ocidentais. Apontam diretamente para as “três principais” religiões: Judaísmo, Cristianismo e Islamismo. As características fundamentais, o tripé ideológico em que se sustenta as religiões ocidentais seria: dogma, fé e tradição escrita. O dogma tem conceitos que são inquestionáveis, não se modificam, portanto imutáveis. A fé, o homem de fé é aquele que acredita, por ser temente a Deus (claro que não todos), a tradição escrita, torá (Judaísmo), bíblia (Cristianismo) e corão (Islamismo) valoriza-se sobremaneira o que foi escrito (palavra dos profetas) em detrimento da Tradição oral, fator decisivo nas Religiões Afro-brasileiras. É nevrálgica a comparação tradição oral e tradição escrita. Tem-se a tradição escrita como a revelação feita pelos profetas, portanto verdadeira, o que é justo teologicamente falando, mas onde fica a tradição oral? A desvalorização da tradição oral é assumida no discurso teológico quase que como premissa ao analisar as manifestações do sagrado, pois para muitos não há nexo em algo que não seja da tradição escrita, mesmo que esta seja uma interpretação do ensinamento oral. Outro fator que devemos levar em consideração é o projeto revelação, que é o ato de “fundar a verdade” a qual foi revelada a um pág.06

profeta. A mesma compreende o que revela (divino, espíritos, anjos, entre outros) e o que recebeu a revelação (profeta). A revelação e todo seu séquito de deduções é um processo inquestionável e imutável (estaticidade da tradição). Não se pode olvidar que sempre exista a interpretação dela, mas em última análise o que está escrito não pode ser modificado. É essencialmente exclusiva, portanto existe muita dificuldade para abrir espaço para outras verdades. Pois, como já dito e agora reiteradao, desde o momento que foi escrita, há uma definição para todo o sempre (imutável). Alguns cientistas sociais ou de outras disciplinas como Max Müller, num acinte ao respeito às diferenças, sentenciou que os maravilhosos aforismos do Vedanta Advaita (Vedanta monista) tão bem manifestos por Shankara, eram infantis se comparados com os fundamentos das religiões abraâmicas. Como qualificar suas afirmações? De etnocêntricas, de intolerantes ou preconceituosas? Deixamos a reflexão, todavia podemos entender melhor o porquê de muitos preconceituarem as Religiões Afro-brasileiras, calcadas felizmente na tradição oral. Pelos motivos aludidos podemos entender o porquê das Religiões Afro-brasileiras não serem codificadas, permitindo várias maneiras de interpretá-las e não apenas uma. Afinal, não existe processo de revelação. O transe aliado à tradição oral são chaves no processo de manifestação do Sagrado e construção de uma cultura religiosa viva. Daí o transe ser encarado nas Religiões Afro-brasileiras como estado superior de consciência. O homem do século XXI lê a bíblia escrita nos primeiros séculos do milênio passado, com pouca ou quase nenhuma mudança, gerando um verdadeiro congelamento histórico e espiritual. Esses fatos levaram a um constante conflito entre religião e ciência, pois as religiões abraâmicas, que não estamos criticando, apenas constatando, dizem estar com a verdade absoluta (imutabilidade) enquanto a ciência admite várias verdades, que se sucedem com o passar do tempo, o que achamos justíssimo, pois se tudo já foi revelado, como explicar as iniqüidades, desigualdades e violências várias na sociedade planetária? Constatando mais uma função do complexo


abraâmico, o salvacionismo, em que o prosélito é salvo, podemos questionar: por que é salvo? Salvo de que? “É salvo só por crer”. O processo salvacionista fundou e divulgou a dicotomia maniqueísta bem e mal. “Os que crêem são do bem”, os que não crêem são do mal.” O bem é seguir os dogmas, a verdade revelada que consegue neutralizar todo e qualquer mal. Os que são prosélitos de outros setores filosófico-religiosos são do mal, e portanto condenados ao inferno. Claro que neste processo, entre os ímpios e pagãos, incluem os adeptos das Religiões Afro-brasileiras e os de outras religiões não abraâmicas. Muitas denominações religiosas, por nós respeitadas, não aceitam ou permitem outra “verdade” que não a sua verdade, num total desrespeito às diferenças e a alteridade, algo que discordamos in totum. Como podem as religiões competirem entre si? E mais, fazer proselitismo negando, criticando outras religiões? Não entendemos o sagrado desta maneira, mas entendemos muito bem o porquê de tais distorções, que esbarram em aspectos mercadológicos, políticos e econômicos. Rudolf Otto teólogo luterano escreveu no século XIX, não obstante concordar com a tradição do livro (Pentateuco, Novo Testamento, Corão), escreveu que havia uma profunda distorção entre os métodos utilizados pelas religiões (racionais) e o sagrado (irracional). Na citação superficial de Otto percebemos que ele luziu de forma ímpar ao determinar que os métodos religiosos eram singulares, enquanto o sagrado era comum a todos os setores filosófico-religiosos, ponto de contato entre eles. Se tomarmos como verdadeiro sua assertiva somos levados a concluir que o sagrado foi interpretado por vários povos à sua maneira, fazendo surgir as várias religiões. O problema social surge quando cada grupo quis ser dono do sagrado, segundo sua visão, ou melhor, segundo suas “religiões”, e isto fomentou várias dissensões em todos os níveis, gerando violências várias, inclusive o morticínio patrocinado por várias “guerras santas”. O resumo que fizemos de alguns fatos insólitos e escabrosos das “religiões”, não do sagrado, foi trazido ao Brasil a partir do século XVI e

acentuado em vários séculos seguintes, inclusive o XX como escrevemos no capítulo anterior. Óbvio que não discutiremos quinhentos anos de religiões no Brasil, mas não podemos olvidar os motivos que os europeus liderados pelos portugueses (pois também estiveram espanhóis, franceses, holandeses e outros) vieram fazer no Brasil. Vieram aumentar suas divisas econômicas, suas riquezas, seus processos expansionistas que culminaram num desalmado colonialismo predatório em todos os níveis. Não discutiremos a história política e econômica da Terra de Santa Cruz, mas os efeitos que violaram por completo os direitos humanos e o respeito às diferenças culturais. Imagine se o europeu do século XVI iria respeitar culturas primitivas e pagãs? Claro que não. Iriam aculturar, os primitivos e nisto incluía-se catequizá-los. Pobres aborígenes brasileiros, que desde o século XVI até os dias atuais (século XXI) encontram-se sob o jugo das idiossincrasias dos civilizados, mas não menos ensandecidos por uma ganância política que não olvida seus famélicos desejos econômicos, mesmo que para isto o social seja descartado. Não demorou muito para vir ao Brasil a mão de obra escrava oriunda em primeira instância do Golfo da Guiné, onde muitos irmãos de pele escura perderam não somente a liberdade, mas a dignidade humana, algo que prevaleceu ou prevalece até os dias de hoje. Não bastou a farsa da libertação dos escravos, pois na realidade não se libertou ninguém, condenou-se sim, à pior de todas as prisões, a do abandono, do desprezo por suas vidas e, finalmente, pela total discriminação e exclusão social. Libertou-se para que sofressem mais, pois de que adianta libertar e depois aprisionar num sistema de total exclusão levando-os à miséria com a crueldade de deixá-los sucumbir de inanição em todos os níveis. Evocar esta lembrança é igualmente lembrar que a escravidão continua hoje, não só para os nossos irmãos negros, mas para muitos miseráveis e estes são brancos, negros, mestiços, índios, enfim a maioria da população que vive de forma subumana, o que é lamentável para um mundo de alta tecnologia e ciência avançada, mas que não consegue vencer a enorme desigualdade existente, onde muitos pág.07


não têm nada e poucos têm tudo. Quem nos lê poderão questionar que isto nada tem em comum com o tema religioso, pois isto que discutimos é uma incursão nos âmbitos social, político e econômico. É verdade! Mas será que podemos dissociar o Sagrado do cultural, social, político e econômico? Senão, vejamos porque no Brasil surgiram as Religiões Afro-brasileiras como forma de resistência a estes problemas de ordem social. Desde o encontro de indígenas brasileiros, europeus (indo-europeus) e africanos teve início o gérmen das Religiões Afro-brasileiras. Os indígenas sofreram influências substanciais dos europeus (principalmente católicos), o mesmo acontecendo com os africanos aportados no Brasil oriundos de diversos rincões africanos (grupos sudaneses e bantos). Estava delineada a formação do povo brasileiro com suas três matrizes formadoras: a indígena, a européia e a africana. Mas o povo brasileiro é um povo mestiço, pois é a convergência das três matrizes formadoras, portanto não mais ameríndio, europeu ou africano. É apenas brasileiro. É o ponto máximo de convergência, onde se mantém a essência das três matrizes formadoras, mas que desaparecem na forma, para dar lugar a uma nova matriz - a brasileira. No atinente às expressões religiosas seriam várias as fases formadoras das Religiões Afrobrasileiras, pois elas antes de alcançarem o ponto, a regra de ouro da convergência, de forma atraumática, passaram pelo processo de sincretismo, sendo este uma forma inteligente de atenuar a intransigência do colonizador e propiciar o diálogo com o mesmo. Há várias Religiões Afro-brasileiras como: Pajelança, Toré, Xambá, Babassuê, Terecô, Tambor de Mina, Jurema, Batuque, Xangôs, Candomblé de Caboclo, Omolocô, Umbanda Traçada, Umbanda Iniciática, Umbanda Mista, Umbanda de Mesa, Umbandaime, Umbanda Branca entre outras denominações. Neste artigo não nos ateremos ao mito fundante de cada religião afro-brasileira (se é que houve), nos ateremos ao fato de que todas têm em comum: tradição oral, rituais, transe (estado superior de consciência), culto aos ancestrais ilustres ou aos deuses (Orixás, Inquices ou Voduns), música (ilus, ngomas pág.08


ou tambores).

mudança.

A Umbanda, tida como religião de matriz brasileira (as outras também foram forjadas em solo brasileiro) sofreu influências das três matrizes formadoras (indígena, européia e africana), mas o nó górdio continua sendo seu mito de fundação, o que achamos dispensável, todavia se houve não pode ter sido pontual, é efeito de uma construção coletiva, e nunca individual. Também somos contrários aos que afirmam que a Umbanda surgiu na segunda ou terceira década do século XX, como uma religião essencialmente nacional, para seguir o nacionalismo getulista. Isto é algo que refutamos, pois nossas pesquisas nos fazem escrever que desde o século XIX tínhamos uma construção coletiva manifestada em Juca Rosa, no Rio de Janeiro, que já citava a “entidade espiritual” Tio Zuza e Pai Quibombo. Num segundo momento em Sorocaba, interior do estado de São Paulo, João de Camargo também fez cultos muito próximos do que na atualidade se conhece como de Umbanda (Pena Branca).

Outros autores no século passado afirmaram da inoperância dos medicamentos das Religiões Afro-brasileiras, denominando seus sacerdotes mais dignos de charlatães, os quais, não raras vezes, foram constrangidos, quando não detidos em penitenciárias públicas. Hoje, todavia, a própria medicina oficial acadêmica estuda em curso de pós-graduação, lato sensu ou stricto sensu a fitoterapia (que em verdade é o estudo das ervas consagradas pelos terreiros).

Como dito anteriormente nas Religiões Afrobrasileiras, incluímos a Umbanda, é fundamental a tradição oral. Logo, igualmente importante é analisar sua comunicação. Na atualidade, demos nossa contribuição às Religiões Afro-brasileiras quando afirmamos que a Umbanda é uma idéia que se expressa em várias linguagens, sendo todas elas importantes e de igual valor (cf. RIVAS NETO, 2011).

A perseguição não foi só acadêmica, portanto institucionalizada, onde alguns cientistas prestaram total desserviço à comunidade brasileira, quando começaram a discutir a religião como processo mercadológico (marketing religioso). Não procuraram entender o que na realidade sucedia. Só se interessaram em afirmar que havia uma migração de prosélitos das Religiões Afro-brasileiras para as igrejas evangélicas, especificamente as neopentecostais. Ao contrário da Umbanda e das Religiões Afro-brasileiras que não fazem proselitismo, as igrejas neopentecostais estão ávidas por prosélitos, e seu alvo são os adeptos das Religiões Afro-brasileiras. Afirmam aos prosélitos, que tudo lhes vai mal à vida, pois fizeram pacto com o demônio (Guias e Orixás). Os que acreditaram são exorcizados, afastandolhes os demônios.

Embora tenhamos fundado a Faculdade de Teologia Umbandista, autorizada pelo MEC, desde 2004, não pensamos para ela a lógica da tradição escrita.

Está claro que estas igrejas sobrevivem à custa dos demônios dos terreiros, caso contrário não sobreviveriam. Portanto, para eles é bom que tenham demônios, caso contrário...

Como já citado, por dentro das Religiões Afrobrasileiras tivemos a visão preconceituosa de Roger Bastide que cunhou o vocábulo umbandização, como algo deletério, como impureza. Tanto é verdade que qualquer culto que recebera influência da Umbanda, que para ele era impura (sincrética), o mesmo era classificado como sofredor do fenômeno umbandização. No mínimo, na atualidade, seria preconceito e forma de exclusão.

Por outro lado ao exorcizarem “nossos demônios” (que são responsáveis por todos os males do mundo, inclusive os políticos, sociais?!!) estão legitimando nossas entidades. Mas não são os que afirmam não acreditar nos espíritos? Também não são os políticos que pleiteiam cargos eletivos? Será que eleitos exorcizarão os demônios da desigualdade, da exclusão, da pobreza, ou isto também é devido aos “demônios” das Religiões Afrobrasileiras?

Para nós Umbandização é algo inovador, que refunde, renova os cultos. A maioria dos cultos já sofreu Umbandização, pois a tradição não é estática, é viva, portanto em constante

Não seria esse um dos motivos da ciência oficial acadêmica desdenhar das religiões? Não dialogar com elas? Felizmente com a fundação pág.09


da FTU - Faculdade de Teologia Umbandista, que é patrimônio das Religiões Afro-brasileiras, conseguimos esse diálogo, tanto que já protagonizamos três congressos, com o aval da academia (muitos acadêmicos de estofo foram palestrantes) e de sacerdotes de escol, que procuram o processo dialógico com vários setores da sociedade, inclusive com a ciência. No encerramento deste capítulo, afirmamos que a religião tem que dialogar com a ciência, suprimindo o conflito, buscando a interação a qual promove a convivência pacífica. Nosso pensamento é que o sagrado transcende as religiões, sendo portanto assimétrico. A assimetria do sagrado se deve ao fato das religiões vê-lo de várias maneiras diferentes, e isto permite a interação e a paz entre os homens. O transe ocupa nesta assimetria um papel fundamental. Nisso as Religiões Afro-brasileiras são os principais exemplos desta interação. Afirmamos, pois que todas as religiões são necessárias, mas são visões particularizadas do sagrado. Assim sendo toda religião é legítima, pois é uma forma de perceber o sagrado. Para nós o sagrado é uma forma de conhecimento que se manifesta na religião, na filosofia, na arte e na ciência. As mesmas diferem segundo nossa visão, o quanto possuem de abstratoconcreto ou inconsciente-consciente.

FTU – Primeira Instituição de Ensino Superior em Teologia afro-brasileira Há alguns anos os cursos de Teologia Livre que se enquadravam nos padrões do Ministério da Educação (MEC) foram autorizados e credenciados, portanto legalizados e legitimados a promoverem o ensino superior da Teologia. É importante que se saliente que antes de credenciamento e autorização pelo MEC todas as Teologias eram “livres”. Na atualidade há mais de uma centena de Faculdades de Teologia, com status de curso superior, portanto, com ensino de qualidade e conteúdos universitários. Não se pode ensinar Teologia só pelo que se sabe da Religião, que embora tenha nobilitante atividade, se dirige à crença, à fé e não ao estudo do fenômeno, seja ele sócio-cultural, antropológico ou de outras áreas do saber acadêmico, ou seja, do senso crítico. Senso crítico na religião é Teologia; por sua vez as crenças religiosas conpág.10

fessionais e às vezes passionais (não isentas) são relativas à religião, que respeitamos e achamos indispensáveis na vida do cidadão planetário interessado na manutenção homeostática do planeta e de sua sociedade. Pelos simples motivos de nossa alusão e não precisa mais do que isso, pois o conceito é muito simples, chegamos à conclusão que Teologia não é religião, nem ciência, mas sim a própria interface entre ambas. Sim, a Teologia em suas duas vertentes permite aproximá-las, e mais, o diálogo prolífico entre elas. Após esta ligeira explicação pode-se questionar como se dá o fenômeno. Diremos que o processo é muito simples, principalmente na FTU- Faculdade de Teologia Umbandista – Teologia com ênfase em Religiões afro-brasileiras, a primeira instituição de ensino superior do gênero autorizada e credenciada pelo MEC. O processo deve-se ao fato de a Teologia ter uma vertente na academia, no denominado saber religioso; a outra vertente na religião, nas crenças religiosas. Com posição privilegiada, pois se encontra na ciência e na religião, a Teologia promove, e isto é deveras importante, a decodificação e a tradução da ciência para a religião e viceversa. Com isso torna-se o instrumento, o processo e ferramenta que promove a interface entre ambas, ou seja, o diálogo, a reconciliação entre elas. Defendemos, segundo nossos pressupostos, que a Teologia é a própria interface, a ponte construída, permitindo o trânsito bidirecional. Esta é a intenção da FTU, de sua Teologia, promover o diálogo que dirima definitivamente o conflito entre ambas, na certeza dessa conciliação histórica e redentora, resultando em ganhos inestimáveis para a sociedade planetária nos níveis sociais, culturais, políticos, econômicos e, principalmente, espirituais, que mudarão os paradigmas que atravancam o surgimento de novos padrões civilizatórios, reunindo o homem e proporcionando a paz individual que se concretizará na tão almejada Paz Mundial. Nas linhas anteriores apontamos que credenciadas pelo MEC temos mais de uma centena de Faculdades de Teologia, sendo a FTU a única com ênfase em religiões afro-brasileiras, que representa um avanço inquestion-


ável para a consolidação da democracia e pelos aspectos isonômicos. Credenciar e reconhecer a FTU é uma sinalização efetiva na erradicação de preconceitos de séculos, como também permite a inclusão total, paradigma das Tradições afro-brasileiras. Alvissareiros são os tempos presentes que descortinam auspicioso destino a todos os brasileiros, a todos cidadãos planetários. Bem, após nossas considerações sobre a FTU e sua Teologia da Convergência (Religião e Ciência), não podemos olvidar as Teologias múltiplas, mas não há de se negar as Teologias: Sistemática, da Libertação, da Prosperidade e da Convergência, esta última preconizada pela FTU. Sabendo-se dos reais motivos da Teologia propugnada pela FTU, precisamos demonstrar alguns temas nevrálgicos, de muito conflito entre ciência e religião que é a criação do universo e do homem, visto que a ciência tem uma visão diversa da grande maioria das crenças religiosas. Afinal, quem está com a razão, a ciência ou a religião? As duas, segundo seus pressupostos estão cobertas de razão e certezas. Poderíamos questionar que muitas religiões são criacionistas, fixistas, misóginas, homofóbicas, portanto em total desalinho com os tempos pós-modernos. Achamos justo que cada religião defenda seus conceitos, que por nós são respeitadíssimos. Por nossa vez, iremos demonstrar, na medida do possível, que não há conflito entre as crenças das religiões afro-brasileiras e as ciências várias, mas para isto ser plausível é necessário decodificarmos e traduzirmos nossa linguagem (semiótica), epistemologia (conhecimento) e aspectos inerentes ao Ser (ontologia) para a linguagem das ciências. Felizmente temos como decodificar e traduzir sem danos ou embargos para ambas. É por isso que estamos aproximando as “várias Escolas Umbandistas ou das Religiões Afro-Brasileiras”, principalmente no templo conduzido por F. Rivas Neto, onde ele na teoria e na prática os fundamentos das várias Escolas, pois fora iniciado em muitas delas. O motivo de utilizar o transe em suas várias facetas das Escolas das Religiões Afro-brasileiras se deve ao fato de interfacear pacifica-

mente o diálogo intrarreligioso em primeira instãncia, sem criar novas Entidades Espirituais ou Ancestrais Divinos, enfim, sem ferir os fundamentos ou cânones teológicos das Religiões Afro-Brasileiras. Esta foi a condição fundamental, sine qua non, que legitimou, a fundação da FTU, pois os futuros teólogos poderiam ter um conhecimento global da Tradição do Orixá manifesto em todas as Escolas das Religiões AfroBrasileiras na teoria e na prática. No que concerne à Academia procura-se dar aos futuros teólogos formados pela FTU: (1) Ensino de excelência, de máxima qualidade, com professores gabaritados e titulados nas diversas disciplinas (sociologia, filosofia, hermenêutica, ontologia, lógica, antropologia religiosa, psicologia, biologia humana, filosofia do direito, estudo das religiões orientais e ocidentais, entre outras). (2) Pesquisa de ponta – desde o início do curso o futuro teólogo toma contato com as linhas de pesquisa que nortearão sua vida, seja acadêmica (especialização, mestrado e doutorado) ou religiosa. (3) Aproximar o Saber Acadêmico com o Saber Popular Tradicional passando pelo Saber Religioso – é o Ensino Superior transcendendo as paredes acadêmicas pervadindo, chegando a toda a sociedade. Na FTU, o estudo sistemático das Religiões Afro-Brasileiras são ministradas na teoria e na prática com total isenção, pois a maioria (ou quase todas) são discutidas e vivenciadas nos bancos acadêmicos da FTU e nos Templos ou laboratórios (segundo o MEC): (a) Templo das Religiões Afro-Brasileiras na Av. Santa Catarina, 414. (b) Templo das Tradições Afro-Ameríndias na Rua Chebl Massud, 157. (c) Centro de Cultura Viva das Tradições Afro-Brasileiras - cultos: Tradição do Orixá, Candomblé de Caboclo, Umbanda Traçada, Umbanda Mista, Umbanda Cristã, Umbanda Oriental, Umbanda Esotérica, Umbanda Omolocô, Tradição Exu/Elegbará/Bombonjila, Kimbanda, Jurema, Pajelança, Tradição Orunmilá/Ossaim/Exu, entre outras. pág.11


(d) Vários templos em suas diversas expressões em todas as regiões brasileiras. O diálogo intrarreligioso, da convivência pacífica com vários sacerdotes de várias escolas

Conclusão

excluídos nas Religiões Afro-brasileiras. E o que antes era uma dicotomia entre cultura de centro e cultura de periferia, na religião em primeira instância e em todos os setores de forma gradativa, permite se transformar em cultura de todos, sem privilegiados ou excluídos.

Ao percorrer rapidamente a história do Brasil, foi possível observar o processo preconceituoso, para não afirmar criminoso, que sofreu as Religiões Afro-brasileiras principalmente no seu elemento essencial que é o transe. A partir disto abordamos de forma transdisciplinar os impactos na sociedade e a construção de dicotomias dos aspectos mais abstratos aos mais concretos criadas pelas religiões tradicionais e apropriações modernistas de religiões mais recentes.

Bibliografia

Uma destas dicotomias foi posicionar de um lado uma minoria de “privilegiados” como cultura de centro e do outro, permitam-nos a redundância, uma enorme e avassaladora maioria como cultura de periferia. Claro está que as Religiões Afro-brasileiras foram e infelizmente ainda são taxadas como cultura de periferia, ou seja, estariam excluídas do centro irradiador de poder e decisão da nossa sociedade.

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Afirmamos estariam, pois elas de fato ganharam mobilidade social. Com o advento da FTU (Faculdade de Teologia Umbandista), primeira instituição de ensino superior confessional das Religiões Afro-brasileiras para formar bacharéis em teologia com mesma ênfase, ocupamos um espaço importante neste centro de poder. Não foi um processo de inclusão superficial, pois a porta de entrada foi a Educação e, uma vez nela, a Teologia. Interessante que neste processo de inclusão a FTU não surgiu para criar uma linguagem própria, ou reproduzir a lógica da tradição escrita vigente na teologia cristã, algo como reinventar um etnocentrismo das Religiões Afro-brasileiras. Pelo contrário, ela nasceu e se desenvolve para dar condições do adepto religião afro-brasileira e aos acadêmics interessados neste objeto de pesquisa compreender a cosmovisão do crente respeitando a diversidade inerente e igualmente importante para as Religiões Afro-brasileiras neste centro de poder. Sendo assim, oscilando entre a periferia e o centro, a FTU carrega para o centro todos os pág.12

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Teologia com ênfase nas Religiões Afro-brasileiras: Sua construção epistemológica e interação na esfera pública¹

João Luiz Carneiro (FTU e PUC-SP) Maria Elise Rivas (FTU e PUC-SP)

Introdução Foram horas gastas pensando em como começar este artigo. Qual a melhor forma de abordagem da tradição oral? Talvez pela discussão do processo hermenêutico, utilizando Gadamer (GADAMER, 1997) e sua descrição da hermenêutica como um processo ativo e criativo. Buscando recuperar a figura do intérprete e sua atuação, que não deixa de considerar as particularidades da história de cada individuo no processo de interpretação. Este mesmo processo que por sua vez, é influenciado pelo compartilhamento histórico social das experiências similares da sua sociedade. Também pensamos em Weber (WEBER, 2007) como uma ótima referência para abordarmos a diferenciação das esferas de valores, a racionalização da ação e o desencantamento das concepções do mundo tradicional, mas

logo nos lembramos de como foi criticado por ser sua teoria de difícil comprovação. Como falar em Teologia das religiões afrobrasileiras, de tradição oral, sem referendar a vivência concreta de muitos praticantes? A tradição oral se realiza na vivência, no ato vivo da construção por meio da experiência. Foi então que pensamos em Rivas Neto (RIVAS NETO, 2010a) como uma referência ícone que faz a prática, realiza a experiência, mas também cria um espaço de encontro em prática vivenciada e um meio discursivo para melhor compreensão da mesma, a Faculdade de Teologia Umbandista. Um espaço público que viabiliza uma visão crítica deste processo e, mais, atrai ao centro da “cultura” acadêmica, uma cultura preconceituada de periférica.

_________________________________________________ 1 Autores: João Luiz Carneiro (FTU e PUC-SP), joaocarneiro@ftu.edu.br; Maria Elise Rivas (FTU e PUC-SP), m.e.rivas@ftu.edu.br

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A criação deste espaço público nos remete a Canevacci, quando questiona o conceito entrópico de centro (westernalization) dos processos culturais e enfatiza a existência de “modelos de mais interfaces, que, seleciona, modifica e recombina não apenas as denomi-

a formação do espaço público, bem como a analise do modelo burguês como uma espécie de idealização em franca marcha histórica, não podemos deixar de analisar, que os movimentos politizantes entre os séculos XVII e XIX conseguiram importantes conquistas, mas também reiteraram a exclusão ou mesmo negligenciaram, outras formas de discurso e atividades públicas que não utilizavam a escrita. A burguesia formadora do “novo” campo político reproduzia a “refeudalização” apenas trocando classes: sai do domínio aristocrático para o domínio econômico.

VACCI, 2005, p.21)

A burguesia que investia em poder de comunicação impressa desconsiderava outras formas de transmissão de conhecimento.

O lugar da Tradição Oral nas Religiões Afrobrasileiras e no campo teológico

nadas “periferias”, mas também o “âmago do centro”. Desse modo coloca-se em discussão a própria noção eurocêntrica de “centro” versus “periferia”, que não tem um valor taxonômico (ético-político) absoluto.” (CANEEsta questão abordada por Canevacci nos remete a “localização” social da oralidade e escrita. Qualificando a escrita como cultura de centro e a oralidade como cultura de periferia promovendo um embate entre a tradição oral e escrita, dando um caráter evolucionista a esta questão. Bem retratado por Strauss, como um “processo sedutor, mas perigosa-

mente cômodo, de apresentação de fatos” (LÉVI-STRAUSS, 2006, p.22)

Foi quando Habermas nos chama para a realidade e lembra da importância crucial da imprensa periódica no século XVII e ao longo do século XVIII. Rememorando os jornais críticos e os seminários morais, que a priori tinham a preocupação com questões culturais e literárias, mas logo ganham importância no campo social e político. O que utilizaremos do discurso de Habermas, neste primeiro momento do artigo, é o fato de como estes periódicos vieram a compor o cotidiano da vida ocidental e implementaram, com início mais vigoroso na Inglaterra, a discussão crítica da sociedade e da política, até o momento de criar um impacto sobre as formas institucionais dos Estados modernos e a consequente formação dos Estados ocidentais com a influência da burguesia (HABERMAS, 2003a). Destacaremos do pensamento de Habermas, sucintamente abordado, três questões: a burguesia como força propulsora de movimento de transformação, a importância política e social da imprensa e a influência da mesma para a formação dos Estados ocidentais. Embora Habermas tenha contribuído e muito estudando a importância da imprensa e pág.16

E. P. Thompson (Thompson, 2005) aborda em suas obras os plebeus, que não faziam parte da burguesia, e constata a importância de movimentos oriundos da cultura popular plebeia e suas ações no campo político, social e religioso. Os movimentos desenvolvidos pelos povos agrafos da Europa se tornavam alvo da burguesia, que ao mesmo tempo se levantava contra o poder real na tentativa de uma nova forma de governo, mas massacrava, senão de forma idêntica ao poder monárquico, mas de maneira similar, os movimentos populares. Traçando um convívio de conflitos e desencontros entre burgueses e comunidades populares. Ao abordarmos estas questões observamos que o espaço político, social e religioso ficou acentuadamente sob a égide daquilo que podia ser impresso, as outras formas de comunicação e saberes, embora continuassem presentes na sociedade, eram excluídas por não serem “oficiais”. Na breve incursão sobre o século XVII pudemos observar um avanço tecnológico na produção gráfica, mas não podemos desconsiderar que esta tecnologia é recente na história da humanidade. A história da comunicação humana tem sido da combinação de sistemas de comunicação e não de simples passagem de um sistema para outro. O homem desenvolveu a escrita há 5 mil anos e nem por isso deixou de falar. A escrita surgiu em vários locais do planeta e em povos diferentes, como chineses, maias e


sumérios (DEFLEUR e BALL-ROKEACH, 1993). O que demonstra que a escrita não é capaz de ser ela legitimadora de uma cultura como “melhor”, caso contrário os maias estariam certamente neste “topo” cultural por ser uma das escritas mais antigas do mundo. O que observamos e desejamos apresentar neste artigo não é um confronto entre métodos oral ou escrito, mas perceber o que ocorre entre culturas em uma relação de poder. Tal qual observamos no movimento da burguesia do século XVII, a legitimação de um sistema sobre o outro. A desconstrução de um espaço social. Tradição oral? Não se trata de falta de habilidade ou tecnologia, mas sim, de um método. Podem nos perguntar como acreditar em algo que é transmitido pela fala? Responderíamos com outra pergunta: como acreditar em algo que é transmitido pela escrita? Nos dois casos o produtor será sempre um ser humano. O ser humano que fala é tão capaz e legitimo quanto o que escreve. A fala antecedeu qualquer meio de comunicação. As técnicas que empregamos para nos comunicar com os outros são as mesmas que nos comunicamos conosco, intimamente. As regras de pensamento correspondem às regras de conversação. O homem que pensa bem fala bem.

sistema ocidental, e por meio da escrita contribuíram com a Teologia, instrumento valioso na discussão da tradição oral neste momento histórico. Porém a Teologia nem sempre teve este viés, de estudo da religião, pois sua origem se deu entre os gregos um povo sabidamente politeísta, que buscava uma compreensão do mundo grego por meio da Teologia política, filosófica e física . Não apresentava o caráter de estudo sistematizado de Deus ou da religião especificamente, como é aplicada pela Teologia cristã atual. A reelaboração da Teologia ocorreu com Tomás de Aquino e ganha o status de disciplina após o tomismo (LACOSTE, 2004). É quanto disciplina que ela nos será instrumento imprescindível para abordarmos a epistemologia das religiões de tradição oral. É por meio da Teologia que levantaremos alguns pontos necessários para que venhamos a entender o método da oralidade, cuja proposta só é possível ser compreendida se abdicarmos de alguns fatores intrínsecos às religiões ocidentais. O primeiro deles é a ideia de mediação por algo escrito e o segundo a desconstrução da ideia de tempo.

A tradição oral das religiões afro-brasileiras, não “inspira” confiança no povo ocidental, não pelo fato de ser falada, mas por ser um método que está fora do status quo. Isto se faz presente num adágio popular que diz: “o que ele fala não se escreve”. Desacreditando o método.

Precisamos entender que a visão cartesiana do mundo não cabe na tradição oral, pois a última concebe o homem, segundo Rivas Neto, como um ser espiritual biopsicossocial (RIVAS NETO, 2010b). Não há dissociação do homem com ele mesmo, com a humanidade, com a natureza e com o Orixá. Está relação é de interdependência. O ser humano está inserido em um sistema de rede que percorre num continuun o natural e sobrenatural. Não existem as questões “geográficas” de estar próximo ou longe, mas de estar.

Compreender o método da tradição oral, das religiões afro-brasileiras, requer uma reformulação de pontos fundamentais presentes no ocidente. A sociedade moderna tem sua referência histórica nas religiões abraâmicas, que preconizam a tradição escrita, pela qual temos profundo respeito e sabemos ser o norte de milhões de pessoas no planeta.

Por isso é vital na transmissão oral a experiência vivenciada, a vivência concreta. Estar vivendo, pois se trata do ato vivo da construção da história pessoal que se entrelaça com a história de sua comunidade terreiro, com a natureza e com os Orixás. Restituir meu equilíbrio é restituir o equilíbrio em sistema de teia.

As religiões abraâmicas com base no método escrito estão profundamente imbricadas ao

Para a comunidade-terreiro vida e palavra não são dissociadas. A palavra é a própria

_________________________________________________ 2 O termo teologia aparece pela primeira vez na República de Platão. Aristóteles também usa o mesmo termo para indicar a metafísica e a esta ciência chamou de “filosofia primeira”, as principais referências se encontram em Metafísica, especialmente nos livros Lambda (XII), E e VI.

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expressão do Axé quanto princípio de realização, ou seja, o ato de dar vida. A palavra não é apenas o ato de comunicar-se. Para a tradição oral o que permite a ligação entre o natural e o sobrenatural é a palavra dita. É ela que dá “forma” ao transcendente e ela que transcende o imanente. A palavra dita é como o universo em constante movimento. A oralidade, em seus aspectos epistemológicos, requer uma experiência que envolva um processo dialético, ou melhor, uma lógica dialética3 , pois há interação e reciprocidade. No caminho desta interação o que é imanente e transcendente caminham como faces de uma mesma moeda. Ora um lado em evidência, ora outro lado, mas jamais separados, afinal são consideradas a mesma realidade em estados diferentes, atemporal e temporal. Por isto nas religiões de tradição oral, especificamente as Religiões Afro-brasileiras, os processos de transmissão sempre ocorrerão equalizando aquilo que é consciente e inconsciente no iniciando, que analogicamente são como a moeda citada acima. Busca-se a união do vivido, da experiência pessoal (inconsciente individual) com a memória ancestral (inconsciente coletivo). Quando falamos de memória ancestral nos referimos à memória mítica envolta no movimento infinito. O tempo é construído a cada história e partilhado o que permite uma história comum, se transformar em uma experiência coletiva, de forma concomitante partilhado com o Orixá. O tempo é multirreferencial, assim como as experiências individuais e das coletividades. Cada história começa e desenvolve dentro de seu contexto, de seu “tempo”, seja individual ou das comunidades terreiros, choças, choupanas, ilês, entre outros nomes oferecidos aos templos das Religiões Afro-brasileiras. Ao observarmos a questão “tempo”, veremos que ela é fundamental para construção dos dois métodos: oral e escrito. Sendo que o tempo na tradição escrita é linear e tem um marco inicial. Nas religiões de tradição oral o tempo é circular e não tem a concepção de passado, presente e futuro de modo linear e sequencial. Ele não começa e não termina. O tempo é cíclico e seu “início”, se é que existe, está no tempo mítico e nem mesmo caminha para seu fim.

A circularidade do tempo é complexa para um pensamento racionalmente construído e sedimentado de forma linear. Sendo assim, para que fique mais claro, usaremos o exemplo das estações, que são cíclicas ou circulares. Temos a primavera, verão, outono e inverno e estes ciclos da natureza sempre se repetem, o que possibilita marcar o tempo pelas estações, que estão diretamente ligadas ao poder volitivo dos Orixás. Desta maneira, poderemos observar o que levou antropólogos como José Flávio Pessoa de Barros (PESSOA DE BARROS, 1993) a denominar as religiões afro-brasileiras como religiões da natureza, pois elas seguem a circularidade dos processos naturais. Também Goody denominou este processo de tempo natural, ao qual existem religiões vinculadas. Goody em sua obra “The interface between the Written and the Oral” defende que a ideia de construção do tempo e espaço em vigor no ocidente é resultado da elaboração espaçotemporal estabelecida pelas tradições judaico-cristãs. (GOODY, 1987). Esta construção do tempo foi trazida pelo mito de origem das tradições judaico-cristãs, transmitida pelas Escrituras, que se torna a mediadora, que dá a referência espaço-temporal aos fiéis. Na referência mediada pela Escritura, se constrói o tempo segundo seus próprios bens simbólicos, ou seja, Ela é capaz de construir sua própria referencialidade de tempo, promovendo um controle do mesmo. Pessoas de lugares, línguas e tempos diferentes dividem o mesmo conteúdo simbólico implícito no tempo histórico. Transforma-se em uma organização social de poder simbólico capaz de gerar novas relações sociais e novas maneiras de relacionamento do indivíduo consigo mesmo e com o outro á partir de um único ponto, a tradição escrita. Neste universo no qual estamos inseridos, como compreender uma religião que não tem um marco de origem? Que não tem uma referência central? Que não se baseia em um tempo comum? Em suma, não tem um mito de fundação ou um fundador. O modus operandi das religiões afro-brasilei-

_________________________________________________ 3 Não estamos nos referindo à teologia dialética de Karl Barth

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ras rompe com a ideia de uma construção pontual no tempo e com um marco único de origem. As religiões afro-brasileiras considerando sua formação multicultural e o surgimento descentralizado das diversas escolas4 pelo Brasil desenvolveu uma característica policêntrica. Para que possamos melhor compreender a característica policêntrica será necessário que discorramos sobre o conceito escola desenvolvido por F. Rivas Neto, sacerdote e fundador da Faculdade de Teologia Umbandista (FTU). Ele se preocupou em esclarecer a diversidade das religiões afro-brasileiras e define que as escolas são as várias formas de transmissão calcadas em epistemologia, método e ética próprios. Apresentam uma multiplicidade de ritos e formas de transmissão do conhecimento5. As escolas por sua vez são o resultado da confluência das três matrizes: indo-europeia, africana e americana na formação do Brasil. Devemos considerar que nosso país possui extensão territorial vasta e recebeu em diferentes proporções as etnias destas três matrizes, em locais e épocas distintas, o que veio a configurar características muito específicas para cada região do país. Esta formação policêntrica acarretou uma pulverização do poder o que viabilizou e viabiliza que cada escola tenha construído e continue a construir sua epistemologia. A construção epistemológica ocorre segundo a reorganização e ressignificação dos bens simbólicos e saberes que cada região ou grupo foi exposto, considerando elementos rito-litúrgicos (espirituais), culturais, sociais, políticos e até mesmo econômicos. As escolas das religiões afro-brasileiras surgiram em épocas e lugares distintos, com pessoas distintas. Assim, não há característica epistemológica homogeneizadora, no que pese possuírem bases comuns como o transe, música, dança, entre outros.

F. Rivas Neto propõe um diagrama da interação assimétrica destas matrizes e, remete a uma influência múltipla num jogo de combinações específicas. Estas combinações específicas do conhecimento transmitido por estas matrizes culminaram em escolas mais influenciadas, por exemplo, pelo saber europeu cristão, outras pelo indígena e uma terceiro pelo banto. Como escolas podemos citar a umbanda branca, umbanda omolocô, pajelança, candomblé angola, jurema (catimbó) e a encantaria (RIVAS NETO, 2011a, p. 357). Nestas escolas veremos uma maior ou menor influência das três matrizes, mas encontraremos a presença de elementos ligados a todas elas nos ritos de fundamentos, porém, observaremos a forte influência indígena e banto. (RIVAS NETO, 2011a, p. 353). Assim, observamos, por exemplo, a influência jêje-nago na formação do candomblé, tambor de mina, xangô do nordeste e batuque no sul. Nestas escolas encontramos, além dos elementos jejê-nagô, a influência católica em menor proporção. Os ritos de fundamento estão assentados na cultura jêje-nagô. O que é uma aparente desorganização para a mente cartesiana, para as religiões afrobrasileiras é a unidade na diversidade. Não há um comprometimento da liberdade da construção epistemológica ou metodológica. Podemos entender este processo como diz Bourdieu, como sendo um “sistema de rede” (BOURDIEU, 2010). As religiões afro-brasileiras apresentam uma fluidez das identidades das diversas escolas que a compõe. Podemos dizer que são instâncias abertas, ou melhor, processos contínuos de produção de significados e práticas de narração. Não negamos há existência de vertentes de pensamento que legitimavam e continuam tentando legitimar uma concepção essencialista da religião (OTTO, 1985), ou seja, que haveria uma essência pertinente a religião, uma identidade que caracteriza a transmissão

_________________________________________________ 4 O conceito de Escolas das Religiões Afro-brasileiras foi desenvolvido por F. Rivas Neto. O autor sustenta, por exemplo, que na Umbanda: “(...) pela diversidade dos seus adeptos, há também uma diversidade de ritos e de formas de transmissão do conhecimento. A essas várias formas de entendimento e vivência da Umbanda denominamos escolas ou segmentos. (...) As várias escolas correspondem a visões, umas voltadas mais aos aspectos míticos e outras mais voltadas à essência espiritual, abstrata. Embora não haja consenso quanto à ritualística, que são várias formas de interpretar e manifestar a doutrina, a essência de todos é a mesma e todos são legitimamente denominados umbandistas”. (RIVAS NETO, 2003, p. 459-460) 5 Alguns destes ritos são conhecidos como ritos de fundamentos e funcionam como transmissores importantes da tradição oral nas Religiões Afro-brasileiras

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epistemológica homogênea. Fato este que nos conduz a métodos legítimos e métodos não tão legítimos. “As tradições e as afirmações essencialistas estariam no âmbito do como buscar a normatização, a lei e a ordem. Seriam subsídios, para as definições de fronteiras simbólicas. Fronteiras que definem quem ou o que é incluído e quem ou o que é excluído” (Corrêa, 2006, p. 210). O que não vemos ocorrer nas religiões afro-brasileiras. Observamos sim, porias entre uma e outra escola inclusive em processos de identificação, mas não uma práxis estabelecida e nem uma conduta epistemológica sistematizada. A epistemologia das religiões afro-brasileiras tem uma ampla gama de significados, por meio da linguagem polissêmica, mas todas têm seu alicerce em três instâncias: o natural constituído na natureza, incluindo a humana; o social, que se estabelece na comunidade terreiro e na comunidade planetária; e a terceira, o sobrenatural. A tradição oral, que é uma característica que perpassa todas as escolas como meio do método de transmissão, tem como base as três instâncias acima citadas e permite que cada grupo construa mediante suas características específicas, a ressignificação da cosmovisão, a releitura que melhor atenda aquela coletividade. Não imputa uma única forma de conhecimento. A transmissão oral sempre considera o indivíduo, a coletividade onde está inserido e sua relação com o Orixá e tem como base para a conexão destas realidades os ritos de fundamento. Se retomássemos Weber poderíamos fazer uma analogia entre a epistemologia das religiões de tradição oral e as esferas de valores, pois só assim, poderíamos compreender a diversidade epistemológica das religiões afrobrasileiras. Ainda na busca de meios para que pudéssemos melhor compreender este processo de transmissão oral e os ritos de fundamento, retomaríamos Gadamer, na expectativa de recuperarmos a figura do intérprete e sua atuação, ou seja, é necessário que aquele que está envolvido na vivência concretizada tenha voz e espaço social para dar sua interpretação. Só assim, no olhar do praticante, será possível entender a construção epistemológica, pág.20

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que envolve o indivíduo, a coletividade e sua relação com o Orixá inserido no contexto de diversidade das religiões afro-brasileiras6. É por este motivo que optamos por F. Rivas Neto que é um notório praticante das religiões afro-brasileiras e abre um espaço para discussão do saber da mesma sob a ótica da Teologia. Recupera a ideia de diversidade de pensamentos como algo natural ao homem e por isso está presente na religião. Este autor retoma a construção epistemológica das religiões afro-brasileiras e seu caráter polissistemático que se realiza na base da vivência concreta (saber-fazer) da passagem do conhecimento. Aborda a epistemologia por meio de uma lógica dialética, de interação e reciprocidade entre imanência e transcendência, representadas pelos sacerdotes, indivíduos, coletividade e os Orixás. Sendo a transmissão um princípio de vivência concreta que pode se alcançado pelos ritos de fundamento, mas também em ritos de transe e na vivência diária do templo, choça, choupana ou terreiro. Como exemplo, utilizaremos um rito de fundamento descrito por F. Rivas Neto (RIVAS NETO, 2011b) e que foi desdobrado sob o olhar teológico. Isto denota, na prática, a possibilidade de conhecimento religioso a partir da Tradição Oral conforme pode ser apreciado no anexo 1.

O cidadão religioso afro-brasileiro na esfera pública por meio da Faculdade de Teologia Umbandista Comentamos brevemente no item anterior sobre a gênese do espaço público e respectivas implicações. Ainda em Habermas, gostaríamos de retomar esta discussão trazendo elementos que o compõe idealmente antes de evocar o argumento central deste artigo. A estrutura de esfera pública em seu contexto histórico emerge com uma série de dificuldades para conciliar interesses tão diversos. Porém, a esfera pública não possui a função de resolver os problemas entre cidadãos, mas sim receber estes embates mobilizados pelos atores sociais que em última análise são os verdadeiros responsáveis pelos sucessos e

insucessos que empreitada dialógica impõe. “Habermas trata a esfera pública como uma estrutura comunicacional que está firmada, estruturada no mundo da vida por meio da sociedade civil. Este espaço público político é ainda descrito como uma espécie de caixa onde reverbera os problemas a serem elaborados pelo sistema político encontrando aí uma repercussão”. (CARNEIRO, 2010, p. 48) Para o próprio Habermas, “esfera” ou “espaço público” é como um “fenômeno social elementar, do mesmo modo que a ação, o ator, o grupo ou a coletividade” (HABERMAS, 2003b, p. 91). Cabe ressaltarmos também que o espaço público não é a qualquer custo imposto entre os conceitos tradicionais desenvolvidos com o intuito de estabelecer uma ordem social. A esfera pública não é uma organização institucionalizada, tão pouco é detentora de uma estrutura normativa que separará responsabilidades e competências. A esfera pública constitui uma estrutura de comunicação do agir tendo como finalidade o entendimento. Mais do que isso, se relaciona com o espaço social gerado no mesmo agir comunicativo, porém sem as funções e conteúdos comunicacionais cotidianos. Quem participa da ação comunicativa está de frente com fatos onde os próprios atores auxiliam nesta criação por meio das interpretações negociadas com argumentos que levam em consideração posturas cooperativas. Esta postura é diferente dos atores que estão orientados ao sucesso, posicionadas em um ângulo egoísta, e que buscam observarem-se ao mesmo tempo como algo que aparece no mundo objetivo. O espaço onde se desenvolvem situações de fala é inaugurado por meio das relações interpessoais que surgem no exato momento em que participantes de uma comunicação tomam posição sobre a fala do outro, assumindo as obrigações ilocucionárias. Habermas esclarece que estes encontros são intersubjetivos de fato, dito de outra forma, não é um “outro imaginário” e não se limita a contatos de observação mútua, mas “se alimenta da liberdade comunicativa que uns concedem aos outros (onde) movimenta-se num espaço público, constituído através da linguagem” (HABERMAS, 2003b, p.93). Esta liberdade

_________________________________________________ 6 Não estamos preocupados em opor a construção epistemológica insider versus outsider, pelo contrário, buscamos uma convergência destes olhares.

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comunicativa é a capacidade que o Outro tem de dizer sim/não por suas próprias forças, sem imposições ideológicas ou coercitivas. A priori está aberto para potenciais parceiros que lançam mão do diálogo e que estejam presentes ou que poderiam se aproximar para participar deste processo. Esta característica abre novas perspectivas para o problema entre o cidadão religioso e o secular. Tanto é forte esta característica que, para impedir o acesso de terceiros a esse espaço com ações que vão de encontro a esta proposta, impõese medidas específicas7. A estrutura da esfera pública pode ser contornada de uma maneira abstrata e perene construída por encontros simples e pontuais, fundamentada no agir comunicativo; potencialmente expansíveis a um grande público presente: “Existem metáforas arquitetônicas para caracterizar a infraestrutura de tais reuniões, organizações, espetáculos, etc.: empregam-se geralmente os termos “foros”, “palcos”, “arenas”, etc. Além disso, as esferas públicas ainda estão muito ligadas aos espaços concretos de um público presente” (HABERMAS, 2003b, p.93). Quanto mais afastados da presença física dos participantes8, tanto mais clara é a abstração que acompanha a passagem da estrutura espacial das interações simples para uma ampliação consubstanciada na esfera pública. As estruturas comunicacionais nesta generalização reúnem conteúdos e tomadas de posição sem a preocupação de estarem arraigados em contextos densos das interações simples de determinados indivíduos e elementos relevantes para a decisão. Igualmente não pode ser olvidado que a generalização do contexto, a inclusão, entre outros, exige um grau maior de explicação sem fazer uso exclusivo de códigos específicos, linguagens especializadas comum nos sistemas. A orientação leiga9 requer sempre certa indiferenciação, uma “não-especialização”, ao passo que a separação entre as opiniões estabelecidas intersubjetivamente e as obrigações concretas da ação rumam a uma “intelectualização”. Os processos de formação da opinião, por serem questões de ordem

prática, sempre acompanham a mudança de preferências e de ênfase dos participantes. Porém, podem ser dissociados da tradução destas mesmas ênfases em ações. Em suma, para Habermas, as estruturas comunicacionais da esfera pública desoneram o público da tarefa de tomar decisões; as decisões exigidas continuam reservadas às instituições que tomam as medidas cabíveis. A esfera pública, de fato, não tem a obrigação de garantir a realização das decisões estimuladas pelos participantes da mesma. Afinal, não se trata de um movimento ou instituição organizada. Todavia, se não houver mecanismos de garantia da realização do que foi estabelecido pelo melhor argumento e consentimento de todos os potenciais participantes da discussão na esfera pública a existência desta perderia o sentido, pois os sujeitos orientados pelo entendimento não terão condições de estabelecer novas posições baseando-se na experiência de suas decisões anteriores que não foram realizadas a cabo. “Na esfera pública, as manifestações são escolhidas de acordo com temas e tomadas de posição pró ou contra; as informações e argumentos são elaborados na forma de opiniões focalizadas. Tais opiniões enfeixadas são transformadas em opinião pública através do modo como surgem e através do amplo assentimento de que “gozam”” (HABERMAS, 2003b, p.94). Uma opinião pública, para Habermas, não é representativa em sentido fechado, estanque. Ela não constitui uma mistura aleatória de opiniões individuais pesquisadas individualmente ou manifestadas no espaço privado. Ela não é também pesquisa de opinião. Como Habermas também explica, a pesquisa da opinião política pode fornecer certa tendência da “opinião pública”, mas não se trata da mesma ideia (HABERMAS, 2003b, p.94). Em processos de comunicação não se é trabalhado a difusão de conteúdos e tomadas de posição definitivas por meios de transmissão efetivos, apesar de que a ampla circulação de mensagens compreensíveis suficientemente capazes de chamar a atenção do maior número de pessoas (compreensibilidade geral) assegura a inclusão dos participantes. No entanto, as regras de

_________________________________________________ 7 Não Por meio de direcionamentos legais, éticos, morais, entre outros. 8 Integrando também, por exemplo, a presença de diversos interessados em lugares distantes, de ouvintes ou até mesmo espectadores, o que é possível através da rede mundial de computadores (internet), 9 Este é o nome dado por Habermas (HABERMAS, 2003b)

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uma prática comunicacional têm um significado fundamental para a estruturação de uma opinião pública. O assentimento de temas e contribuições só se forma como resultado de uma controvérsia mais ou menos ampla, na qual proposições, dados, informações e argumentos podem ser elaborados de forma mais ou menos racional. Este “mais ou menos” se dá pela explicação de Habermas com a representação de uma variável no nível discursivo que formará qualitativamente a opinião e o resultado. Com isto, o sucesso da comunicação pública não pode ser medido pela produção de “generalizações”, mas pelos critérios formais do surgimento de uma opinião pública com qualidade de fato. As estruturas de uma esfera pública visando o poder per se excluem discussões que realmente seriam importantes e esclarecedoras. A “qualidade” de uma opinião pública constitui um enorme ganho empírico, na justa medida em que se é “pesada” por qualidades procedimentais de seu processo de criação. Se a esfera pública se manifesta idealmente desta forma, por outro lado não pode ser negada a contaminação dela por elementos ideológicos que desestruturam sua atividade fim. Por exemplo, existe no imaginário ocidental que a oralidade é um processo que ainda não foi absorvido pelas sociedades mais evoluídas, no caso a europeia, tecnologicamente, ou seja, é falta de tecnologia ou habilidade de povos considerados primitivos. Assim, fica a margem da sociedade aqueles que não estão inseridos no status quo vigente, que no nosso caso é o domínio da escrita. Embora a escrita seja um instrumento de muita importância na transmissão do conhecimento, ele não é o único. Neste contexto surge a FTU no Brasil. Uma instituição de ensino superior credenciada e autorizada pelo MEC (Ministério da Educação) por meio da portaria 3864 de 18 de dezembro de 2003. Está habilitada para formar bacharéis em Teologia com ênfase nas Religiões Afro-brasileiras colocando a Tradição Oral como sua sustentadora e o seu marco formal. Esta instituição inédita realiza este discurso habermasiano sobre esfera pública, pois cria um contraponto na base da mesma projeta-

da historicamente pelo setor burguês e operacionalizada até os dias de hoje pela lógica de mercado. Afirmamos isto, pois a FTU não vai reproduzir uma oposição tradição escrita (centro) e tradição oral (periferia) e muito menos pretende inverter esta posição, o que em boa sociologia seria o exercício da lógica opressor/oprimido. Ao conseguir sua legitimação do Estado e, portanto, formadora de opinião na esfera pública, opta por construir pontes de diálogo das mais difíceis lançando mão da teologia. Não como apologia de uma crença, o que definitivamente não é desejado e muito menos necessário para o cidadão religioso Afrobrasileiro, mas como a própria interface entre Ciência e Religião, nas palavras de seu fundador F. Rivas Neto (RIVAS NETO, 2011c) Mas quais são estas dificuldades? Basicamente duas. Primeiro o fato de traduzir para o senso comum e o senso crítico a linguagem religiosa própria adotada pelas Religiões Afrobrasileiras levando em consideração todas as suas perspectivas éticas, espaço-“qualidade” de uma opinião pública constitui um enorme ganho empírico, na justa medida em que se é “pesada” por qualidades procedimentais de seu processo de criação. Se a esfera pública se manifesta idealmente desta forma, por outro lado não pode ser negada a contaminação dela por elementos ideológicos que desestruturam sua atividade fim. Por exemplo, existe no imaginário ocidental que a oralidade é um processo que ainda não foi absorvido pelas sociedades mais evoluídas, no caso a europeia, tecnologicamente, ou seja, é falta de tecnologia ou habilidade de povos considerados primitivos. Assim, fica a margem da sociedade aqueles que não estão inseridos no status quo vigente, que no nosso caso é o domínio da escrita. Embora a escrita seja um instrumento de muita importância na transmissão do conhecimento, ele não é o único. Neste contexto surge a FTU no Brasil. Uma instituição de ensino superior credenciada e autorizada pelo MEC (Ministério da Educação) por meio da portaria 3864 de 18 de dezembro de 2003. Está habilitada para formar bacharéis em Teologia com ênfase nas Religiões Afro-brasileiras colocando a Tradição Oral como sua sustentadora e o seu marco formal. pág.23


Esta instituição inédita realiza este discurso habermasiano sobre esfera pública, pois cria um contraponto na base da mesma projetada historicamente pelo setor burguês e operacionalizada até os dias de hoje pela lógica de mercado. Afirmamos isto, pois a FTU não vai reproduzir uma oposição tradição escrita (centro) e tradição oral (periferia) e muito menos pretende inverter esta posição, o que em boa sociologia seria o exercício da lógica opressor/oprimido. Ao conseguir sua legitimação do Estado e, portanto, formadora de opinião na esfera pública, opta por construir pontes de diálogo das mais difíceis lançando mão da teologia. Não como apologia de uma crença, o que definitivamente não é desejado e muito menos necessário para o cidadão religioso Afrobrasileiro, mas como a própria interface entre Ciência e Religião, nas palavras de seu fundador F. Rivas Neto (RIVAS NETO, 2011c) Mas quais são estas dificuldades? Basicamente duas. Primeiro o fato de traduzir para o senso comum e o senso crítico a linguagem religiosa própria adotada pelas Religiões Afro-brasileiras levando em consideração todas as suas perspectivas éticas, espaço-temporais, ontológicas, semióticas e, concomitantemente, excluindo o ranço fetichista e discriminatório vigente há séculos. O outro e não menos complexo é levar a voz, praticamente de forma literal, do crente das Religiões Afro-brasileiras para o centro da esfera pública produzindo mobilidade social por meio da educação, neste caso, teológica. Este pensar teológico empoderado desta causa não só espiritual, mas também cultural, social, política e econcômica, assume um ethos caracterizado por uma cosmovisão policêntrica, multirreferencial e plurissistemática.

Conclusão Procuramos demonstrar ao longo deste breve artigo a tradição oral e escrita como métodos de produção e acesso do conhecimento sem solução de continuidade e, muito menos, sem concorrência. Como processos distintos legítimos, possuem elementos próprios de decodificação e tradução que precisam ser compreendidos e respeitados. As Religiões Afro-brasileiras possuem na pág.24

tradição oral a base para estabelecer sua prática teórica ou teoria prática. Ao fundar a Faculdade de Teologia Umbandista, F. Rivas Neto como sacerdote e acadêmico constitui nas bases educacionais teológicas este pensar que coloca em profunda reflexão o próprio campo teológico em franco processo de legitimação acadêmica no Brasil. A esfera pública aqui pode ser utilizada no sentido original de Habermas, afinal um dos atores sociais – neste caso as Religiões Afrobrasileiras – conseguiu fazer uso desta mesma esfera para participar do jogo ilocucionário de forças sem ter que se reduzir ou modificarse estruturalmente das suas origens, neste caso, a Tradição Oral. Neste panorama construído a sociedade civil e especificamente o setor acadêmico possuem condições de discutir em bases mais justas e aceitáveis os saberes da tradição oral retirando da clandestinidade, ou seja, do olhar preconceituoso historicamente imposto ao cidadão religioso Afro-brasileiro incrementado por elementos que fomentam a desigualdade social. Por sua vez, o cidadão religioso Afro-brasileiro está se inserindo na sociedade também por meio da produção intelectual ganhando gradativamente voz na esfera pública no exato instante que a FTU opta por não construir uma nova linguagem teológica destas expressões religiosas, mas sim levá-las in totum para o centro da discussão acadêmica.

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Anexo 1 RITOS SECRETOS DA INICIAÇÃO NAS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS 10 A Iniciação, nas várias Religiões Afro-Brasileiras, tem em comum apresentar ao neófito os “fundamentos” ou ensinamentos basilares, esotéricos que são vivenciados por intermédio de vários ritos de fundamento. Dentre os rituais secretos ou seletos, afetos à Iniciação, estão o rito do Ori (bori) e o rito do Bará (destino, energias vitais). O conceito de Ori é importantíssimo, mormente por relacionar-se com a consciência, inteligência, processos cognitivos e, principalmente espirituais (energias sutilíssimas e sutis) que só sacerdotes consumados sabem como fazer as devidas “amarrações” com as vibrações positivas do universo, com os Senhores Estruturantes do Universo – os Orixás e seus Ancestrais Ilustres. O Bará, em sua delicada tessitura ritualística, é de transcendência similar ao Ori; associa-se ao elo de comunicação, a fala, a reprodução, ao sexo e equilíbrio fisiológico e energético do corpo físico visível e invisível, portanto associado a Exu (equilíbrio biopsicossocial).

_________________________________________________ 10 Fonte: (RIVAS NETO, 2011b)

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É desta interface Ori-Bará, do Bará como manifestação ou emanação do Ori que versará o vídeo apresentado nesta publicação. Apesar do pioneirismo em demonstrar a Iniciação alicerçada nos ritos de fundamento Ori/Bará, como sempre, não se pretendeu esgotar o assunto, aliás, só foi introduzido. Necessário dizer-se que o conceito é apresentado de forma generalista, e cada Religião Afro-Brasileira tem seus aspectos particulares, transmitidos e ritualizados segundo suas vivências e práticas tradicionais. Apesar das diferenças ritualísticas e doutrinárias, todas têm em comum profundo zelo, respeito e fundamento sustentado pelos ritos secretos da Iniciação(reatualização do Axé), que são realizados e consolidados no tálamo do Templo, roncó ou camarinha, muito distante do olhar forâneo ou laico. Axé!


Religião e Educação: valorização do ensino religioso nas instituições educacionais JORGE, Érica Ferreira da Cunha GONÇALVES, Sumaia Miguel

Resumo

Abstract

O presente trabalho surgiu a partir de discussões sobre pontos de convergência entre as áreas da educação e religião, já que ambas fazem parte de nossas formações. O artigo visa apresentar a proposta da Teologia das Religiões Afro-brasileiras sobre o ensino religioso nas escolas públicas e particulares, colocando-a como mais um ponto de reflexão sobre o assunto, salientando que de forma alguma a mesma se pretende chocar com as propostas já consolidadas e amplamente discutdas. Trata-se de trazer à sociedade acadêmica e civil a perspectiva das religiões afro-brasileiras que se baseia nos conceitos de Sagrado e Religiosidades como inatos ao Homem, sendo o ensino religioso uma das várias formas de despertá-los e conduzir a sociedade a patamares mais elevados em relação à natureza, à alteridade e à transcendência.

This article was proposed from discussions about commom views between education and religion, areas of our inicial formation in graduation. The article aims to present the proposal of Afro-brazilian religions about the topic of religious education in public and private schools, demonstrating just one more perspective to this important reflection. The main objective is to present to academic and civil societies the perspective of Afro-brazilian religious which is based on the concepts of Sacred and in the feeling of religions as intrinsic values to humankind, analysing the religious approach as one of multiples ways to conduct society to higher levels of understanding about nature, the `others´ and the sacred.

Palavras-chaves: Religiões Afro-brasileiras, sagrado e educação.

Key-words: Afro-brazilian religious, sacred, religious education.

_________________________________________________ Teóloga com ênfase nas Religiões Afro-brasileiras (FTU/SP) e Mestranda em Ciências Humanas e Sociais (UFABC/ SP). ericafcj@gmail.com; erica-jorge@ftu.edu.br Teóloga com ênfase nas Religiões Afro-brasileiras (FTU/SP) e Mestranda m Ciências da Religião (PUC/SP). sumaiago@gmail.com ; sumaia-goncalves@ftu.edu.br

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Nosso trabalho se insere nessa proposta e foi pensado justamente a partir do encontro e discussões sobre nossas formações já que ambas somos educadoras e também bacharéis em Teologia, ramo que, segundo definição hegeliana, estuda as relações sociais de grupos diversos em relação à(s) divindade(s). O presente trabalho enfoca especificamente a abordagem e a contribuição das religiões afro-brasileiras sobre a questão do Ensino Religioso no Brasil a partir da vivência que tivemos com a FTU – Faculdade de Teologia Umbandista, instituição de ensino superior, fundada por Francisco Rivas Neto, sacerdote das religiões afro-brasileiras há mais de 40 anos, situada na cidade de São Paulo e credenciada pelo MEC, pela portaria 3864, de 18/12/2003.

1. Um breve histórico do Ensino Religioso no Brasil A relação entre educação e religião em nosso país é bastante antiga e confunde-se com a própria história da colonização e da formação do povo brasileiro. Desde a chegada dos portugueses o ensino vigorou sob a tutela da religião oficial, o catolicismo romano. Sabe-se que no período colonial houve um acordo entre o rei de Portugal e o sumo pontíficie que visava a incorporação do catecismo tradicional. A palavra catequese chegou a nós pelo latim catechesis, mas a filologia remonta ao termo grego que significa “instruir a viva voz”, ou seja, receber o ensino, então oral, da religião cristã, do evangelho e das tradições rituais. No período imperial o catolicismo passa a ser a religião oficial do Brasil, mas a Igreja encontrava-se atrelada ao Estado, servindo de instrumento ideológico e justificativa para as ações e medidas públicas. Além disso, viu seu poder ser aos poucos diminuído em função da entrada de outras religiões no país, como o bloco religioso da Reforma Protestante, seu maior adversário. Outros ares religiosos surgiram com a chegada do espiritismo kardecista de viés científico-positivista na segunda metade do século XIX que encantou principalmente os setores mais abastados pela disseminação de ideias liberais, racionalistas e evolucionistas pela figura de Hippolyte Leon Denizard Rivail, Allan Kardec. Os cultos de origem ameríndia nunca deixaram de existir embora marginalizados pela figura pág.28

do índio que perdia cada vez mais o espaço com o projeto de branqueamento da população brasileira. Já os cultos africanos eram realizados no interior das senzalas ou em espaços afastados, mas a condição de escravo impedia que eles fossem melhor organizados e estruturados. Entretanto cabe ressalvar que, embora os cultos indígenas, africanos e dos mestiços fossem diminuídos, eles representavam a maioria da população e tinham muita força e política de resistência social. A Constituição Imperial de 1824 em seu artigo 5º estabelecia o princípio de liberdade religiosa, embora com sérias restrições para os cristãos não-católicos. Mas a importância em citarmos outras religiões e cultos é que a partir do Império, a religião católica romana, embora oficial, teve que se adaptar, começar a conviver com outras práticas e ver seus fiéis transitando para outros espaços religiosos. A proclamação da República em 1889 legitima a separação entre Igreja e Estado e reconhece a diversidade religiosa. Entretanto, o ensino religioso continuou o da religião cristã e em 1934, uma nova constituição retoma o vínculo entre Igreja Católica e Estado, permitindo que a mesma retomasse seu poder e o impusesse novamente. A República brasileira assume em sua origem um fundamento secular, mas a Igreja conseguiu sobrepujar os princípios republicanos e impor seu padrão e, sobretudo, o ensino religioso. O ensino religioso no Brasil denota até o momento um caráter de catequese. A questão é mostrar que o Brasil sempre albergou o pluralismo religioso e seria natural que o ensino religioso contemplasse todas as vertentes, fazendo com que o cidadão brasileiro fosse educado ao respeito incondicional à todas as formas de contato com a(s) divindade(s), todavia não foi o que ocorreu. Com a discussão de várias correntes filosóficas e pedagógicas, como, por exemplo, a Escola Nova, o ensino religioso no Brasil é repensado e percorre vários caminhos como a confessionalidade (de acordo com a confessionalidade do outro aluno ou do seu responsável), a interconfessionalidade (resultante do acordo entre as diversas entidades religiosas), o caminho das religiões e da religiosidade. A disciplina Ensino Religioso não possuiu uma


identidade fixa desde seus primórdios, mas vem sofrendo mudanças e alterações e para entender seu histórico faz-se necessário percorrermos alguns momentos da Lei de Diretrizes e Bases do Ministério da Educação e Cultura. O primeiro deles 4024/61 assumiu a dimensão religere (saber em si) com um viés teológico e confessional. O segundo 5692/71, assumiu a dimensão religare (saber em relação) com um viés antropológico. O terceiro momento 9394/96 assumiu a dimensão relegere (saber de si) com um viés fenomenológico. Esse último momento trouxe avanços consideráveis já que leva em conta o fenômeno religioso em si presente nas mais variadas religiões e não privilegia o ensino confessional, catequético, por exemplo. Assim, a disciplina, como componente curricular, se firma justamente ao lado da proposta de uma escola, de estabelecer o diálogo, fomentar o conhecimento e respeitar o pluralismo cultural e religioso. A nova redação do artigo 33 da lei no 9.394 de 20/12/1996 exige que sejam vedadas quaisquer formas de proselitismo: “Art. 33 - O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo”. §1o - Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores. §2o - Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso.” Atualmente há vários modelos da disciplina Ensino Religioso: confessional, inter-confessional, supra confessional e disciplina curricular. Os dois primeiros já foram citados anteriormente. O modelo supra-confessional foi pensado para ser ministrado em escolas públicas, não admite proselitismo nem preconceito religioso e baseia-se em princípios éticos e valores humanos que seriam convergentes a todas as tradições religiosas. A disciplina curricular é pensada como área do conhecimento e, portanto, como todas as demais, tem um objeto de estudo, no caso, o

fenômeno religioso. Nesse ponto cabe ressalvar a assertiva de Mircea Eliade, da vertente essencialista na história das religiões, o qual diz que vários olhares disciplinares estudam a religião, como a antropologia, sociologia, psicologia, mas ela só será de fato bem compreendida se for estudada sob o ponto de vista do fenômeno religioso. (ELIADE, 1998) Enfim, muitas transformações legais foram feitas na tentativa de assegurar um ensino religioso que contemplasse a ampla gama da diversidade cultural e religiosa do nosso país, mas na prática, há muito caminho a ser trilhado, pois ainda são ministradas aulas estritamente confessionais, disseminados preconceitos em função do despreparo do professor e da família para lidar com o plural-

2. A formação do professor A formação do professor é um dos grandes desafios no contexto da disciplina curricular do ensino religioso. Diante de um histórico de catequização, ensino confessional, interconfessional e mais recentemente, de um modelo mais universalista em torno do fenômeno religioso, quais devem ser os critérios para a seleção de um professor para a disciplina? Qual deve ser sua formação? Pode ou não estar vinculado a um setor religioso em sua vida particular? Essas são apenas algumas das questões que envolvem esse complexo tema. Até a década de 1990, segundo o especialista do assunto Sérgio Junqueira, a formação de professores era feita basicamente pelas instituições religiosas cristãs. Os cursos recebiam nome variados como Teologia, Ciências Religiosas, Catequese, Educação Cristã mas, não formavam professores a atuarem da mesma forma que os professores de outras disciplinas, com seus objetivos e programas já bem delimitados. Isso acabava gerando obstáculos na vida cotidiana da escola além de prejuízo por parte dos profissionais que desejassem participar de concursos públicos, já que o Ministério da Educação não reconhecia tais cursos e da marginalização de sua disciplina frente às demais. Este problema vincula-se ao fato de não terem sido estabelecidas políticas públicas que privilegiassem a formação de docentes nessa área do conhecimento. É como se o ensino religioso ainda estivesse vinculado a uma tradição passadista e não fossem reconhecidas as várias pág.29


transformações que o elevaram a uma disciplina curricular. Ainda Junqueira afirma que a partir de 1996 em função de várias medidas tomadas e discussões árduas sobre a temática alguns estados conseguiram a autorização para o curso de graduação em Ciências da Religião – Licenciatura em Ensino Religioso, como Santa Catarina, Pará, Maranhão, Paraíba, Minas Gerais e Rio Grande do Norte. Os cursos autorizados contemplam a formação inicial, mas atualmente há grande interesse pela formação continuada dos docentes de ensino religioso, além dos programas de mestrado e doutorado das mais variadas universidades e faculdades do país estarem privilegiando esses estudos em suas linhas de pesquisa. Segundo Sérgio Junqueira, em suas pesquisas, foram identificadas diferentes propostas de formação de professores, às quais ele agrupou em três modelos: Ensino Religioso, Educação Religiosa, Cultura Religiosa; Ciências das Religiões, Ciências da Religião, Ciência da Religião e por fim Teologia. Todos eles de certa forma procuram adaptar-se às exigências dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para o Ensino Religioso: • valorizar o pluralismo e a diversidade cultural presentes na sociedade brasileira, facilitando a compreensão das formas que exprimem o transcendente na superação da finitude humana e que determinam subjacente, o processo histórico da humanidade. Por isso, deve: • propiciar o conhecimento dos elementos básicos que compõem o fenômeno religioso, a partir das experiências religiosas percebidas no contexto do educando; • subsidiar o educando na formulação do questionamento existencial, em profundidade, para dar sua resposta devidamente informada; • analisar o papel das tradições religiosas na estruturação e manutenção das diferentes culturas e manifestações socioculturais; • facilitar a compreensão do significado das afirmações e verdades de fé das tradições religiosas; •

refletir o sentido da atitude moral, pág.30

como consequência do fenômeno religioso e expressão da consciência e da resposta pessoal e comunitária do ser humano; • possibilitar esclarecimentos sobre o direito à diferença na construção de estruturas religiosas que têm na liberdade o seu valor inalienável (FONAPER 2009:46-47). A questão reside, portanto, em saber o que ocorre entre a formação inicial ou mesmo continuada do profissional do Ensino Religioso até o momento do mesmo exercer sua prática docente, já que são grandes os números que apontam, ainda hoje, para o desrespeito às várias religiões e, sobretudo, ao ensino de maneira a privilegiar sua confessionalidade ou a predominante na escola. A importância da graduação do professor ser em Ciências da Religião deve-se ao fato de que a mesma se apresenta como interdisciplinar valorizando, pois, a formação mais global do Ensino Religioso. Embora o nome seja bastante controverso (Ciências da Religião, Ciência das Religiões, entre outros), a disciplina mesmo recente já se configurou e apresentou contribuições para o estudo das religiões. Friedrich Max Muller (1823-1900) foi considerado o fundador da disciplina e ganhou notoriedade principalmente por editar uma coleção de fontes de escritos sagrados. Nos anos 1870 começa a institucionalização da Ciência da Religião como disciplina acadêmica autônoma e a primeira cátedra foi na Suíça. (HOCK, 2006). Logo várias instituições da Europa também decidiram incluir a disciplina em seus quadros, assim como o Brasil com cursos de graduação e pós-graduação na área. Essa disciplina apresentou-se mais segura para a formação do professor de Ensino Religioso porque apresenta uma ampla gama de estudos e não valoriza o caráter confessional como poderia acontecer com professores graduados e licenciados em Teologia. Infelizmente as Faculdades de Teologia criaram suas identidades em torno da religião da qual fazem parte, excluindo de seu objeto as demais religiões. Nossa reflexão surgiu do contato e experiência que tivéssemos como alunas do bacharelado em Teologia Umbandista, instituição que contempla em sua estrutura curricular além do estudo das religiões afrobrasileiras, o estudo sistemático de outras religiões presentes no Brasil ou fora dele. Isso nos pareceu relevante não apenas pela pro-


posta inovadora dos componentes curriculares de um bacharelado em Teologia, mas, sobretudo porque surgiu de religiões que foram historicamente estigmatizadas e analisadas como sem valor de contribuição para a sociedade. Segundo nossa ótica a teologia das religiões afro-brasileiras mostrou-se muito mais aberta e preocupada em estabelecer diálogos com estudos de outras teologias, porém o ramo teológico infelizmente é, ainda, muito sectário e fechado.

3. Histórico das Religiões Afro-brasileiras e a perspectiva sobre o Ensino Religioso no Brasil. A história das religiões afro-brasileiras se confunde com a história de nosso país. Formado a partir de mistura de etnias e sustentado por quatro pilares: as matrizes formadoras (americana, indo-européia e africana), as proporções de mistura entre as matrizes, os objetivos de vida e produção assumidos por cada uma delas (RIBEIRO, 2008). Sem entrarmos nos pormenores desta confluência e no etnocídio e genocídio que culminou na morte de milhões de índios, nos ateremos em pormenorizar apenas as consequências deste processo que se estrutura partir da chegada dos portugueses em 1500 e não deixou de se modificar, pois depois das três matrizes formadoras, novos habitantes foram chegando ao Brasil e com eles toda a sua cultura e religiosidade. É um processo dialético com início e sem fim previsto. Na confluência destas três matrizes formou-se uma nação de mestiços, que já não era mais branca, nem negra e nem indígena. Cada matriz ao aqui chegar, veio com suas experiências-vivências que se amalgamaram e formaram o que podemos denominar de “campo religioso brasileiro”. Iniciando pela matriz indo-europia, os portugueses, chegam ao Brasil com o catolicismo popular. O catolicismo popular, assim denominado, chega com as classes mais pobres de Portugal e já diferenciado do catolicismo europeu da época vigente. Enquanto que na Europa o especialista tem papel fundamental (papa, bispos, padres) no Brasil, o catolicismo popular prioriza o leigo, pois se radicaliza mais no interior do Brasil, onde a dificuldade de chegar o representante da


igreja era muito mais difícil. Neste modelo de catolicismo, pois no decorrer de nossa história outros chegaram, os santos assumem um papel mais humano, mais próximo do “fiel”, eles, os fiéis, até mesmo se parecem com os santos (antropomorfização) e convivem em suas casas, em procissões, em oratórios. Praticavam o catolicismo popular os europeus recém chegados, alguns africanos e mesmo indígenas destribalizados e mestiços. Os africanos chegaram ao Brasil oriundos de diversos países da África. A maioria era de origem “sudanesa”, “yorubá”, “jeje”, “haussá”, “minas”, sendo a minoria de origem “banto”, “angola” e “cabindas”. (RODRIGUES, 2008). A língua falada pelos africanos, 1500 aproximadamente, procediam de 5 troncos lingüísticos: afro-asiática, nígero-congolesa, banta, coissã, saaro-nilótica que no Brasil se encontram, sobrepujando as diferenças lingüísticas e aos poucos pelas semelhanças foram se constituindo enquanto grupo, pois juntos seriam mais fortes contra o poder dominante – “seus senhores” (Rivas, M.E., 2008). E a religião e religiosidade dos povos oriundos da África? Pelos mesmos motivos já aludidos, devido a enorme variedades de tribos a questão religião e religiosidade diferenciava-se na dependência do local de origem de cada grupo. Os indígenas, povo da Terra, possuíam uma cosmogonia totalmente diferenciada do catolicismo popular, bem como dos africanos. A política e cultura europeia lhes eram totalmente estranhos. Não tinham a necessidade de adquirir terras, pois para eles a terra era de todos, não tinham padres, bispos ou reis, pois a relação com o Sagrado era balizada pela experiência-vivência, sendo os mais experientes responsáveis pelos menos experientes, não compreendiam as relações de troca que os europeus estabeleciam (política e economia), pois o valor econômico era inexistente (RIVAS, M.E., 2008). Assim foram dizimados e os poucos que restaram foram obrigados a substituir as próprias formas de experienciar e vivenciar o Sagrado, quando não substituíam totalmente iam adaptandoas para não perderem suas convicções.

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Assim com índios, africanos, indo-europeus, foi se formando o povo brasileiro e toda a religiosidade mesclada, que foram se transformando, ressignificando desde 1500 até os dias de hoje. Segundo F.Rivas Neto, a interação entre as matrizes formadoras ocorreu de forma assimétrica. “É assimétrica, pois o catolicismo, na época, prevaleceu sobre as concepções religiosas dos indígenas brasileiros e africanos, isto é, tentou submetêlos à catequização portanto uma violência às liberdades de expressão e de cultura”. Os africanos de origem Jejê-Nago, por exemplo, deram no Brasil origem aos ritos hoje conhecidos como Candomblé-Ketu, Tambor de Mina, Xangô (PE) e Batuque (RS). Os de origem Banto aos cultos denominados Candomblé-angola, Umbanda. Todos eles com maior ou menor influências católico-kardecista. Assim surgem as macumbas, as primeiras manifestações de Umbanda ou das Religiões afro-brasileiras, e estas manifestações se diferenciavam segundo a maior ou menor proximidade ora com a matriz indo-européia, com o kardecismo, ora com a matriz africana, ou seja o candomblé. É o que F. Rivas Neto, denominou como Escolas, ou seja, várias linguagens de uma mesma idéia - religiões afro-brasileiras.

RIVAS NETO, F. Blog Espiritualidade e Ciência- publicação 101 Escolas Umbandistas e Escolas das Religiões Afro-brasileiras foram conceitos criados e difundidos pelo sacerdote e médico Francisco Rivas Neto, também fundador da Faculdade de Teologia Umbandista. Sua vida iniciática


passou por vários pais espirituais e também por diversas formas de se praticar a religiosidade afro-brasileira, desde o Culto de Nação até a Umbanda Esotérica. A partir de 1996 ele começou a difundir estes conceitos após apreender que as religiões afro-brasileiras são uma unidade que se expressam na diversidade. Seu vivencial pôde comprovar esta assertiva. O termo Escola não pretende significar um local de estudo próprio e particular, mas sim uma linha de pensamento de cada templo/ terreiro e de sua respectiva linhagem e que vai transmiti-la segundo métodos específicos. Em outras palavras Escolas Umbandistas e Afro-brasileiras possuem três características marcantes: epistemologia, ética e método. A epistemologia é a forma com que cada templo/ terreiro entende e expressa seus fundamentos em um corpo teórico que pode ou não estar escrito (na maioria das vezes não está já que essas religiões são de tradição oral). A ética diz respeito aos princípios de cada representante espiritual e de seu templo/terreiro para que os conhecimentos e rituais sejam transmitidos. E finalmente o método são as várias formas que cada sacerdote organiza sobre seus rituais. É claro que poderíamos discorrer delongadamente sobre cada uma dessas características, mas nossa finalidade no presente artigo é apenas demonstrar que eles são basilares para a constituição de uma Escola. Como afirmamos anteriormente as religiões afro-brasileiras contemplam uma grande diversidade de rituais. Isso levou muitos antropólogos, historiadores e sociólogos a pensarem e, o que é pior, a escreverem que em função disso, elas não teriam uma unidade, nem um corpo de fundamento coeso e sólido. Em trabalho recente, duas teólogas, com ênfase nas religiões afro-brasileiras (FTU) discorreram sobre o tema da identidade das religiões afro-brasileiras a partir dos conceitos de Escolas e também o de Vertente Una do Sagrado (que discorreremos a seguir), mostrando que elas tem sim uma identidade, mas diferente das identidades de uma tradição católica, judaica, islâmica entre outras. Segundo elas: F.Rivas Neto, sacerdote e fundador da Faculdade de Teologia Umbandista também se preocupou em esclarecer o ethos afro-brasileiro apontando denominadores comuns entre todas as práticas. Apresentou em 1996 o conceito de Escolas Umbandistas afirmando que a Um-

banda recebe uma diversidade de adeptos e responde a ela com uma multiplicidade de ritos e formas de transmissão do conhecimento. Essas formas de entendimento e vivência foram denominadas Escolas ou Segmentos Umbandistas, mas todas elas possuem um eixo norteador e que, de certa forma, as unem, o qual chamou de Vertente Una do Sagrado. (JORGE,É; RIVAS,

Após o esclarecimento sobre o conceito de Escolas Umbandistas e Afro-brasileiras é conveniente pontuarmos o conceito de Vertente Una do Sagrado e como este se entrelaça ao anterior. Como mencionamos o conceito de Vertente Una do Sagrado foi igualmente desenvolvido por F. Rivas Neto. Segundo ele as religiões possuem um eixo norteador, um eixo equalizador de diferenças que seria exatamente aquele que estabelece as relações entre a humanidade e a(s) divindade(s) ou entre o imanente e o transcendente. A Vertente-Una do Sagrado é um diagrama que visa apontar que as religiões possuem um denominador comum, embora tenham métodos e nomenclaturas peculiares. Abaixo há um excerto auto-explicativo do autor. Como podemos observar no diagrama a seguir, todos acreditam em uma Realidade Divina, perfeita, eterna, Una e imaterial. Os cristãos chamam Deus; os islâmicos, Allah; os judeus, Ieve; os budistas, Nirvana ou Mente Incriada; os Taoístas, Tao; os vedanta, Brahman e assim por diante. Desta forma, temos o topo de nossa Vertente-una. Existem, também, em todos os setores, Potestades Divinas que coordenam o Universo, as formações da matéria, as leis que regulam a evolução dos seres, com nomes diferentes segundo cada setor, mas com funções semelhantes. A seguir, temos os Ancestrais Ilustres da humanidade, seres que viveram no planeta, encarnados e que foram veículos da manifestação do Sagrado em sua pureza. Foram os grandes patriarcas, profetas de todos os povos, grandes líderes da humanidade que revelaram meios, métodos e regras para a união do homem com o Sagrado. Os princípios ensinados por estes augustos condutores de raças foram sempre os mesmos, apenas adaptados a cada local e situação. Por fim, temos a humanidade terrena que ainda se digladia tentando fazer prevalecer a idéia de um sobre os outros, buscando a satisfação dos sentidos como forma de realização da personalidade temporal. Essa mesma humanidade necessita engajar-se neste pág.33


processo de verticalização que conduz ao Sagrado, ao destino ultérrimo de nossa coletividade planetária. (RIVAS NETO, 2002)

nada religião. Além disso, um dos livros importantes dentro da literatura afro-brasileira, Umbanda – A Proto-Síntese Cósmica, de F. Rivas Neto, apresenta que a filosofia, religião, arte e ciência são formas de se chegar ao Sagrado, à espiritualidade: “A Espiritualidade é inerente a todo ser humano, independente dele ser religioso ou não”. Segundo o autor a Espiritualidade, tem por objeto a vida espiritual, ou seja tudo que é relativo ao imaterial, ao espírito. A porção imaterial, também é associada à mente, ao psiquismo. “A Espiritualidade é inerente a todo ser humano, independente dele ser religioso ou não”. Segundo o autor a Espiritualidade, tem por objeto a vida espiritual, ou seja tudo que é relativo ao imaterial, ao espírito. A porção imaterial, também é associada à mente, ao psiquismo. Sendo assim a espiritualidade pode ser encontrada nos filósofos, ateus, artistas, cientistas e religiosos, bastando despertá-la no inconsciente, o que as religiões afro-brasileiras acabam realizando por meio dos ritos de fundamento. (RIVAS NETO, F – publicação 3 de 18 de janeiro de 2010 Blog Espiritualidade e Ciência)

Rivas Neto propôs os dois conceitos pensando em um verdadeiro encaixe entre ambos. O primeiro se ocuparia das relações horizontais, das relações entre pais espirituais e seus discípulos e como interpretam e constroem seu conhecimento e vivencial religioso e o segundo se ocuparia das relações verticais que se estabelecem entre a humanidade e a(s) divindade(s), independente de qual religião faça parte. É por isso que este último conceito é tão valioso e rico, pois apresenta a universalidade entre todas as religiões ainda que na aparência e na metodologia sejam bruscamente diferentes. Os leitores poderiam nos perguntar qual a relevância em discutir tais conceitos quando o assunto central é o ensino religioso. Na verdade nossa proposta foi a de mostrar que as religiões afro-brasileiras se formaram e continuam a se reelaborar sempre pautadas na diversidade e, em função disso, elas jamais pensaram o ensino religioso como sendo confessional. Embora as religiões afro-brasileiras nunca tenham sido chamadas para discutir, opinar ou apresentar propostas ao ensino religioso no Brasil, elas sempre tiveram em perspectiva um ensino que contemplasse todas as formas de se pensar, praticar e viver uma determipág.34

Assim, retomando o tema do ensino religioso, as religiões afro-brasileiras pensam que este deve também levar em conta aqueles que não assumem a religião como caminho. Nesse caso a nomenclatura mais concernente seria a de religiosidade, ou seja, os princípios éticos que regem a vida particular de cada cidadão. Um outro aspecto importante de ser mencionado é que, segundo esta perspectiva, as religiões afro-brasileiras dão espaço também aos ateus, agnósticos, aos cientistas incrédulos nas religiões entre outros. Dessa forma, o ensino religioso deixa de valorizar apenas as religiões, mas abarca outras gamas de conhecimentos passando a ser mais universal. Em termos objetivos e pragmáticos a disciplina contemplaria estudos sobre as religiões, culturas, filosofias, paradigmas científicos, princípios éticos, discussão sobre cidadania, ecologia, tecnologia e ciência entre tantos outros que perpassam a vida diária do homem.

Conclusão: Desafio ao Ensino Religioso Abordamos neste trabalho especificamente a diversidade das religiões afro-brasileiras e como elas entendem a disciplina Ensino Religioso no Brasil. Porém um alargamento


de perspectivas deve levar em consideração às demais religiões e como já mencionamos anteriormente outros ramos da gnose humana como a filosofia, ciência e a arte. Todavia faz-se necessário entendermos que as pessoas, sujeitos da disciplina ensino religioso, os alunos propriamente falando, são igualmente diferentes e possuem visões particulares sobre a realidade. Estas ´visões particulares´ é o que Basarab Nicolescu chama de níveis de realidade, “conjuntos de sistemas que são invariáveis sob certas leis”. Por exemplo, dois níveis de realidade são diferentes quando, ao se passar de um para o outro, há uma quebra nas leis e uma quebra nos conceitos fundamentais. Analogamente é o que ocorre quando duas pessoas possuem uma estrutura de pensamento ou bagagens particulares e entram em conflito ao colocar suas perspectivas em contato. Segundo Nicolescu em nosso século Edmund Husserl e outros estudiosos detectaram a existência de diferentes níveis de percepção da realidade, a partir do sujeito-obervador. Porém fora marginalizados pelos filósofos acadêmicos e mal compreendidos pelos físicos já que estes ficavam restritos à as especialização. Na verdade, esses pensadores trouxeram um ineditismo ao explorar uma realidade multidimensional e multirreferencial onde o ser humano é capaz de recuperar seu lugar e sua verticalidade no processo de compreensão e vivência do conhecimento. Apontamos este referencial teórico, pois pensamos que este é um desafio legítimo ao Ensino Religioso: contemplar os diferentes níveis de realidade e percepção, ou em outras palavras, ter uma abordagem transdisciplinar. A transdisciplinaridade estabelece uma ruptura profunda com a metafísica moderna, aponta uma relação entre sujeito-objeto e interação e não prima mais pela divisão binária e dicotômica entre sujeito e objeto. É em função dessa perspectiva que a transdisciplinaridade oferece uma base metodológica para além do objeto religioso, do objeto científico, do objeto artístico, cultural, filosófico entre outros. Uma abordagem interessante ao Ensino Religioso seria o conhecimento transdisciplinar (CT) que corresponde a um conhecimento in vivo, vivenciado e não somente baseado em uma lógica mecanicista e tradicional de apreensão do objeto estudado. A pedago-

gia moderna deve preocupar-se em fazer com que o aluno sinta, se coloque e faça experiências acerca do que estuda. Um exemplo prático é a tradição oral das sociedades tradicionais ou tamb´m chamadas de sociedades orais, em que o conhecimento não é transmitido via livro ou materiais impressos, mas antes o conhecimento é uma troca entre quem tem mais experiência e quem está buscando a mesma, o conhecimento é apreendido na vida diária, nos desafios encontrados pelos cidadãos. No Brasil talvez o que mais próximo tenhamos desse modelo são as sociedades remanescentes indígenas e a tradição oral das religiões afro-basileiras, que embora tenham se consolidada em centros urbanos, nunca deixaram de ser pautadas na tradição oral e no contato com a natureza. Encerramos nosso trabalho não com conclusões fechadas mas sim com um desafio e uma proposta, de reformularmos e repensarmos o Ensino Religioso a partir dessa chave de interpretação, da transdisciplinaridade. Remontando novamente ao autor-base para nosso artigo,

O processo de convergência para a Paz mundial procura não apenas a convivência pacífica, mas principalmente, a busca da origem comum de todos, da Ciência do Ser, até alcançarmos a identificação total entre todos. (...) Para exemplificar, vemos que as religiões são formas particulares e parciais de ver o Sagrado que todas buscam. Fica claro que quanto mas nos aproximamos da convergência, menos observações parciais, regionais e sectárias existirão, predominando a universalidade sobre a individualidade. (RIVAS NETO, 2002, p. 380-383)

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Laicidade do Estado e Isonomia nas IES Adriana Pontes Lourenço Fernanda Leandro Ribeiro Neusa Miguel Gonçalves

Introdução Este trabalho propõe uma reflexão sobre a isonomia nas instituições de ensino superior (IES) de teologia. A isonomia, garantida pela constituição, defende direito igual a todas as religiões para expressarem suas crenças, realizarem seus ritos e promoverem o ensino religioso. Ela só se tornou possível pelo fato do Estado ser laico, ou seja, não mais possuir uma religião oficial, respeitando a pluralidade religiosa brasileira. É apresentada, nesta discussão, a perspectiva de ensino religioso que vem sendo desenvolvido pela FTU - Faculdade de Teologia Umbandista, baseada na noção de complementaridade entre os saberes religioso e científico, bem como no respeito pela diversidade religiosa e teológica.

1. Teologia como curso superior A teologia cristã surgiu no primeiro século d.C. com os alexandrinos Clemente e Orígenes por meio de sistematizações do conhecimento grego em defesa das idéias cristãs. Ficou conhecida como patrística oriental. Por volta do século II dC, teve início a patrística ocidental - filosofia criada pelos padres da igreja durante a expansão do cristianismo - que teve em Agostinho um de seus principais expoentes. Os padres desenvolveram a apologética, que consistia na apologia dos fundamentos cristãos realizada tanto dentro como fora da igreja.


Aproximadamente a partir do século X, na Europa, teve início a teologia escolástica, com Tomás de Aquino. Este período caracterizou-se pela criação das instituições de ensino: escolas de ensino primário e secundário, universidades e bibliotecas. Estas instituições eram promovidas pela própria igreja e o conhecimento que elas veiculavam era essencialmente teológico. A grande marca da escolástica foi a difusão e consequentemente o fortalecimento da teologia cristã. As universidades se consolidaram, de fato, na Europa no século XII. Elas já existiam há algumas centenas de anos em outros lugares como a Arábia e a Índia. Mas a Europa parece ter sido o local onde foram criadas em maior número. O termo universitas, segundo Riboulet (1951), origina-se do direito romano e significa coorporação. As universidades eram, de fato, instituições ou corporações de ensino que recebiam estudantes de todos os países e ensinavam todas as ciências. Cada universidade era composta por quatro faculdades: teologia, direito, artes e medicina. As universidades possuíam relação direta com o pensamento da igreja católica. Riboulet (1951) explica que as universidades não se formaram no intuito de se tornarem independentes da igreja, muito pelo contrário, os professores eram eclesiásticos ou clérigos, seus regulamentos eram estritamente baseados na vida cristã, seu ensino era católico e sua jurisdição feita pela igreja. O que ocorreu com as universidades, neste âmbito político-religioso, é que elas se desvincularam do poder eclesiástico local e passaram a ser governadas diretamente pelos papas. A constituição da universidade era outorgada pelo papa e em alguns casos pelo rei. Mas quando era o rei que concedia a constituição, fazia-o somente após aprovação da igreja. Como observa Passos, foi somente com o surgimento dos estados modernos que a universidade começou a ter um caráter científico visando responder às demandas da sociedade (2010, p. 18). Portanto, a teologia - que já existia há muito tempo - nasceu enquanto curso superior, com a universidade. Configurava como faculdade pág.38

juntamente com os cursos de direito, medicina e artes, como vimos anteriormente. O que aconteceu com ela no decorrer dos anos? As universidades mantiveram-se ligadas à igreja até a Revolução Francesa, quando houve a separação entre Igreja e Estado. A partir deste momento, ganharam autonomia e puderam se modernizar. E a teologia foi sendo, progressivamente, expulsa da academia por manter-se consevadora. Instaurou-se um abismo entre conhecimento teológico e conhecimento científico. Este último baseado na autonomia da razão em relação à fé, enquanto a teologia continuava fazendo a apologia da fé. Segundo Passos, após um longo período de distanciamento iniciou-se um questionamento dentro da própria teologia e surgiu o desejo de renovação, que culminou com as propostas do Concílio Vaticano II. Foram discutidas no Concílio questões como secularização, liberdade, interpretação bíblica, história e política (2010, p. 28). No Brasil, a primeira universidade surgiu somente em 1920, na cidade do Rio de Janeiro. As universidades públicas e católicas surgiram a partir de 1940. Portanto, muito tempo depois de seu surgimento na Europa. Aqui o processo foi diferente, pois as universidades surgiram com a modernidade, numa sociedade já secularizada. A teologia surgiu como curso superior em universidades mantidas por grupos religiosos e assim como na Europa, veiculando conteúdos estritamente de cunho religioso. Serão abordadas adiante, a questão da laicidade do Estado e a isonomia nas faculdades de teologia, no intuito de compreendermos as mudanças pelas quais vêem passando os cursos de teologia.

2. Laicidade do Estado A laicidade é o princípio que garante a não interferência do Estado nas crenças e práticas religiosas, bem como no ensino religioso. Ela surgiu, na maioria dos países, com o advento da república, quando há uma separação entre Estado e igreja. O Brasil tornou-se república em 1889. Tornar-se um Estado laico não significa deixar de ser religioso, como muitos podem


pensar. Significa apenas, que não existe mais uma única religião oficial, imposta a toda a sociedade. As pessoas tornam-se livres para escolherem e praticarem a religião que quiserem. O Estado garante a liberdade de expressão e a sociedade torna-se cada vez mais plural, regida política e culturalmente pela visão secularizada da realidade. A laicidade, portanto, surge com a sociedade moderna. A modernidade tem como base a autonomia em todos os âmbitos, a começar pela economia, com as leis autônomas do mercado. Desta maneira, é garantida a liberdade individual das pessoas. Por outro lado, a modernidade assegura a preservação do coletivo por meio de uma ética e leis comuns a todos, independentemente da religião. A religião estaria, assim, perdendo seu papel de contribuir com uma visão de mundo e uma postura ética perante à vida? De forma alguma a religião perdeu esta função. O fato é que não existe mais apenas um código religioso, mas sim vários códigos religiosos, de acordo com a pluralidade religiosa. E todas as pessoas, independentemente de sua religião, devem obedecer leis comuns, determinadas pelo Estado. Conforme Hans Küng (2003), hoje não há mais necessidade de sermos contra as “conquistas modernas”, contra a liberdade, igualdade e fraternidade em nome de Deus. A fé religiosa não exclui o engajamento político. Também a cosmovisão científica não é excluída da realidade das orientações religiosas. Passados duzentos anos da revolução francesa, os princípios de liberdade, igualdade e fraternidade já não são mais suficientes, elas necessitam de uma complementação dialética, conforme as exigências pós-modernas (p. 115-116). As exigências pós-modernas propostas por ele seriam as seguintes:

bém irmandade(...)”. “(...) Não somente coexistência, mas paz (...)”. “(...) Não somente produtividade, mas também solidariedade com o meio ambiente (...)”. “(...) Não somente tolerância, mas ecumen ismo (...) (p. 116-119)”. O autor nos mostra a necessidade de uma ética global, na qual todos são responsáveis pelo futuro da humanidade. No Brasil, temos uma diversidade cultural e religiosa significativa que reforça a importância da laicidade. O país se constituiu a partir de três matrizes formadoras: o indígena autóctone, o negro que veio no processo de escravidão e o branco europeu que veio com a colonização. O encontro destes três povos deu origem a uma sociedade miscigenada, plural e diversa. Lembrando que, estas matrizes não são homogêneas. Dentro de cada uma delas existem vários grupos com línguas e costumes diferentes, de modo que, a diversidade já existia antes mesmo do encontro entre elas no solo brasileiro. Antes de o país ser laico, esta diversidade, portanto, já estava presente. Porém, as religiões africanas e indígenas não eram legitimadas e suas práticas aconteciam “às escondidas”. Quando o Brasil se tornou uma república, estas religiões teoricamente foram legalizadas. No entanto, por muito tempo ainda se mantiveram o preconceito e as perseguições, especialmente durante a ditadura de Vargas. E isso se faz presente, ainda nos dias de hoje.

3. Princípio da Isonomia e a Liberdade de Consciência e de Crença

“ (...) Não somente igualdade, mas ao mesmo tempo pluralidade (...)”.

O princípio da isonomia, também denominado princípio da igualdade, é, sem sombra de dúvida, um dos mais importantes marcos caracterizadores de uma sociedade democrática. Ele se relaciona, naturalmente, com o princípio da laicidade.

“(...) Não somente fraternidade, mas tam-

A igualdade de todos perante a lei, trazida

“ (...) Não somente liberdade, mas ética e ao mesmo tempo justiça (...)”.

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pelo princípio da isonomia e inserida no nosso ordenamento jurídico, no bojo do texto constitucional, mais especificamente no caput do artigo 5º da Constituição Federal, garante que todas as pessoas, independentemente da sua condição de vida dentro da sociedade, tenham igual tratamento. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença; VII- é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva; VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei. (Constituição Federal, 1988) Este artigo é parte fundamental de toda a Constituição Federal, pois fala de igualdade em aspecto amplo. A localização do princípio da isonomia na Constituição Federal lhe fornece status de marco da aplicação de grande parte dos direitos e garantias fundamentais. No sistema jurídico brasileiro, todas as religiões estão igualadas e são sujeitas a regulamentos, tanto por normas constitucionais, como por leis ordinárias vigentes, sendo ao Estado proibido intervir em questões religiosas, espirituais ou de fé, mas devendo normatizar e mesmo fiscalizar a atuação das igrejas e organizações religiosas, nas questões civis, associativas, trabalhistas, tributárias, criminais, administrativas, comerciais, financeiras etc., enquanto agentes atuantes na sociedade civil organizada. A Organização das Nações Unidas – ONU , na sua célebre DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, assim dispôs: “ARTIGO 18. Todo homem tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifepág.40

star essa religião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância isolada ou coletivamente, em público ou em particular.” Ressaltamos que neste tópico do trabalho o objetivo não é discutir sobre as religiões em si, mas sobre os aspectos lícitos nos quais elas estão envolvidas. Vivemos em um país onde temos uma ampla liberdade religiosa por direito, em que todas as pessoas e grupos religiosos deveriam expressar livremente a sua fé, exercendo sua espiritualidade de forma individual ou coletiva, publicamente ou em espaços reservados, devendo respeitar os limites impostos pela lei para todos os cidadãos. No entanto, fazer valer este direito tem sido um grande desafio a toda sociedade, uma vez que ainda se observa a intolerância em diversos âmbitos da sociedade, incluindo o religioso.

4. A Isonomia no ensino religioso do ensino fundamental O ensino religioso faz parte do currículo do ensino fundamental como disciplina dentro dos horários normais, segundo a LDB (Lei de Diretrizes e Bases) desde 1997, com a Lei n. 9475. Com a criação desta lei, que veta o proselitismo religioso, as propostas curriculares nacionais afirmam que o ensino religioso nas escolas públicas deve assumir um caráter pluralista e não confessional. Essa atual configuração da disciplina e dos parâmetros curriculares nacionais apresenta várias modificações em relação à história pregressa do ensino religioso nas escolas públicas. O novo ensino religioso proposto pela Lei nº 9475/97, busca adaptar-se à diversidade religiosa que há no campo religioso brasileiro. A educação religiosa passa a ser não confessional, não se prendendo a nenhum setor filosófico-religioso, mas buscando despertar no sujeito condições de criar convergências em prol da vida. Sendo assim, seria inadequado um ensino religioso confessional, que privilegiasse apenas um determinado culto religioso, em detri-


mento de outros. “(...) Na busca do futuro sustentável para a humanidade e para a vida planetária, somam todas as forças de conhecimento e tradições religiosas, não mais como campos isolados de saber, mas sim como fornecedores de finalidade e mediações que reagreguem, em torno de valores comuns, toda a humanidade (PASSOS, 2010, p. 32 )”. No entanto, apesar da “desconfessionalização” do ER, presumida por esta lei, o que se observa é que o ensino religioso ainda é ministrado pelas confessionalidades (id, 2007, p.13-14). “(...) Ao longo da história, essa área de estudo esteve quase sempre sob controle da Igreja Católica, enquanto instituição religiosa hegemônica; seguiu, pois, os parâmetros catequéticos, teológicos e pedagógicos da Igreja, mesmo quando um “modelo moderno” concretizou-se, tendo como base o respeito às diferenças religiosas existentes no interior das escolas. Mesmo nesse caso, tal estudo parece não ter conseguido justificar-se epistemologicamente como área de conhecimento perante às demais, superar politicamente a linha da tolerância às diferenças e, pedagogicamente, construir uma metodologia capaz de incluir a diversidade de experiências religiosas e não-religiosas (ibid, 2007, p. 17). O desafio do ER, para os cientistas da religião, é tornar-se cientificamente embasado, como são as demais disciplinas do sistema de ensino. Para tanto, seria necessário romper com a lógica de reprodução dos conteúdos das antigas tradições confessionais ministrados por agentes destas próprias confessionalidades. Defende-se a idéia de que o aprendizado é um processo de assimilação crítica e reflexiva e que no ensino religioso o aluno deve poder articular suas experiências e crenças com conhecimentos científicos, em uma formação que não é apenas intelectiva, mas que envolve todas as dimensões do homem: social, cultural, valorativa. Logo, o ensino catequético passaria a ser gradativamente substituído pelo ensino teológico, que diferentemente do primeiro é plurirreligioso, não proselitista, não autoritário e estaria em acordo com sociedade secularizada. Mas, o avanço maior ainda seria o mod-

elo das ciências da religião que consistiria em uma visão transreligiosa que visa à educação do cidadão. (ibid, 2007, p. 56-68). O interesse pelo ensino religioso por parte das tradições afro-religiosas, e em especial pelos teólogos umbandistas, é evidente. Trazemos para esta discussão o argumento de Cortella: “Uma escola inteligente não pode deixar de fora o conteúdo religioso. Pôr para escanteio essa noção é esquisito, pois, se ela não é estranha à vida, como pode ser estranha à escola?” (in: SENA, 2007, p. 19). Fazendo uma analogia, se as religiões afrobrasileiras estão tão enraizadas na cultura brasileira, por que elas não podem ser ensinadas no ensino fundamental? Porém, não basta que elas sejam ensinadas, é importante assegurar que o professor tenha uma metodologia que privilegie o respeito pela liberdade religiosa em conformidade com a secularização da sociedade. Fazse necessário utilizar uma metodologia que contribua para acabar com o preconceito em relação a essas religiões, à medida que apresente os aspectos sociais, históricos e políticos que as-contextualizam. O tema do ensino religioso nas escolas de ensino médio está intimamente ligado ao ensino teológico das IES, uma vez que o conteúdo do ensino religioso nas escolas advém, basicamente, do ensino teológico e das ciências da religião, conforme classificação de modelos de ensino de Passos, apresentada anteriormente (modelo catequético, teológico e das ciências da religião). Desta forma, as faculdades de teologia teriam como frente de trabalho, além da pesquisa, também o ensino religioso.

5. A Isonomia no Ensino Superior de Teologia – Bacharelado Tecemos tais considerações com o propósito de iniciarmos uma reflexão sobre a isonomia do ensino teológico nas instituições de ensino superior de teologia (bacharelado). Segundo Passos (2010) a grande conquista dos tempos modernos foi auxiliar na construção de um sujeito autônomo para ser, pensar, e agir. E a educação desse sujeito pág.41


livre para pensar e agir é um dos grandes objetivos das universidades e de todas as etapas da educação. A Teologia, conforme o autor, se submete aos métodos regulares da aprendizagem: “Em sentido amplo, ela é uma ciência a ser estudada e apreendida como qualquer outra, um modo de pensar a realidade a partir de determinados parâmetros, que produz resultados teóricos e práticos para a vida do sujeito que estuda, para a dinâmica da comunidade científica e para a sociedade de um modo geral ( id, p. 22 )”. Atualmente, surgem as faculdades de Teologia, ligadas a outras religiões que não o catolicismo, em decorrência da pluralidade religiosa encontrada no campo religioso brasileiro, havendo a necessidade de se garantir objetivos específicos e autonomia para esses cursos. É necessário assegurar que não haja interferência do governo no currículo e no conteúdo, evitando-se que cursos tenham um caráter confessional, fechado, proselitista. Para corroborar esta reflexão, transcrevemos do constante das páginas 4 e 5 do PARECER CNE/CES Nº 51/2010 do processo nº 23001.000132/2008-92. “É importante, portanto, que os cursos de graduação em Teologia, bacharelado, no País garantam o acesso

à diversidade e à complexidade das teologias nas diferentes culturas e permitam analisálas à luz dos diferentes momentos históricos e contextos em que se desenvolvem.” “Salienta-se, outrossim, a importância do respeito à laicidade do Estado, a fim de evitar que os cursos tenham em caráter exclusivamente proselitista, fechado em uma única visão de mundo e de homem. Espera-se que os cursos de graduação em Teologia, bacharelado, formem teólogos críticos e reflexivos, capazes de compreender a dinâmica do fato religioso que perpassa a vida humana em suas várias dimensões.” “Vale dizer que, no Brasil, existe cerca de uma centena de cursos de Teologia, já autorizados ou reconhecidos, presentes em vários Estados. Eles são oferecidos por instituições públicas e particulares, pertencentes a mantenedoras confessionais ou não e contemplam teologias subjacentes a diferentes confissões: adventista, batista, católica, espírita, evangélica, luterana, messiânica, metodista, umbandista, entre outras”. Esta visão considera e legitima a diversidade cultural e religiosa presente no Brasil, lembrando que o país possui uma sociedade miscigenada, plural, diversa. E esta tem sido característica marcante da sociedade brasileira.


6. FTU - Na interface entre o saber religioso e o saber acadêmico A FTU configura-se como um espaço de interface entre o saber religioso e o saber científico. Este contato se dá por meio do saber teológico, que vem sendo construído dentro desta instituição e que permite uma aproximação entre as religiões afro-brasileiras e a academia. A teologia proposta pela FTU visa legitimar a tradição oral, ou seja, a sabedoria transmitida por meio da palavra “falada” e por que não, “cantada”, já que a musicalidade é também uma característica importante nestas tradições. O caráter dinâmico das tradições orais propicia uma aproximação com a ciência, uma vez que ela (a ciência) também é uma unidade aberta, dinâmica. Talvez por isso, o diálogo entre ambas não pareça tão conflitivo como acontece com as tradições escritas. Assim, ao transitar entre estes dois saberes, a teologia umbandista busca legitimar as tradições afro-brasileiras dando voz a elas, permitindo que as mesmas sejam evidenciadas e compreendidas. E reconhece, ainda, seu papel político e social na sociedade brasileira. A FTU defende que o respeito pela alteridade - considerado essencial para o processo de convivência pacífica dentro desta religião deve prevalecer também entre as diferentes religiões, enfim deve estar na base de toda relação humana. Propõe-se que o sagrado é a espiritualidade inerente a todo ser humano e vivente em seu interior. Ao utilizar a nomenclatura sagrado, não se restringe apenas ao religioso, dirigindo-se a todas as pessoas, religiosas ou não. O sagrado é compreendido como o elo de ligação entre a religião, a ciência, a filosofia e a arte, sendo comum a todas elas (RIVAS NETO, 2002, 2003). Portanto, além da aproximação com a ciência, procura fazer também uma aproximação entre as diferentes religiões e teologias. Tem-se a convicção de que é possível encontrar as semelhanças, mesmo com as diferenças e conseguir com isso uma convivên-

cia pacífica, que seja benéfica a todos. Esta percepção advém, dentre outros, do fato de que as próprias religiões afro-brasileiras são muito diversas. Se é possível conviver com a diversidade dentro da própria religião de forma pacífica, por que não conviver com outros setores filosófico-religiosos de forma pacífica também? Estamos falando aqui de convivência e não simplesmente de co-existência. A diversidade – traço marcante da sociedade brasileira – é também traço marcante das religiões afro-brasileiras. Sua identidade se constitui exatamente a partir desta diversidade. O termo que tem sido utilizado pela FTU, desenvolvido por Rivas Neto (2010) para explicar este fenômeno é o de escolas. O conceito de escola se refere aos diferentes modos de se praticar as religiões afro-brasileiras, são as diversas releituras possíveis que os terreiros fazem. Para se constituir como uma escola deve haver uma transmissão por meio de uma linhagem, ou seja, um pai ou mãe de santo passa sua doutrina, método e ética para um de seus filhos que continua o trabalho iniciado. Esta noção de identidade constituída na diversidade pode causar estranheza, uma vez que é comum associar a ideia de identidade com “limites rígidos”. Realmente, existem elementos essenciais comuns a todas as escolas como: transcendência, transe, uso de ervas, bebidas e fumo, oferendas, presença de objetos e vestimentas ritualísticas, musicalidade, sacramentos e dança. Mas pode haver uma variação nestes elementos, por exemplo, as bebidas ritualísticas utilizadas em um determinado terreiro podem ser diferentes daquelas utilizadas em outro. O transe pode ser da incorporação de entidades (caboclo, preto-velho, etc), o transe do Orixá ou o transe da Jurema. Mas em todos eles, tem-se algo em comum: um estado ampliado de consciência. E existem outros elementos que podem estar presentes ou não, como sacrifício de animais, grafia sagrada e utilização de livros (escrita). Segundo Rivas (2010) existe um centro nas pág.43


tradições que não muda, e aspectos periféricos que podem variar, sem que com isso perca a ligação. Diante de todas estas questões que foram discutidas, acredita-se que estes conceitos, propostos pela Faculdade de Teologia Umbandista com ênfase nas religiões afro-brasileiras, podem contribuir para as discussões sobre as IES em teologia bacharelado.

Conclusão Apesar do princípio de laicidade do Estado, garantindo direitos iguais de crença e de ensino religioso, observa-se ainda no Brasil uma preponderância do ensino teológico cristão, principalmente católico. Atualmente existem cursos de teologia bacharelado de diversos setores religiosos. Eles têm como exigência respeitar a pluralidade religiosa, evitando o proselitismo. O conteúdo deve abarcar a religiosidade em toda sua amplitude, ensinando também outras teologias, bem como enfocar aspectos sócio-históricoculturais. A Faculdade de Teologia Umbandista pode contribuir para esta discussão à medida que está calcada em uma visão pluralista que respeita a alteridade e que busca aproximar religião, ciência, arte e filosofia.

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A Identidade das Religiões Afro-Brasileiras

Trabalho apresentado no XII Simpósio da ABHR, 31/05 – 03/06 de 2011, Juíz de Fora (MG), GT 17: A alteridade na pesquisa: religiões afro-brasileiras, tradições indígenas e catolicismo popular.

Érica Ferreira da Cunha Jorge (FTU/SP) Maria Elise Rivas (FTU/SP)

Resumo O presente artigo versa sobre a questão da identidade das religiões afro-brasileiras a partir de uma pesquisa realizada com seus adeptos. Vários elementos doutrinários e rituais marcam essa identidade, entretanto o mais emblemático é compreender a identidade das religiões afro-brasileiras em constante construção, elaboração e ressignificação em função de sua multirreferencialidade. Palavras-chave: Identidade, religiões afrobrasileiras e multirreferencialidade.

Abstract

This article concerns on identity of the afrobrasilian religions, beginning on a research that was applied to theirs adepts. Many douctrinal and ritualistic elements can define this identity, but the principal point is to understand the identity of afro-brasilian religions in permanently construction, elaboration and reframing because of theirs multireferetial aspect. Key-words: Identity, afro-brasilian religions and multireferentiality. pág.46

O presente trabalho surgiu a partir da discussão sobre o papel dos teólogos formados com ênfase nas religiões afro-brasileiras. Um dos papeis elencados e de fundamental importância foi a necessidade de produção de pesquisas teóricas e, sobretudo, de campo com os adeptos das religiões afro-brasileiras com múltiplos vieses. Nossa primeira contribuição como teólogas foi a discussão do tema da identidade das religiões afro-brasileiras. Embora alguns autores salientem que os trabalhos na área da identidade do campo religioso brasileiro tenham fundado seus estudos em termos de oposição e confronto entre religiões, não podemos deixar de citar o abismo que separam, por exemplo, as religiões do livro, de tradição escrita, das religiões afro-brasileiras de tradição oral. Ao longo de nosso bacharelado estudamos as religiões do livro, cujo caráter sistemático e, muitas vezes, dogmático calcado na tradição escrita delimita textos sagrados, fieis e sacerdotes com características bem definidas além da liturgia preestabelecida, ao ponto que as religiões afro-brasileiras


em comparação com estas últimas parecem não ter uma identidade, ou pelo menos não uma fixa. A partir desses apontamentos decidimos realizar uma pesquisa com os adeptos a fim de elencar quais as características principais que “definem” uma religião afrobrasileira, compreendendo desde o início o caráter problemático de criarmos definições, portanto, antes de mais nada o trabalho é apresentado como uma contribuição ao estudo das religiões afro-brasileiras e que, em última análise, proporcione uma melhor compreensão sobre o ethos afro-brasileiro. As religiões afro-brasileiras foram estudadas pela primeira vez sob o olhar do médico maranhense Raimundo Nina Rodrigues que enfocou seus estudos nas cidades do Rio de Janeiro e Salvador por constituírem os dois grandes pólos de religiosidade afro-brasileira na época. Nina Rodrigues recebeu influências de diversas teorias científicas dentre as quais citamos o evolucionismo social (uma adaptação do evolucionismo biológico ao campo da sociedade e cultura) e a antropologia criminal que teve como expoente a figura do médico italiano Cesare Lombroso. Ambas as teorias analisavam o comportamento do indivíduo e da sociedade a partir de uma perspectiva científica, especificamente, biológica. Na condição de médico legista e membro docente da Faculdade de Medicina da Bahia, deu suas contribuições quanto à classificação e sistematização dos negros africanos no Brasil, mas não conseguiu escapar das tendências racistas e positivistas dos fins do século XIX e início do século XX, fazendo com que a raça negra fosse vista como degenerescência e suas práticas religiosas enquadradas ao domínio do fetichismo. Esse olhar infelizmente foi muito severo e “contaminou” outros pesquisadores que foram responsáveis por repercutir suas ideias. Ainda hoje, as religiões afro-brasileiras sofrem do preconceito e do estigma e seus adeptos muitas vezes preferem se dizer de outras religiões em âmbito profissional ou em relacionamentos vários a serem recha çados. Já na segunda metade do século XX, Cândido Procópio Camargo estudou a Umbanda e se interessou em analisar sua identidade observando que o transe representava o continuum ou o elo entre todas essas práticas, inclusive o continuum entre a Umbanda e o Kardecismo, sendo uma característica que, de certa forma, dava identidade às religiões

afro-brasileiras. Em Kardecismo e Umbanda (Camargo, 1961, p. 83) observou especificamente as práticas de São Paulo e Rio de Janeiro e atestou: Doutrinas fundamentais estão na base dêsse “continuum”: a teoria da mediunidade, a reencarnação, a evolução, o Karma, etc. Essas idéias são o fundo comum do “continuum”, que as vive a seu modo em cada segmento e as colore com tonalidades diversas. Também a experiência mediúnica, foco central da vivência religiosa de todo o “continuum”, é realizada igualmente, embora com notável diferença de estilo e de ênfase, nos seus pólos opostos. Patrícia Birman, trinta anos após os escritos de Camargo, retoma essa discussão questionando se lidamos com “religiões” autônomas ou com um universo de cultos inter-relacionados e subordinados à lógica da possessão (Birman, 1995, p. 13). Muitos autores afirmam que essa visão, embora pretenda apontar ou definir um ponto de convergência entre todas as práticas, deixa de lado as relações com o catolicismo, vertente que contribuiu muito para compreender o ethos afro-brasileiro. F.Rivas Neto, sacerdote e fundador da Faculdade de Teologia Umbandista também se preocupou em esclarecer o ethos afrobrasileiro apontando denominadores comuns entre todas as práticas. Apresentou em 1996 o conceito de Escolas Umbandistas afirmando que a Umbanda recebe uma diversidade de adeptos e responde a ela com uma multiplicidade de ritos e formas de transmissão do conhecimento. Essas formas de entendimento e vivência foram denominadas Escolas ou Segmentos Umbandistas, mas todas elas possuem um eixo norteador e que, de certa forma, as unem, o qual chamou de Vertente Una do Sagrado. A Vertente Una do Sagrado é um diagrama pensado por F. Rivas Neto em que são colocadas as relações entre a humanidade e a divindade, passando por intermediadores: Como podemos observar no diagrama a seguir, todos acreditam em uma Realidade Divina, perfeita, eterna, Una e imaterial. Os cristãos chamam Deus; os pág.47


islâmicos, Allah; os judeus, Ieve; os budistas, Nirvana ou Mente Incriada; os Taoístas, Tao; os vedanta, Brahman e assim por diante. Desta forma, temos o topo de nossa Vertente-una. Existem, também, em todos os setores, Potestades Divinas que coordenam o Universo, as formações da matéria, as leis que regulam a evolução dos seres, com nomes diferentes segundo cada setor, mas com funções semelhantes. A seguir, temos os Ancestrais Ilustres da humanidade, seres que viveram no planeta, encarnados e que foram veículos da manifestação do Sagrado em sua pureza. Foram os grandes patriarcas, profetas de todos os povos, grandes líderes da humanidade que revelaram meios, métodos e regras para a união do homem com o Sagrado. Os princípios ensinados por estes augustos condutores de raças foram sempre os mesmos, apenas adaptados a cada local e situação. Por fim, temos a humanidade terrena que ainda se digladia tentando fazer prevalecer a idéia de um sobre os outros, buscando a satisfação dos sentidos como forma de realização da personalidade temporal. Essa mesma humanidade necessita engajar-se neste processo de verticalização que conduz ao Sagrado, ao destino ultérrimo de nossa coletividade planetária. Em um primeiro momento Rivas Neto pensou o diagrama para ser aplicado à Umbanda em suas várias Escolas, mas depois estendeu o conceito às religiões afro-brasileiras em geral e também às demais religiões. O conceito de Vertente Una do Sagrado e o de Escolas Umbandistas possibilitam entender que as religiões afro-brasileiras são uma Unidade, mas que se expressam na diversidade. Possuem um eixo norteador estabelecido na relação do adepto com suas divindades, mas que é ritualizado segundo as especificidades e particularidades de cada comunidade religiosa: Embora não haja consenso quanto à ritualística, que são as várias formas de interpretar e manifestar a doutrina, a essência de todas é a mesma e todos são legitimamente denominados umbandistas. (RIVAS NETO, 2002, p. 459) pág.48

Assim F. Rivas Neto atualiza o estudo das religiões afro-brasileiras, mostra que há possibilidade de compreendê-las e que elas não representam um sincretismo sem corpo doutrinário coerente, como afirmava Camargo. Ainda esclarecendo o conceito de Escolas Umbandistas, o autor elenca algumas características que as definem, dessa forma observamos que ele vai além às ideias de Camargo e Birman acrescentando outras características que não apenas o transe como denominador comum das religiões afro-brasileiras: a. Tradição Oral Conhecimento, Vivência do fundamento é transmitida no templo/terreiro (Linha de Transmissão de uma Raiz), no relacionamento de Pai Espiritual com sua linhagem, seus filhos espirituais. b. Transe As religiões afro-brasileiras são de transe, seja ele de possessão, mediúnico ou anímico. c. Culto aos Orixás As religiões afro-brasileiras tem os Orixás como Pais Divinos da humanidade. São cultuados não só no transe, mas principalmente pelos seus poderes volitivos, que os faz Senhores dos Elementos e de determinados eventos cósmicos e sociais. d. Culto aos Ancestrais Ilustres Os ancestrais Ilustres são entidades astralizadas enviadas dos Orixás (criança, caboclo, preto-velho, exu entre outros) e. Música A musicalidade permeia os templos/terreiros das tradições afro-brasileiras. O canto é comum a todas as Escolas. O toque dos atabaques, ilus, ganzás, agogô, xequere é utilizado. Nas Escolas de Umbanda Branca ou Cristã, Esotérica e Oriental o uso é facultativo. f. Dança A dança é o ajuste fino do Movimento Cósmico, cada indivíduo se mostra sua identidade segundo sua maior ou menor flexibilidade ao ritmo e a dança. g. Bebidas As bebidas não são obrigatoriamente alcoolicas. Podem ser, por exemplo, águas de várias procedências, mas são também utilizadas


aguardente, cerveja, vinho, cinzano, licores, destilados, jurema, cauim, aluá etc. O conceito de Escolas Umbandistas foi paradigmático dentro desse universo religioso, uma vez que ele definitivamente afirma que todas as formas de se pensar e praticar a religiosidade afro-brasileira estão corretas, possuem seu corpo de doutrina e ritual próprios e devem ser respeitados, pondo fim a uma prática de competição e de deslegitimação de um segmento em prol de outro, como foi, por exemplo, o Candomblé de Caboclo com influências bantos e católicas, portanto práticas bem miscigenadas, em relação ao Candomblé ou Culto de Nação de origem jeje e nagô, que estaria vinculado a uma ideia de pureza ritual. Camargo também fala deste embate (Camargo, 1961, p. 11): O que se aponta como característico dos “terreiros” Banto é o uso de algumas expressões do Congo ou de Angola e uma tendência maior para o sincretismo, com despeito às maneiras mais tradicionais de proceder. Os chamados “Candomblés de Caboclo” (caboclo significando índio), na Bahia, ocorrem nos “terreiros” Banto e consistem no fato de índios ou “encantados”, a par com os Orixás, virem a “tomar” as “filhas de Santo” e as fazer dançar pela noite a fora. Alguns etnólogos enxergam neste fenômeno uma influência das religiões ameríndias, que também conhecem o transe mediúnico. Entretanto, mesmo na Bahia ou no Recife, o que caracteriza os “terreiros” Banto é o menor grau de pureza ritual e a maior receptividade na ceitação de influências católicas ou espíritas. Ao longo do processo histórico de desenvolvimento e crescimento das religiões afrobrasileiras podemos observar vários embates entre as diversas linhas ou segmentos existentes. Citamos um, mas outro de maior ou igual importância e também relacionado ao anterior foi o conflito entre a tentativa de empretecimento ou embranquecimento da Umbanda. A temática em questão era a tentativa de recuperar uma identidade africana como se fosse possível conservar um purismo que nem mesmo em África ocorria ou a tentativa de embranquecer a Umbanda a partir da maior influência das ideias espíritas kardecistas de cunho científico e positivista. Vários

momentos marcaram esses conflitos como, por exemplo, os primeiros Congressos Espiritistas de Umbanda no Rio de Janeiro. O diagrama da Vertente Una do Sagrado e o conceito de Escolas expostos por Rivas Neto, após longo período de conflitos e manutenção de guetos religiosos, permitiram que a Unidade Umbandista ou, em maior escala, a unidade das religiões afro-brasileiras fosse assegurada e, ao mesmo tempo, sendo respeitadas as múltiplas formas de ritos com suas semiologias particulares.

Ritos de Convivência Pacífica e aplicação dos questionários A Faculdade de Teologia Umbandista oferece desde 2005 ritos de convivência pacífica entre as diversas escolas das religiões afro-brasileiras. A IES tem por projeto uma aproximação do saber popular com o saber acadêmico e a construção de um campo de trabalho vivenciado para seu corpo discente. Eles acontecem duas vezes ao ano anualmente em fevereiro no templo anexo à faculdade, ocasião em que são convidados templos e terreiros de diversas regiões do Brasil e também de alguns países que mantém contato com a instituição. Esses ritos trazem uma amostra da diversidade religiosa afro-brasileira, por meio da construção particular litúrgica de cada escola ali representada, e durante o rito todas as práticas convivem pacífica e harmoniosamente. Essa foi uma das razões pelas quais escolhemos esse evento para aplicarmos os questionários da nossa pesquisa. Tivemos oportunidade de conversar com pessoas com sotaques, experiências, dinâmicas e vivências diferentes das que comumente vemos no eixo Rio-São Paulo, mas optamos por analisar os dados provenientes do Rio de Janeiro por representarem um número maior e pelo fato desta cidade ter sitiado o Mito de Fundação da Umbanda, muito questionado. (RIVAS, 2008) Inicialmente a pesquisa chamava-se O Perfil do Umbandista do século XXI e era didaticamente dividida em cinco partes: A – Linhas de Transmissão (para ser aplicada apenas aos dirigentes espirituais) pág.49


B – Escolas Umbandistas C – Dados sócio-econômicos dos umbandistas D – A Imagem Umbandista: como os umbandistas de autodenominam? E – Faculdade de Teologia Umbandista Todas essas partes visavam o conhecimento de quem é o umbandista do século XXI, entretanto, para fins práticos e para não fugirmos ao cerne de nosso objetivo, optamos por analisar nesse presente artigo apenas os dados que interferem diretamente na questão de quais são as categorias que definem ou auxiliam a definir uma religião afro-brasileira e as mesmas foram encontradas no item sobre a ritualística (parte B - Escolas Umbandistas) e sobre a autodenominação religiosa dos adeptos (parte D - A Imagem Umbandista) No item B – Escolas Umbandistas - analisamos as seguintes perguntas:

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cias das matrizes judaico-cristãs, religiões africanas e ameríndias, que deram origem a inúmeras combinações rituais, na menor ou maior contribuição dessas matrizes.

No item D – A Imagem Umbandista - analisamos as seguintes perguntas:

No período em que Camargo e Birman analisaram as religiões afro-brasileiras não havia a contribuição de Rivas Neto do conceito de Escolas, as várias linguagens que se constituem segundo as percepções e heranças multiculturais de grupos afins, por isso propomos uma análise dos gráficos pautadas na teoria de Rivas Neto, que propõe um eixo norteador, a Vertente Una do Sagrado, não excluindo a multirreferencialidade, o policentrismo e a plurissistematização. Constatamos nas entrevistas que todos os adeptos possuem a crença em alguma divindade, louvam os Orixas e tem nas suas práticas o contato com os ancestrais por meio do transe, embora tenha ficado claro a diversidade nos elementos rituais e as especificidades assumidas por cada comunidade terreiro seja na dança, nos toques sagrados e nas formas de transmissão da doutrina, constituindo assim as Escolas ou Segmentos Afro-Brasileiros.

Análise dos dados Ao pensarmos as religiões afro-brasileiras devemos assumir uma perspectiva multirreferencial, policêntrica e plurisistemática (midioteca FTU) desvinculando-a do pensamento religioso ocidental judaico cristão onde as escolas ficam sob a égide de um poder central. Nesse sistema central, ao visualizarmos a religião nos deparamos com a compreensão institucional defendida nas escrituras, o que não vemos ocorrer nas religiões afro-brasileiras que não são ligadas a um poder central e nem à uma escritura (são de tradição oral), daí a nomenclatura policêntrica, não tem um mito de origem ou fundação, ou seja, são multirreferenciais, com origens em locais e períodos diferentes. Por último o termo plurissistemático pode ser compreendido quando observamos a múltipla herança formativa de cada unidade-terreiro segundo as influen-

Especificamente sobre a questão da autodenominação religiosa, observamos que a maioria dos adeptos se diz umbandista, mas se somarmos as outras opções chegaremos praticamente no mesmo número dos que se declaram umbandistas, o que denota que muitos praticantes embora tenham sua fé e a pratiquem, ainda não se afirmam como tal. O dado das pessoas não se declararem umbandistas pode ser em função de preconceito, estigma, dupla ou tripla pertença religiosa, mas que será abordado em trabalhos futuros. Quanto a pergunta relativa à denominação religiosa no caso do questionamento pelo Censo, observamos que a maioria também se afirma como umbandista, mas a soma das opções espiritualistas, espíritas e cristãos é ainda considerável. Não enfocamos nessa pesquisa o porquê da escolha dos adeptos, se por convicção religiosa ou por distorção quanto à nomenclatura de sua crença, mas tais dados poderão igualmente ser explorados em trabalhos futuros.

Considerações finais A temática do presente pesquisa versa sobre a identidade do umbandista do século XXI em particular e das religiões afro-brasileiras pág.51


em geral. Nas pesquisas etnológicas, antrop-

ológicas e sociológicas muitos autores nas décadas de 80 e 90 enfocaram a problemática da definição das características da Umbanda, do Espiritismo kardecista e dos Candomblés entre outros. Especificamente sobre a Umbanda, por ela ter se formado a partir de múltiplos elementos, de matrizes diversas e ter se modificado e se reelaborado com vários sincretismos, ela foi tida como uma religião sem escopo doutrinário e sem uma organização preestabelecida. Birman, como já foi colocado anteriormente, questionava-se se estaríamos lidando com religiões autônomas ou se o transe era o elemento conector de todas as práticas. Nosso artigo procurou desmitificar essas prerrogativas apontando novas perspectivas ao se aprofundar no estudo das religiões afro-brasileiras a partir de conceitos novos trazidos pelo autor F. Rivas Neto. Os dois principais enfocados aqui foram o de Vertente Una do Sagrado e Escolas Umbandistas. O conceito de Vertente Una do Sagrado demonstra que a Umbanda e as religiões afro-brasileiras possuem um eixo norteador central que se estabelece verticalmente na relação do adepto com a transcendência (Divindade, Potestades e Ancestrais), logo sua teogonia e seu consequente corpo doutrinário está aí assentado. Já o conceito de Escolas ou Segmentos Umbandistas e afro-brasileiros apontam para o respeito incondicional às práticas religiosas, um eixo horizontal que se estabelece a partir da crença que cada comunidade-terreiro assume para si com seus elementos rituais litúrgicos específicos. Os dois conceitos são de fundamental importância pois nos conduzem a pensar a identidade umbandista e afro-brasileira. Uma das características da identidade seria, portanto, a Vertente Una do Sagrado, o modus como o adepto compreende sua relação com o transcendente. As Escolas mostram que essa relação pode ser vivida de múltiplas formas, sendo todas igualmente importantes. A identidade umbandista e afro-brasileira não está nem nunca estará fechada e construída. Ela possui sim elementos marcantes. Um deles apontado por Camargo e Birman foi o transe, um elemento que difere essas religiões das demais. Entretanto, como vimos pág.52


nos conceitos expostos por Rivas Neto e comprovados na pesquisa o transe é apenas um dos elementos de identidade. Outros são as danças, os toques sagrados, o uso de bebidas, os cânticos entre outros. O principal é que não se pretende demonstrar nem afirmar a identidade umbandista e afro-brasileira em oposição às demais religiões, mas é necessário que se discuta a sua particularidade e especificidade uma vez que as religiões afro-brasileiras assumem para si a proposta de constante construção de seu conhecimento religioso e de sua interpretação do mundo, já que pautadas pela tradição oral que é, essencialmente, uma tradição aberta a novas elaborações na medida em que outros sacerdotes, outros adeptos, enfim, outras gerações religiosas virão e deixarão suas contribuições. Assim, as religiões afro-brasileiras tem como característica a porosidade e o fato de estarem em construção mas nem por isso deixam de ter uma identidade, antes de tudo sua identidade é maleável, flexível aceitando futuras ressignificações.

Bibliografia BERKENBROCK, Volney. A experiência dos Orixás. Um estudo sobre a experiência religiosa no Candomblé. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2007. BIRMAN, Patrícia. Fazer gênero criando estilos. Rio de Janeiro: Relume Dumara/Eduerj, 1995. ------------------------------. “ Cultos de possessão e pentecostalismo no Brasil: passagens”. Religião e Sociedade. 17-1/2, 1994b. CAMARGO, Procópio Cândido. Kardecismo e Umbanda. São Paulo: Pioneira, 1961. GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro:LTC, 2008. GIUMBELLI, Emerson. “O ‘baixo Espiritismo’ e a história dos cultos mediúnicos”, em Horizontes Antropológicos, vol. 9, n. 19, 2003, pp. 247-281. JORGE, Érica F.C. O embate entre a Medicina e as múltiplas artes de cura. A inovação da Umbanda diante desses saberes. Trabalho de conclusão de curso. Disponível em <http:// ftu.edu.br> Acesso em 10/04/2011.

Midioteca FTU – CD número 40. Ano 2010. Aula proferida Professora Maria Elise Rivas. RIVAS, Maria Elise Gabriele B. M. O mito de origem. Uma revisão do ethos umbandista no discurso histórico. Trabalho de conclusão de curso. Disponível em < http://ftu.edu.br> Acesso em 04/ 04/2011. RIVAS NETO, Francisco. Sacerdote, mago e médico. Cura e autocura umbandista. São Paulo: Ícone, 2002. -------------------------------. A Proto-Síntese Cósmica. São Paulo: Pensamento, 2000. ----------------------------------. A Vertente Una do Sagrado. Disponível em < http://espiritualidadeciencia.wordpress.com> Acesso em 15/03/2011.


Cosmovisão das religiões afrobrasileiras e cosmologia: possibilidade de diálogo em F. Rivas Neto

João Luiz Carneiro (PUC-SP/ FTU-SP) joaocarneiro@ftu.edu.br

Resumo A cosmovisão das religiões afro-brasileiras relaciona espírito e matéria de tal maneira que a segunda manifesta o primeiro. Este fato estimula uma visão interdependente entre Ciência e Religião. A teologia com ênfase nas religiões afro-brasileiras com o seu senso crítico aplicado ao senso religioso pode ocupar um papel importante. Um primeiro desafio, no entanto, é dialogar com cosmovisões endogenamente tão plurais. O conceito de “escolas” trazido por F. Rivas Neto da Faculdade de Teologia Umbandista contribui para tanto, quando apresenta um design teórico de convergência: uma ideia que se expressa em várias linguagens. Cada linguagem é uma escola. A escola de síntese, uma destas linguagens, se aproxima por analogia do modelo Big Bang ao compreender por sua doutrina intitulada “tríplice caminho” que o Orixá deflagrou o seu Poder Volitivo dando origem a manifestapág.54

ção do espírito na matéria como uma triunidade de movimento, luz e som analogamente ao ovo primordial, quando após o big bang se estabeleceram três fenômenos cosmogenéticos. Ainda em F. Rivas Neto é possível compreender como ele relaciona estes mesmos fenômenos cosmogenéticos na tradição africana ketu sincretizando jeje-nagô. Pela representação da cabaça da existência/ IGBÁ IWÁ pode ser considerado, por analogia, o ovo cosmogônico que se manifesta em Luz (Oxalá), Som (Oduduwá) e Movimento (Exu – Elemento procriado). Oxalá e Oduduwá são os princípios da criação genérica e o terceiro elemento – IGBÁ KETÁ é a individualização, a existência diferenciada. Palavras-Chave – Cosmologia, Big-Bang, Umbanda, Cosmovisão, Rivas-Neto, Cosmogênese


African-Brazilian religions’ cosmos view relate spirit and matter in such a way that the second expresses the first second. This stimulates an interdependent vision between Science and Religion. Theology with an emphasis on african-Brazilian religions with their critical thinking applied to the religious sense may occupy an important role. A first challenge, however, is to talk to endogenously as plural worldviews. The concept of “schools” brought by F. Neto Rivas, from Umbandist Theology Colege contributes to both, when presenting a design theory of convergence: an idea that is expressed in various languages. Each language is a school. The school of synthesis, one of these languages, approaches by analogy to the Big Bang model for understanding his doctrine entitled “threefold path” that sparked by the volitional power of the Orisha resulting in manifestation of spirit into matter as a triunity of movement, light and sound similarly to the primordial egg, when after the big bang settled cosmogenetic three phenomena. Also in F. Neto Rivas, it is possible to understand how he relates these same cosmogenic phenomena in the African tradition ketu sincretizing jeje-Nago. The representation of the calabashes of existence / IGBA IWA can be considered, by analogy, the cosmogonic egg that is manifested in the Light (Oxalá), Sound (Oduduwá) and Movement (Exu - procreated element). Oxalá and Oduduwá are the general principles of creation and the third element - IGBA Keta is individualization, the existence differentiated. Keywords - Cosmology, Big Bang, Umbanda, Cosmos View, Rivas-Neto, Cosmogenesis.

Introdução

Este artigo tem como objetivo principal apresentar a contribuição de F. Rivas Neto no processo de aproximação entre Ciência e Religião de tal forma que o conhecimento científico, senso crítico, e a crença religiosa, senso religioso, sejam respeitados em seus propósitos e meios de atuação.

Para demonstrar mais um ângulo possível de interpretação desta antiga, complexa e igualmente importante discussão, a presente pesquisa utiliza como exemplo na Ciência a Cosmologia e, uma vez dentro dela, o modelo big bang. Na Religião a cosmovisão evocada é das Religiões Afro-brasileiras1 , mais especificamente a contribuição da Escola de Síntese2 per si e o olhar que Ela oferece sobre a tradição africana ketu sincretizando jeje-nagô quando trás o conceito milenar Igbá Iwá3 no intuito de compreender a cosmogênese. Aqui surge uma preocupação teológica sobre o tema e por este motivo se justifica a utilização do pensamento teológico inédito de F. Rivas Neto (Rivas Neto 2010). Além deste autor, de forma secundária, será utilizada para esta breve discussão as Ciências Sociais, disciplina com maior produção bibliográfica sobre Religiões Afro-brasileiras, na figura de Juana Elbein dos Santos (Elbein dos Santos 2007). A autora não penetra na visão da cosmogênese, quando muito sobre a planetogênese. Contudo, ela contribui de forma significativa para o tema quando pesquisa os principais autores que ao longo do século XX investigaram o igbá iwá. Ao aproximar duas visões que possuem bases epistemológicas diferentes, não é possível deixar de enfrentar os sólidos problemas trazidos por Dominique Lambert (Lambert 2002). Ele apresenta três formas de interação entre as ciências e a teologia.

Cosmologia – uma abordagem resumida do modelo Big Bang O físico Rogério Rosenfeld apresenta o conceito de Cosmologia de uma forma muito simples e precisa: “(...) Ciência que estuda a estrutura, evolução e composição do universo” (Rosenfeld 2005: 31). Este termo evoca a necessidade de um método científico que elabora, testa modelos de respostas para o seu problema de forma e organização do universo, bem como a questão de compreender as fases pelas quais o universo atravessou e está atravessando.

_________________________________________________ 1 A Academia classifica a Umbanda, Candomblé, Xambá, Toré, Babassuê, Jarê, Catimbó-Jurema e outras denominações religiosas brasileiras como religiões Afro-brasileiras. 2 Para compreender a cosmovisão da Escola de Síntese, cf. (Rivas Neto, 2002) 3 Termo de origem yorubá que significa igbá = cabaça e iwá = existência.

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Uma vez dentro da Cosmologia, o modelo que atualmente oferece o maior número de respostas coerentes é certamente o big bang. Neste artigo será utilizada a descrição de alguns de seus elementos para apresentar os pontos que interessam no relacionamento com a cosmovisão das Religiões Afro-brasileiras. No modelo em questão toda a matéria/energia se reuniu em um único ponto (“ovo cosmogônico), menor do que a menor partícula conhecida, quando o big bang4 é deflagrado. Intuitivamente este termo pode gerar a ideia de algum tipo de explosão, entretanto não pode ser interpretado integralmente desta forma. “(...) o Big Bang não foi uma explosão no espaço e sim do espaço. (...) o Big Bang na foi uma explosão no tempo e sim do tempo. Ambos, o espaço e o tempo, foram criados no momento do Big Bang” (Singh 2004:438). Após o big bang, surgiram as quatro interações fundamentais: força gravitacional, força eletromagnética, força nuclear fraca e força nuclear forte. Neste momento igualmente surgem os três fenômenos cosmogenéticos: movimento, luz e som. Especialmente estes três fenômenos interessam aos desdobramentos seguintes do artigo, então é necessário observar como o modelo prevê os mesmos com maior atenção. Aproximadamente em um segundo o universo superquente inicia um processo aceleradíssimo de expansão (primeiro aspecto: movimento) e rapidamente sua temperatura cai de alguns trilhões para bilhões de graus. O universo possuía naquele momento, principalmente, prótons, nêutrons e elétrons, “tudo banhado num mar de luz” (Singh 2004:438) - segundo aspecto: Luz. Com a propagação de luz surge o som, terceiro aspecto: Som. Os prótons, neste caso, relacionados aos núcleos de hidrogênio iniciam reações com outras partículas nos minutos seguintes para formar núcleos mais leves, como é o caso do hélio. O universo, seguindo o modelo, continuou a se expandir e esfriar. Após mais ou menos trezentos mil anos, a temperatura reduziu bastante e os elétrons reduziram sua velo-

cidade, se prendendo ao núcleo formando átomos completos. O surgimento de átomos “completos” fez com que a luz “parasse” de percorrer o universo “desimpedidamente”. Essa luz é a radiação cósmica de fundo em micro-ondas cósmicas (RCFM), o eco luminoso do big bang, previsto por Gamow, Alpher e Herman e registrado por Penzias e Wilson (Singh 2004:438). Dando sequência ao processo de manifestação, de concretização da matéria, as primeiras estrelas e galáxias se formaram no momento em que o universo possuía um bilhão de anos. As reações nucleares dentro das estrelas deram origem aos elementos de peso médio, enquanto os elementos pesados eram construídos na morte das estrelas. Pela formação de elementos como carbono, oxigênio, nitrogênio, fósforo e potássio que foi possível surgir a vida tal qual nós a conhecemos (Singh 2004:438). Sem se estender muito no modelo, o que seria impossível no recorte aplicado nesta pesquisa, estamos aqui e agora há aproximadamente 15 bilhões de anos5 de todo este processo descrito. O que não pode se negar é o fato do modelo big bang, que muitos cientistas tentaram utilizar para vencer os mitos até então existentes, não deixa de ser também um mito que carrega o termo “científico”. É um mito no sentido de querer explicar questões profundas para a reflexão humana fazendo uso de uma linguagem acessível, porém pelo viés acadêmico.

Teologia com ênfase nas Religiões Afro-brasileiras

Antes de apresentar duas perspectivas da cosmogênese nas Religiões Afro-brasileiras é importante ressaltar o “olhar” crítico adotado. Uma vez que esta pesquisa está inserida nas Ciências da Religião, será aproveitada a sua capacidade interdisciplinar e dialogar-se-á não só com a Cosmologia e Ciências Sociais, mas também e principalmente a abordagem teológica desenvolvida de forma conceitual há décadas na linguagem religiosa dos inúmeros terreiros6 existentes no país e que tem como marco o credenciamento e autor-

_________________________________________________ 4 Termo inglês que de uma forma aproximada pode ser traduzida como “grande estouro” 5 Existem estudos onde os cálculos subtraíram ou adicionaram um par de bilhões de anos, o que não é significativo para a discussão ensejada aqui. 6 Denominação utilizada para identificar um templo das Religiões Afro-brasileiras. Também conhecido como roça, ilê, choupana, entrou outros termos de acordo com a Tradição que segue.

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ização da Faculdade de Teologia Umbandista (FTU)7 pelo Ministério da Educação (MEC). A FTU enfrenta na construção do seu status epistemológico duas questões nevrálgicas. Ao contrário da teologia cristã, calcada na tradição Escrita, é de tradição Oral. Como consequência direta desta característica surge uma diversidade muito grande de ângulos de interpretação. O que poderia suscitar em um primeiro olhar a existência de várias cosmovisões não só diferentes, mas até mesmo incomunicáveis entre si. Não será aprofundada esta problematização. Contudo, se faz necessário mostrar como esta Teologia coloca a questão da Tradição Oral para entender melhor a pluralidade existente dentro do seu próprio contexto religioso. A Teologia com ênfase nas Religiões afrobrasileiras apresenta uma proposta chamada Teologia da Convergência que compreende tanto o aspecto acadêmico, senso crítico, quanto religioso, crença, com igual importância e funções complementares. Da mesma forma como um homem possui dois braços e estes podem realizar atividades conjuntamente beneficiando o corpo humano. F. Rivas Neto, nesta construção analógica, identifica cada “braço” com um saber, científico e religioso, e o “corpo” com a Teologia sendo ela a própria interface entre ambas.8 O homem que fala é o homem que escreve e mesmo existindo diferenças consistentes entre a lógica de uma e da outra (Goody 1987), é possível reconhecer a existência do ponto comum no próprio construtor destes saberes: o ser humano. F. Rivas Neto argumenta que a escrita é a concretização da fala (Rivas Neto 2011a). Na primeira é possível retornar linearmente e historicamente à fonte fixa, pois está escrita. Já na segunda este saber é dinâmico, oscila em espiral. Dito de outra forma, sempre quando se retorna à(s) “origem(ns)” da Tradição Oral ela já não pode ser mais observada do mesmo modo, pois pela memória e poder de penetração do iniciado desta tradição a mesma sofre constantes (re)construções. Um exemplo disto é o texto que se segue.

Tudo começa na ideação (imanifesto) que se manifesta no pensamento (1ª instância), para a seguir se apresentar como verbalização (oralidade – 2ª) e, finalmente, a escrita (a 3ª). Sim, da ideação à escrita temos três fases de manifestação. No passado a oralidade era fundamental (cognição / memória). Nas religiões afro-brasileiras, no Candomblé, temos no oráculo composto de historietas e versos denominados Itanifá. No passado havia Babalawo (Sacerdote de Orunmila-Ifá) que suportava vários conhecimentos, mas principalmente os versos (esé) e signos-Odu Ifá que eram 256. Como cada Odu possui 16 historietas (256 x 16) temos um total de 4096. Nos dias de hoje é impossível pensar que esse “número astronômico” fosse guardado na memória, pois temos computadores que substituem a memória e a sobrepujam. Todavia não desdenhamos da Tradição Oral, pois segundo nossas proposições é a primeira manifestação do Espírito (ideia). (Rivas Neto 2011b)

Nesta diversidade aberta e dinâmica é possível constatar o porquê da existência de várias formas específicas de compreender e praticar aquilo que o crente percebe como Sagrado nas Religiões Afro-brasileiras. Não apenas em aspectos individuais, como ocorre em qualquer religião ou experiência religiosa, mas de forma estruturada coletivamente também. Afinal são Religiões Afro-brasileiras, uma expressão de duas palavras e ambas no plural. Entretanto existem pontos comuns que permitem uma identidade própria e a realização de um profícuo diálogo intrarreligioso. Dentro deste contexto é importante incorporar à abordagem teológica o conceito de “Escolas” nas Religiões Afro-brasileiras trazido por F. Rivas Neto, na justa medida em que permite uma maior abertura para compreender este sistema religioso policêntrico. Na Umbanda, pela diversidade dos seus adeptos, há também uma diversidade de ritos e de formas de transmissão do conhecimento. A essas várias formas de entendimento e vivência da Umbanda denominamos escolas ou segmentos. As várias escolas correspondem a visões, umas voltadas mais aos aspectos míticos e outras mais voltadas à essência espiri-

_________________________________________________ 7 A FTU é uma Instituição de Ensino Superior (IES) fundada pelo sacerdote das Religiões Afro-brasileiras e cientista Francisco Rivas Neto. Esta instituição foi autorizada e credenciada pelo MEC por meio da portaria 3864 de 18/12/2003 para formar bacharéis em teologia. A primeira turma foi diplomada no ano de 2010 8 Este conceito foi apresentado pelo autor em outras obras e mídias, porém a escolha deste vídeo é para reforçar a construção de conhecimento não só escrito, mas também oral. (cf. Rivas Neto 2011a).

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tual, abstrata. Embora não haja consen-

so quanto à ritualística, que são as várias formas de interpretar e manifestar a doutrina, a essência de todos é a mesma e todos são legitimamente denominados umbandistas. (Rivas Neto 2003:459)

O que está em jogo também é identificar os aspectos básicos de uma Escola. Segundo o mesmo autor, trata-se de epistemologia (corpo de conhecimento), metodologia (“linhas de transmissão”9 da Tradição Oral) e ética (interdependência entre as Escolas das Religiões Afro-brasileiras) (cf. Rivas Neto 2002).

Duas perspectivas da cosmogênese nas Religiões Afro-brasileiras: Doutrina do Tríplice Caminho e IGBÁ IWÁ (Cabaça da Existência) As duas perspectivas trabalhadas neste artigo são frutos de uma análise da Escola de Síntese. Esta Escola de pensamento está expressa na Ordem Iniciática do Cruzeiro Divino (OICD)10 fundada e conduzida por F. Rivas Neto e apresenta o seguinte conceito sobre a “Doutrina do Tríplice Caminho”: No momento da cosmogênese, conhecido como big-bang, três fenômenos concretizaram a Criação: a Luz, o Som e o Movimento. A interação da Essência Espiritual com a Substância Etérica amorfa produziu a Existência11 consubstanciada em Luz, Som e Movimento. Por isso, tudo na natureza se apresenta de forma ternária12, pela interação entre o ativo e o passivo que dá origem ao neutro ou gerado. Por isso dizemos que a Umbanda tem fundamentos cósmicos, porque remontam à cosmogênese. A Doutrina do Tríplice Caminho contém Epistemologia, Ética e Método para conduzir o Homem à união com o Sagrado, através da Triunidade. (Rivas Neto 2002:15)

A Doutrina do Tríplice Caminho é assim denominada, pois concebe três doutrinas em convergência. São elas: Doutrina Tântrica, correspondente à Luz; Doutrina Mântrica, ao Som; e Doutrina Yântrica, ao Movimento. O

processo desenvolvido neste tríplice caminho pode ser considerado de convergência, pois as três buscam purificar e sublimar os “órgãos” do Espírito que seriam para esta Escola também uma triunidade: Organismo Mental, Organismo Astral e Organismo Físico. Ao mesmo tempo, existe uma relação analógica entre eles como descreve o gráfico a seguir (Rivas Neto 2002:15):

Ao apresentar estas várias relações do macrocosmo com o microcosmo, surge a necessidade de compreender como a Escola de Síntese explica a transição da Cosmogênese até a Antropogênese passando pela Planetogênese. A chave está na ideia de manifestação/concretização, interdependência e poder volitivo do Orixá (Rivas Neto, 2010:93-106). Segundo F. Rivas Neto, o “Cosmos é a manifestação ou concretização do Poder Volitivo ou Operante dos Orixás e Hierarquia e, portanto, Sagrado, Divino” (Rivas Neto 2002:15). Após o processo descrito da cosmogênese em franco diálogo com o big bang, o autor considera que a planetogênese imitou a cosmogênese (Rivas Neto 2003:118), pois esta foi deflagrada também pelo poder volitivo do Orixá em suas hierarquias menores dando origem a um sistema com um aspecto trino de equilíbrio, estabilidade e harmonia planetários (Rivas Neto 2002:15) também relacionado com os três aspectos cosmogenéticos. A antropogênese imita a planetogênese e a cosmogênese quando F. Rivas Neto evoca o zigoto ou ovo, uma célula totipotente que resulta da união de dois gametas: espermatozóide (princípio masculino) e ovócito (princípio feminino). Por sua vez, o ovo cosmogônico é um ponto totipotente resultante dos princípios masculino e feminino expressos pelo poder volitivo do Orixá. Logo, é possível afirmar que o ovo se desenvolve e dá formação há uma nova vida analogamente como o

_________________________________________________ 9 A As “linhas de transmissão” são modos específicos de um sacerdote das Religiões Afro-brasileiras transmitir a doutrina para os seus filhos espirituais, notadamente marcadas pela Oralidade. 10 Templo das Religiões Afro-brasileiras sediado em São Paulo e com casas filiadas em várias regiões do Brasil. 11 Para o autor a essência espiritual está ligada ao princípio masculino, a substância ao feminino e a existência ao princípio gerado, união dos dois primeiros. 12 Elbein dos Santos também identifica a importância do número três para a tradição africana ketu. (cf. Elbein dos Santos 2007: 53 et seq)

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ovo cosmogônico deu “luz” ao universo. Estas relações analógicas são observadas também por F. Rivas Neto na tradição africana ketu sincretizando jeje-nagô, mais especificamente pela representação do igbá iwá (cabaça da existência). Antes, porém, é importante evocar Juana Elbein dos Santos que em sua pesquisa também reconhece que o igbá-odu é o igbá-iwá (Elbein dos Santos 2007:66). Compreendendo melhor a representação física do igbá iwá, Abraham afirma que “in some versions, she (Odùduwà) is the wife Obatalá13: this union is symbolized by two whitened calabashes closely fiting on top of each other” (Abraham 1958:451) F. Rivas Neto (Rivas Neto 2011c) e J. Elbein dos Santos (Elbein dos Santos 2007:68-71) concordam que iwá pode ser compreendido como existência, axé como poder de realização e abá como orientação e sentido. Igualmente os três podem ser associados aos três axés: sangue branco, sangue vermelho e sangue preto. Este mútuo entendimento entre ambos os autores continua quando ao interpretar um itanifá14 específico, afirmam que Oduduwá cria no Aiyê e Oxalá cria todas as criaturas do Orun15 , cujos duplos serão manifestados no Ayê. F. Rivas Neto, porém, vai além quando demonstra teologicamente a conexão entre os três axés e igbá iwá na cosmogênese. (...)Oxalá está associado com o ar e a água (é transformação de grande “massa de ar” – Olorun). As águas e o ar movendo-se, uma parte deles transformam-se em lama, que Olorun insuflou no montículo de lama (rochedo vermelho – laterita) seu hálito, dando-lhe a vida (a existência individualizada – Exu). Oxalá como vimos está associado ao ar e às águas; Oduduwá associada também à lama. Nesse contexto temos os “sangues” ou princípios: do branco (funfun), do vermelho (pupó) e do preto (dudu). Portanto temos os três “sangues” fundamentais do Axé – branco – vermelho e preto. Surgiram nessa ordem: branco (ar e água). vermelho e preto (lama). São representados por uma cabaça. O IGBA IWÁ ou IGBADU ou IGBA AXÉ. A metade superior da cabaça corresponde ao Orun, ao Sr. do Branco

– Orixalá (masculino); a metade inferior corresponde ao Aiyê, a Sra. da lama (vermelho e preto) - Oduduwá (feminino). A correspondência já pode ser feita com o Tríplice Caminho, guardando-se óbvio, todos os fundamentos para no devido momento ser transmitido (na palavra, no rito, enfim no AXÉ) na Iniciação feita no terreiro(...) (Rivas Neto 2011c)

Nesta passagem é possível verificar a semelhança com as teorias mais recentes de surgimento da vida no planeta, quando a mesma aparece na água e se manifesta depois em terra firme. Lembrando que são versos sagrados da tradição africana presentes no seu povo há milhares de anos e estão atualmente fielmente depositados nas Religiões Afro-brasileiras, ou seja, não foram influenciados pelas descobertas científicas contemporâneas. No entanto, resta nesta visão verificar o relacionamento com a cosmogênese. O fenômenos cosmogenéticos Luz, Som e Movimento podem estar sendo representados pela cabaça (IGBÁ) – Ovo Cosmogônico que se apresenta, manifesta em Luz (Oxalá – Principio do Branco), Som (Oduduwá – Princípio Vermelho/Preto), Movimento (EXU – Princípio do Preto – Elemento procriado). Os Orixás da Criação e da Sabedoria, o par Orixalá – Oduá ou Oduduwá, representam a Existência genérica – o Princípio indutor da Criação. Exu por sua vez, o terceiro elemento – a terceira cabaça – IGBA KETÁ é o elemento procriado, a existência diferenciada, individualizada. (Rivas Neto 2011c)

A analogia aqui é clara e inédita. Assim como no ovo cosmogônico temos os três elementos em potência, no igbá iwá encontramos os três axés. Após o big bang, é deflagrado o movimento, depois a luz e, em seguida, o som. Analogamente, da cabaça, Exu é responsável como primeira manifestação pelo Movimento. Oxalá é a Luz que antecede Oduduwá representante do Som que são manifestos na existência por Exu. (Rivas Neto 2011c) Na antropogênese outra relação feita pelo autor é pertinente. O espermatozóide (masculino-gerante) é de cor branca e fecunda o óvulo (feminino-gerante) de cor vermelha dando origem ao zigoto (neutro-gerado) de cor preta. A representação de cores aqui é

_________________________________________________ 13 Obatalá possui correspondência com Oxalá 14 Os versos sagrados dos Odu-Ifá são conhecidos de forma plena apenas pelo babalawô. 15 Orun – planos sobrenaturais e Aiyê – planos naturais

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Católica, pois nega o caráter histórico da revelação bíblica e despreza, ao mesmo tempo, a verdade das ciências da natureza e das ciências filológicas e hermenêuticas”. (Lambert 2002:68)

evidente e coincide com a função dos três axés na cosmovisão preconizada por esta tradição.

Uma possibilidade de diálogo entre Ciência e Religião em F. Rivas Neto A busca pela aproximação entre Teologia, Ciência e Religião não é nova. Logo, é preciso enfrentar as questões complexas levantadas ao longo do tempo entre ambas no diálogo franco que esta abordagem procura estimular. Como não existe trabalho acadêmico conhecido sobre a relação Ciência e Teologia com ênfase nas Religiões Afro-brasileiras e muito menos a cosmologia, além do que foi exposto, torna-se difícil proceder com o contraste tão necessário em uma pesquisa. Em sentido inverso, na Teologia cristã é possível observar vários autores que discorrem este tema, tendo em vista a consolidação histórica da mesma. Um dos que se destacam nesta discussão é Dominique Lambert quando propõe três formas de interação das ciências com a teologia: “concordismo”, “discordismo” e “articulação”. Além do exposto, cada um deles possui três níveis – ontológico, epistemológico e ético. (Lambert 2002:67-114) No concordismo o que está em jogo é colocar ciência e teologia no mesmo plano, desconsiderando as suas diferenças, as suas especificidades. O discordismo vai ao sentido contrário, criando “uma barreira hermética entre as duas abordagens, impedindo, em princípio, qualquer contribuição de uma para a outra” (Lambert 2002:67). A articulação procura estabelecer um diálogo recíproco respeitando as diferenças. A crítica que inicialmente poderia ser levantada para o presente problema é o concordismo. Porém, em Lambert, no rigor do termo não seria possível submeter à teoria de F. Rivas Neto. Afinal, o próprio autor afirma: “Historicamente, o concordismo é uma posição exegética que consiste em procurar uma correspondência direta, sem mediação, entre uma passagem das Escrituras e um conhecimento científico. (...) Esse gênero de concordismo, associado a uma leitura “literalista” ou “fundamentalista” da Bíblia é rejeitado explicitamente pela Igreja

Mesmo que o lado científico seja o mesmo, nas duas condições – concordismo católico e um hipotético “concordismo” das religiões afro-brasileiras – certamente as bases teológicas são bem distintas. Porém, considerando a base teológica afro-brasileira no seu próprio contexto, a passagem direta para a Ciência poderia entrar nesta crítica concordista. Sob esta ótica que a questão será enfrentada. O Concordismo ontológico. Nesta crítica Lambert coloca os posicionamentos de Deus como realidades que entram diretamente no campo das ciências e cita as emblemáticas tipificações physical God e God of the gaps. Interessante que o exemplo clássico do big bang é citado colocando Deus como início do mesmo (Lambert 2002:69 et seq.). As religiões afrobrasileiras possuem um corpo teológico onde “Deus”, “Zamby”, “Tupã”, “Oludumaré” não é nem um Deus-informação, muito menos um tapa-buraco. “Deus” possui uma hierarquia Divina que vai dos Orixás, em suas amplas qualificações que não cabe aqui pormenorizar, aos Ancestrais Ilustres agindo nos vários níveis metafísicos e físicos. Entendendo que nas religiões afro-brasileiras conceitos como reencarnação, comunicação com os espíritos por meio de transe e outros elementos específicos da Tradição Oral são inerentes ao seu corpo doutrinário. Na teoria do big bang não se discute per si o que havia antes do t0 se considerarmos o tempo físico, mas sim o momento metafísico. Neste “tempo” Oxalá e Oduduwá são os princípios da criação genérica dando formação a tudo que existe. Nesta construção da cosmovisão, por analogia e não uma simples passagem direta associa-se a cabaça da existência ao ovo cosmogônico. Exu na qualidade de terceiro elemento individualizou tudo que existe. No modelo big bang, é a partir do movimento gerado que todas as construções respondidas por ele vão ocorrer. Da mesma maneira sem sê-la, se dá a função de Exu na existência diferenciada.

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Existem outros nomes que O conceitua sem defini-Lo pág.60


No concordismo epistemológico (Lambert 2002:71), um ponto interessante surge para verificar a validade do argumento que é apresentado neste artigo. De fato, os seres considerados pelas ciências e pela teologia afrobrasileira são os mesmos. A diferença é que as ciências consideram seus caracteres mais concretos e a teologia afro-brasileira analisa numa perspectiva mais abstrata o que não permite confundir um campo de atuação do outro. Neste ponto é possível desconsiderar o concordismo epistemológico que critica a coincidência dos dois campos de atuação. Contudo, Lambert coloca novamente o problema do modelo big bang neste nível, apontando a problemática de sua passagem direta de uma área para outra. Ele mesmo refuta tal condição, impossibilitando a criação da teologia cristã e sua escatologia respectiva no que seria o big bang e big crunch (Lambert 2002:71-76). Mais uma vez as respostas no enfrentamento epistemológico do concordismo estão na metafísica que as religiões afro-brasileiras se apóiam para não confundir sua cosmovisão com a as ciências naturais. No que pese aceitar a ideia de que a matéria é concretização do espírito, esta primeira segue as leis naturais que é objeto da Ciência. Porém, existem elementos que fogem ao ferramental científico – até por não ser o seu escopo de atuação – que a teologia se interessa e encontra uma possibilidade de conexão por “encaixe” analógico. Um deles seria considerar que a matéria recebeu o poder volitivo do Orixá em potência e adquiriu condições importantes para ser ordenada nos moldes que a ciência vem gradativamente aperfeiçoando a sua compreensão. Quanto mais descobertas sobre a matéria, mais inteligível é de se constatar a sua causa, logo nos faz perguntar sobre a sua causa e sentido primeiro e ultérrimo. Algo que a teologia pode contribuir de forma decisiva, o que parece Lambert ter também intuído na perspectiva cristã. Quanto ao concordismo ético (Lambert 2002:76), não é possível observar nenhum ponto que preocupe a teologia com ênfase nas Religiões Afro-brasileiras, uma vez que ela é pela interdependência. A ciência pode até auxiliar na compreensão do homem como uma unidade biopsicossocial, porém não tem pág.61


condições de analisá-lo como ser intersubjetivo em todas as suas nuances espirituais mais profundas.

neutralizadoras do fundamentalismo endógeno”, Blog Espiritualidade e Ciência. http://sacerdotemedico. blogspot.com/2011/01/escolas-umbandistas-as-neutralizadoras.html. Acesso em: 07 mar. 2011.

No discordismo, como dito anteriormente, não é preciso aprofundar muito, pois no modelo trazido pelo Lambert a abordagem aqui apresentada não enfrenta nenhuma das suas implicações. Assim como não é possível fazer uso de forma direta do concordismo que tem a teologia católica como base, não pode se beneficiar da articulação, pois a base critica é a mesma.

_____________. 2011c “A Triunidade Cósmica e sua relação com Orixalá - Oduduwá – Exu”, Blog Espiritualidade e Ciência. http://sacerdotemedico.blogspot. com/2011/01/triunidade-cosmica-e-sua-relacao-com. html. Acesso em: 07 mar. 2011.

Sendo assim, os pressupostos da interação entre Teologia com ênfase nas Religiões Afrobrasileiras e Ciência precisam ser mais claros do que a Teologia da Criação com a mesma diante dos pressupostos que cada uma sustenta. Se nesta última os objetos são diferentes, na primeira teologia existe uma visão de concretização que termina na Ciência passando pela Arte, Filosofia e iniciando na Religião.

ROSENFELD, R. “A Cosmologia”, Revista Física na Escola, v.6 / n.1. pp. 31-37. www.sbfisica.org.br. Acesso em: 07 mar. 2011

A pesquisa buscou enfrentar estas tensões e mostrar que o pensamento de F. Rivas Neto suscitaria outra perspectiva, pois a Teologia utilizada na aproximação não é a cristã. Tratase de uma teologia com ênfase nas Religiões Afro-brasileiras que está calcada na Tradição Oral e em uma abordagem polissistemática, policêntrica e multirreferencial.

Referências bibliográficas ABRAHAM, R. C. 1958 Dictionary of Modern Yoruba, Londres, University of London Press. ELBEIN DOS SANTOS, J. 2007 Os Nàgô e a morte: Pàde, Àsèsè e o culto Égun na Bahia. Petrópolis: Vozes. GOODY, J. 1987 The interface Between the Written and the Oral. Cambridge: Cambridge University Press. LAMBERT, D. 2002 Ciências e Teologia – Aspectos de um diálogo. São Paulo: Edições Loyola. RIVAS NETO, F. 2010 Espiritualidade e Ciência na Teologia das Religiões Afro-brasileiras. São Paulo: FTU Editora. _____________. 2011a. “Finalidades da Teologia na Sociedade”, Blog Espiritualidade e Ciência. http:// sacerdotemedico.blogspot.com/2011/03/iniciacao-sinonimo-de-responsabilidade.html. Acesso em: 07 mar. 2011. _____________. 2011b. “Escolas Umbandistas: As

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_____________. 2003 Sacerdote, Mago e Médico: cura e autocura umbandista. São Paulo: Ícone. _____________. 2002 Umbanda A Proto-Síntese Cósmica. São Paulo: Pensamento.

SINGH. S. 2004 Big Bang. Rio de Janeiro: Editora Record.


Toque de Jurema A cura em várias dimensões

O Toque de Jurema (Encantarias – Encantados) é um culto público com fins propiciatórios à (1) cura, (2) resolver problemas vários do cotidiano, (3) amor e, finalmente, (4) problemas espirituais vários. O Culto à Jurema tem na adaptação do homem aos três ambientes: natural, social e sobrenatural a forma de encontrar a estabilidade, a harmonia e o equilíbrio. A quebra desse equilíbrio (dos três ambientes) pode desencadear vários óbices, inclusive a deflagração de agressão mística – de-

mandas, ataques mágicos ou berundangas - responsável por infortúnios espirituais tais como “vida amarrada” e perturbação espiritual na dimensão afetiva promovendo o insucesso no amor e as maiores dificuldades no aspecto econômico-financeiro. Finalmente, os problemas mais ou menos graves de saúde mental ou somática. Todos esses infortúnios ou malefícios são combatidos pelos rituais ou Toques de Jurema, pois por intermédio de “ervas receitadas” em forma de chás, decocto, defumações e, principalmente, com o vinho de Jurema e pág.63


as “fumaçadas” preparadas para combater todos os males (fumo misturado com ervas propicias a várias finalidades). São esses remédios dispensados pelo Mestre acostado (entidade sobrenatural), ou mesmo pelo Mestre Juremeiro encarnado que em geral é erveiro, mateiro, rezadeiro, raizeiro, benzedeiro e “feiticeiro” que favorecem e restabelecem a harmonia, a estabilidade e o equilíbrio perdidos. As fumaçadas são aspergidas, em formas de fumaças sopradas pela marca (pelo fornilho) nos consulentes pelo Mestre acostado algo que caracteriza os Mestres da Jurema, Mestre da Sabedoria e de fundamento nas raízes de seu Mestre iniciador desde quando foi “enjuremado”. Os cultos não são apenas públicos, pois há os individuais, onde se atendem e se faz vários tipos de trabalhos, todavia, quando do Toque de Jurema, o mesmo se processa da seguinte maneira: 1. Os rituais ou mesas são mágico-sagrados sendo muito valorizados principalmente pelos benefícios que propiciam. 2. O uso do vinho de Jurema é o principal re-

médio para todos os males. Os ingredientes do vinho de Jurema é de conhecimento exclusivo dos iniciados, por isso faz-se silêncio sobre sua composição. 3. O tabaco é fundamental na eliminação de malefícios vários, podendo também trazer benefícios espirituais – “chamar o transe” – quando aspirado profundamente. 4. O grande número de remédios oriundos da flora e da fauna são o manancial onde os Juremeiros preparam seus “líquidos ou pós de poder”, suas garrafadas, lambedores (xaropes) e banhos para neutralizar malefícios vários e trazer benefícios. Para tantos “benefícios” os Mestres, basicamente fazem uso de três objetos magísticos. A princesa – uma bacia de louça branca com fumo de corda e outros elementos que representam a fonte de todo poder do Mestre. A marca mestra (maracá) que se acredita ter o poder de abrigar vários espíritos das cidades e aldeias que rodeiam as cidades místicas ou reinos da Jurema. O terceiro poder é determinado pela fumaça da marca do Mestre acostado, que serve de remédio e propicia o transe de possessão. O Toque de Jurema (Encantaria) é encontrado em várias religiões afro-brasileiras, princi-


palmente na Umbanda, em algumas de suas vertentes; no Culto de Nação Africano (JejêNago-Angola); No Tambor de Mina - há mais de 50 anos presente em várias regiões do país fundamentado no Culto Jejê (Voduns), principalmente nas divindades Poli Boji, Dambirá, Quevioçô, Sobô, Badé, em perfeita harmonia com Orixás Ketu,Mestres e outros Encantados; não se pode esquecer do Tambor da Mata ou Terecô - oriundo do Mearin e de Codó do Maranhão, que hoje se encontra difundido em alguns estados - onde se apresenta Barba Soeira (Santa Bárbara) e vários outros encantados, principalmente Mestre Légua, Rei da Turquia, Rei D. Sebastião e muitos outros. Prosseguindo, o Toque de Jurema, ao contrário do que muitos pensam, é complexo nos fundamentos e na ritualística. Há um enredo que vem puxando uma teia de ancestralidade indígena e européia tendo como pedra angular o poder mágico curativo da Erva Jurema e do Vinho preparado com ela. “Curam” vários males, principalmente pelos conhecimentos e poderes dos Mestres encarnados que são acostados por Mestres de outro mundo, “Juremeiros desencarnados” (será apenas isso?). As curas proporcionadas pelo poder do vinho de Jurema potencializadas pelos fundamentos dos Mestres e seus avatares atingem o psicossomatismo (mente e corpo) do consulente, o social – problemas afetivos-sexuais e financeiros vários; os espirituais – “vida amarrada”, feitiçaria, bruxaria e outras influências negativas. Antes do encerramento deste sumário sobre a Jurema e seus rituais de fundamento e as diversas encantarias há de se ressaltar que cânticos (louvarias ou cantorias) e danças sob a influência das fumaçadas e a degustação do vinho de Jurema caracterizam esse culto e seus adeptos. O Toque de Jurema no que concerne ao aparente caos - pois transgride na alegria e na paz a cultura vigente - e do lúdico, faz parte da cura proporcionada pelo poder dos Mestres que conhecem a psicologia e o imaginário das humanas criaturas. Com certeza, o Toque de Jurema e outras religiões afro-brasileiras são formas de resistência às proscrições, às desigualdades que infelizmente campeiam na sociedade, protagonista de descriminações várias, preconceitos, que impedem as necessárias mu-


danças e mobilidades sociais. Além da resistência, Mestres do outro mundo e deste mundo se unem não somente para proporcionar curas em várias dimensões do ser humano e de sua sociedade, mas labutam pela transformação sócio-espiritual que vem ocorrendo na sociedade brasileira que elevará a uma forma justa de religiosidade nossa gente. Salve a Jurema Sagrada! Salve, Salve, os Mestres! Salve, Salve, os Príncipes, as Princesas e todos os demais Encantados! Nesta publicação, na expectativa de promover e fomentar a discussão de tão instigante tema, disponibiliza-se fotos do culto realizado em junho no Centro de Cultura Viva das Tradições Afro-brasileiras; prova inexorável da universalidade da inclusão espiritual e social por ela preconizadas. Axé!

F. Rivas Neto Fonte: http://sacerdotemedico.blogspot.com/2011/06/ toque-da-jurema-cura-em-varias.html


Resenha SALLES, Sandro Guimarães de. À sombra da Jurema encantada: mestres juremeiros na Umbanda de Alhandra. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2010. O livro de Sandro Guimarães de Salles – À sombra da jurema: um estudo sobre a tradição dos mestres juremeiros na umbanda de Alhandra - PB, resultado da pesquisa realizada para sua dissertação de mestrado em Ciências Sociais – UFRN, reflete sobre o culto da jurema em Alhandra, para compreender o encontro dessa tradição e a umbanda. Os estudos das chamadas religiões afrobrasileiras, desde Nina Rodrigues, que voltaram suas atenções para as tradições consideradas mais autênticas, mais puras, como as jeje-nagô, deixando de lado os qualificados de cultos misturados, como o catimbó-jurema, considerado como forma impura. Nesse percurso, nos anos de 1930, Mário de Andrade e sua busca por elementos que representassem à identidade nacional, vai ao encontro das manifestações folclóricas, das artes populares, danças e músicas tradicionais, como também da religiosidade, descobrindo o catimbó nordestino. Outros estudiosos seguem o modernista no interesse por práticas da religiosidade popular: Câmara Cascudo, Gonçalves Fernandes, Roger Bastide. Mais recentemente o catimbó volta ao foco de interesse dos estudiosos sob a denominação de jurema e em um contexto marcado pela presença da umbanda. Em seu dinâmico processo de construção/reconstrução, a umbanda vai selecionando elementos religiosos de tradições diversas e reorganizando-os

em novas formas de concepções de crenças e práticas rituais, absorvendo os cultos regionais, difusos na cultura e religiosidade, ao mesmo tempo em que é assimilado por eles, produzindo um encontro de inter-relações, em que elementos religiosos são reelaborados mutuamente. É nesse contexto dinâmico e dialético, marcado pela legitimação da umbanda e pelo declínio das mesas de catimbó e seguindo essa linha de reflexão que o trabalho vai se inserir, explorando com densidade a temática proposta, embora sem perder a perspectiva de ser um campo fecundo, pouco explorado e desafiador, como o próprio autor afirma: “sobre o qual temos, ainda, mais perguntas do que respostas”. Durante a realização da pesquisa, segue um caminho metodológico que combina rigor acadêmico e estreito relacionamento com os sujeitos interlocutores, fazendo uso da etnografia, observação e entrevista, como de revisão bibliográfica, pesquisa em arquivos e utilizando do registro em vídeo e fotografia, compondo um rico acervo documental sobre o campo pesquisado. O livro está organizado em cinco capítulos, além de uma introdução, a conclusão, as referencias bibliográficas e um conjunto de fotografias. O primeiro capítulo, denominado de O legado indígena, aborda algumas questões pág.67


referentes aos índios nordestinos no período colonial, como a presença da jurema (bebida) entre eles, sua suposta “irreligiosidade” e as implicações do seu encontro com os colonizadores. Procura situar, ainda, o contexto em que surge o aldeamento de Assunção, ou Aratagui, sua elevação à categoria de vila, até a extinção definitiva do aldeamento, em 1862. Observa o autor que “a elevação do aldeamento de Aratagui à categoria de vila (Alhandra) marca o fim de uma política indigenista que durou mais de dois séculos e que tinha nos missionários, sobretudo os jesuítas, seus principais representantes. Aratagui, portanto, representa esse projeto missionário e segregacionista, enquanto Alhandra representa o projeto secular e integracionista, que marca a administração pombalina” (p.53). No documento que trata da extinção do aldeamento de Aratagui, emitido em 1862 pela Diretoria de Terras Públicas e Colonização do Ministério da Agricultura, uma nota se destaca por comunicar que “as terras dos aldeamentos a serem extintos deveriam ser distribuídas, após serem medidas e demarcadas, às famílias dos índios. Estes se tornariam proprietários após cinco anos de efetiva residência e cultura” (p.59). Se por um lado, a medida adotada intensifica o processo de fragmentação e declínio dos aldeamentos e a ocupação das terras por colonos, por outro, possibilita a demarcação de terras, como as que foram destinadas a Inácio Gonçalves de Barros, na localidade de Estivas, que se transformaria posteriormente em espaço sagrado para a tradição da Jurema na região. O segundo capítulo, O culto da jurema em Alhandra e suas interfaces, versa sobre a dinâmica dos processos de transformação e reelaboração do culto. Nele, procura situar a prosperidade do Acais, referencia maior da tradição na região, onde viveram personagens importantes da jurema, como Maria do Acais, Cassimira, Flósculo e Damiana. Procurando traçar uma genealogia dos proprietários do Acais, informa que em 1908 teria como proprietária Maria Gonçalves de Barros (irmã de Mestre Inácio), que tempos depois, faria doação para sua sobrinha, Maria Eugênia Gonçalves Guimarães. Esta, posteriormente seria conhecida por Maria do Acais. Para concluir o capítulo, o autor apresenta, a partir de uma revisão bibliográfica, dados pág.68


sobre o processo histórico de formação da umbanda no país, bem como elementos sobre o encontro da jurema com a umbanda na região de Alhandra, indicando as transformações decorrentes e o perfil do novo contexto religioso. O terceiro capítulo, O cosmos religioso, discute o sistema de crença dos terreiros umbandizados da região, a importância da tradição dos antigos mestres juremeiros na reconfiguração do cenário religioso, seu universo mítico e simbólico e as cidades da jurema. Em um segundo momento, analisa a interpenetração e circularidade dos elementos advindos dos antigos mestres e da umbanda, o panteão, as obrigações, a música ritual e a bebida consumida durante as sessões. Segundo Salles a umbanda de Alhandra é marcada por dois universos, que embora distintos, se integram no cotidiano – os orixás e os mestres da jurema, denominando a prática de “umbanda traçada” e identificando o domínio sobre as diversas linhas. O que o autor vai destacar é a presença de uma tradição da jurema nessas práticas, através do culto nas “cidades” e nas mesas de jurema. Embora ressalte as transformações que o culto vem passando, lembra que as “cidades” continuam ocupando uma posição central no universo mitológico dos atuais juremeiros da umbanda de Alhandra. A “cidade” se refere a um determinado espaço, tornado sagrado, onde existe um pé de jurema, ou um conjunto deles. O quarto capítulo, O espaço de celebração, procura situar os terreiros nos quais realizou as observações – Centro Espírita do Mestre Zé Pilintra, o Templo Religioso Orixá São João Batista e o Centro Espírita Ogum Beira-Mar, para analisar aspectos sócios estruturais dessas casas e as relações existentes entre eles. O Centro Espírita do Mestre Zé Pilintra privilegia os toques de jurema, seguindo a orientação de seu dirigente que se considera “juremeiro de nascença” e que ainda não deu obrigação para santo. O Templo Religioso Orixá São João Batista é identificado por seu dirigente como uma casa de umbanda, embora realize rituais de jurema. O Centro Espírita Ogum Beira-Mar divide sua atuação ritualística entre a jurema e o santo. Sandro Salles vai mostrar neste capítulo que para além de uma pluralidade de práticas religiosas existe um campo conflituoso e de disputas entre as

casas e seus dirigentes. O quinto capítulo, Os rituais, privilegiou a etnografia ao descrever dois toques de Jurema. O primeiro no Centro Espírita do Mestre Zé Pilintra e o segundo no Templo Orixá São João Batista – um mais próximo dos elementos advindos dos antigos mestres juremeiros, e o outro, considerado pelo autor, como mais umbandizado. Completa o capítulo, o registro das observações realizadas em sessões de mesa – uma denominada de mesa branca e a outra de consulta, abordando seus significados para os juremeiros umbandistas de Alhandra. O trabalho de Salles traz significativas contribuições para a compreensão do contexto e dinâmica religiosa da jurema na atualidade, seja através da narrativa histórica sobre o legado indígena de Alhandra, o clã do Acais e suas interfaces com o universo mítico e simbólico ali constituído, seja nas descrições etnográficas dos terreiros, os espaços de celebrações e dos rituais. O primeiro aspecto conduz o leitor a conhecer os meandros da história local, do aldeamento de Aratagui, dos índios tabajaras, as guerras, a demarcação das terras indígenas, como do ultimo regente dos índios de Alhandra, mestre Inácio Gonçalves de Barros e seus descendentes, entre eles a mestra Maria do Acais. O outro aspecto nos leva a conhecer a prática da jurema em um contexto marcado pela presença da umbanda, sem, no entanto perder os vínculos míticos e simbólicos com o catimbó do Acais, aliás, como bem demonstra, é exatamente o legado da tradição de Alhandra que dotará de certa singularidade a umbanda local. Por fim, em um momento em que a comunidade religiosa se articula frente à destruição do seu patrimônio cultural – as edificações do sítio Acais e as cidades da jurema cultuada por Maria do Acais, por exemplo, a dissertação reafirma a importância do tema, as lutas e os processos de resistência secularmente vivida por essas pessoas, ao mesmo tempo em que sistematizam um conhecimento construído através do diálogo permanente, contribuindo para que esses escritos possam ser compartilhados por essas mesmas pessoas que o ajudaram a construir – o povo das comunidades de terreiro, o povo da jurema. pág.69


Entrevista

Pai Fábio Mauricio

mo, oferendas e o meio ambiente dentre outros. Há também os preceitos internos como iniciação, reinos sagrados, pontos riscados, batismos e casamento.

Como estão configuradas as religiões Afro-brasileiras em Sergipe e na Região Norte como um todo?

A religião predominante é o Candomblé de caboclo, misturando conceitos e guias da Umbanda com os rituais de sacrifícios do candomblé. No interior do estado, podemos encontrar pouquíssimas casas que trabalham na Juremeira/ catimbó. As casas de Umbanda têm proximidade com os católicos, em sua totalidade com altares com santos católicos. Em todo o nordeste a predominância é do Candomblé, catimbó e pajelança, este último com uma forte ligação com a Umbanda de caboclo com restigies da tribo indígena dos Karirischocós.

Continuando a viagem pelo Brasil, a Revista Teologia de Convergência traz em sua terceira edição o Pai Fábio Mauricio. Sacerdote há 21 anos, ele dirige o Centro de Umbanda Caboclo Tupy, em Aracajú – SE (conheça o terreiro pelo site www. geraweb.net/caboclotupy) e já enfrentou a intolerância de vizinhos e de praticantes de outras religiões afro-brasileiras. Segue na luta, praticando a caridade e nadando contra a maré em um mundo intolerante, somando forças com aqueles que pregam a convergência e negam o purismo dessa ou daquela raiz.

Quais são as atividades desenvolvidas no templo?

Todas as nossas atividades estão ligadas, exclusivamente, à prática da caridade. Aos sábados, temos consultas com os guias espirituais abertas ao público e, em outros dias específicos, ministramos diversos cursos voltados para o desenvolvimento espiritual e mediúnico, conceitos e raízes da Umbanda, Geoterapia, benzeduras, fitoterapia, Magnetispág.70

As religiões afro-brasileiras sofrem processos de intolerância religiosa?

Sim, infelizmente sofremos. O nosso centro passou por momentos muitos difíceis, inclusive ocasionados pela intolerância de alguns irmãos de culto. Por duas vezes tivemos que nos mudar porque algumas pessoas não aceitavam o nosso centro naquela comunidade. Hoje, graças a Deus e aos nossos guias espirituais, conseguimos nossa sede própria. O que nos entristece é que isso ainda acontece. Eu me pergunto onde estão as federações, associações que dizem defender e auxiliar os federados de todo o Brasil. É nessa hora que sentimos o peso da solidão. De alguns anos para cá, estamos vendo movimentos fortes e organizados na cultura negra e isso é muito importante, mas ainda não vejo organização e vontade para nos unirmos em prol da nossa religiosidade. Como disse, o pior é quando vem o preconceito de nossos irmãos de escolas diferentes. A predominância em nosso estado é do Candomblé de Caboclo e a desunião começa aí, pois eles não en-


tendem - ou não querem entender - que existem formas diferentes de se trabalhar espiritualmente. Sofremos também preconceito dos Kardecistas e evangélicos e há um descaso por parte das autoridades, pois não apoiam iniciativas em nosso favor. Em um dos cursos oferecidos entramos em contato com diversos setores da rádio e jornais e conseguimos divulgação em apenas um deles (Cinform), um jornal de grande circulação no estado. Entramos em contato com as Secretarias da Cultura e da Educação, com diversos políticos, diversas Faculdades e Universidades do Estado. Entretanto, apenas duas divulgaram entre os docentes e discentes e expuseram em seus sites - UNIT – Universidade Tiradentes (particular) e a UFS Universidade Federal de Sergipe. Acredito que começamos uma longa caminhada, cheios de motivação, porque as coisas estão começando a mudar; antes ninguém nos enxergava, agora pelo menos estamos incomodando.

O senhor faz alguma atividade social?

O desenvolvimento mediúnico não deve ficar inerte à prática da atividade e inclusão social e, em nosso centro, somos formadores de cidadãos conscientes de nossas responsabilidades na sociedade. O trabalho do Centro não poderia se resumir ás consultas espirituais. Por isso, desenvolvemos tarefas como visitas a entidades sociais. Nestas visitas, além da doação de donativos, procuramos trabalhar o lado humano, dando atenção, afeto, escutando e ajudando dentro das necessidades de cada instituição. Apoiamos projetos sociais com ideologia voltada para a inclusão no mercado de trabalho. Dentro do nosso centro, temos pedagogos, psicopedagogos, assistente social, psicólogos, advogados, dentre outros profissionais, atendendo as necessidades de nossa comunidade.

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Qual é a reposta da comunidade para as comunidades de terreiro que como a sua, tem levado a educação pelo templo?

Infelizmente, desconfiadas. Essas comunidades simplesmente não aceitam e não fazem em seus templos trabalhos de educação espiritual aos seus médiuns, talvez isso seja um fator preponderante para a falta de união e fortalecimento de nossa cultura. Alguns têm medo de perder seus filhos para outro terreiro, tem medo de simplesmente não saber responder a perguntas simples que eles aprenderam e repassam a seus filhos sem conhecer o fundamento religioso, ou até mesmo, embasamento cientifico. Preferem apenas dizer que é segredo ou não é hora ainda do médium conhecer esses fatos. Alguns médiuns têm sede de aprender, de ter todos os seus porquês respondidos para aumentar sua fé, defender sua religião, sua cultura e, com certeza, ter mais axé no que faz. Procuram-nos escondidos para estudar, porque os dirigentes de sua casa não explicam nada, fazendo muitos deles desistirem de nossa religião por achar que não é séria, que é charlatanismo. Nossa casa é aberta a todos aqueles que queiram ensinar, que queiram fazer-nos refletir, independente se é Umbanda, Candomblé, juremeiro, não importa; como disse Ghandi, “as religiões fazem parte de uma grande árvore com o mesmo objetivo, apenas com vários ramos e raízes”. Ainda falta muito em nosso estado, mas com o apoio da FTU temos certeza de que o ensino-aprendizagem irá nos tornar mais fortes. O primeiro passo já conseguimos, que foi o despertar na consciência dos médiuns de buscar conhecimento, sair do marasmo e não aceitar resposta sem fundamento algum. Isso é importante para ele (médium), para o templo ao qual ele pertence e para a comunidade que ele pág.72

está inserido e atende. Temos sim a obrigação de buscar conhecimento e colocar como propósito de vida dar bons frutos com o que aprendemos.

Como o senhor tem encarado o conceito de Escolas propugnado pelas linhas de pesquisa da FTU?

Como dito anteriormente, as religiões são os ramos de uma grande árvore. Esclarecer, ensinar, procurar a união e respeitar acima de tudo é uma obrigação de todos. Não consigo ver onde está o erro, não consigo entender as críticas. Devemos nos sentir orgulhosos quando somos lembrados como religião séria e de fundamentos científicos, onde temos irmãos que se dedicam ao estudo e a explicar tudo o que nos foi negado, esclarecer a todos que queiram aprender e olhar diferente para a nossa religião. Isso tudo com respeito à diversidade de preceitos.


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