Conversas Sobre uma Ficção Viva

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Karim Aïnouz

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Voltando para o seu mestrado, o caminho do Seams parece fazer muito mais sentido. Sempre me pareceu interessante que, quando você se coloca sobre o Seams, você diz que ele é um filme sobre essas mulheres. Mas claramente há uma dualidade nisso.

É, mas eu não posso falar que ele é sobre mim, né? É muito deselegante. Deixa o filme dizer isso. Ele já é tão narcisista, que não preciso dizer nada. Mas de fato, o filme parte delas mesmas. Acho que o fogo de ignição do filme é a experiência delas, que criou um vínculo de aliança. A experiência delas consegue se aliar à minha experiência daquele momento. É sobre como o movimento de gênero naquela época conseguia se apropriar da história da opressão feminina para se colocar. A grande operação que eu tinha quando fazia o filme era: como não ser apenas um retrato delas, mas ao mesmo tempo ser contundente com o momento que eu estou vivendo? E contundente para a geração que divide isso comigo. O filme tem este esforço de aproximação entre estas duas questões. Ao mesmo tempo que existia essa certa inconsequência jovial, dá para perceber que você tinha uma proposição formal, que você estava muito consciente de todo o processo, não?

Muito! Muito! Tem uma coisa engraçada quando você fala da inconsequência, que acho que é um negócio muito preciso, que é o risco. Eu acho que se há algo em comum neste momento de largada nos filmes é isso. Eu me interesso por personagens que se arriscam. Pouco importam se são marginais ou não. Eu acho que quando não tem risco, não tem tesão. Olhando para os filmes agora, eu vejo que todos têm um grau de risco ou no processo de fazer os filmes, ou nos personagens. Talvez seja isso o motor. Na confecção dos filmes, há uns que têm menos riscos, outros mais; mas os personagens são personagens que não têm medo. Meu filme favorito é a grande frase da minha vida, O Medo Devora a Alma (1974). São personagens que não têm medo da vida. Isso está presente em todos os meus filmes. Acho engraçado estar falando isso agora, porque meu último filme é absolutamente sobre isso, sobre risco. Tem um personagem que é um motoqueiro, o cara pode morrer a qualquer momento; outro cara que é um salva-vidas; tem um menino que vira um bicho depois que cresce. Então o risco é uma questão muito importante, tanto nos filmes, quanto no contexto dos filmes e na escolha dos personagens. Fico pensando o que eu quero fazer depois do Praia do Futuro, e acho que é por aí que vai. Talvez isso seja a grande questão no final do dia, não de conteúdo, mas de ignição, de escolha.


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