Ed 631 completa

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REGIÃO

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Nuno Pereira

José Sabino

CARREGAL DO SAL

Texto e fotos C.António Pereira

SOBREVIVENTES DO INFERNO DO CARAMULO NO HOSPITAL DE SANTA MARIA, EM LISBOA, NUNO PEREIRA PERMANECEU 58 DIAS EM COMA INDUZIDO E MAIS SEIS MESES DE INTERNAMENTO. ESTEVE UMA SEMANA NO HOSPITAL DE SÃO TEOTÓNIO, EM VISEU, ONDE TEVE ALTA A 4 DE MARÇO DESTE ANO

N

u no Perei r a , 23 a nos , Bombeiro Voluntário de 2ª classe da Corporação de Carregal do Sal, chegou cedo ao Hospital de Santa Maria, em Lisboa, à Unidade de Cir urg ia Plástica. Foi observado e avaliado pela médica-cirurgiã, chefe da u n id ade . Após a lg u ns ex a me s complementares de diagnóstico seg iu-se ma is u ma cir u rg ia de reconst it u iç ão facia l, na z ona envolvente das pá lpebras e dos olhos. A mais sensível ao nível do rosto. A parte mais atingida dos 75% das queimaduras do corpo (do 1º e 2º graus) sofridas quando surpreendido pela violência das chamas, em São Marcos da Muna, Serra do Caramulo, no fatídico dia 29 de agosto de 2013. Um momento horrendo que matou dois jovens operacionais dos Voluntários de Carregal do Sal, Cátia Pereira Silva, de 21 anos, e Bernardo Cardoso, de 19. A violência das labaredas fustigadas por ventos contrários também at i ng i ra m com g rav id ade José Sabino, 21 anos, bombeiro de 3ª classe, condutor de um VLCI – Veículo Ligeiro de Combate a Incêndios, que ficou completamente calcinado. “O motor parou e não pegou mais. Só tive tempo de fugir e mesmo assim fui atingido pelo

16 MAI

“Mesmo que ardam mais 500 ou mil metros, não arrisquem, não vale a pena”

fogo”, lembra José Sabino. “Isto não é fácil”, desabafa Nuno Pereira, ainda abalado pela situação difícil que atravessa, ainda que mitigada pelo incondicional apoio desta famí lia, principa lmente do comandante Miguel Ângelo. “Tem sido incansável nesta fase de recuperação”, sublinha o sobrevivente. “O comandante tem estado sempre presente em todos os momentos”, adianta. Nuno Pereira relembra que “foi o comandante que contou o que se tinha passado com os companheiros” e adianta que teve todo o apoio da “excelente equipa da Unidade de Queimados de Santa Maria, pessoa l au xiliar, enfermeiros e médicos, nas fases melhores, mas sobretudo nas piores”. “Tenho sido muito bem tratado, tanto em Lisboa, como em Viseu”, garante Nuno Pereira. O bombeiro de Carregal do Sal diz que só em janeiro deste ano começou a recu-

perar e a ter consciência do que lhe tinha acontecido. “Nu nca pensei desist ir. Quero continuar a ser bombeiro, ajudar pessoas”, diz. Durante os próximos dois anos está impedido de combater incêndios devido às mazelas. “Depois, logo se vê ”, ad ia nta . “ Terei de avaliar a situação, antes de avançar de novo e decidir voltar a combater incêndios. Ser bombeiro é muito mais do que apagar fogos. Vou fazer serviços de saúde, acidentes, a l iás ten ho mu ito pa ra fa zer e outro tanto para dar a este corpo de bombeiros” acrescenta. Aos 23 anos, Nuno Pereira recusa o estatuto de herói, deseja apenas que a dura prova a que foi sujeito sirva de exemplo e de alerta a todos os operacionais deste país. “Mesmo que ardam mais 500 ou mil metros, não arrisquem, não vale a pena. Eu tinha experiência e …”, d e i x a a m e i o c o m o q u e recusando voltar ao terrível dia 29 de agosto. “Todos sabem quem sou. Conhecem-me bem!… Tentei ajudar os meus compa nheiros, mas não foi possível” diz, numa tent at iv a de exorc i z a r os fa ntasmas, as feridas internas mais profundas deixadas pelas marcas físicas que denunciam a gravidade do acidente.

A PAIXÃO DE QUEM VIVE E RESPIRA BOMBEIROS Aos 23 anos, Nuno Pereira recusa o estatuto de herói, deseja apenas que a dura prova a que foi sujeito sirva de exemplo a todos os operacionais deste país. O sobrevivente do inferno do Caramulo prefere fazer uma viagem à infância. Mais aliviado conta-nos como tudo começou. A partir do dia em que decidiu ingressar nos bombeiros. “Tinha apenas 14 anos e gostava muito disto. Como não podia sair e fazer serviços, fiz de tudo um pouco. Atendia telefones e fazia outras tarefas de apoio”. Aos 16 anos tirou o Curso de Socorrismo, aos 17 de Desencarceramento e aos 18 ingressava no Corpo Ativo como bombeiro de 3ª classe. “Até que cheguei a ser profissional desta casa”. “O Nuno sempre quis evoluir, apostou muito na formação, ele vive e respira bombeiros, tem formação e preparação”, garante o comandante Miguel Ângelo, um dos pilares deste jovem e orgulhoso soldado da paz. Com apenas 22 anos foi chamado a cumprir um dos mais duros desafios da sua vida. Superou-o. Mais do que um exemplo, é uma inspiração para os milhares de operacionais que servem nos quartéis dos Bombeiros de Portugal”.


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