Matéria - O Estado de São Paulo

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O ESTADO DE S. PAULO

DOMINGO, 20 DE MARÇO DE 2016

Reportagem de capa DIVULGAÇÃO/INTERTOX

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Democrática

“Não haverá mais espaço para organizações com informações fechadas” Cláudio Menezes DIRETOR DA DISOFT

Sem barreira. Azevedo diz que sua empresa não tem secretária nem agenda para falar com diretor

Empresas adotam gestão transparente Líderes contam como tocam negócios sem hierarquia e com dados abertos a todos Cris Olivette

“A pirâmide que no passado tinha o líder no topo e os liderados embaixo está ruindo. Hoje, ela é invertida. O líder está embaixo, suportando o restante da pirâmide e jogando todos para cima. Quanto mais competente ele for, mais a organização cresce”, afirma o professor de negociação e gestão de conflito da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Rio), Glauco Cavalcanti. Ele conta que neste modelo de negócio não existe cargo, as pessoas têm funções. “As relações estão ficando menos hierarquizadas e mais horizontais,

pautadas pela transparência.” O sócio-diretor da Intertox, Fausto Antônio de Azevedo, diz que a opção pela transparência emsuaempresa tem a ver com o modo como ele vê a vida. “Prezo pela plena democracia e a confiança no outro como elemento de união de pessoas. Por outro lado, nosso público internoé muitoseletoacademicamente, pois fornecemos conhecimento para o gerenciamento de risco químico toxicológico ambiental. Os 58 funcionários são graduados, alguns são mestres e doutores.” Ele diz que com um time com esse perfil só consegue manter

os membros investindo na honestidade, na transparência total e na participação efetiva deles no destino da empresa. “Todos participam de reunião mensal de avaliação de resultados e de encontro quinzenal de alinhamento. Temos um software de gestão interna no qual tudo é lançado e todos têm acesso. Em outubro, fazemos planejamento estratégico com a participação de todos.” Azevedoafirma queo noticiário interno é diário. “Não temos segmentação nem agenda para falar com qualquer diretor. Não existe a figura da secretária, não temos estrutura formal e luxo. Diretores não têm banheiro exclusivo e as mesas são todas iguais”, afirma. Ele diz que o modelo tem dado resultado e nos últimos cinco anos o negócio cresceu 10% aoano.“Temosgestãoempresarial por unidade de negócio, cada uma tem um líder totalmente independente no que faz. Dá bastante trabalho empreender dessa forma. Acho que o clássico modelo do organograma de cima para baixo é mais tranquilo, mas não me arrependo por ter adotado a transparência.” Rejeição. O empresário conta que já teve funcionário que não se adaptou ao modelo. “Nosso sistemadeensinoaindaincentiva os jovens a conquistarem um bom emprego, não a serem empreendedores e líderes.” O presidente da Disoft , Clau-

DIVULGAÇÃO/GIANCARLO CECCON

Futuro. Menezes vê corporações ficando mais humanas dio Menezes, conta que tambémadotouoconceitodatransparência desde a fundação do negócio. A empresa é especializada em cloud computing, terceirização de TI e software de gestão ERP “Para mim está muito claro que o Brasil está em processo de rediscutir sua cultura e quem queremos ser quando crescermos. Nesse processo, acredito que transparência é o elemento chave. Não haverá mais espaço para empresas com informação fechada, na qual alguém ganha muito numa ponta e na outra ponta ficam os que carregam o piano.”

Menezes considera que a motivação é intrínseca. “Acho muitodifícil a pessoa cumprir bemo seu papel se não tiver motivação autêntica, e ela não é viável se não houver transparência absoluta na empresa. Os números têm de ser abertos, assim como aestratégia, asdívidas, asangústias.Oempresáriotemdeterdisponibilidade de ouvir contrapontoeconstruiremconjunto.” Segundo ele, uma coisa é a transparência, outra são as responsabilidades.“Todosquetrabalham aqui são empreendedores de si mesmo. Temos muito claroqueméresponsávelporcada coisa. Por exemplo, a decisão

decontrataçãoécoletiva.Ogrupo que vai trabalhar com a pessoa entrevista três candidatos selecionadosporqueméresponsávelpelascontrações.Elesdecidem quem será contratado.” Com 48 funcionários, a Disoft faz reuniões semestrais para apresentar os números. “Se a empresa não é transparente, é difícil obter o nível de comprometimento que o mercado exige atualmente.” Segundo ele, a Disoft já teve funcionáriosque nãose adaptaram ao modelo. “Imaginamos que as pessoas desejam trabalhar em empresa transparente. Para muitos, isso não é verdade, porque a contrapartida exige transparênciada pessoa.Aíaparece uma questão interessante de como ela se relaciona consigo mesma. No geral, acho que as empresas estão seguindo, cada vez mais, um caminho mais humano e transparente.” Com 30 pessoas no time, a 99jobs está no mercado desde 2013 e também adota a política da transparência. “No dia a dia, as pessoas são muito cutucadas a fazer a empresa dar certo todas juntas, não temos hierarquia aqui, as áreas têm um especialista e o time. A opinião do especialista tem relevância, mas todos podem opinar”, diz o cofundador Diego Ximenes. Segundo ele, quem é mais sênior tem obrigação de ouvir os outrosetomarasmelhoresdecisões em conjunto. “Todos podem transitar e contribuir com o negócio como um todo. As informações sobre o negócio são compartilhadas com a equipe em reuniões semanais que duram cerca de 90 minutos.” O empresário conta que a 99jobséumaplataformaderelacionamento com o trabalho. “A ideia do negócio surgiu com o objetivodefazercomqueaspessoas encontrem um trabalho que faça sentido para elas.” A receita da empresa vem de clientes premium para os quais é feito recrutamento e seleção. “Hoje, fazemos o programa de estágio da Microsoft, City Bank, Votorantim entre outras. Temos 2,5 mil empresas na base e 725 mil usuários em busca de colocação. A pessoa preenche questionário, coloca suas características e identifica empresas com as quais tem mais a ver.”

“A opinião do especialista tem relevância, mas todos têm direito de opinar” Diego Ximenes, cofundador da 99jobs DIVULGAÇÃO/99JOBS

Formato de autogestão pode assustar talentos Acadêmico diz que nesse modelo não existem “patentes”, as pessoas têm funções, não cargos Professor de negociação e gestãode conflito daFundação Getúlio Vargas (FGV-Rio), Glauco Cavalcantidizqueatransparência dentro das organizações está diretamente ligada à questão do relacionamento. “Quandoumaempresatrabalha relacionamento está lidando com alguns elementos principais. Um deles é a confiança, que é construída a partir de três Cs: clareza, coerência e credibilidade”, diz. Segundo ele, um gestor coerenteéaquele quefazoquepen-

sa e fala. “Ele tem de ter essa coerênciacomosseuscolaboradores para que eles entendam que o discurso caminha junto com a ação e que ambos representam o pensamento do empresário”, afirma. Cavalcanti diz que um elemento que mostra ao colaboradorqueháumarelaçãorespeitosa entre as partes é a comunicação. “Para uma organização sair do discurso e partir para a ação l

Na prática

“Para se adotar a transparência deve haver mecanismos que gerem clareza, como ferramentas de comunicação” Glauco Cavalcanti PROFESSOR DA FGV-RIO

datransparência,devetermecanismos que gerem clareza, como as ferramentas de comunicação”, diz. Ele conta que o processo de comunicaçãoenvolvevários canais. “A empresa pode usar uma série de ferramentas para se aproximar dos funcionários como vídeos institucionais, jornal interno, cartazes, manual para o colaborador, palestras internas e intranet, além de canais diretos como Fale com o Presidente, ou Café da Manhã com o Presidente”, exemplifica. Segundo ele, essas ferramentas ajudam o colaborador a se estabelecerdentrodeumaorganização que prega a transparência. O professor acrescenta que fazpartedessepacoteter política salarial clara e bem definida e arealizaçãodereuniõesperiódi-

cas para a apresentação do desempenho da empresa. “O empresário pode aproveitar estes encontros para disseminar a missão e os valores da instituição, bem como projetos com os quais a empresa está envolvida, fatos que acontecem no dia a dia e informações mercadológicas sobre o negócio e o seu produto.” Noquesito‘respeitocomocolaborador’, o professor afirma que é necessário cumprir o que promete.“Nas reuniões,respeitar a pontualidade, por exemplo,tambémé uma formadedemonstrar respeito.” Cavalcanti acredita que cada vez mais as organizações ficam menos verticais e hierarquizadas e mais horizontais. “A grande barreira que alguns talentos encontramé saber lidar com esse modelo de autogestão. Isso pode assustar jovens talentos ou gestores mais antigos.” Segundo ele, nesse modelo de negócio não existem cargos, as pessoas têm funções. “Quando se começa a tirar as patentes o que vale é a autoridade, que é conquistada com exemplos e

modelo de conduta. Quanto mais competente o empresário for, mais a organização irá crescer.Hojetemosumavisãoinvertida do que estávamos habituados a ver e ouvir”, afirma. Paraele,umadascaracterísticas fundamentais quando se fala em transparência e organizações colaborativas é a questão do sentimento de que a empresa é sua. “É este sentimento que caracteriza o funcionário empreendedor, que eu chamo de atleta corporativo. Ele é um agente de transformação, mas para que possa ser esse agente deve ter solo fértil que lhe permita ter espaço para transformar”, diz. O professor afirma que, em cenário de crise,esse tipodeprofissionalpassaaserfunCavalcanti. Para professor, gestor consciente faz o que pensa e o que fala

damental. “Neste momento, é necessário mudar a forma como a empresa trabalhava. Ela só consegue fazer isso trazendo pessoas que têm novos modelos mentais.”


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