Projeto Amorim Lima: investigações espaciais para uma escola em transformação

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projeto

AMO R II M LL II M A



tfgFAUUSP Talita Camacho Barão

orientação

AMO R II M LL II M A investigações espaciais para uma escola em transformação

projeto

Vera Pallamin



AGRADECIMENTOS A toda comunidade Amorim Lima, educadores, educandos e pais com quem conversei ao longo do percurso desse estudo. Em especial àqueles que participaram do vídeo documentário, etapa basilar às investigações projetuais propostas nesse trabalho: Ana Elisa, Anna Cecília, Ranata Baroukh, Rafael Agena, Geraldo Souza, André Simões, Rodrigo, Luiz de Campos, Ana, Gilberto, Mariana e Thiago. À Vera Pallamin, pela orientação atenciosa. Aos participantes da banca de avaliação, Rodrigo Queiroz e Geraldo Tadeu Souza. Aos queridos amigos da FAU. E, também, aos paisagistas amigos que encontrei nesse percurso. À minha família e ao Jeffrey.

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RESUMO

O interesse por perspectivas mais animadoras no campo da educação e de seus espaços foi o que motivou, desde o início, essa pesquisa. Neste sentido, ao conhecer a Escola Amorim Lima, e sua proposta singular no âmbito da educação pública brasileira, optei, primeiramente, por apresentá-la por meio de um vídeo documentário. Neste, foram reunidos alguns depoimentos e imagens que tiveram o intuito principal de mostrar uma pequena, mas expressiva, parte deste projeto pedagógico renovador. Em seguida, tornou-se objetivo final deste estudo buscar possibilidades espaciais para um projeto educacional dotado de programas e dinâmicas tão diversos daqueles que regem a escola tradicional. Tanto partindo de um espaço já existente e em processo de transformação, quanto partindo das várias possibilidades que esta experiência pode apontar à arquitetura escolar daqui em diante. Assim, duas investigações tomam a escola Amorim Lima como pressuposto. Na primeira, ela mesma, seu espaço e habitantes, é objeto de intervenção. Na segunda, o projeto pedagógico da escola torna-se propulsor de um novo espaço escolar, partindo do mesmo contexto em que se insere a escola real; considerando, assim, o mesmo lugar, dimensões e público.


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CONSIDERAÇÕES FINAIS |159

INTRODUÇÃO | 07

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161 | REFERÊNCIAS

ANTECEDENTES | 13 2.1. PERSPECTIVA HISTÓRICA | 12 2.2. EXPERIÊNCIA ESCOLA DA PONTE | 21

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INVESTIGAÇÕES PROJETUAIS | 83

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ESCOLA AMORIM LIMA | 27

5.1. DUAS INVESTIGAÇÕES | 83 5.2. ELABORAÇÃO DO PROGRAMA DE NECESSIDADES | 85 5.3. PROJETO 01 | SOBRE O PREEXISTENTE | 89 5.4. PROJETO 02 | SOBRE POSSIBILIDADES | 123

3.1. BREVE HISTÓRIA | 27 2.2. TRANSFORMAÇÃO INICIAL | 29 3.3. ESTRUTURAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DO PROJETO PEDAGÓGICO | 37

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AMORIM LIMA EM VÍDEO | 79

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165 | ANEXOS


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INTRODUÇÃO


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INTRODUÇÃO Como cheguei à escola Amorim Lima? Esta me parece ser a questão que melhor construirá um bom relato sobre o percurso desse estudo. Com o intuito de retomar a construção histórico-social da Escola, este estudo buscava, inicialmente, compreender a significação contemporânea atribuída à educação e aos seus espaços e tempos instituídos. Era, então, interesse conhecer quais pensamentos filosóficos definiram, espacial e temporalmente, a inserção dessa instância educativa na vida cotidiana das sociedades; e que, definiram, ainda, no curso da história, os diferentes modos ou métodos nos quais essa prática deveria se basear. Neste sentido, tornava-se preponderante pesquisar a construção histórica da estrutura de pensamento racional, basilar à constituição da sociedade contemporânea. A despeito de todo tipo de concepções, de espaços e de tempos de ensino e aprendizagem, já estudados e experimentados ao longo da história, é esse o pensamento que define, predominantemente e não sem inúmeras consequências, a forma tradicional de compreendê-los e concebê-los. E é, justamente por isso, que os pensamentos reformadores, aqueles engajados com a revisão e resignificação destes tantos e tão arraigados conceitos, tornam-se imprescindíveis. Ao longo do século XX, ainda que suas reflexões tenham, inegavelmente, obtido ampla repercussão no campo pedagógico, não prevaleceram. A regra continuou aquela mesma, daquela antiga escola, daquela antiga tradição. Foram vários atores, variadas abordagens e ênfases. Muitos princípios comuns, outros tantos divergentes. Mas todos buscando reinterpretar a delicada relação estabelecida entre a escola e a vida. A humanização da escola, em seu sentido mais amplo.

Dessas diversas experiências empreendidas, algumas conseguirem seguir adiante. Foram transformadas, corrigidas,

repensadas e consolidaram-se, existindo atualmente como evidência de que a mudança pode ser possível quando buscada. É neste contexto que se insere a Escola da Ponte, integrante da rede pública de escolas portuguesas e localizada a 30 quilômetros da cidade do Porto, na Vila das Aves. Seu projeto teve inicio há mais de três décadas e é hoje um projeto pedagógico de grande expressividade

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e reconhecimento no campo. O pensamento pedagógico não é novo, como bem disse José Pacheco, um dos idealizadores da escola – “Não inventamos nada. Estamos em um ponto de redundância teórica. Há muitas correntes e quem quer fazer diferente tem de ter mais interrogações do que certezas”1. Dessa forma, os educadores da escola da Ponte indagaram-se acerca de seus discursos e de suas ações, perceberam incoerências e vislumbraram possibilidades de mudança. Perceberam que talvez pudessem experimentar trabalhar em conjunto, e não mais isoladamente, assim como poderiam fazer os próprios alunos; que a busca pelo conhecimento deveria ser instigada, mais do que a sua simples transferência unidirecional; que a vida não deveria ser forçada a permanecer fora da escola, nem os problemas, nem os conflitos, nem as famílias; e que a democracia e autonomia deveriam ser seus pressupostos constantes e irrevogáveis. Assim, a liberdade, a responsabilidade e a solidariedade fizeram-se princípios dessa Escola. Não há séries, nem salas, nem turmas, nem manuais. Existem espaços educativos, das humanidades, das ciências, das artes e tecnologias. O tempo escolar foi profundamente resignificado, assim como seus espaços, não estando atrelado às estruturas tradicionais fragmentárias de idade e ano escolar. De maneira que os alunos se agrupam de acordo com seus interesses comuns e desenvolvem seus projetos de pesquisa, continuamente.

E foi, a partir do conhecimento acerca da existência dessa experiência portuguesa revolucionária, empreendida do outro lado

1.  José Pacheco em entrevista ao portal Revista Escola (In http://revistaescola.abril.com.br/formacao/formacao-inicial/jose-pacheco-escolaponte-479055.shtml)

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do Atlântico, que cheguei à escola Amorim Lima. Uma escola que, instigada pelas mesmas angústias e animada pelos mesmos princípios transformadores, deu início a seu próprio processo de reformulação pedagógica, transformando seus antigos tempos e repensando significativamente as estruturas de seu antigo espaço.

É, portanto, baseado nessa experiência singular no âmbito da educação pública

brasileira e, sobretudo, no âmbito do espaço público que lhe dá abrigo, que se constrói este estudo. Vivenciei, ao longo de alguns meses, o cotidiano dessa enriquecedora experiência. Percebi, pouco a pouco, suas possibilidades e desafios. Conheci seus atores, todos eles educadores, oficiais ou voluntários. Muitos voluntários. Conversei com alguns pais e estudantes. Tomei conhecimento dessa história, iniciada há muitos anos, mas que começou a ser reconduzida há pouco menos de duas décadas. E, percebi, com isso, a expressão de uma vida – a vida dessa escola, conjunto de várias outras vidas muito diferentes entre si. Optei, assim, por apresentá-la por meio de um vídeo documentário, uma reunião de conversas e observações, que tem o intuito principal de mostrar uma pequena, mas expressiva, parte deste projeto. Além disso, este registro constituiu-se num arquivo documental de extrema importância para os processos propositivos que se seguiram a essa instigante experiência.

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Essa aproximação com o cotidiano da escola acabou por determinar duas diferentes investigações projetuais como desdobramento deste estudo. Duas investigações que tomam a escola Amorim Lima como pressuposto. Na primeira, ela mesma, seu espaço e habitantes, é objeto de intervenção. Na segunda, o projeto pedagógico da escola torna-se propulsor de um novo espaço escolar, partindo do mesmo contexto em que se insere a escola real; considerando, assim, o mesmo lugar, dimensões e público. O interesse por perspectivas mais animadoras no campo da educação e de seus espaços foi o que motivou, desde o início, essa pesquisa. Dessa forma, ao conhecer a Escola Amorim Lima, tornou-se seu objetivo buscar possibilidades espaciais para um projeto dotado de programas e dinâmicas tão diversos daqueles que regem a escola tradicional; tanto partindo de um espaço já existente e em processo de transformação, quanto partindo das várias possibilidades que esta experiência pode apontar à arquitetura escolar daqui em diante.

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ANTECEDENTES


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.1 PERSPECTIVA HISTÓRICA A fim de compreender os processos históricos que construíram, no contexto brasileiro, nosso pensamento sobre a escola, fez-se importante retomar alguns momentos expressivos desse amplo percurso. A partir do trabalho de Dermeval Saviani1, podemos conhecer as diversas concepções pedagógicas empreendidas no Brasil, desde os tempos coloniais, e o papel destas na definição do caráter da educação brasileira e na constituição da sempre intrincada relação entre escola e sociedade. Além disso, podemos compreender a atuação dos movimentos pedagógicos renovadores que corroboraram com uma revisão paradigmática significativa no campo da educação e extremamente relacionada ao processo renovador empreendido pela Escola Amorim Lima.

Essa história começa com os jesuítas, ainda em meados do século XVI. Segundo Saviani, foi sob condições muito favoráveis que a pedagogia católica

se instalou no país – “primeiro na versão do Plano de Nóbrega, que eu chamaria de “pedagogia brasílica”, pois procurava se adequar às condições específicas da colônia, e depois, na versão do “Ratio Studiorum”, cujos cânones foram adotados pelos colégios jesuítas no mundo inteiro. Assim, ao longo dos dois primeiros séculos, de 1549 até 1759, data da expulsão dos jesuítas, a pedagogia cristã, de orientação católica, gozou de uma hegemonia incontrastável no ensino brasileiro”. (SAVIANI, 2005: 04)

A filosofia educacional de Nóbrega, assim como a de José de Anchieta, estava consubstanciada pela doutrina contrarreformista da Igreja Católica.

A educação jesuítica da contrarreforma pretendia-se civilizatória; intentava, sobretudo, empreender uma civilização baseada na palavra. Por meio da poesia e de peças de teatro, Anchieta educava os indígenas apelando às imagens e símbolos como mediadores entre os homens e Deus, na contramão da filosofia 1.  SAVIANI, Dermeval. As concepções pedagógicas na história da educação brasileira. Texto elaborado no âmbito do projeto de pesquisa “O espaço acadêmico da pedagogia no Brasil”, financiado pelo CNPq, para o “projeto 20 anos do Histedbr”. Campinas, 25 de agosto de 2005.

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religiosa protestante: “Em oposição à Reforma protestante materializada na tese luterana da sola scriptura para a qual a doutrina derivava dos textos originais hebraicos e gregos, a Igreja católica conciliar e pós-tridentina fez a defesa intransigentemente tradicionalista da transmissão oral das duas fontes da Revelação, a tradição e as Escrituras” (HANSEN, João apud SAVIANI, 2005: 05)

Assim, a pedagogia brasílica empreendeu, por meio da catequese, uma drástica aculturação da população colonial nas tradições do colonizador. Em

1584, a Companhia de Jesus reúniu, sob a publicação da Ratio Studiorum, uma série de regras norteadoras à prática educativa dos jesuítas. Segundo Saviani, esse documento já expressava ideias pedagógicas comuns ao que, na modernidade, passou-se a denominar por pedagogia tradicional – “Essa concepção pedagógica se caracteriza por uma visão essencialista de homem, isto é, o homem é concebido como constituído por uma essência universal e imutável. À educação cumpre moldar a existência particular e real de cada educando à essência universal e ideal que o define enquanto ser humano. Para a vertente religiosa, tendo sido o homem feito por Deus à sua imagem e semelhança, a essência humana é considerada, pois, criação divina. Em conseqüência, o homem deve se empenhar em atingir a perfeição humana na vida natural para fazer por merecer a dádiva da vida sobrenatural.” SAVIANI, 2005: 06).

A filosofia de São Tomás de Aquino está na base da Ratio e das ideias pedagógicas tradicionais. O Tomismo, como denominada essa corrente,

constituía numa articulação entre a filosofia de Aristóteles e a tradição cristã. Neste sentido, a educação jesuítica buscava amparar-se tanto no legado da Antiguidade e na tradição medieval, quanto nas questões próprias do seu tempo, exercendo uma pedagogia eminentemente ativa e revolucionária.

A partir de meados do século XVIII, no âmbito brasileiro, as concepções pedagógicas religiosas e laicas passam a conviver. São implantadas as

“reformas pombalinas da instrução pública” e a educação sofre a influência do humanismo racionalista, sem desvencilhar-se, no entanto, da Igreja Católica.

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Após 1827 torna-se oficial o ensino mútuo, também conhecido por monitorial ou lancasteriano2. Em essência, essa concepção pedagógica primava pela avaliação contínua do conhecimento e do comportamento do aluno e pautava-se na competição como base motora do ensino. Ao longo do século XIX, o ensino mútuo foi sendo substituído por outros procedimentos de ensino, tendo destaque o método intuitivo ou lições de coisas. Esse último – método concreto, racional e ativo – pretendia adequar a educação às novas demandas da sociedade industrial. A revolução da indústria tornou possível uma ampla gama de recursos auxiliares à prática pedagógica, instrumentos que são tanto fruto como também propulsores de sua reformulação: “Esses materiais, difundidos nas exposições universais, realizadas na segunda metade do século XIX com a participação de diversos países, entre eles o Brasil, compreendiam peças do mobiliário escolar; quadros negros parietais; caixas para ensino de cores e formas; quadros do reino vegetal, gravuras, objetos de madeira, cartas de cores para instrução primária; aros, mapas, linhas, diagramas, caixas com “pedras e metais; madeira, louças e vidros; iluminação e aquecimento” (KUHLMANN JR., 2001: 215); alimentação e vestuário.” (SAVIANI, 2005: 08). A lição das coisas pautava-se, sobretudo, em manuais. O livro didático, ao invés de ser material dos alunos, era instrumento essencial do professor, que tinha nele uma orientação segura e indiscutível a ser transmitida. Ainda assim, esse método buscava trabalhar com a sensibilidade perceptiva dos alunos, buscando instigá-la pelo uso de ilustrações e objetos. Referência na primeira república, esse método e seus princípios constituíram a base propositiva de Caetano de Campos no empreendimento da reforma da instrução paulista, com a criação das EscolasModelos e dos Grupos Escolares.

2.  “Proposto e difundido pelos ingleses Andrew Bell, pastor da Igreja Anglicana e Joseph Lancaster, da seita dos Quakers, o método mútuo, também chamado de monitorial ou lancasteriano (NEVES, 2003), se baseava no aproveitamento dos alunos mais adiantados como auxiliares do professor no ensino de classes numerosas.” (SAVIANI, 2005: 08)

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Na década de 1920, a despeito da resistência empregada pelos conservadores amparados pela Igreja Católica, o movimento pela Escola Nova

obteve repercussão. A fundação da Academia Brasileira de Educação (ABE), em 1924, e o lançamento do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, em 1932, são marcos desse processo. A sociedade vivia, no início do século XX, um momento de intensa transformação socioeconômica. Otimista, a sociedade moderna almejava a mudança, amparada pelo conhecimento científico, pela industrialização e pela democracia. Os escolanovistas, como John Dewey3 e Anísio Teixeira4, tomavam a escola por retrato da sociedade, de modo que tal revolução não poderia deixar de abarcá-la. A liberdade e democracia deveriam adentrar as escolas, desbancando os métodos tradicionais autoritários. Além disso, buscavam compreender o processo de aprendizagem com mais profundidade, referenciando-se nos desdobramentos do campo da psicologia.

Apesar da repercussão do movimento escolanovista, os representantes da educação Católica preservaram sua hegemonia e boa parte das escolas

normais e dos cursos de pedagogia permaneceu sob seu controle. Apesar da divergência entre ambos, são reconhecidos princípios comuns entre a Escola Nova e a educação católica, exemplos disso são o ensino centrado na criança e o princípio de escola ativa (já presente no tomismo, base da Ratio Studiorum e da educação jesuítica). Observou-se, concomitante ao avanço do movimento renovador, uma tendência progressiva no próprio campo da educação católica,

3.  John Dewey (1859-1952), filósofo e pedagogo norte-americano, foi um dos mais destacados representantes da educação progressista nos Estados Unidos e da corrente filosófica denominada “Pragmatismo” (ou “Instrumentalismo”, como ele preferia), durante a primeira metade do século XX. 4.  Anísio Spínola Teixeira (1900-1971) foi um jurista, educador e escritor brasileiro. Foi personagem central na história da educação brasileira e na difusão do movimento Escola Nova, além de defensor do ensino público, gratuito, laico e obrigatório.

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uma Escola Nova Católica5.

Segundo relata Saviani – “Em 1938 foi fundado o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP) – atualmente Instituto Nacional de Estudos e

Pesquisas Educacionais – que se converteu no principal centro aglutinador e estimulador de experiências de renovação pedagógica. Consequentemente, se o período situado entre 1930 e 1945 pode ser considerado como marcado pelo equilíbrio entre as influências das concepções humanista tradicional (representada pelos católicos) e humanista moderna (representada pelos pioneiros da educação nova), a partir de 1945 já se delineia como nitidamente predominante a concepção humanista moderna.” (SAVIANI, 2005: 14). Saviani aponta, como marco dessa nova hegemonia, a presença expressiva dos progressistas – Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Fernando de Azevedo, Almeida Junior e Faria Grois – na Comissão de elaboração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1947.

A partir dos anos 1950, o conflito entre educadores progressistas e educadores católicos também pode ser compreendido na chave do conflito

entre escola pública e escola particular. Entre 1950-60, a mobilização pelas questões da cultura e educação populares se intensifica. Constitui-se uma Escola Nova Popular, de base católica principalmente, como o Movimento de Educação de Base (MEB), dirigido pela Igreja Católica, e o Movimento Paulo Freire de Educação de Adultos. Se o movimento escolanovista se inspira fortemente no pragmatismo, o MEB e o Movimento Paulo Freire buscam inspiração predominantemente no personalismo cristão e na fenomenologia existencial. Entretanto, pragmatismo e personalismo, assim como existencialismo e fenomenologia, são diferentes

5.  São exemplos disso, as ideias pedagógicas de Montessori (origem italiana) e Lubienska (francesa), ainda bastante influentes no campo da educação católica progressista.

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correntes filosóficas que expressam diferentes manifestações da concepção humanista moderna, situando-se, pois, em seu interior. É lícito, pois, afirmar que sob a égide da concepção humanista moderna de filosofia da educação acabou por surgir também uma espécie de “escola nova popular”, como um outro aspecto do processo mais amplo de renovação da pedagogia católica que manteve afinidades com a corrente denominada de “teologia da libertação” (SAVIANI, 2005: 17).

A década de 1960 representou tanto um continuum da expressividade pedagógica renovadora e momento de novas experimentações quanto seu

esgotamento. A educação articula-se à tendência tecnicista, de base reprodutivista – totalmente compatível com os ideais políticos da ditadura militar de direita, imposta no Brasil a partir de 1964. A teoria do capital humano (SCHULTZ apud SAVIANI, 2005: 19), em plena era de ouro do capitalismo, embasa essa pedagogia produtivista, racionalista, que vê no ensino um instrumento indispensável ao pleno desenvolvimento econômico. Nas décadas de 1970 e 80, foram formuladas críticas a essa teoria, ora acusando a subordinação funcional da educação ao sistema capitalista, ora buscando recusar veementemente qualquer associação entre educação e produção6. Já, em fins dos anos 1980, Frigotto7 investiga outro caráter para essa relação. Não nega a relação entre 6.  Dermeval Saviani cita a obra de Cláudio Salm como referencial dessa crítica – “Um primeiro esforço sistemático nesse sentido ganha forma no livro de Cláudio Salm, “Escola e trabalho” (SALM, 1980). Aí ele se empenha em fazer a crítica das “críticas” pondo em evidência a improcedência da tese que liga diretamente a educação com o processo de desenvolvimento capitalista. Entretanto, no afã de demonstrar a autonomia do desenvolvimento capitalista em relação à educação (o capital, afirma ele, não precisa recorrer à escola para a qualificação da força de trabalho; ele é auto-suficiente; dispõe de meios próprios), Salm acaba por absolutizar a separação entre escola (educação) e trabalho (processo produtivo)” (SAVIANI, 2005: 20) 7.  FRIGOTTO, Gaudêncio apud SAVIANI, 2005: 20)

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educação e produção capitalista, mas a reinterpreta. O autor compreende que o vínculo entre escola e trabalho é indireto e mediato, ou seja, a escola é imediatamente improdutiva e mediatamente produtiva.

A despeito de todas as críticas, a concepção produtivista resistiu e ganhou novo vigor no

neoliberalismo. A Teoria do Capital Humano, que nascera no cerne do Keynesianismo e da política do Bem-Estar social, adquire novo sentido, como evidenciado por Gentili – “Passou-se de uma lógica da integração em função de necessidades e demandas de caráter coletivo (a economia nacional, a competitividade das empresas, a riqueza social etc.) para uma lógica econômica estritamente privada e guiada pela ênfase nas capacidades e competências que cada pessoa deve adquirir no mercado educacional para atingir uma melhor posição no mercado de trabalho (GENTILI, Pablo apud SAVIANI, 2005: 21)

A educação torna-se, então, um investimento em capital humano individual, um instrumento

que garanta alguma condição de competitividade e empregabilidade. Desvencilhada de quaisquer princípios alheios a essa dinâmica restritiva.

O que as experiências empreendidas – tanto na Escola da Ponte, em Portugal, como na escola

Amorim Lima – demonstram é uma tentativa cotidiana de retomar os princípios base das posturas pedagógicas renovadoras, buscando, sempre, repensá-los quando necessário.

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ESCOLA DA PONTE eduardoaviz.com


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.2 EXPERIÊNCIA ESCOLA DA PONTE Na transição entre as décadas de 1960-70, Portugal vivia um momento de intensas lutas pela democratização, cujo estopim foi a Revolução dos Cravos, em 25 de abril de 1974. Com o fim da ditadura, diversos movimentos renovadores alcançaram expressão, dentre eles figuraram diversas propostas de renovação pedagógica em todo o país.

José Pacheco, um dos idealizadores da Escola da Ponte, considera o ano de 1963 como um marco referencial dessa historia.

Neste ano, Portugal participou de um projeto da OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico), cuja proposta era a de auxiliar os países mediterrâneos a tornarem compatíveis suas concepções e orientações pedagógicas aos seus espaços escolares construídos. Com isso, os educadores portugueses passaram a discutir mais criticamente essa intrincada relação entre educação e seus espaços.

Assim, em fins dos anos 1960, os técnicos da Diretoria Geral das Construções Escolares – Departamento do Ministério da

Educação de Portugal – instigados pelas ideias progressistas em discussão, propuseram novas tipologias arquitetônicas escolares. Criaram as chamadas escolas de área aberta, por meio de autarquias locais. As escolas de área aberta buscaram reinterpretar alguns elementos estruturadores do ambiente escolar tradicional: a segregação entre educadores, estudantes, espaços e tempos. Assim, definiram a reorganização da escola em equipe de educadores e equipe de estudantes, cujo trabalho cotidiano seria construído conjuntamente; bem como, transformaram radicalmente o sistema de turmas-classes, concebendo diferentes espaços para diferentes momentos educativos.

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Em seu texto, Pacheco indica algumas das finalidades das escolas de área aberta1:

1. Procurar o ambiente que encoraje uma melhor comunicação entre alunos e professores; 2. Mobilizar os professores para o trabalho em equipe; 3. Facilitar a adaptação da organização escolar às diferenças individuais e à contínua aquisição de conhecimentos, a fim de 4. permitir os reagrupamentos funcionais de alunos; 4. Estimular nas crianças a multiplicação dos contatos pessoais e, por conseguinte, uma melhor socialização; 5. Facilitar múltiplas e diversas organizações, transformações temporárias e, por vezes permanente, permitir as mais variadas modificações, dando assim flexibilidade não só aos diferentes modos de organização escolar, como também aos diferentes tipos de didática e pedagogia; 6. Favorecer todas as formas de trabalho dos alunos (individual, em grupo, atividades livres, etc.) de acordo com o espírito da Escola Ativa.

Muitas das escolas públicas de área aberta, então construídas em Portugal, não deram continuidade aos princípios do projeto, muitas delas

retomando, pouco a pouco, as estruturas espaciais e temporais do modelo tradicional de escola. Desse modo, no final da década de 1980, a Escola da Ponte era a única unidade a permanecer como escola de área aberta e a levar a cabo a construção de um projeto escolar coerente com sua intenção transformadora.

Assim, o projeto Fazer a Ponte2 dá as bases conceituais para o projeto educativo da Escola. Vale citar alguns de seus valores matriciais:

1.  Ao citar tais finalidades, Pacheco cita como referência à Organização de Ensino Elemental de Montreal, um dos centros promotores das escolas de área aberta. O texto de Pacheco não está mais disponível na rede, assim esse trecho foi encontrado em PAIER, 2009: 26). 2.  O texto Projeto Educativo Fazer a Ponte pode ser encontrado em http://www.escoladaponte.com.pt/

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1- Uma equipa coesa e solidária e uma intencionalidade educativa claramente reconhecida e assumida por todos (alunos, pais, profissionais de educação e demais agentes educativos) são os principais ingredientes de um projecto capaz de sustentar uma acção educativa coerente e eficaz. 2- A intencionalidade educativa que serve de referencial ao projecto Fazer a Ponte orienta-se no sentido da formação de pessoas e cidadãos cada vez mais cultos, autónomos, responsáveis e solidários e democraticamente comprometidos na construção de um destino colectivo e de um projecto de sociedade que potenciem a afirmação das mais nobres e elevadas qualidades de cada ser humano. 3- A Escola não é uma mera soma de parceiros hieraticamente justapostos, recursos quase sempre precários e actividades ritualizadas – é uma formação social em interacção com o meio envolvente e outras formações sociais, em que permanentemente convergem processos de mudança desejada e reflectida. 4- A intencionalidade educativa do Projecto impregna coerentemente as práticas organizacionais e relacionais da Escola, que reflectirão também os valores matriciais que inspiram e orientam o Projecto, a saber, os valores da autonomia, solidariedade, responsabilidade e democraticidade. 5- A Escola reconhece aos pais o direito indeclinável de escolha do projecto educativo que considerem mais apropriado à formação dos seus filhos e, simultaneamente, arroga-se o direito de propor à sociedade e aos pais interessados o projecto educativo que julgue mais adequado à formação integral dos seus alunos. 6- O Projecto Educativo, enquanto referencial de pensamento e acção de uma comunidade que se revê em determinados princípios e objectivos educacionais, baliza e orienta a intervenção de todos os agentes e parceiros na vida da Escola e ilumina o posicionamento desta face à administração educativa.

Assim, na Escola da Ponte, o processo educativo se estrutura por núcleos de projetos – Iniciação, Consolidação e Aprofundamento – que são

a primeira instância de trabalho dos alunos e dos Orientadores pedagógicos. Não há séries, nem tempos predeterminados; o estudante é estimulado a

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um autoconhecimento de seu processo de aprendizagem e de avaliação. E, na medida em que, autonomamente, constrói esse percurso, avança de um núcleo para o seguinte.

A Articulação Curricular promove as atividades transversais,

a fim de articular as diferentes atividades de todos os três núcleos estruturais. Há ainda os trabalhos de Tutoria, o qual constitui um acompanhamento permanente e individualizado do percurso curricular de cada aluno. Dentre os diversos órgãos administrativos, há também uma instância estruturadora do projeto Fazer a Ponte – a Assembleia da Escola, a qual respeita e garante a participação democrática dos alunos em sua organização e funcionamento. Nela são também determinados a cada início de ano letivo, dentre outras coisas, os Grupos de Responsabilidades – responsáveis pela organização dos diferentes espaços de trabalho e das diferentes formas de intervenção dos alunos nos ambientes da escola.

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ESCOLA AMORIM LIMA


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.1 BREVE HISTÓRIA Quando criada, em 1956, a Escola Municipal de Ensino Fundamental Desembargador Amorim Lima constituiu a primeira escola isolada da Vila Indiana, localizada na Rua Corinto, s/nº. Alguns anos depois, em 1968, a escola passou a funcionar em novo prédio, construído no lote e endereço atual – Rua Vicente Peixoto, 50, no Butantã.

Até a década de 1990, dois edifícios separados, dispostos em uma ampla área aberta, configuravam o espaço da escola. Um

deles, o edifício mais antigo, de um pavimento; e o outro, mais recente, um edifício escolar bastante tradicional, de dois pavimentos e doze salas de aula. Em 1996, com a chegada da nova e atual Diretora, Ana Elisa Pereira Flauqer de Siqueira, algumas transformações espaciais foram iniciadas. Dentre várias reformas, foi construído um edifício de ligação entre os dois edifícios isolados já existentes, buscando transpor sua descontinuidade e torná-lo um espaço integrado e único. Além disso, as grades que limitavam a circulação no espaço externo também foram retiradas, indicando assim uma postura diferente da nova gestão da escola.

Neste momento, a história dessa escola começou a ser reconduzida. Partiu-se, desde o início, de uma reestruturação

pedagógica de postura abrangente, pensando, simultaneamente, a educação e seus espaços. “o pátio tinha grade dos dois lados e as crianças não podiam ir pra quadra. As crianças subiam nas grades e ficavam se chacoalhando. A escola era toda cinza, eu achava inadmissível uma escola onde frequentam crianças ser toda cinza. Era uma escuridão absoluta! Aqui [se referindo ao jardim] era um monte de cadeira velha jogada e fechada por duas grades, era um entulho, ninguém pode imaginar o que era isso aqui...”

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“Eu priorizo isso mesmo, eu priorizo uma escola bonita. A escola pública tem um lugar na sociedade que é muito ruim, que é a escola dos excluídos. Eu sempre tive horror de pensar nisso. É por isso que eu acho que é importantíssimo cuidar, porque é onde estão a maior parte das crianças e que elas merecem uma escola bastante cuidada. É um orgulho as crianças terem uma escola que seja bonita, isso significa respeito. Respeito a gente não aprende na palavra, a gente aprende na ação.” (entrevista com Ana Elisa apud PAIER, 2009: 31)

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.2 TRANFORMAÇÃO INICIAL - TEMPOS E ESPAÇOS O Projeto Pedagógico atualmente em curso na Escola Amorim Lima teve início oficial no ano de 2004, no entanto, a vontade de mudança já o vinha construindo havia alguns anos. Desde 1996, com a entrada de Ana Elisa na direção da escola, algumas mudanças importantes foram iniciadas. Com o intuito de enfrentar a situação de alta evasão de alunos, as primeiras transformações visavam inserir diversos tipos de atividades culturais e extracurriculares, aproximando a escola dos seus alunos e de sua comunidade. O intuito era mostrar que o papel da escola na vida deveria ser mais amplo e que a escola poderia e deveria ir um pouco mais além.

Preocupada com a alta evasão- e ciente do triste fim que vinham a ter os alunos evadidos visto que, para muitos, era a escola

o único vínculo social concreto – o primeiro esforço da nova diretoria foi no sentido de manter os alunos na escola, durante o maior tempo possível. Foi o tempo de derrubar os alambrados que cerceavam a circulação no pátio, num voto de respeito e confiança, de abrir a escola nos fins de semana, de melhorar os espaços tornando-os agradáveis e voltados à convivência. De abrir, enfim, a escola à comunidade. (Projeto Político Pedagógico EMEF Amorim Lima, 2005)

Todo o processo baseou-se no princípio da participação da comunidade. No início, eram as mães, donas de casa, em grande

parte, as principais voluntárias. Foram elas que passaram a vivenciar a escola, compreenderem suas questões e ampliaram seus próprios conceitos acerca da função da escola e, principalmente, do caráter da escola pública. As Oficinas de Cultura Brasileira, que constituem hoje um dos principais estruturadores do projeto pedagógico, começaram já neste momento, coordenadas por essa força voluntária. Como conta Simone Paier, educadora da escola, em sua dissertação de mestrado sobre o Projeto Amorim Lima:

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“Assim, essas mães passaram a realizar um resgate das brincadeiras de suas infâncias para proporcionarem alternativas às crianças da escola, durante o recreio. Esse trabalho foi orientado por uma mãe que era estudiosa das questões da cultura brasileira e se desdobrou em oficinas que procuravam estimular as brincadeiras tradicionais entre os estudantes menores, do 1º ao 4º ano do Ensino Fundamental” (PAIER, 2009: 34)

Em 2002, professores e pais reunidos no Conselho da Escola discutiam meios de melhorar o aprendizado e a convivência

dentro da escola. Apesar de todas as transformações já em curso, a escola ainda se assemelhava às demais escolas públicas tradicionais de Ensino Fundamental. Comissões organizaram-se para levantar dados e criar um diagnóstico sobre a real condição escola. Foram diagnosticados como seus principais problemas a “indisciplina” e o alto índice de ausências, tanto de alunos como de professores. De certo, não era interesse recorrer aos já conhecidos métodos para solucionar tais questões. Era interesse sim questionar, que indisciplina é essa? Quais são suas causas? Quem participa dessa relação? Que tipo de postura a estimula? “... conforme afirma Júlio Groppa Aquino (1998), o ato indisciplinado revela algo sobre as relações institucionais-escolares nos dias atuais. Ele revela os conflitos e as relações baseadas no autoritarismo existentes entre os sujeitos envolvidos no trabalho educativo. O princípio da democratização escolar previsto na legislação brasileira, embora seja fundamental para orientar as redes de ensino e cada unidade, não garante por si só, a transformação das estruturas e das relações autoritárias herdadas de nossa sociedade. (PAIER, 2009: 19)

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Em 2003, a Escola solicitou um acompanhamento externo para

essa reestruturação. E, com a ajuda da psicóloga Rosely Sayão1, a Escola tomou conhecimento do projeto pioneiro desenvolvido na Escola da Ponte, em Portugal. A similaridade de princípios foi instigante. Há mais de três décadas, em Portugal, os educadores lançaram-se nesse projeto renovador e repleto de desafios, com o intuito de construir uma escola mais democrática, ética e solidária. Era isso que se vinha buscando por aqui, apenas isso, mas tudo isso: a superação efetiva do modelo tradicional caduco de escola.

1.  Na gestão da prefeita Marta Suplicy (2001-2004) em São Paulo, cada unidade escolar recebia uma verba destinada à contratação de profissionais para efetuarem cursos, palestras ou outras atividades pontuais destinadas à formação continuada dos professores. A assessoria requisitada para o Projeto em questão representava um investimento muito superior ao previsto por esse programa municipal

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A reestruturação era necessária e, cada vez mais, passava a constituir-se numa forte e imprescindível vontade coletiva. Assim como no caso do

projeto Fazer a Ponte, o apoio e participação da comunidade e dos pais tornaram-se elementos cruciais à realização de qualquer mudança real que se pretendesse empreender.

A ação sobre os espaços da escola, como vimos, esteve presente desde o início. E, neste momento, transformação pedagógica e espacial foram

condições precípuas e indissociáveis. As escolas novas, escolas revolucionárias, como a Escola da Ponte, a Amorim Lima de hoje, e diversas outras, almejavam, sobretudo, um aprendizado que não prescindisse das relações humanas para acontecer, que dependesse delas e por meio delas se estruturasse. Desse modo, as estruturas espaciais da escola tradicional precisavam ser radicalmente transformadas, para que, a partir disso, quaisquer outras mudanças pudessem ser vislumbradas. Decidiram, assim, pela derrubada das paredes entre salas de aula. Onde antes havia três salas típicas isoladas, criar-se-ia um grande Salão de pesquisa. E partiriam daí, do espaço resignificado. A proposta foi apresentada a Secretaria Municipal de Educação e aprovada pela, então Secretária, Maria Aparecida Perez. Criaram, assim, um espaço que reuniria diversos professores e diversos alunos, trabalhando conjuntamente e descobrindo, cotidianamente, novas formas de lidar com o conhecimento. O esforço seria de ambos, os educadores construindo as atividades em parceria; e os estudantes, participando dessas atividades, nos diferentes grupos constituídos. Essa instância coletiva constituía o cerne do projeto Fazer a Ponte, e, portanto, não poderia deixar de ser aqui vivenciado. Nas palavras da diretora, transcritas pela educadora Simone Paier: “Quando a gente começou a estudar o projeto da Ponte a gente foi descobrindo que era imprescindível que todos os educadores tivessem um lugar de convivência coletiva e os estudantes também, não dava pra gente inventar que um professor ficava numa sala, outro na outra, e fazia rodízio. Isso não

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ia dar conta dessa necessidade absoluta, do princípio da Ponte de que os educadores têm que conviver juntos e as crianças também, porque isso dá uma outra dimensão para o coletivo, uma outra dimensão social [...] a partir do momento que todos os educadores ficam juntos existe a necessidade absoluta do diálogo, do confronto, das discussões das diferenças, senão, isso não seria possível. O espaço do salão é um espaço fundamental de construção coletiva, de responsabilidade, de solidariedade, de autonomia, porque ele permite que essas coisas sejam discutidas e trabalhadas.”. (depoimento da diretora Ana Elisa In PAIER, 2009: 39)

O projeto começou a ser implantado em 2004, com todas as

turmas iniciais de cada ciclo do ensino fundamental, primeiras e quintas séries, usando o espaço do novo Salão de pesquisa. Em três anos, já abrangia o conjunto total de alunos da escola. Em 2005, já havia sido criado o segundo Salão de pesquisa, agora mais amplo, agregando quatro salas de aula anteriormente isoladas.

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Foram envolvidos cinco professores diretamente, todos

ingressantes naquele ano na escola, 105 estudantes de 1º ano, 105 estudantes de 5º ano, além dos professores das oficinas culturais, não pertencentes à rede municipal. Em fevereiro de 2005, o Projeto foi expandido para 2º e 6º anos e em julho para 3º e 7º anos, abrangendo toda a escola no ensino regular em 2006. (PAIER, 2009: 38)

Neste primeiro ano, os professores, agora trabalhando como

educadores “polivalentes” – por orientarem, sem diferenciação, todo tipo de dúvida, de todas as áreas do conhecimento – permaneciam todo o tempo no Salão, auxiliando os estudantes em suas atividades de pesquisa. Já os estudantes participavam de dois tipos principais de atividades. Além dos estudos desenvolvidos no Salão de pesquisa, participavam também das oficinas culturais, das quais faziam parte as oficinas de artes, de leitura, de música, capoeira e jogos cooperativos, circo, educação ambiental e informática.

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Em 2005, os professores passaram a desenvolver também


algumas oficinas, como a de leitura-escrita e matemática. A organização das atividades foi se tornando mais complexa e, ao mesmo tempo, mais madura, na medida em que os atores do processo, estudantes e educadores, iam percebendo as novas necessidades trazidas, pouco a pouco, pela nova estrutura de escola.

Durante os dois primeiros anos, foram muitas as mudanças percebidas na vivência cotidiana dessa escola. Existiam,

nesse momento, duas escolas sob o mesmo teto, uma tradicional e outra renovada. Os participantes dessa construção relatam as diferentes posturas que puderam ser sentidas dentre os integrantes daquelas duas escolas, cujas estruturações pedagógicas eram significativamente diferentes. A ênfase no processo de pesquisa e nas atividades culturais, bem como a criação dos novos espaços, a busca pela afirmação da liberdade associada à responsabilidade, além do trabalho eminentemente coletivo logo foram capazes de fomentar novas posturas no ambiente da nova escola – latentes quando contrastada à antiga, ainda existente.

No ano seguinte, toda a escola já integrava o novo projeto. Outras modificações espaciais foram empreendidas, como a

criação de novo espaço para os estudantes ingressantes no primeiro ano. Além disso, a escola passou a oferecer o ensino fundamental completo em ambos os períodos do dia, de forma que cada um dos dois grandes Salões foi destinado a cada um dos ciclos.

Em síntese, ao final desses três anos iniciais, grande parte da essência da estrutura pedagógica atual já estava sendo posta em

prática e experimentada, dia após dia. Era necessário, então, elaborar sua estrutura administrativa oficial, consolidar seus princípios e formalizar seus parâmetros pedagógicos e institucionais.

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38


3

.3

ESTRUTURAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DO PROJETO PEDAGÓGICO

3.3.1. ESTRUTURAÇÃO ESPAÇO-TEMPORAL

Como vimos, já a partir de 1996 e, principalmente, ao longo dos três anos iniciais de implantação do projeto, o espaço da escola foi significativamente

transformado e repensado, constituindo um espaço público de ensino bastante incomum. A começar por sua extensa área externa, cuja apropriação pelos estudantes, depois da retirada das grades do pátio externo, tornou-se muito mais livre. Possui áreas arborizadas, ausentes na maior parte dos edifícios escolares (nos contemporâneos, principalmente), muito exploradas pelos estudantes, especialmente pelos pequenos escaladores.

Faz-se, portanto, imprescindível falar, simultaneamente, sobre a transformação da estrutura pedagógica e espacial; para que, assim, permita-se uma

melhor compreensão sobre as relações interdependentes estabelecidas entre ambas. A implantação e consolidação dessas estruturas são partes integrantes de uma mesma concepção filosófica acerca do real caráter da educação e, portanto, a atuação nessas diferentes frentes é precípua a sua constituição em plenitude.

Após 1996, quando os dois edifícios isolados se tornam um único, integrado, passa a ocorrer uma mudança na percepção espacial da escola como

um todo. Espaços externos recebem maior cuidado e passam a expressar a maior liberdade da nova prática pedagógica, consequentemente, recebem maior uso. Em 2005, uma nova adição é feita ao edifício, prolongando-o em sua extensão longitudinal. É construído um novo Salão, o qual deveria abrigar, a princípio, as crescentes atividades de pesquisa, bem como intercâmbios interescolares e outros eventos. Posteriormente, percebeu-se a necessidade de usálo para o abrigo de uma biblioteca e uma sala de artes, recursos e ambientes com demanda crescente no novo cotidiano escolar.

Assim, atualmente, o edifício da escola Amorim Lima constitui-se de uma congregação de edifícios construídos em momentos diferentes e resultados

de posturas e demandas pedagógicas e espaciais também diversas.

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LEGENDA 01. HORTA 02. PISTA HALF PIPE 03. QUADRA DE ESPORTES COBERTA 04. QUADRA ESPORTES DESCOBERTO 05. DEPÓSITO MATERIAL ARTES E ED. FÍSICA 06. COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA 07. SALA EDUCADORES 08. SALA DIREÇÃO 09. SALA GRUPO ALFABETIZAÇÃO 10. ALMOXARIFADO 11. SECRETARIA 12. ÁTRIO 13. SALA INFORMÁTICA 14. SALA GRUPO CEACA 15. SALA VAZADA 16. PÁTIO INTERNO COBERTO 17. REFEITÓRIO 18. COZINHA/DESPENSA 19. BIBLIOTECA 20. SALA ARTES 21. BOSQUE/PARQUINHO 22. CASA DE CULTURA GUARANI OPY GUASU 23. TANQUE DE AREIA 24. ÁREA COBERTA POR TENDA 25. DEPÓSITO MATERIAL DE LIMPEZA

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01

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12 08 09

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LEGENDA 01. SALÃO CICLO I 02. SALA DE APOIO 03. LABORATÓRIO

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03

01

02

02

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LEGENDA 01. SALÃO CICLO II 02. SALA DE APOIO 03. SALA GRUPO INTERMEDIÁRIO

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01

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10m

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CORTE A-A

46 0

1m

5m

10m

CORTE C-C

CORTE D-D


0m

5m

10m

20m

CORTE B-B

47 CORTE E-E

CORTE F-F


O edifício mais antigo abriga, atualmente, as instâncias administrativas da escola, como sala da direção, coordenadoria pedagógica, sala dos

professores, secretária e almoxarifado. Além disso, passou também a abrigar uma sala para o grupo de Alfabetização, o grupo dos alunos ingressantes na escola. Essa condição espacial reforça uma dinâmica, desejada, de desmistificação e democratização espacial dos ambientes escolares tradicionais. Uma vez que o ambiente administrativo da escola divide espaço com uma porção do ambiente discente, todo o espaço é apropriado por todos os estudantes de forma mais livre; exigindo, portanto, de toda a comunidade escolar diferentes respostas às consequências advindas dessa liberdade.

O segundo edifício ali construído, em 1968, possui dois pavimentos de salas de aula e constitui um edifício escolar bastante tradicional. Abriga um

pátio central com pequeno palco, uma cozinha e área de refeitório conjugados, banheiros, sala de auxiliar administrativo, sala de informática, sala do Ponto de Cultura e Ação Griô1 e duas caixas de escada. A partir do espaço do refeitório, foi criado um acesso ao edifício mais recente; onde funcionam a Sala de Artes e a Biblioteca, cuja fachada, toda composta por esquadria, possibilita agradável contato visual com a área do bosque e parquinho2. Os pavimentos superiores abrigavam anteriormente 12 salas de aula típicas. Hoje, o primeiro pavimento possui um Salão (Ciclo I), duas salas de aula, um laboratório e pequeno depósito; o segundo, um Salão maior (Ciclo II), uma sala de aula, a sala do Grupo Intermediário e outro depósito.

O edifício de conexão (átrio, como passou a ser denominado), construído no fim da década de 1990, representa, atualmente, um ambiente

1.  O Ponto de Cultura e Ação Griô é coordenado pelos Mestres Alcides e Dorival, do Centro de Estudos e Aplicação da Capoeira (CEACA). O Centro trabalha em parceria com a Escola no desenvolvimento das oficinas de capoeira, inseridas na estrutura curricular ou extra-curriculares. 2.  Apesar da presença de portas externas e da intenção inicial de integração dos espaços interno e externo; o contato estabelecido atualmente é apenas visual, pois as portas mantêm-se sempre fechadas.

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extremamente significante no conjunto edificado da escola. É a porta de entrada à escola, recebe exposições de trabalhos, avisos importantes e decorações de destaque nas épocas de festa. Nele, habitantes e visitantes chegam e, dele, partem para os demais espaços.

Além de localizar-se num terreno de proporção e inserção

urbanas bastante incomuns, sua disposição espacial no mesmo é, também, um tanto singular. O conjunto edificado estende-se longitudinalmente ao longo de sua fachada noroeste, deixando livre quase todo o restante do lote. Essa área externa é constituída por uma área verde significativa (muitos arbustos e árvores, além de extenso solo permeável) e pela disposição aparentemente despretensiosa de diversos outros elementos. Existem ali, na extremidade nordeste do lote, duas quadras poliesportivas (uma coberta e outra descoberta), uma pequena rampa de skate, canteiros com vegetação e uma horta. Na área central, há alguns objetos destinados ao uso lúdico, uma tenda (cuja cobertura abriga 100 m² de área) e, mais a frente, um tanque de

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areia. Na extremidade sudoeste (limitada pela Avenida Corifeu de Azevedo Marques) localiza-se o bosque, o qual abriga o parquinho e a recém-construída Casa de Cultura Guarani3. O terreno é plano em quase toda a sua abrangência; possuindo diferença de nível marcante e outros obstáculos (como muretas de arrimo e raízes de árvores) apenas na porção sudoeste, região do bosque.

O Salão de pesquisa é, sem dúvida, o grande protagonista dessa transformação pedagógica. Em consonância com os princípios buscados pelas

pedagogias novas, destacadamente aqueles formulados pelas teorias construtivistas, o trabalho no Salão com os Roteiros de pesquisa4 está focado no processo de aprendizagem do aluno, preza pela autonomia e pela igualdade de saberes, assim como proporciona a construção compartilhada de conhecimento entre 3.  A construção da Casa de Cultura Guarani (denominada Opy Guasu, em tupi guarani) no terreno da escola foi fruto de um intercâmbio cultural realizado entre a Amorim Lima e os índios Guaranis da aldeia Tenondé-Porã, de Parelheiros. No site da escola, pode-se encontrar um relato desse projeto: “... o cacique Timóteo, a professora e escritora guarani Giselda Jerá e outros representantes da aldeia visitaram a escola e nos encheram de alegria - o cacique Timóteo fez talvez o mais singelo e importante reconhecimento do significado do nosso projeto e da nossa prática, dizendo-nos que desejava que sua escola, na aldeia, fosse livre como a nossa: que as crianças pudessem circular tão livremente, e que ficasse a todos claro que o aprendizado se dá também no chão de terra, na música, na dança. O cacique aprovou que construíssemos a Opy Guasu na escola - um espaço sagrado para o povo guarani, pois que é o local preferencial de troca e transmissão de cultura - e que também assume, para nós, estatura de sagrado na medida em que representa o nosso respeito às diversas culturas que formaram o nosso povo e o nosso país. Os guaranis Nilson e Vicente ficaram hospedados conosco por três semanas, construindo a Opy, que foi inaugurada em 25/11/06, no encerramento do 2º. Seminário de Avaliação e das comemorações do jubileu da escola” (extraído de http://antigo. amorimlima.org.br/tiki-index.php?page=oficinas+-+cultura+guarani) 4.  A explicação desse dispositivo encontra-se no item 3.3.2. ESTRUTURAÇÃO PEDAGÓGICA

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todos os agentes, educadores e educandos, numa resignificação das formas e tempos de ensino e aprendizagem.

A atividade no Salão de pesquisa recusa a prática pedagógica tradicional centrada na instrução intelectual e no professor, cuja função essencial

seria a de transmitir aos alunos uma gama de conhecimentos, adquiridos e consolidados pela humanidade ao longo de sua existência, de acordo com uma sequência lógica, consensual e pré-determinada. Cabendo aos alunos apenas a disposição e dedicação em assimilar tais conteúdos5. No Salão, a construção de conhecimento é aberta à iniciativa do educando, cabendo ao professor acompanhar esse processo. Segundo Saviani – “O eixo do trabalho pedagógico desloca-se, portanto, da compreensão intelectual para a atividade prática, do aspecto lógico para o psicológico, dos conteúdos cognitivos para os métodos ou processos de aprendizagem, do professor para o aluno, do esforço para o interesse, da disciplina para a espontaneidade, da quantidade para a qualidade. Tais pedagogias configuram-se como uma teoria da educação que estabelece o primado da prática sobre a teoria. A prática determina a teoria.” (DERMEVAL, 2005: 2)

5.  Dermeval Saviani, em “As concepções pedagógicas na história da educação brasileira”, entende que as teorias sobre a educação ao longo da história diferenciaram-se, principalmente, entre as teorias de ensino e as teorias de aprendizagem. As primeiras foram dominantes até o século XIX e detiveram-se ao estudo sobre o “como ensinar” – são compreendidos, neste agrupamento: Platão, a pedagogia cristã, humanista, naturalista, idealista (Kant, Fichte e Hegel), as teorias humanista racionalista, da evolução e da sistematização (Herbart – Ziller). As últimas foram desenvolvidas ao longo do século XX e detiveram-se, por sua vez, ao estudo sobre o “como aprender” – fazem parte desse agrupamento: Jacques Rousseau, Pestalozzi e Froebel, Kierkegaard, Stirner, Nietzsche, Bergson, os escolanovistas, as pedagogias não diretivas, a pedagogia institucional (Lobrot e Oury) e os construtivistas, como Jean Piaget (SAVIANI, 2005).

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Neste espaço se constrói, na prática, a educação voltada à

aprendizagem, necessidade apontada por Célestin Freinet6: “Dizem que se realizou uma revolução copernicana na educação no dia que se compreendeu que a pedagogia devia ser centrada na criança e não no adulto; que, dentro do processo formativo, o aluno não devia mais ser um elemento passivo nas mãos do educador ou da sociedade, mas o objeto essencial do desenvolvimento ao qual devem ser subordinados programas, métodos, técnicas, organização e material. Mas essa revolução estará apenas encetada, apenas anunciada, enquanto não passar para o domínio da prática. E esta é outra questão”. (FREINET, 1998, p. 302)

6.  Célestin Freinet (1896-1966) foi um pedagogo anarquista francês, cujos estudos constituíram, desde sua época, grande referência no campo da educação revolucionária. Em sua proposta pedagógica, a interação professoraluno é essencial à aprendizagem.

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Ainda, segundo Simone Paier, “A existência do salão possibilita uma melhor organização do trabalho dos educadores

com os estudantes. Aqueles que estão atuando como orientadores no salão podem se responsabilizar por uma quantidade maior de estudantes, uma vez que neste local o trabalho é mais pessoal, mais autônomo, pois se constitui de pesquisas. Os educadores que estão em oficinas podem se dedicar a um grupo com número reduzido de estudantes, o que melhora a relação destes com o conhecimento e com o educador, favorece um atendimento diferenciado àqueles que têm mais dificuldade, facilita ao educador a proposição de situações concretas de aprendizagem e o oferecimento de diferentes materiais de experimentação”. (PAIER, 2009: 45)

A autonomia não pode ser adquirida por meio de discursos, ela precisa ser instigada e precisa fazer parte essencial do

processo de formação. A sua construção é paulatina, depende da exposição real a situações de desafio, que requeiram discernimento, investigação, diálogo e convivência. Depende também da existência de um ambiente escolar igualitário, democrático, cuja construção deve tornar-se função primordial de seus educadores. Segundo Rancière7, a igualdade intelectual entre indivíduos é precípua à emancipação ou à construção mútua de conhecimento. Segundo ele, a igualdade intelectual precisa ser tomada como ponto de partida, caso contrário, a desigualdade das inteligências pode ser tomada, perigosamente, como justificativa para a diferenciação social.

7.  Jacques Rancière, nascido em 1940, filósofo francês e autor da obra “O Mestre Ignorante” (1987), publicado no Brasil em 2002.

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“Vivemos em sociedades que são, supostamente, igualitárias. Assim, funciona-se com a suposição da igualdade social; quando isso ocorre, a única desigualdade que, de alguma maneira, pode valer como explicação é precisamente a desigualdade intelectual, a ideia de que uns indivíduos são menos bons (sic) que os outros. Com isso, há toda uma visão contemporânea da desigualdade, em termos da simples oposição entre os “melhores da turma” e os “atrasados” [...] A escola funciona, mais fortemente do que nunca, como analogia, como “explicação” da sociedade, isto é, como prova de que o exercício do poder é o exercício natural e único da desigualdade das inteligências.”

Assim, quando os estudantes sentam-se em grupos, para desenvolverem seus roteiros de pesquisa individualmente, estão construindo sua

emancipação intelectual, sem deixar de relacionar seu processo pessoal à construção coletiva daquele grupo. É a constituição de uma autonomia solidária, não individualista e competitiva.

Segundo Andrea Nascimento8, para Rancière e Paulo Freire9, a emancipação intelectual e a autonomia possibilitam a instauração de movimentos de

emancipação política que pretendam romper com as lógicas sociais e institucionais vigentes. Ainda que seus estudos tenham ênfases distintas, a ênfase nas possibilidades de emancipação pelo sujeito intelectualmente autônomo é compartilhada por ambos.

O conceito de autonomia do Projeto Amorim Lima

8.  NASCIMENTO, Andrea Z.S. A criança e o arquiteto: quem aprende com quem? São Paulo, 2008 (Dissertação de mestrado FAU-USP). 9.  Paulo Reglus Neves Freire (1921-1997) um educador e filósofo brasileiro. Seu trabalho destaca-se pela ênfase na educação popular para escolarização e conscientização política

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estrutura-se, essencialmente, pelas contribuições dos estudiosos Paulo Freire e Jean Piaget10.

Piaget (1994), ao observar o comportamento de crianças de várias idades percebeu três diferentes períodos de seu desenvolvimento mental: entre

dois e sete anos, as crianças desenvolvem algumas determinadas habilidades, como a linguagem e o desenho; entre sete e onze anos, começam a pensar logicamente; e entre onze e quinze anos, começam a lidar com abstrações para realizar suas construções cognitivas (GADOTTI, 1993: 156).

As crianças, em idade de cursar o Ensino Fundamental das escolas brasileiras, possuem entre sete e quatorze anos de idade. Segundo Piaget,

especialmente entre 6 e 10 anos de idade, elas estão passando por um processo denominado por heteronomia, após o qual, por meio de suas interações e experiências, alcançam a autonomia. Enquanto heterônomos, os indivíduos pautam suas ações em verdades ou regras previamente dadas, existindo incipientes possibilidades de elaboração crítica e transformação de sua realidade.

Neste sentido, a escola de ensino fundamental tem essa função essencial, função de fomentar tais interações para que as crianças alcancem essa

condição de agentes autônomos. Interações essencialmente cooperativas, uma vez que, como coloca Simone Paier, citando Puig11 e Freire, ”O sujeito autônomo, é aquele que “em vez de ‘fazer como’ os outros, ‘faz com’ os outros, ou seja, situa-se em relação a eles e à sociedade como indivíduo livre e singular

10.  Sir Jean William Fritz Piaget (1896-1980), psicólogo suiço, dedicou-se ao estudo sobre a construção do pensamento nas crianças. Criticou enfaticamente a escola tradicional, acusando-as de buscar a acomodação das crianças aos conhecimentos tradicionais ao invés da formação de inteligências inventivas e críticas. O pensamento de Piaget é compartilhado pelos princípios do Projeto Amorim Lima, como indicado em seu Plano Político Pedagógico. 11.  PUIG, Josep Maria. A construção da personalidade moral. São Paulo: Editora Ática, 1998.

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que, através de relações de reciprocidade, estabelece acordos que permitem uma convivência respeitosa.” (PUIG, 1998: 12). Essa definição é importante para não nos confundirmos, conforme alerta Paulo Freire (2001), com a perspectiva neoliberal de autonomia que estimula o individualismo e a competitividade, colocando em evidência apenas as necessidades individuais de cada pessoa, sem preocupação com as necessidades do coletivo, ou da sociedade.” (PAIER, 2009: 52)

Dessa forma, aprender a aprender e aprender a conviver constituem dois princípios essenciais do Projeto Amorim Lima, como estabelecido em seu

Plano Político Pedagógico. “Ascendermos todos - alunos, educadores, pais e comunidade - a graus cada vez mais elevados de elaboração cultural e a níveis cada vez mais elevados de autonomia moral e intelectual, num ambiente de respeito e solidariedade, é o objetivo que fundamenta o Projeto EMEF Desembargador Amorim Lima (Projeto Político Pedagógico Amorim Lima, trecho do Artigo II - Dos valores que fundamentam o projeto)

Aprender a conviver requer a consideração sobre o sentido pleno da palavra convivência. A convivência em uma escola pública é uma convivência

eminentemente não seletiva. Convive-se com todos. A postura da escola é e, deve ser sempre, inclusiva. Na escola Amorim Lima, há a interação real entre diversas idades e diversas crianças, com possibilidades diversas e dificuldades também diversas, sejam sociais, físicas ou mentais. E, aprender a aprender busca fomentar a tomada de consciência do educando acerca de seu próprio processo, cada vez mais autônomo, de construção de conhecimento. A escola construiu seus dispositivos pedagógicos para o alcance desses objetivos.

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Ocorre, por meio desses dispositivos, uma reinterpretação dos tempos da educação. Historicamente, o processo de institucionalização da escola,

inegavelmente, significou uma alteração gradual, em todo o mundo e de formas particulares, na distribuição do tempo familiar e escolar dos educandos. Assim como coloca Maria Cristina Soares de Gouveia12 em seu artigo “Tempos de aprender: A produção histórica da idade escolar”13 – “As diversas culturas produziram recortes que demarcaram os diferentes momentos no desenrolar da vida do indivíduo, construindo classes de idade, produzindo delimitações e rupturas ao longo do continuum da existência humana.” A autora parte da concepção de tempo da Antiguidade, a fim de demonstrar as transformações em seu significado, consequentemente, na relação indivíduo – natureza – tempo. Passando, assim, à Idade Média e à Idade Moderna, contextualizando sua análise na história da educação no Brasil e, mais especificamente, nas minas oitocentistas. É também evidenciada a importância conferida ao debate acerca

12.  Graduação em Psicologia (1983), mestrado em Educação e Ciências Sociais (1990), doutorado em História da Educação (1997) pela Universidade Federal de Minas Gerais , pós- doutorado em História da Educaçao pela Universidade de Lisboa(2005). Professora associada da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, onde atua no Programa de Pós- Graduação, orientando alunos de mestrado e doutorado, pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em História da Educaçao da UFMG (GEPHE), pesquisadora I-D do CNPq 13.  Em “A construção da infância escolarizada: a criança nos discursos e nas práticas pedagógicas na província mineira (1820-1906)”, desenvolvida no interior do GEPHE (Grupo de Estudos e Pesquisas em História da Educação da UFMG). Insere-se também no Programa Internacional de Pesquisa CAPES/GRICES: “A infância e sua educação: materialidades, práticas e representações Brasil/Portugal (1830-1950)”.

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dos espaços de educação, a partir do século XX. Em seu texto, podemos reconhecer a existência de um diálogo entre os padrões europeus e o contexto brasileiro, porém dados recortes diferenciados para este último. No Brasil colonial, a produção do tempo escolar ou da idade escolar não pode ser entendida do ponto de vista estritamente cronológico, mas deve considerar as questões de gênero, as tão discrepantes condições sociais e a diversidade étnica da sociedade de então. Vemos assim que, dados esses condicionantes, poderiam ser compreendidos diversos tipo de infância naquele contexto sociocultural brasileiro. Diversos documentos apresentados no corpo deste artigo demonstram tanto a tensão na conciliação entre o tempo familiar e o tempo escolar, uma vez que as crianças muitas vezes eram encarregadas de inúmeras tarefas domésticas; como a presença de diferentes faixas etárias em um mesmo espaço de ensino; e a grande variação na idade de início e encerramento dos estudos fundamentais. Ao entender que, em um passado relativamente recente, não havia necessariamente, uma relação entre a idade cronológica do aluno e sua condição de aprendizagem, nem uma segregação espacial baseada nesta idade; vemos que há espaço para a revisão dos preceitos que cristalizam o modo como entendemos o que é a escola atualmente.

Desse modo, a pesquisa de Maria Cristina Gouveia provê o debate acerca das novas ideias

pedagógicas de mais um parâmetro histórico de extrema relevância, o parâmetro do tempo. A

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Escola Amorim Lima compreendeu que, assim como os espaços da educação, o tempo da educação também é uma construção, baseada em pensamentos e ideais; enriquecendo a discussão acerca da reinterpretação de tais parâmetros – e, assim, pode desenvolver critérios totalmente novos. “[...] os calendários, cronogramas e horários escolares funcionam, ao mesmo tempo, como espacializadores do tempo e como espacializadores epistemológicos; eles conformam (espacialmente) nossa percepção sobre o tempo e o nosso entendimento sobre os nossos próprios saberes, além de conformarem os usos que fazemos de ambos – tempo e saberes. Nesse sentido eles nos disciplinam [...] e nos ensinam a ver o mundo como disciplinar; nesse caso, vale dizer: tanto um mundo cujos corpos e ações são ou devem ser (naturalmente) disciplinares, quanto um mundo cujos saberes são ou devem ser (naturalmente) disciplinares. O naturalmente corre por conte do esquecimento de que tais dispositivos são invenções sociais [...]”14

14.  VEIGA-NETO, Alfredo. apud CABRAL, Stelamaris Rosa. Currículo: tempo e espaço na escola. In Revista Científica SER - Saber, Educação e Reflexão, Agudos/SP, v.1, n.1, Jan-Jun/2008

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3.3.2. ESTRUTURAÇÃO PEDAGÓGICA

Ainda no ano de 2005, a Escola passou a desenvolver seu novo Plano Político Pedagógico, a fim de realizar a organização e

formalização administrativa dos princípios, posturas e atribuições da nova Escola. Assim, um pai voluntário responsabilizou-se pela redação preliminar de um Plano Pedagógico e um Regulamento Interno1. Esses textos foram discutidos e modificados coletivamente no Conselho da Escola e aprovados em reunião extraordinária neste mesmo ano.

O Regulamento Interno pretende, em sua própria definição – “Explicitar as diversas instâncias de poder que compõem

o coletivo da escola, organizando-as no sentido da melhor implantação do Projeto Pedagógico e do mais harmônico e eficaz funcionamento da escola.” Assim, definem-se as atribuições e composição2 do Conselho da Escola (instância máxima), do Conselho Pedagógico, do Conselho de Gestão Financeira, da Assembleia de alunos e dos Grupos de Trabalho de Gestão Compartilhada. Apesar de não estar incluída neste Regulamento, a Assembleia de pais é outra instância de enorme relevância às atividades desenvolvidas na Escola.

Os dispositivos criados pela reestruturação pedagógica pautam-se em dois princípios essenciais, o conhecimento e a

1.  O Plano Político Pedagógico e Regulamento Interno da Escola Desembargador Amorim Lima podem ser encontrados no endereço eletrônico da escola (http://amorimlima.org.br/) e consta em anexo neste caderno. 2.  As atribuições e composição dessas instâncias administrativas podem ser consultadas em http://amorimlima.org.br/

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convivência. Deste modo, a produção de conhecimento é estruturada pelos Roteiros de Pesquisa, pelo Plano de Estudos, pelas fichas de finalização e de auto-avaliação. Já a construção dessa convivência democrática é trabalhada por meio do próprio caráter dos espaços da Escola (Salão e demais áreas de convivência, sendo quase todos os seus espaços de apropriação coletiva), da Carta de Princípios3, das rodas de conversa, das Assembleias e dos Grupos de Responsabilidades. O dispositivo estruturador desses princípios e paramétrico do Projeto Pedagógico é a denominada Tutoria.

A

ROTEIROS DE PESQUISA | EIXOS TEMÁTICOS

Os Roteiros de Pesquisa são os marcadores curriculares do Projeto. É por meio deles que as pesquisas são desenvolvidas e os conteúdos referenciais

são estudados; garantindo a coerência do Projeto com o propugnado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB).

No sentido de aumentar a implicação dos alunos no processo de aprendizagem, melhor favorecer o desenvolvimento de seus graus de autonomia e

ainda, no sentido de melhor adequar o currículo objetivo aos ritmos e predisposições individuais, o Projeto privilegia o trabalho de pesquisa. A aula expositiva deixa de ser o instrumento preferencial de transmissão e aquisição de saber, passando a ser um recurso utilizado pontualmente: 1) seja nos momentos em que o grau de autonomia não permita, ainda, a vinculação a um projeto de pesquisa; 2) seja nos momentos em que os educadores entendam que uma explanação possibilite um avanço no processo, esgotados todos os outros recursos; e 3) seja, finalmente, nas ocasiões em que características momentâneas

3.  A Carta de Princípios da Escola Desembargador Amorim Lima pode ser encontrados no endereço eletrônico da escola (http://amorimlima.org.br/) e consta em anexo neste caderno.

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do Projeto em implantação não permitam adequar a prática pedagógica aos princípios que a fundamentam.

O trabalho de pesquisa é norteado por Roteiros Temáticos de Pesquisa, concebidos segundo a Teoria dialógica da linguagem

do Círculo de Bakhtin, e apoiado nos livros didáticos e paradidáticos, num contexto predominantemente grupal. Apesar de usar tais livros de forma particular e não sequencial, privilegiando uma transversalidade temática, e apesar de não se restringir a eles, o Projeto reconhece o Programa Nacional do Livro Didático como uma outra sua importante base prática e conceitual, além da sustentação em uma Política Pública Federal.4

Inicialmente, as atividades eram elaboradas dia após dia pelos educadores, oficiais e voluntários, com o intuito de,

simultaneamente, dar conta dos conteúdos previstos para aquelas séries do Ensino Fundamental e investigar as possibilidades da nova abordagem educativa. Desse modo, a princípio, a estrutura de pesquisa baseava-se essencialmente na estipulação de objetivos a serem buscados durantes o estudo do dia, buscando uma aproximação com a metodologia desenvolvida na Escola da Ponte. Neste momento, havia ainda bastante dificuldade em atrelar adequadamente a nova pedagogia ao cumprimento dos tais conteúdos estipulados, o que gerava questionamentos de diversas partes.

4.  Projeto Político Pedagógico EMEF Amorim Lima – Artigo III Das bases conceituais do Projeto, da aprendizagem e do currículo, 2005 (em 7. Anexos, item B)

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Os primeiros Roteiros de Pesquisa foram desenvolvidos pelo Professor Doutor Geraldo Tadeu Souza5, cujo interesse em contribuir com essa

construção o levou a estudar e elaborar todo o material de pesquisa piloto para o Projeto Amorim Lima como objeto de seu pós-doutorado.

Geraldo buscou ampliar seu conhecimento acerca do caráter e conteúdo dos livros didáticos distribuídos pelo Plano Nacional do Livro Didático 6

(PNLD) . Seu pressuposto era o de que havia uma quantidade expressiva de recurso financeiro e material sendo desperdiçado na atitude de simples desconsideração precipitada dos livros distribuídos por essa política pública. Fato constatado em diversas escolas da rede pública, segundo seu depoimento.

A PNLD provê cada aluno matriculado no ensino fundamental da rede pública de um livro didático das seguintes áreas do conhecimento: português,

matemática, ciências, história e geografia. Além disso, os estudantes do primeiro ano recebem uma cartilha de alfabetização, na qual elaboram suas atividades. (PAIER, 2009: 59). Segundo Simone, “É importante destacar que cada escola tem total autonomia para escolher os livros que melhor se adéquam ao perfil de

5.  Geraldo Tadeu Souza possui graduação em Linguística pela Universidade de São Paulo (1992), mestrado (1997) e doutorado em Linguística pela Universidade de São Paulo (2002). Tem experiência na área de Linguística, com ênfase em Teoria Dialógica da Linguagem do Círculo de Bakhtin. Foi assessor curricular da EMEF Desembargador Amorim Lima, onde desenvolveu um projeto de reestruturação curricular baseado em Roteiros de Pesquisa. Atualmente, é professor adjunto da Universidade Federal de São Carlos campus Sorocaba. Além de ser pai de alunos da Escola Amorim Lima. 6.  “No meu doutorado eu trabalhei com a obra do Bakthin, que trabalha com a teoria dialógica da linguagem que permeia os Parâmetros Curriculares Nacionais, então eu estava um pouco envolvido, também, com esse processo do programa nacional do livro didático, das avaliações, e estudando e em grupo de pesquisa que trabalhava com essas coisas” (trecho de entrevista com Geraldo Souza apud PAIER, 2009: 61)

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sua comunidade e ao seu projeto pedagógico dentre aqueles que compõem o guia de livros didáticos fornecidos pelo MEC, e tem a responsabilidade de zelar por eles, visto que devem ser utilizados por três anos.” (PAIER, 2009: 60).

Dado isso, Geraldo empenhou-se em indicar uma nova forma de apropriação do livro didático, mais autônoma e rica. Procurou reagrupar os

conteúdos por temas e objetivos, possibilitando a escolha pelo estudante, de acordo com seu próprio ritmo, preferências e interesses, sobre percurso de estudo a ser seguido. O estudante precisa desenvolver todos os roteiros estipulados para cada ano do ensino fundamental, no entanto esse tempo não é pré-determinado pela duração do ano letivo e pode ser estendido caso haja necessidade. “Foram criados cerca de 18 roteiros de pesquisa para cada série do Ensino Fundamental. Cada roteiro apresenta entre 12 e 30 objetivos que correspondem a cada um dos conteúdos relacionados ao tema, indicando o livro de referência e a página em que se encontra. Existe ainda um espaço destinado à avaliação da cada objetivo que será realizada pelo tutor ou qualquer um dos professores do salão de estudos”. (PAIER, 2009: 62).

Dada a resignificação do tempo escolar trazida pela metodologia de trabalho com os Roteiros, a Escola recusa o uso do termo reprovação. Ainda

assim, o estigma da reprovação não foi superado, como explica Paier – “Embora alguns estudantes fiquem retidos tanto ao término do nível I quanto do nível

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II, a escola não utiliza o termo “reprovação”, procurando explicar aos ais e aos estudantes que não há reprovação na Amorim Lima7, porque os estudantes não vão realizar novamente um trabalho já feito. Eles ficarão mais um ano naquele nível de ensino para realizar trabalhos que ainda não fizeram, roteiros que ficaram pendentes, porque precisam de um pouco mais de tempo para cumprir todo o trabalho. Esse discurso, embora revele uma preocupação da escola com a autoestima dos estudantes, não consegue prevalecer sobre o peso que a cultura da reprovação exerce em nossa sociedade” (PAIER, 2009: 67).

Em 2008, o trabalho com os Roteiros já está mais consolidado e são criadas, pelos educadores, as Fichas de Finalização – instrumento de avaliação dos

estudantes ao término de cada Roteiro. Além disso, também há a organização dos Roteiros por Eixos Temáticos. Essa instância possibilita que os estudantes que estejam trabalhando em Roteiros de mesmo tema (independente dos grupos do Salão e anos de matrícula em que estejam inseridos) se encontrem para discutir seus processos e dificuldades. Um cartaz, no qual cada estudante deve registrar o eixo e roteiro desenvolvidos naquela semana, fica afixado na parede do Salão e é usado como suporte ao planejamento de atividades afins pelo educador responsável pelo eixo. Diante da grande quantidade de roteiros existentes e do fato de todos estarem disponíveis simultaneamente para os estudantes, é impossível que o professor do eixo aborde todos os assuntos que estão em circulação no seu eixo a cada semana. A proposta é, então, que ele possa elaborar atividades que

7.  Lê-se Limongi Alves ao invés de Amorim Lima, no texto original da dissertação de mestrado de Simone Paier. Por ser também uma educadora da escola, a pesquisadora optou pela manutenção da privacidade e substituição do nome da escola, de seus colegas educadores e pais por nomes fictícios. Para este estudo, essa discrição não se justifica, uma vez que terá como produto desta etapa um vídeo documentário, o qual apresenta um registro de pessoas e espaços reais.

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desenvolvam a apropriação de conceitos fundamentais presentes naqueles roteiros que compõem o eixo, para que os estudantes possam ir solidificando seus conhecimentos e tendo condições mais adequadas para realizar os roteiros. Ou seja, o professor não irá acompanhar os estudantes na realização dos roteiros nesse momento do eixo temático, mas procurará desenvolver habilidades e propiciar a sedimentação de conceitos que permitirão ao estudante que melhor compreenda seu roteiro e o realize com mais qualidade e maior autonomia. Como os estudantes trocam de roteiros de acordo com seus ritmos individuais, não há continuidade no grupo que freqüenta um eixo. Alguns estudantes podem participar apenas uma semana, logo indo para outro eixo, outros podem ficar várias semanas seguidas realizando o mesmo roteiro ou trocando de roteiros que compõem o mesmo eixo. Dessa forma, o professor não pode estruturar um trabalho de continuidade. Cada dia de eixo deve conter propostas que se iniciem e se encerrem procurando abarcar algum conceito fundamental ou o desenvolvimento de uma habilidade. O mesmo conceito ou habilidade deve ser retomado outras vezes a partir de outras propostas, considerando que alguns estudantes estão participando pela primeira vez, enquanto outros já participaram várias vezes. (PAIER, 2009: 74).

Os primeiros Roteiros de Pesquisa passam, atualmente, por um processo de reformulação. Ao longo dos últimos anos, as discussões acerca de seus

desdobramentos pedagógicos foram constantes e imprescindíveis ao seu aprimoramento. Foram discutidas e criticadas questões como a grande quantidade de conteúdos e de carga de trabalho dos roteiros a serem realizados pelos estudantes, dificultando o seu real envolvimento nas demais atividades consideradas importantes pela filosofia da Escola. Assim, os próximos Roteiros estão sendo desenvolvidos pela própria equipe de educadores da Escola e serão baseados em outra coleção de livros didáticos.

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B

PLANO DE ESTUDOS

O Plano de estudos é um instrumento valioso para o processo de construção da autonomia intelectual dos estudantes. É desenvolvido quinzenalmente

e os permite uma real apropriação de seu percurso escolar, das possibilidades e dificuldades nele envolvidas.

Neste Plano, os estudantes definem metas de estudo ou de convivência a serem trabalhadas, durante cada semana ou quinzena. Essas metas são

desenvolvidas por cada estudante com o acompanhamento de seu tutor, o qual cumpre a função de ajudá-lo a elaborar seu planejamento e de acompanhar seu desenvolvimento.

No plano de estudos, há ainda espaço para o registro diário das atividades desenvolvidas e dos conhecimentos por meio delas adquiridos, momento

que possibilita e estimula a reflexão cotidiana dos estudantes acerca de seu próprio processo de estudo e pesquisa. O tutor, junto a seu grupo de tutoria, também pode estipular metas a serem buscadas coletivamente, seja para a preparação de apresentações e materiais para as diversas festas ou trabalhos da escola, seja para a própria convivência daquele grupo. Ao término da quinzena, os estudantes realizam uma auto-avaliação. Nela, buscam criticar seu próprio processo, avaliando o cumprimento ou não das metas estabelecidas, o produto de seu trabalho e sua capacidade de gerir adequadamente seu tempo de trabalho. “A gestão do tempo é um aprendizado muito importante que não está no currículo da escola tradicional que conhecemos e é um aspecto fundamental para que o sujeito possa assumir autonomamente a organização de seu trabalho. Enquanto existir um professor a dizer para a turma o que deve ser feito a cada momento, as crianças não poderão se apropriar da gestão de suas atividades. [...] Esta auto-avaliação, que fica registrada no próprio plano de estudos,

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juntamente com a avaliação do tutor, vai dando consciência ao estudante de qual é a sua condição de aprendizagem e em quais aspectos deve dirigir seus esforços para aprimorar seu trabalho. Esse procedimento permite que o estudante realmente se torne sujeito de seu processo de aprendizagem, retirando a condução do trabalho das mãos do professor, e possibilitando uma responsabilidade compartilhada entre tutor e estudante.” (PAIER, 2009: 77)

O Plano de estudos é utilizado, por todos os alunos, desde o segundo ano escolar. No entanto, desde o primeiro ano, os educadores reúnem-se com

os pequenos, no início e término do período, para a discussão do Plano do dia. De forma que, desde esse momento, cada um deles já é estimulado a tonar-se consciente acerca do processo individual e do grupo, bem como dos compromissos entre eles estabelecidos.

C

AVALIAÇÃO

No plano pedagógico desta escola, a avaliação se dá ao longo do tempo. Ela visa o percurso, não a capacidade de armazenamento ou reprodução

de conteúdos em um espaço e tempo pré-determinados. É também uma reinterpretação do tempo, na medida em que compreende tempos plurais de processos e agentes também plurais.

A primeira instância avaliativa é a correção dos objetivos desenvolvidos ao longo de um roteiro. Cabe ao estudante julgar o momento dessa

avaliação, assim que considerar que todos os objetivos foram cumpridos adequadamente. Qualquer um dos educadores do Salão de pesquisa pode realizar essa avaliação, ponderando acerca do trabalho desenvolvido e requerendo correções, quando necessário.

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Ao final de cada roteiro, quando todos os objetivos tiverem sido positivamente avaliados, ocorre a segunda instância avaliativa. Nesta instância, cada


estudante deve elaborar um portfólio, cujo processo e correção deverão ser acompanhados por seu tutor. Neste texto, os estudantes devem escrever sobre o tema do roteiro finalizado, evidenciando os conhecimentos adquiridos e estabelecendo possíveis relações entre eles.

Além disso, há também a Ficha de Finalização, a qual deve ser realizada individualmente pelo estudante. Cada educador da escola é responsável por

determinados Roteiros de pesquisa e pela elaboração das Fichas de Finalização correspondentes. Essa é uma das atividades a serem realizadas durante o dia de tutoria, de modo que o tutor pode acompanhar o desenvolvimento individual dessa avaliação e perceber eventuais dúvidas e dificuldades.

Os tutores, baseados na vivência com cada estudante e fazendo uso desses três instrumentos avaliativos mencionados, elaboram um relatório

a ser entregue aos pais a cada fim de semestre. Neste são mencionados também as atividades desenvolvidas no projeto de tutoria e uma auto-avaliação desenvolvida pelo filho. “Nesse relatório, constam ainda, observações sobre o processo de autonomia do estudante, sobre sua organização, seu relacionamento com os colegas e adultos, sua apropriação da Carta de Princípios, e sua participação nas oficinas.” (PAIER, 2009: 80)

D

TUTORIA

“Além do acompanhamento grupal e individual em sala, são os alunos acompanhados mais de perto por um tutor que, ao ater-se a um grupo menor

de alunos, preferencialmente durante todo o período de formação escolar, pode orientá-los com olhar mais atento e agudo, indicando e corrigindo rumos. Sendo a busca da autonomia um valor matricial do Projeto, e somente podendo ela fundar-se numa cada vez mais aprofundada auto-avaliação, caberá ao espaço da tutoria auxiliar os professores a implantar e fomentar a auto-avaliação, numa gradual tomada de consciência, por parte dos alunos, de suas

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capacidades e de suas dificuldades.”8

A tutoria é um instrumento imprescindível ao desenvolvimento do Projeto Pedagógico Amorim Lima. É uma instância estruturadora do processo

de amadurecimento dos estudantes, de sujeitos heterônomos a sujeitos autônomos, como conceituado por Piajet (1994). No espaço de pesquisa do Salão, a relação educador-estudante é condizente à atividade independente de pesquisa e ao estímulo a essa independência, mas não permite uma maior aproximação, também essencial, dos educadores com cada um dos estudantes.

A formação dos grupos de tutoria é feita pelos próprios educadores, os quais devem buscar uma congregação sempre mista e heterogênea de

estudantes. A reunião desse grupo ocorre durante todo o período (manhã ou tarde) de um dia, semanalmente.

É importante que nesta instância, além do fortalecimento da relação educador-educando, seja estabelecida uma escala diversa de relações entre os

próprios educandos. São instâncias coletivas diferentes, de sutis variações de escala, as quais contribuem para a percepção do sujeito e de sua relação social em diferentes momentos. No Salão de pesquisa, há a inserção em um grande grupo, 100 alunos aproximadamente; e há, simultaneamente, a inserção em um grupo menor, a equipe de pesquisa, de seis alunos aproximadamente. Na tutoria, há, assim, uma escala intermediária, um grupo de trabalho de cerca de 20 estudantes sob a orientação de um educador. É importante dizer que todo tutor é também um educador de todos os demais estudantes da escola.

Os estudantes passam a integrar uma tutoria a partir do Ciclo I, no terceiro ano escolar. É princípio do Projeto que o tutor acompanhe o mesmo

estudante durante todo o Ciclo I; e outro tutor o acompanhe durante todo o Ciclo II. Devido à grande rotatividade de educadores nas escolas públicas, nem

8.  Projeto Político Pedagógico EMEF Amorim Lima – Artigo III Das bases conceituais do Projeto, da aprendizagem e do currículo, 2005 (no item 7.2)

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sempre esse princípio é seguido.

A tutoria é também um espaço-tempo de maior autonomia para o docente, no qual é possível a proposição de atividades diferentes das realizadas

nas demais instâncias coletivas e que sejam consideradas mais adequadas, ou mesmo necessárias, para aquele grupo. Como relata Paier – “a tutoria também é um dia bastante agradável a todos, onde existem rodas de conversas, rodas de leitura, aventuras culinárias, piqueniques, passeios. Certa tutora, procurando estabelecer um aproximação com as famílias, começava semanalmente sua tutoria com um café da manhã onde todos eram responsáveis pela organização, outras duas uniram seus grupos para conversas semanais sobre as questões da adolescência, um grupo se dedica ao artesanato com panos e agulhas, outro à poesia, outro ao teatro.” (PAIER, 2009: 82)

A tutoria é também onde são estabelecidos os vínculos mais estreitos entre educadores-tutores e pais. São os tutores que buscam estabelecer uma

comunicação mais frequente e aberta com as famílias, convidando-as a participar da educação de seus filhos, em conjunto com a escola. Essa relação é ainda mais significativa para os estudantes do Ciclo II e seus pais, por configurar-se como momentos de diálogo praticamente inexistentes nas escolas públicas tradicionais. Percebe-se a construção de uma postura diferente dos estudantes mais velhos, de maior respeito e responsabilidade. E uma postura, também incomum aos professores desse ciclo; os quais, nesta escola, assumem responsabilidade pela formação integral de seu grupo de tutorandos, não apenas por dado conteúdo específico a ser transmitido.

3.3.2.2. DISPOSITIVOS PARA A CONVIVÊNCIA

Em 2004, no início do processo de implantação da nova proposta pedagógica, os educadores desenvolveram uma primeira carta com um conjunto

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de 13 princípios de convivência - “Para lembrar todo dia”. Segundo Paier, após dois anos, apesar da existência dessa carta, seus princípios eram correntemente desrespeitados, uma vez que a determinação do corpo da carta não havia sido amplamente discutida com a comunidade escolar. Desse modo, com o avanço na organização dos alunos em assembleia, decidiu-se pela elaboração de um novo documento, cuja base seria amplamente discutida em diversas instâncias participativas, como as próprias tutorias.

Assim, cada grupo de tutoria discutiu os pontos julgados problemáticos no convívio escolar e elaborou um relatório a ser levado, por um representante,

para a assembleia de alunos. Nesta instância, ocorria a discussão e reunião de todos os pontos trazidos por cada grupo de tutoria e, com o auxílio de dois pais de alunos, elaborou-se uma primeira versão do documento. Após a discussão e revisão deste no âmbito das tutorias, foi redigido o documento final denominado “Carta de Princípios de Convivência”, apresentado então ao Conselho da Escola. Conta Simone que “A Carta de Princípios foi escrita na parede do pátio interno e apresentada à comunidade externa na Festa de 50 anos da escola numa bonita cerimônia” (PAIER, 2009: 90).

Não é possível cobrar uma determinada postura de convivência em dada comunidade, sem que seus princípios sejam claros e, ainda mais, sem

que estes últimos tenham sido fruto de comum acordo. Isso foi percebido pela escola, após a construção participativa desse documento. Seu conteúdo foi criado conjuntamente e apresentado publicamente a toda comunidade, conjunto de fatores de extrema relevância. Assim, os próprios estudantes exigem um dos outros o cumprimento daquilo que foi por eles mesmos determinado; exigem também dos educadores e demais funcionários, caso sintam-se desrespeitados em algum momento.

A 72

RODA DE CONVERSA

As rodas de conversa também foram experimentadas ainda no primeiro ano do Projeto. As rodas, de cerca de 20 alunos e um ou dois educadores,


acontecem no término do período letivo e tem o propósito de estabelecer um diálogo sobre o andamento dos trabalhos daquele dia. Abre-se um tempoespaço importante no qual os educadores demonstram o respeito que possuem pelas opiniões e sentimentos de seus alunos, ao passo que os alunos sentem-se acolhidos para dividi-los. Os conflitos entre pessoas são inerentes ao convívio social, nessas rodas eles devem ser expostos e trabalhados. As trocas vivenciadas, nestes momentos, são consideradas pelos educadores como marco imprescindível à constituição de uma vivência escolar mais solidária e respeitosa, bem como à constituição da autonomia moral dos sujeitos em formação e dos deles próprios. “Aprender a dialogar, a construir coletivamente as regras de convívio e a fortalecer o protagonismo das pessoas e dos grupos sociais na construção da democracia e justiça social é um papel que a escola pode, e deve, exercer na luta de transformação da sociedade.”(ARAÚJO, 2004: 07)

Segundo Piajet (1994) é por meio das experiências coletivas e cooperativas cotidianas que as crianças desenvolvem mais plenamente sua autonomia,

pois tomam consciência do papel das relações sociais na constituição das regras e juízos morais e percebem sua potencial participação como agentes transformadores de tais parâmetros previamente estabelecidos. “Em vez de propor uma pedagogia moral que privilegie a influência do adulto sobre a criança (assimetria que gera, justamente, a heteronomia), Piaget aconselha promover relações de cooperação entre as crianças, relações que promovem a descentração (sic) (e, em decorrência, maior apropriação racional) por serem baseadas no diálogo e no acordo.”

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Ainda segundo Puig, o espírito de coletividade advém da constituição e preservação da historia do grupo, bem como da criação de tradições

compartilhadas. Conceitos que reforçam a importância das rodas de conversa.

B

ASSEMBLEIA DE ALUNOS

Ao longo dos três anos iniciais do projeto Amorim Lima, os educadores da escola buscaram construir as bases para uma instância considerada

elementar à pedagogia da Escola da Ponte e à dinâmica desta nova escola, a Assembleia de Alunos. Em 2005, alguns pais responsabilizaram-se pela organização de uma proposta de trabalho, cujo objetivo era consubstanciar a implantação das primeiras assembleias de alunos. Apoiados pelo Conselho da Escola, o grupo de pais convidou todos os estudantes do Ciclo II a participarem dessa construção. Essa comissão, formada por 15 estudantes e dois pais, reunia-se semanalmente a fim de consolidar seus princípios e objetivos. Discutiam-se temas como o funcionamento do Conselho da Escola e sua abertura à participação dos estudantes, o significado da reunião democrática em assembleias e meios para sua estruturação, além do papel do estudante na vida escolar.

Após quatro meses de trabalho, o grupo organizou as primeiras Assembleias de Alunos da Escola. Optou-se pela realização de três assembleias

em cada período, a fim de melhor coordenar a grande quantidade de estudantes e o andamento das discussões. Segundo Paier, muitas questões foram apresentadas e debatidas, não sem alguma agitação ou tumulto. Assim, a avaliação final dos organizadores e educadores foi bastante controversa. Muitos consideraram que a experiência pôs em evidência a imaturidade dos estudantes em compreender as possibilidades dessa instância coletiva; alguns julgando

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este processo como necessário e positivo, outros como um tanto precipitado.

No ano seguinte, a estrutura das Assembleias foi repensada. Propôs-se a criação de Grupos de Responsabilidades no âmbito de cada tutoria como

suporte à organização coletiva dos estudantes e à compreensão dos direitos e deveres nela envolvidos. A partir disso, cada grupo de tutoria deveria eleger um representante para comparecer a Assembleia. Ainda assim, algumas dificuldades permaneceram. Em 2007, poucas tutoriais deram continuidade ao trabalho dos Grupos de Responsabilidade e as assembleias se esvaziaram.

A importância desse dispositivo reside em sua oficialidade, organizativa e participativa. Sua ausência não significa, diretamente, a ausência total

de participação. O relato de educadores e pais comprova isso. Os estudantes participam a todo o tempo, em todas as atividades e grupos que integram. No entanto, é importante que se criem condições, momentos e espaços, em que ocorra a conscientização plena desses estudantes enquanto grupo. Como comenta Ana Elisa: “De certa forma, a gente tem que abrir os espaços. Então, o tutor abre, as rodas de conversa abrem, a dinâmica da escola, das oficinas, abrem um jeito de pensar sobre os assuntos mas, quem vai dar esse tom tem que ser a possibilidade deles, não a possibilidade nossa enquanto adulto. Então eu acho que isso tá encaminhado e vai caminhar cada vez mais para uma organização deles [...] Se a condição das crianças dessa escola é essa, é nessa condição que nós temos que trabalhar. Como é com a comunidade, como é com os educadores também. A gente tem que ir no ritmo das pessoas. Cada escola tem que ir no ritmo daquele grupo de pessoas, não adianta você querer ir muito na frente, também, que não faz sentido” (entrevista com Ana Elisa apud PAIER, 2009: 31)

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C

GRUPOS DE RESPONSABILIDADE

Conforme vimos, os primeiros Grupos de Responsabilidade foram organizados no âmbito das Tutorias. Desde o início, cada um delas definia uma

responsabilidade a ser assumido pelo grupo perante o restante da escola. Recreio legal, merenda, banheiros, área externa, pátios internos, murais livros, organização do Salão foram algumas dos primeiros temas abordados.

A tarefa do grupo é pensar e discutir mais detidamente sobre aquele tema, criando alternativas interessantes para resolver eventuais problemas e

conversando com os outros grupos sempre que necessário. Ainda assim, isso não significa que todos os estudantes, de todos os variados Grupos, deixem de ser responsáveis por todo o conjunto de espaços e atividades da escola. Como ressalta Paier: “É importante destacar que todos os estudantes são responsáveis pelo cuidado da escola toda, logo, todos devem organizar o salão, os livros, cuidar da limpeza dos espaços, intervir de modo a impedir atitudes violentas dos colegas, etc. A tarefa específica de cada grupo de responsabilidade é pensar na forma com que todos os estudantes devem cuidar daquela parte específica da escola, organizando os trabalhos, verificando a realização adequada, colhendo informações sobre o que os colegas pensam sobre aquela questão.”

D

COMISSÕES

A participação voluntária das Comissões de Trabalho, todas compostas por pais voluntários e educadores, é bastante expressiva na organização

tanto do cotidiano escolar quanto de seus demais eventos. Estes realizam diversas atividades, como organização das festas, visitas externas, oficinas, e etc.. Seus integrantes ajudam de acordo com sua disposição e nos temas de seu interesse. As demandas são muitas, dada à dinâmica cotidiana das atividades curriculares e extracurriculares; no entanto, pais, estudantes e professores reúnem-se nesses grupos para supri-las da melhor maneira.

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As Comissões existentes atualmente são as de Alimentação,

de Ações da Comunidade, da Biblioteca, de Comunicação, de Material de Apoio para as Tutorias, do Conselho Financeiro e APM, das Festas, do Grêmio e dos Grupos de Responsabilidade, da Horta e Jardinagem, do Jornal, do Site da Escola, e da Formatura do Oitavo Ano. Outras comissões podem ser propostas a qualquer momento.

No jornalzinho da Escola, Correio do Amorim, podemos conferir o

caráter dessa instância participativa: “Este jornalzinho é um bom exemplo da ajuda que os pais podem dar: ele é feito totalmente pela comunidade. Cada um ajuda um pouquinho: uns escrevem textos, outros mandam fotos, tem gente que cuida só do calendário, outros de pensar as cores e formatos das matérias, e tem pais que se encarregam de comprar o papel, imprimir e levar lá na escola para ser distribuído para os alunos. E aí, já são mais de dois anos que todo mês tem um exemplar do jornal Correio Amorim chegando nas casas dos alunos, para compartilhar com as famílias coisas que acontecem na escola.” (Correio do Amorim, abril de 2012)

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AMORIM LIMA EM Vテ好EO


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AMORIM LIMA EM VÍDEO

O recurso ao vídeo foi muito caro a esse estudo por proporcionar um registro singular e

imprescindível dos depoimentos, pessoas, atividades e espaços vivenciados no seu decorrer.

Sua estrutura foi construída pela conjugação de várias entrevistas, por meio das quais se

buscou apresentar alguns dos aspectos estruturantes do projeto Amorim Lima. Neste sentido, os depoimentos registrados foram organizados de modo a construir uma narrativa coletiva, não necessariamente consensual, sobre as transformações pedagógicas já empreendidas e ainda almejadas pela escola. São relatadas as dificuldades e possibilidades trazidas pelo processo de reestruturação da antiga escola e consolidação das novas práticas; além de suas características e particularidades, como os dispositivos pedagógicos e de convivência elaborados e a imprescindível contribuição voluntária.

O registro das atividades cotidianas da escola (como a pesquisa, as oficinas e tutorias), bem

como das atividades das Comissões voluntárias e das festas contribuem para mostrar as relações estabelecidas entre as proposições e os espaços escolares e evidenciar a conjugação ensino-espaço da nova concepção pedagógica.

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INVESTIGAÇÕES PROJETUAIS


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.1 DUAS INVESTIGAÇÕES A decisão pela investigação e proposição de dois projetos, com suas distintas e interrelacionadas aspirações, surgiu a partir da própria vivência da escola, da aproximação com seu espaço e com o seu modo de ensinar. As questões suscitadas durante esse processo sugeriram a importancia de se ampliar o campo de investigação projetual, estabelecendo duas perspectivas distintas e complementares de estudo. Isso, pois, ao mesmo tempo em que a proposta de trabalho não poderia deixar de abarcar a rica dinâmica ja existente na escola, vivida ali cotidianamente; também não poderia se abster de uma busca por possibilidades mais amplas, por voos mais livres e mais altos, que pudessem contribuir com a uma discussão teorica mais abrangente no campo dos espaços da educação.

Deste modo, uma das investigações projetuais foi construída a partir das preexistencias, como uma contribuição ao projeto e ao espaço da escola

real. A outra, construiu-se a partir das instigantes possibilidades suscitadas em mim tanto pela proposta pedagógica da escola quanto pelas pessoas e pensamentos que ousaram repensá-la; levando em conta, para isso, o mesmo contexto urbano, o mesmo público e mesmo projeto de ensino da escola existente.

Essa definição distingue, desde o inicio, o carater buscado em cada uma dessas propostas projetuais. A proposiçao sobre o preexistente, sobre

o edificio e escola reais, teve por pressuposto entregar o resultado do estudo à Escola Amorim Lima, como um um conjunto de ideias possíveis de serem implantadas, caso desejado. Logo, tais reflexões necessitaram ponderar, a todo o momento, acerca de intervenções interessantes que fossem também viáveis. Ainda assim, é importante ressaltar que as possibilidades desse estudo seriam bastante escassas, caso este se restringisse apenas aquilo que é financeiramente possivel, no contexto da escola pública atual. Dessa forma, algumas proposições do projeto tem plenas possibilidades de serem levadas a cabo; outras, talvez, requeiram ainda mais alguns avanços. No entanto, fez-se importante propô-las, desenhá-las, para assim vislumbrá-las como possibilidades não tão inalcansáveis. Já o projeto sobre possibilidades, não se restringindo ao contexto de recursos exíguos da arquitetura escolar pública brasileira, pode buscar diversas referências, tanto conceituais quanto materiais, para construir uma nova escola.

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5

.2 ELABORAÇÃO DO PROGRAMA DE NECESSIDADES A partir da compreensão do projeto político pedagógico da escola Amorim Lima e de suas inevitáveis consequências na resignificação de seu espaço escolar, foi possivel estabelecer um programa de necessidades que servisse de base às duas reflexões projetuais. Em síntese, esse programa partiu daquele já existente na escola, foi repensado e teve diferentes papéis em ambos os projetos. Enquanto no PROJETO 02-SOBRE POSSIBILIDADES, o programa é aplicado em todos os pontos e, portanto, embasa uma proposição projetual desde o seu início; no PROJETO O1-SOBRE O PREEXISTENTE, esse programa teve a função de auxiliar a assimilação da relação entre usos-espaços do edifíco existente, a fim de embasar idéias sobre um programa já fisicamente estabelecido; além de verificar a adequabilidade da relação entre novos usos e espaços e repensar a disposição e distinção dada aos mesmos.

Primeiramente, a estrutura desse programa foi organizada a partir da distinção entre duas importantes instâncias da escola, as quais são: a intância

das atividades do cotidiano escolar e a instância das atividades da comunidade escolar. Os estudantes são parte fundamental tanto de uma como da outra, são estudantes e são comunidade – afinal, são eles que a fazem existir. Ainda que, no caso da Escola Amorim Lima, essa comunidade significativamente ampliada, uma vez que o projeto atrai, cada vez mais, colaboração de diversas partes.

Dado isso, o programa precisa considerar espaços e usos que estrapolam as atividades do currículo escolar dos estudantes e que compoem a

estrutura de uma escola, como essa, que é aberta à construção e contribuição coletivas. As atividades da comunidade escolar baseiam-se, em grande parte, em discutir e fomentar as atividades do cotidiano escolar, ou seja, em contribuir com o funcionamento e aprimoramento da própria escola. Isso inclui, nesse programa, espaços para congregação de pequenos e grandes grupos, para momentos de pequenas ou grandes assembléias, de pequenas ou grandes festas.

Em segundo lugar, segue o desdobramento da segunda instância - as atividades do cotidiano escolar. Como vimos, o projeto político pedagógico

87


ATIVIDADE

COMUNIDADE ESCOLAR COMISSÕES ASSEMBLÉIA FESTAS REUNIÕES da Escola Amorim Lima baseia-se no incentivo à construção pelo educando de seu próprio processo de aprendizagem, ou seja, busca,

ATIVIDADE

COTIDIANO ESCOLAR

SALÃO

OFICINAS TUTORIAS

PESQUISA GRUPO

PESQUISA INDIVIDUAL

1 5 20 100

88

PESQUISA OFICINAS TUTORIAS COMISSÕES

essencialmente, indicar caminhos para a construção de sua autonomia. Desse modo, o projeto sugere a prescindibilidade de três momentos de aprendizado – aquele do indivíduo consigo mesmo, do indivíduo em pequenos grupos e do indivíduo em grupos maiores. Em síntese, com base nos números da escola, tem-se uma dinâmica transição esses diversos momentos. O trabalho com os roteiros de pesquisa, por exemplo, agrega todos eles (é um processo individual, porém feito com a possibilidade de construção conjunta de conhecimento com o grupo da mesa (cerca de 5 ou 6 alunos) e com o grupo do Salão como um todo (cerca de 100 alunos). Os momentos de oficinas e tutorias são outra ocasião em que esses educandos se misturam e se reagrupam em grupos de cerca de 20 pessoas.

As atividades de pesquisa, no espaço do Salão, são atividades centrais e de espaço mais definido; ainda que a pesquisa com

os Roteiros, evidentamente, possa se dar também em outros espaços e outros períodos. Já, as demais atividades, no geral, fazem uso mais livre e dinâmico dos espaços disponíveis. Dado isso, outro modo de construir bases para o programa foi distinguir quais atividades usam quais espaços de forma mais ou menos definitiva.

A partir do quadro de horários, pode-se compreender a dinâmica com que esses espaços são usados pelos variados

agrupamentos em suas diversas atividades, ao longo da semana. Chama a atenção, por exemplo, o modo como as turmas de alfabetização e intermediário deslocam-se pelo espaço escolar; a todo o tempo, dividindo-se em diferentes grupos e usando diversos suportes materiais a sua atividade educativa. As demais turmas, de outro modo, também se movimentam bastante em suas atividades.


e Oficinas Culturais (Danças brasileiras, Cultura Corporal, Brinquedos e Brincadeiras e Capoeira), bem como os

CONJUNTO ADMINISTRAÇÃO ESCOLAR 1 SECRETARIA 1 SALA DIREÇÃO 1 SALA COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA 1 ALMOXARIFADO 1 SALA REUNIÃO 1 SALA EDUCADORES (REGULARES E VOLUNTÁRIOS EXTERNOS)

próprio momentos de recreio, lanche e eventuais comemorações.

CONJUNTO PEDAGÓGICO / VIVÊNCIA

Assim, dentre as atividades de espaço definido estão: a pesquisa com os Roteiros de Pesquisa (Salão),

Oficina de Ciências (Laboratório), Oficina de Artes (Sala de Artes – C. Accioli), Informática (Sala de informática José Pacheco); Oficinas de Leitura Escrita, Matemática, Inglês e Recuperação paralela (salas de apoio); e Educação Física (no geral, espaço das quadras de esporte). Dentre aquelas de espaços mutantes estão: Tutorias

A partir dessa distinção, e ainda com base no quadro de horários da escola, buscou-se verificar o número, em média, de salas de apoio (salas para atividades complementares à pesquisa com os Roteiros de Pesquisa) usadas pela escola atualmente. Além disso, buscou-se também repensar a relevância de certas separações programáticas e espaciais, como no caso dos ainda dintintos espaços para Salão de pesquisa, Biblioteca e Sala de informática. Os próprios educadores da Amorim Lima já apontam a necessidade de tornar a pesquisa menos restrita ao Roteiro fornecido e mais próxima ao seu real caráter, de livre e ampla busca por conhecimento. De modo que, os projetos de arquitetura fruto desse trabalho tem de trabalhar com essas reformulações.

Em suma, o programa de necessidade que serviu de base para a reflexão dos dois projetos aqui

propostos estabelece os seguintes ambientes escolares, indicados no quadro ao lado.

2 SALÕES DE PESQUISA (conj. SALÃO+INFO+BIBLIOTECA - CICLOS I E II) 5 SALAS DE APOIO 1 SALA GRUPO ALFABETIZAÇÃO 1 SALA GRUPO INTERMEDIÁRIO 1 SALA DE ARTES 1 LABORATÓRIO 1 ESPAÇO HORTA 1 REFEITÓRIO 1 QUADRA DE ESPORTES COBERTA CONJUNTO SUPORTE FUNCIONAL ESPAÇOS CONGREGAÇÕES 1 COZINHA/DESPENSA SANITÁRIOS E VESTIÁRIOS ESTUDANTES SANITÁRIOS ADMINISTRAÇÃO 1 DEPÓSITO MATERIAL LIMPEZA 1 DEPÓSITO MATERIAL ED. FÍSICA

89


90


5

.3 PROJETO 01 SOBRE O PREEXISTENTE


92



LEGENDA 01. HORTA 02. PISTA HALF PIPE 03. QUADRA DE ESPORTES COBERTA 04. PÁTIO DESCOBERTO (ATIV. DIVERSAS) 05. DEPÓSITO MATERIAL ARTES E ED. FÍSICA 06. COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA 07. SALA EDUCADORES/REUNIÃO 08. SALA DIREÇÃO 09. SALA EDUCADORES/REUNIÃO 10. ALMOXARIFADO 11. SECRETARIA 12. ÁTRIO 13. PATAMAR +180,00 - ESPAÇO ARTES 14. PÁTIO INTERNO COBERTO 15. COZINHA/DESPENSA 16. REFEITÓRIO 17. SALÕES GRUPOS ALFABETIZAÇÃO E INTERMEDIÁRIO 18. BOSQUE/PARQUINHO

ELEMENTOS E ALVENARIA REMOVIDOS

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19. CASA DE CULTURA GUARANI OPY GUASU 20. DEPÓSITO MATERIAL DE LIMPEZA


AV. C

OR

01

IFE

UA

.M

AR

QU

ES

02 03

19 04

20

20

16 17 15

05

06

13

07

14 18

12 08 09

10

11

RUA VICENTE PEIXOTO


LEGENDA 01. SALÃO CICLO I 02. SALA DE APOIO 03. LABORATÓRIO 04. TERRAÇO

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ALVENARIA REMOVIDA


04 03

01

02

04


LEGENDA 01. SALÃO CICLO II 02. SALAS DE APOIO 04. TERRAÇO

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ALVENARIA REMOVIDA


04 02 02

01

02

04


VISTA FRONTAL

100

0m

5m

10m

20m


CORTE A-A

101


CORTE B-B

0m

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5m

10m

20m


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CORTE C-C

0

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1m

5m

10m


105


CORTE D-D

0

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1m

5m

10m


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CORTE E-E

0

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1m

5m

10m


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CORTE F-F

0

110

1m

5m

10m


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CORTE G-G

0

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1m

5m

10m


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CORTE H-H

0

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1m

5m

10m


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5

.3 PROJETO 01 | SOBRE O PREEXISTENTE Desenhar sobre o preexistente revelou nesse estudo a peculiaridade de se elaborar reflexões sobre relações pedagógico-espaciais já, em alguma medida, conhecidas e caracterizadas. Por meio da observação e de conversas, bem como da elaboração do vídeo documentário sobre a escola, muitas destas relações passaram, de visita em visita, a revelar suas diversas características. Como, por exemplo, o átrio sendo, para os mais novos, não apenas o espaço de chegada, mas o espaço da brincadeira e agitação de entrada e de saída do período na escola. E o corrimão da rampa interna ao pátio servindo mais como uma brinquedo trepa-trepa do que como um equipamento de segurança. Ou ainda, a pequena goiabeira que, em meio há tantas ávores, é a favorita para se subir. Todos esses elementos e particularidades acabam por criar um desenho que, a todo momento, recorre a memórias vividas, ainda que por pouco tempo, para ser definido ou reelaborado. As pessoas e espaços reais são imaginados mais vivamente em meio as intervenções vislumbradas. Desse modo, a proposição sobre o existente é acompanhada também por essa motivação, de que os educadores e educandos da comunidade escolar Amorim Lima, possam tomar contato com uma abordagem diferente acerca do seu processo de transformação pedagógica.

De início, o espaço externo da escola já se apresentava como propulsor de muitas possibilidades. Um espaço bastante amplo, ensolarado e vivo.

Vivo pela vegetação e vivo pelas tantas dinâmicas – um pouco confusas, para um novo visitante – que acontecem ali simultaneamente. Assim, enquanto o edifício, a princípio, representava uma maior rigidez para quaisquer intervenções; o espaço livre de seu entorno começou a ser repensado de forma que, as possibilidades de transformação do corpo edificado, foram sendo melhor percebidas e apropriadas. Assim, o projeto partiu de algumas mudanças no interior do edifício que poderiam potencializar o desenho desse espaço aberto. As primeiras e principais transformações programáticas envolveram levar os grupos de Alfabetização e Intermediário para o bloco mais recente, onde hoje

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funcionam a Biblioteca e a Sala de Artes. Isso, pois, houve a intenção de colocar essas duas turmas em um mesmo espaço conjugado e, além disso, possibilitar o acesso imediato das crianças ao espaço do bosque e do parquinho; enfatizando a identidade entre o processo de aprender e brincar nesta fase da vida. Feito isso, propos-se uma reorganização de programa do bloco administrativo, expandido o espaço dos educadores ao reservar como sala de reunião/ educadores a sala atualmente ocupada pelo Grupo de Alfabetização. A Biblioteca e Sala de Informática conjugam-se, assim, ao espaço do Salão de Pesquisa, nos pavimentos superiores.

Ainda no térreo, a mudança da Sala de Artes para o Espaço das Artes acompanha outras intenções formais. Como podemos ver nas plantas do edifício

atual (incluídas no capítulo 03), a justaposição de edifícios de diferentes momentos gerou o espaço que denominamos como átrio. Desse átrio, subimos ao patamar a cota +180,00m e acessamos por meio de um corredor algumas salas (Sala de Informática e Sala do Grupo CEACA) e, então, descemos a mesma cota anterior, (+120,00m) para chegarmos ao pátio interno do edifício escolar tradicional. Assim, existe aí uma relação ainda um tanto descontínua entre os dois blocos anteriores da escola. Ainda que o espaço do átrio apresente-se com várias possibilidades de chegada e de congregação no todo edificado do escola, este não pode possibilitar o reconhecimento deste como único. Propôs-se, dado isso, a remoção das alvenarias que ocupam esse patamar, configurando dois ambiente que já não precisariam ali estar. A Sala de Informática é uma estrutura que estará, como mencionado acima, conjugada ao Salão; e os educadores do Grupo CEACA ocuparão o espaço agora ampliado dos educadores (no bloco administrativo). Além disso, propos-se a continuidade dos degraus ao longo do perímetro desse patamar, de forma a criar com eles uma linguagem, atribuir-lhes um significado visual e um caráter de estar, para além da mera transposição de um nível ao outro.

118

Assim, o Espaço das Artes abriga então as atividades artísticas nos momentos de aula, as quais podem ser vistas pelas pessoas que chegam a escola


pelo átrio. Mas também configura-se como uma extenção desse caráter acolhedor já atribuido ao átrio atualmente, porém conferindo mais possibilidades de estar, ler e estudar neste espaço. Existe também uma distinguibilidade no piso desse ambiente, em madeira, como os deques que desenham o espaço externo. Isso estabelece uma distinçao visual importante a esse nível, indicando que ele possui uma situação destacada no conjunto da escola, uma centralidade simbólica.

Associada a essas mudanças, o projeto também sugere a retirada da rampa de acesso ao palco (agora

parte do Espaço das Artes), pois esta impossibilitaria qualquer tentativa de proporcionar maior abertura e contato entre o espaço do Pátio interno e a área externa. O acesso ao patamar foi proposto por meio de duas outras rampas, que complementam o desenho do patamar e, resguardadas, criam também dois pequenos nichos de estar. Assim o pátio interno e o átrio puderam ser abertos ao espaço externo, tornando possível uma entrada mais generosa para a escola, bem como a combinação de espaços descobertos e cobertos em ocasiões de festas e outros eventos.

A circulação vertical por elevador também parte desse mesmo patamar, próximo à caixa de escada. Isso

pois, as vigas invertidas do edifício tradicional impedem a saída em nível nos patamares do Salão, e com isso, o acoplamento de uma caixa de elevador anexa ao edifício. No entanto, esse solução acabou tornando-se mais simples e evitando a presença de outro volume acrescido ao edifício tradicional já bastante massudo.

119


Dessas propostas para os espaços internos surgem outras para o

espaço externo. No bloco das atuais Biblioteca e Sala de Artes (onde propõese o espaço para os Grupos de Alfabetização e Intermediário) o acesso ao patamar do bosque é interrompido por um desnível de 80cm. Assim, pretendendo tornar o acesso das crianças mais direto à cota aonde estão o parquinho e a vegetação, experimentou-se um desenho de paisagem que, por meio de alguns degraus, possibilitasse essa transposição, arrematasse as árvores existentes (acima da cota +135,00) e criasse alguns nichos em frente a fachada das duas salas. Esse desenho tem continuidade no restante do espaço externo, buscando desenhar patamares por meio de linhas diagonais (as quais alinham-se a abertura diagonal do lote) e as linhas ortogonais dos edifícios. Reserva-se, também, uma patamar para a Casa de Cultura Guarani.

Ao extender-se pelo restante do terreno, os deques de madeira

tornam-se mais largos e mais baixos. Com a intenção de criar uma pausa no caminho configurado pelo espaço entre o bloco edificado e o muro, o

120


patamar à cota +140,00m avança neste percurso para, em seguida, abrir com uma linha diagonal o percurso para o espaço externo da quadra de esportes.

Neste espaço, onde atualmente existem duas quadras (uma

coberta e outra descoberta), optou-se por desenhar uma nova situação para a quadra, a rampa halfpipe e horta que se localizam nessa extremidade do terreno. Esses elementos foram configurados em um conjunto de elementos mais coeso, o qual interliga visualmente o jardim ao lado do bloco administrativo, os degraus de arquibancada, a quadra, pista de skate e, por fim, a horta. A cobertura da quadra foi pensada como uma estrutura curva em madeira laminada colada, na qual em um dos lados os apoios suportam novos arcos que lançam uma cobertura mais baixa para o espaço além da área da quadra.

Por fim, nos pavimentos superiores pensou-se a ampliação dos

Salões de Pesquisa, com a retirada dos corredores e alvenarias restantes (créditos divididos com a diretora Ana Elisa, quem mencionou essa

121


vontade durante uma conversa). O Salão é compreendido aqui, como mencionado em outros pontos, como um ambiente de pesquisa no sentido mais pleno, onde estariam localizados também os livros e redes de informação.

Neste sentido, desde os primeiros croquis, já existia a intenção de criar espaços de respiro à atividade

do Salão. Seriam espaços externos em que grupos menores pudessem realizar alguma atividade mais reservada, ou um estudante sozinha concentrar-se em sua leitura. Daí surgiram as varandas que envolvem o edifício existente, apoiando-se sobre estrutura de aço independente e criando patamares externos aos dois grandes Salões.

Como já explicado, o edifício possui vigas invertidas nesses pavimentos, de modo que esses patamares

estão elevados em cerca de um degrau acima do nível do Salão. A sobreposição destes sobre o bloco mais novo (onde propoem-se as Salas dos Grupos de Alfabetização e Intermediário) exigiu a retirada do telhado e das platibandas e a sobreposição da estrutura metálica sobre sua laje. O patamar do primeiro pavimento (Salão do Ciclo I) tem maior área e estende-se até as copas das árvores do bosque; já o patamar do segundo pavimento foi definido com menor extensão, a fim de evitar que a estrutura pesasse mais visualmente do que o desejado. Essas varandas completam a intervenção sobre esse edifício, na medida em que o reconfiguram visualmente nos demais níveis; além de conferir-lhe espaços agradáveis de suporte ao estudo.

122


123


124


5

.4 PROJETO 02 SOBRE POSSIBILIDADES


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AV. C

OR

IFE

UA

.M

ARQ

UES

RUA VICENTE PEIXOTO


LEGENDA 01. QUADRA DE ESPORTES COBERTA 02. HORTA 03. DEPÓSITO MATERIAL DE LIMPEZA 04. DEPÓSITO MATERIAL ED. FÍSICA 05. SALA DE APOIO 06. SALÃO CICLO I 07. SALÃO GRUPO INTERMEDIÁRIO 08. CANTINHO DA LEUTURA 09. SALÃO GRUPO ALFABETIZAÇÃO 10. HALL 11. REFEITÓRIO 12. COZINHA/DESPENSA 13. SALA DOS EDUCADORES 14. ALMOXARIFADO 15. SECRETARIA 16. DIREÇÃO 17. SALA REUNIÃO 18. COORDENAÇÃO 19. DEQUE PARQUINHO/ESTAR

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AV. C

OR

IFE

UA

.M

ARQ

UES

19

01 03 04

05 07 06

08 09

11 02

12

16

17

18

13 14 15

10

RUA VICENTE PEIXOTO


LEGENDA 01. SALÃO CICLO II 02. ESPAÇOS DE APOIO 03. VARANDA 04. SALÃO EVENTOS 05. ESPAÇO ARTES 06. APOIO/LABORATÓRIO

130


AV. C

OR

02

03

02

03

IFE

UA

.M

ARQ

UES

02

01

03

04

03

05

02

02

06

RUA VICENTE PEIXOTO

SUPERIOR


CORTE A-A

0m

132

5m

10m

20m


133


CORTE B-B

0m

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5m

10m

20m


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CORTE C-C

0m

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5m

10m

20m


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CORTE D-D

0

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1m

5m

10m


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CORTE E-E

0

140

1m

5m

10m


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CORTE F-F

0

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1m

5m

10m


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CORTE G-G

0

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1m

5m

10m


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5

.4 PROJETO 02 | SOBRE POSSIBILIDADES Foi a partir dos primeiros estudos para o projeto sobre o espaço existente que surgiram alguns dos apontamentos base para o desenho desse segundo projeto. De início, colocou-se em questão a disposição do edifício existente no lote. Sua implantação, sendo longitudinal e encostada no limite com a Rua Vicente Peixoto, possui a desvantagem de criar, de um dos lados, um espaço externo longo e estreito. Ainda que, com isso, acabe por liberar uma área mais generosa para o lado que é interno ao lote. Desse modo, procurou-se experimentar outras implantações possíveis, levando em conta a relação que esse novo edifício poderia estabelecer com os próprios limites desse espaço e com as ruas do seu entorno.

Dado isso, a implantação do edifício surgiu da vontade de que ele pudesse estabelecer algumas relações formais com os muros, bastante irregulares,

que o envolvem. O desenho partiu, assim, do alinhamento com diagonal que abre o lote para a Avenida Corifeu de Azevedo Marques. Ao buscar uma distribuição menos longitudinal no lote e a fim de liberar uma boa quantidade de espaços livres, estabeleceu-se a extensão do edifício até o fim do alinhamento com as linhas paralelas do terreno, ponto em que os muros existentes tornam-se mais irregulares. Dessa maneira, o edifício, em posição central, estabeleceu também duas instâncias diferentes no âmbito desse espaço livre, as quais, mais adiante, foram sendo caracterizadas. Mas que, já neste momento, indicava que a área de lazer aberta à comunidade se localizasse na parte posterior do terreno (mesmo espaço em que esses equipamentos se encontram atualmente).

Essa implantação preliminar sugeriu, ainda, que o edifício tomasse partido do alargamento existente no percurso da Rua Vicente Peixoto e se

estendesse, nesta face, até o limite do terreno. Com isso, criou-se a possibilidade de que a entrada da escola fosse percebida no percurso desse passeio público. Por ser essa uma rua muito tranquila, o edifício escolar tem a possibilidade de buscar uma aproximação muito mais direta com os pedestres e com os moradores ao seu redor. Já nesse ponto, definiu-se que o muro curvo que faz limite com a Av. Corifeu A. Marques seria mantido (a fim de afastar do interior

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da escola os incômodos dessa intensa movimentação de veículos), sendo este substituído por fechamento em gradil a partir do início da rua local. Estabelecemse, assim, meios para que essa relação entre entorno e escola possa acontecer.

Neste sentido, o desenho do interior do edifício parte do pressuposto

de que a entrada de uma escola deve oferecer – como indicado pelo arquiteto Hertzberger em alguns de seus livros1 – acolhimento aos visitantes. Este espaço deve dar a possibilidade de abrigo àqueles que passam para deixar seus filhos ou param para conversar rapidamente com os educadores da escola, bem como para os estudantes que aguardam após o período de estudo. Por esses motivos, os ambientes da área administrativa da escola (indicados anteriormente no programa de necessidades), os quais se encontram dispostos próximo à 1 HERTZBERGER, Herman. SWAAN, Abram. The schools of Herbert Hertzberger. Rotterdam, 019 Publ., 2008. HERTZBERGER, Herman. SWAAN, Abram. The schools of Herbert Hertzberger. Rotterdam, 019 Publ., 2008.

150


entrada da escola, foram recuados. Por meio dessa entrada mais generosa, pode-se também partir diretamente para a área externa frontal, em ocasiões de festa e eventos, ou mesmo para passar o tempo antes ou depois das atividades programadas.

A organização dos outros ambientes na planta do térreo partiu do estabelecimento de

um dos Salões de Pesquisa, o Salão do Ciclo I, em posição central; como um pátio circundado pelos demais ambientes. De um lado, é reservado o espaço para o Salão conjugado das turmas iniciais, próximo à área gramada e com acesso direto a ela e aos equipamentos do parquinho (no deque de madeira à cota +101,00). Do outro, há um acesso secundário à escola, destinado a atender mais diretamente a cozinha ali disposta e servir de entrada para a área da quadra de esporte nos dias não letivos. Abriu-se aí, também, um espaço coberto para o refeitório, o qual pode se estender, em dias de sol, para a área ao lado, de gramado e horta. Ficam próximos, os sanitários e vestiários dos alunos e os depósitos de material de limpeza e de educação física, com acesso externo e mais próximo à área da quadra de esportes. Com essa constituição, o pavimento térreo dá abrigo, essencialmente, as crianças dos primeiros anos do ensino fundamental, as quais podem acessar o espaço livre interno ao lote por meio de todos os lados do edifício.

As circulações foram pensadas para constituírem elementos que, além de proporcionarem o

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acesso ao nível superior, também possuíssem elementos que integrassem, de algum modo, os dois pavimentos de Salão de Pesquisa. Por isso, foi intenção, desde os primeiros desenhos, de que estantes de livros e nichos de estudos pudessem estar contidos nesses acessos. Assim, enquanto se sobe os degraus, pode-se olhar rapidamente alguns títulos de livro ou mesmo se sentar, rapidamente, para ler algumas páginas.

O desenho do pavimento superior foi, primeiramente, determinado pela abertura de uma ampla varanda, separando-o em

dois distintos espaços. Essa definição surgiu da vontade de criar, neste pavimento, uma área agradável de estudo, descanso e respiro. Lugar de onde se pode avistar desde as atividades nas áreas externas do pavimento inferior até a movimentação nas ruas, calçadas e na Praça Elis Regina.

A organização do Salão do Ciclo II define, por meio da inserção das varandas em ambos os lados, espaços reclusos de apoio à

atividade de pesquisa, os quais ficam conjugados à estrutura ampla do Salão de Pesquisa.

Foram, então, projetadas três diferentes circulações verticais em escada. Duas delas estão dispostas na área dos dois Salões.

Já, a terceira, no pavimento térreo fica semiencaixada no bloco de salas administrativas e próxima ao espaço do refeitório; enquanto, no pavimento superior, dá acesso ao bloco de menor área, onde estão localizadas a Sala de Artes, um Laboratório, uma Sala de Apoio e um espaço mais amplo para abrigo de diversos eventos, como reuniões da comunidade escolar, recepção de convidados externos, intercâmbio de escolas, e etc.

152

Inicialmente, como mostram alguns dos croquis iniciais, esses dois espaços do pavimento superior configuravam-se como


blocos claramente distintos. No entanto, com o decorrer dos estudos, essa forma foi sendo modificada. Isso se deve tanto à busca por uma solução formal mais interessante, quanto à necessidade de dar acesso aos dois blocos por meio de uma única caixa de elevador. Assim, a solução final inclina as águas das duas coberturas e as conecta por meio de vigas de madeira. Sobre estas se sobrepõe, apenas na porção central, uma cobertura translúcida que possibilita o acesso protegido de um bloco ao outro em dias de chuva.

A sequência de croquis reproduzidos nesse caderno

indica o desdobramento desse processo. Indica também a busca por uma solução formal de extremidades curvas, cuja geometria específica levou à opção pelo uso de estrutura em madeira laminada colada (estruturas de grande flexibilidade e resistência). Ainda que as possibilidades desse recurso sejam bastante limitadas no contexto do país, um projeto

153


investigativo permite que possibilidades como essa sejam vislumbradas.

Portanto, a estrutura foi dimensionada de acordo com base em parâmetros de estruturas fabricadas em ampla escala em

outros países. Em caráter de pré-dimensionamento, parâmetros como a altura de viga e raios de curvatura, em estruturas de madeira laminada colada, estão relacionados à espessura das lâminas. Lâminas mais finas, de 13 milímetros de espessura, como as estimadas para este projeto, permitem as curvaturas de menor raio. Desse valor, são determinadas, por multiplicação, as alturas finais das vigas. Assim, as vigas do projeto foram desenhadas com a curvatura mínima de raio igual a 1.8 metros; e espessura máxima de 65cm (nos vãos maiores) e 52cm (nos menores e variáveis). No item 7, estão indicadas algumas das referências arquitetônicas encontradas ao longo do estudo.

Essa forma, por fim, teve a intenção de criar, no interior desses ambientes, uma sensação de acolhimento diversa daquela

de uma estrutura regular, uma experiência espacial singular. Experiência que deve ser proporcionada, sempre que possível, em um espaço escolar.

Inicialmente, existia e intenção de fazer a estrutura da quadra de esportes conjugada a estrutura do próprio edifício escolar.

No entanto, a solução final distanciou, finalmente, as duas estruturas no espaço do lote. A fim de afastar, com isso, o ruído (problema presente nas soluções anteriores) e possibilitar um espaço “entre” quadra e edifício, ao invés de um espaço “além” deles.

Com isso, a composição formal dessa cobertura pôde desvencilhar-se de vez daquela pensada para o edifício da escola e

possuir uma linguagem distinta e mais adequada a sua função. Esta também faz uso da estrutura em madeira laminada colada e

154


155


pôde ser estimada com dimensões mais esbeltas, na medida em que parte de uma estrutura em arco. A intenção, neste desenho, foi criar uma estrutura que se construísse por meio de uma forma regular, porém cuja linguagem pudesse ser apreendida de modo menos previsível. Isso, pois, quis-se estabelecer uma relação formal com a irregularidade dos limites murados dessa porção do terreno. Portanto, a forma final é composta por uma base principal de arcos estruturais sucessivos, nos quais são fixados, de um lado, arcos de dimensões variáveis, que se projetam para além dela; e do outro, arcos que partem do alinhamento com os arcos estruturais e fazem uma curva mais fechada. Essas estruturas fixadas sobre a base principal foram desenhadas com o intuito de servirem de suporte às redes de proteção entre a arquibancada e o espaço do jogo.

Assim como a cobertura da quadra, o desenho dos patamares também trabalha com os limites angulados do

lote, passando de uma linguagem irregular – na área mais próxima aos muros – para uma arquibancada de vértices ortogonais, nos degraus adjacentes à quadra.

Por fim, acredito que os dois elementos de maior expressividade formal, cobertura da quadra e edifício, foram

valorizados ao serem definidas, para cada um deles, relações formais distintas. E estabeleceram entre si, como quis mostrar em algumas das perspectivas, uma complementaridade visual interessante. Mais que isso, possibilitaram uma implantação mais acertada para o desenho do espaço externo da escola.

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158


6

CONSIDERAÇÕES FINAIS Refletir sobre duas condições projetuais, que são, de certo modo, semelhantes e também distintas, tenha sido, talvez, um dos maiores ganhos desse trabalho. Os desenhos foram sendo pensados em paralelo e as proposições, muito particulares, puderam, em diversos momentos, ser comparadas e ponderadas. Não para que confluíssem para uma proposta comum e coerente, mas para que eu pudesse verificar e, ao menos, tentar buscar a coerência interna de cada uma.

Ao chegar ao fim desse período de proposição projetual, considero um tanto difícil falar em enceramento ou conclusão de ambas as

propostas. Entendo que elas melhor representem um ponto de partida.

O projeto 01 - sobre o existente, como um motivo propulsor para que a comunidade da Escola Amorim Lima continue a discutir e transformar

seu amplo e valioso espaço físico. Tenho, com isso, a expectativa de oferecer-lhes essas reflexões, para que sejam livremente apropriadas e reelaboradas pelo público envolvido com a escola.

E o projeto 02 – sobre possibilidades, como uma experiência que possa levar a outras revisões e resignificações daquilo que representa a escola

e seus espaços – em especial, a escola e espaços de caráter público – na sociedade brasileira contemporânea.

Enfim, acredito que esteja contido neste estudo um apanhando de pensamentos sobre os espaços da educação que só foram possíveis de serem

vislumbrados na medida em que esta escola, a EMEF Desembargador Amorim Lima, despertou em mim, como já o fez em várias outras pessoas ao longo desses anos, uma esperança e uma vontade de imaginar uma nova escola possível.

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CONTEMPORARY SHEEP STABLE, Netherlands 70F Architecture.

CASEY KEY GUEST HOUSE, Osprey, Florida SweetSparkman architects

RUBY’S RESTAURANT, Al Raha Beach Resort, Abu Dhabi Broadway Malyan UK BAI THANG, Suzhou, China. CPG Advisory CHURCHILL NORTHERN STUDIES CENTRE Churchill, Manitoba, Canada

LE MAY MUSEUM, Tocoma, Washington Grant Price Architects

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FAGERBORG KINDERGARTEN - Oslo, Norway Reiulf Ramstad Arkitekter


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REFERÊNCIAS ALVES, Rubens. A escola com que sempre sonhei: sem imaginar que pudesse existir. São Paulo: Papirus, 2002. AQUINO, Julio Groppa. A indisciplina e a escola atual. Revista da Faculdade de Educação,São Paulo, vol.24, n.2, p. 181-204, jul./dez. 1998 ARAÚJO, Ulisses Ferreira. Assembléia Escolar: um caminho para a resolução de conflitos. São Paulo: Moderna, 2004. CABRAL, Stelamaris Rosa. Currículo: tempo e espaço na escola. In Revista Científica SER - Saber, Educação e Reflexão, Agudos/SP, v.1, n.1, Jan-Jun/2008 FRAGO, Antonio Viñao. Currículo, espaço e subjetividade: a arquitetura como programa. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. FREINET, Célestin. A educação do trabalho. São Paulo: Martins Fontes, 1998 FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática docente. São Paulo: Paz e Terra, 2008. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976

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FRIGOTTO, Gaudêncio (1984), A produtividade da escola improdutiva. São Paulo, Cortez/Autores Associados. GADOTTI, Moacir. História das Ideias Pedagógicas. São Paulo: Ática, 1993 GENTILI, Pablo, (2002), “Três teses sobre a relação trabalho e educação em tempos neoliberais”. In: LOMBARDI, J.C., SAVIANI, D. e SANFELICE, J.L. (Orgs.), Capitalismo, trabalho e educação. Campinas, Autores Associados, p. 45-59. GOUVEIA, Maria Cristina Soares (2003). “A escolarização da meninice nas minas oitocentistas: a individualização do aluno”. In: FONSECA, Thaís & VEIGA, Cynthia Greive (org.). História e historiografia da educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica. GOUVEIA, Maria Cristina Soares. Tempos de aprender: A produção histórica da idade escolar. In “A construção da infância escolarizada: a criança nos discursos e nas práticas pedagógicas na província mineira (1820-1906)”, desenvolvida no interior do GEPHE (Grupo de Estudos e Pesquisas em História da Educação da UFMG). Insere-se também no Programa Internacional de Pesquisa CAPES/GRICES: “A infância e sua educação: materialidades, práticas e representações Brasil/Portugal (1830-1950)”. HANSEN, J.A. (2000), “A civilização pela palavra”. In: 500 anos de educação no Brasil, 2ª ed. Belo Horizonte, Autêntica, p.19-41. MAZZILLI, Clice de Toledo Sanjar. Arquitetura lúdica : criança, projeto e linguagem; estudos de espaços infantis educativos e de lazer. São Paulo, 2003. (Tese de Doutorado)

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HERTZBERGER, Herman. SWAAN, Abram. The schools of Herbert Hertzberger. Rotterdam, 019 Publ., 2008. HERTZBERGER, Herman. SWAAN, Abram. The schools of Herbert Hertzberger. Rotterdam, 019 Publ., 2008. JONES, Peter Blundell. Hans Scharoun. London, Phaidon, 1997. NASCIMENTO, Andrea Z.S. A criança e o arquiteto: quem aprende com quem? São Paulo, 2008 (Dissertação de mestrado FAU-USP). PACHECO, JOSÉ. Escola da Ponte, formação e transformação da educação. Petrópolis: Vozes, 2008. PAIER, Simone de Castro. Da quebra das paredes à construção de uma nova escola. São Paulo, 2009. (Dissertação de mestrado FE-USP) PIAGET, Jean. O juízo moral na criança. São Paulo: Summus, 1994. RANCIÉRE, Jacques. O mestre ignorante: Cinco lições sobre a emancipação intelectual. Editora Autêntica: Belo Horizonte, 2002 SAVIANI, Dermeval. As concepções pedagógicas na história da educação brasileira. Texto elaborado no âmbito do projeto de pesquisa “O espaço acadêmico da pedagogia no Brasil”, financiado pelo CNPq, para o “projeto 20 anos do Histedbr”. Campinas, 25 de agosto de 2005.

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SAVIANI, Demerval. História das ideias pedagógicas no Brasil. Campinas: Autores Associados, 2007. SCHULTZ, Theodore W. (1973), O capital humano. Rio de Janeiro: Zahar VEIGA-NETO, Alfredo. De geometrias, currículo e diferenças. Campinas: CEDES, Educação e sociedade, a.XXIII, n.79, 2002. VERMEREN, Patrice. CORNU, Laurence. BENVENUTO, Andrea. Atualidade de O Mestre Ignorante. Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 82, p. 185-202, abril 2003. Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> http://www.amorimlima.org.br/tiki-index.php?page=Amorim+Lima http://www.escoladaponte.com.pt/html2/portug/bemvindo.htm

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ANEXOS

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.1. REGULAMENTO INTERNO EMEF AMORIM LIMA

I _ Objetivos e âmbito de aplicação O presente Regulamento, aprovado pelo Conselho de Escola, é parte integrante do Projeto Político Pedagógico EMEF Desembargador Amorim Lima, e visa: Explicitar as diversas instâncias de poder que compõem o coletivo da escola, organizando-as no sentido da melhor implantação do Projeto Pedagógico e do mais harmônico e eficaz funcionamento da escola. Apesar de propor instâncias e uma particular relação entre elas, o propugnado neste Regulamento procura se coadunar absolutamente com as normativas que regem a educação brasileira, tanto a nível federal quanto a nível municipal, cabendo destacar: 1.1) O Estatuto da Criança e do Adolescente 1.2) As Leis de Diretrizes e Bases da Educação 1.3) O Regimento Geral das Escolas Municipais de São Paulo 1.4) O Regimento da EMEF Desembargador Amorim Lima

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Favorecer a tomada compartilhada de decisões procurando, todavia, não incorrer em excesso de burocracia que venha a prejudicar a agilidade necessária ao atendimento das demandas do funcionamento diário. Apesar de os dispositivos propostos pelo Projeto Pedagógico não estarem ainda implantados em toda a escola, o presente Regulamento deverá, a partir de sua aprovação, reger o funcionamento de todo o coletivo da EMEF Desembargador Amorim Lima, colaborando, assim, para a integração da totalidade da escola aos parâmetros do referido Projeto. II _ Dos Órgãos da Escola e de suas atribuições De acordo com este Regulamento, e a despeito de outras considerações, será o coletivo da escola organizado através das seguintes instâncias: O Conselho de Escola O Conselho de Escola, caracterizado no Regimento Geral das Escolas Municipais, e no Regimento específico da EMEF Desembargador Amorim Lima, é o órgão deliberativo máximo da escola. De caráter paritário, o Conselho de Escola é formado: Por até 7 representantes dos alunos. Por até 7 representantes dos pais / responsáveis pela educação. Por até 7 representantes dos professores. Por até 7 representantes da equipe técnica da escola, incluindo sua diretora, que tem no Conselho assento garantido.

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Os representantes são eleitos por seus pares, com mandato anual. Caberá ao Conselho de Escola, além das atribuições já definidas nos Regimentos acima citados: Definir as grandes linhas educacionais da EMEF Desembargador Amorim Lima. Discutir, sugerir modificações e aprovar o Projeto Pedagógico, zelando por sua implantação. Discutir, sugerir modificações e aprovar o Regulamento Interno, ratificando a formação do Conselho Pedagógico e outorgando-lhe poder para a elaboração e condução das práticas pedagógicas que julgar adequadas, sempre de acordo com o Projeto Pedagógico. O Conselho Pedagógico Ao Conselho Pedagógico caberá a coordenação e orientação pedagógica da escola, em consonância com o determinado e aprovado no Projeto Pedagógico. São atribuições do Conselho Pedagógico: 2.1) A elaboração e coordenação das bases curriculares da escola. 2.2) A aprovação dos contratos de parceria que interfiram no funcionamento da escola, devendo todavia tal aprovação ser apreciada e ratificada pelo Conselho de Escola anteriormente à sua implementação. Incluem-se, nestas parcerias com a Escola, as ONGs designadas pela Prefeitura Municipal de São Paulo, para a contratação de arte-educadores encarregados das oficinas extra-classe, criadas na nova grade horária estabelecida para o ensino fundamental pela referida Prefeitura.

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2.3) A gestão dos dispositivos de formação continuada da equipe educativa, escolhendo as estratégias e aprovando os profissionais que irão desenvolvêlas. 2.4) A seleção e coordenação da equipe de educadores voluntários. 2.5) No que tange aos educadores contratados, caberá ao Conselho Pedagógico: a) pronunciar-se quanto às necessidades e às prioridades das funções e cargos; b) entrevistar e avaliar os candidatos aos cargos e funções; e c) submeter, tanto as sugestões de cargo quanto as dos candidatos, ao exame do Conselho de Escola, que irá, ou não, referendá-los. 2.6) Pronunciar-se acerca da utilização dos recursos financeiros, estabelecendo as prioridades no sentido da melhor implantação do Projeto Pedagógico. O Conselho Pedagógico será formado: Pelo Coordenador Geral do Projeto, cargo exercido pela diretora regimental da EMEF Desembargador Amorim Lima, que o presidirá e que terá, nele, poder de veto. Pelos 2 Coordenadores Pedagógicos regimentais da escola. Por 3 professores, escolhidos por seus pares, com mandato anual, procurando-se observar que sejam de periodos e séries diversos no sentido de aumentar

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sua representatividade. Por 2 educadores convidados, comprometidos com o Projeto específicamente e com a escola pública de forma geral, escolhidos e referendados pelo Conselho de Escola a partir de sugestões do coletivo da EMEF Des. Amorim Lima. Por 2 representantes dos pais, escolhidos pelo Conselho de Escola, com direito a voz mas sem direito a voto. O Conselho de Gestão Financeira O Conselho de Gestão Financeira será o órgão responsável pela administração dos recursos financeiros obtidos através da APM _ Associação de Pais e Mestres _ e de outras fontes, inclusive da ONG Educação Cidadã. O Conselho de Gestão Financeira será composto: Pela diretora da EMEF Desembargador Amorim Lima. Por dois representantes da Associação de Pais e Mestres, sendo um titular e um suplente. Por dois representantes da ONG Educação Cidadã, sendo um titular e um suplente. Por dois 2 representantes dos pais, escolhidos por seus pares, com mandato anual renovável. A gestão financeira deverá ser bimestralmente aprovada por um Conselho Fiscal, formado por 2 representantes dos pais e 2 representantes dos

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professores, escolhidos por seus pares, com mandato anual renovável. São atribuições do Conselho de Gestão Financeira: 3.1) Elaborar, em consonância com o Conselho Pedagógico, o Orçamento Financeiro Anual, apresentando-o para aprovação ao Conselho de Escola até 01 de março de cada ano. Do Orçamento deverá constar: 3.1.1) As previsões de arrecadação e de gastos mensais, discriminados por rubricas específicas determinadas pelo Conselho de Escola. 3.1.2) A determinação dos graus de prioridade das despesas, estabelecidos através de níveis de 0 a 4, onde o grau 0 é o grau máximo de prioridade. 3.2) Acompanhar a execução do orçamento financeiro aprovado pelo Conselho de Escola, operacionalmente a cargo do assistente da diretoria ou de funcionário indicado pela diretora da escola. Nesta execução: 3.2.1) Os compromissos financeiros deverão obedecer aos graus de prioridade constantes do orçamento e aprovados pelo Conselho de Escola.

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3.2.2) Será permitido ao Conselho de Gestão Financeira um remanejamento de até 20% da verba prevista para cada rubrica aprovada no Orçamento, desde que o gasto suplementar não prejudique a verba alocada em outras rubricas. Qualquer desvio superior a 20% deverá ser submetido à nova aprovação pelo Conselho de Escola, independentemente de haver recurso disponível. 3.3) Caberá ao CGF divulgar bimestralmente um Relatório de Gestão, explicitando as contribuições e a detalhada utilização dos recursos. 3.4) O Relatório de Gestão deverá ser bimestralmente submetido à apreciação do Conselho Fiscal, para sua conferência e aprovação unânime. Eventual ressalva de quaisquer dos Conselheiros deverá ser encaminhada ao Conselho de Escola. A Assembleia de Alunos A Assembleia de Alunos é a instância organizativa da participação do aluno na vida da escola. De caráter consultivo, caberá à Assembleia de Alunos recolher as sugestões e demandas dos alunos, no sentido de que sejam encaminhadas, por seus representantes, ao Conselho de Escola. São atribuições da Assembleia de Alunos: 4.1) Ler e discutir o Projeto Pedagógico e a proposta de Regulamento da escola, colhendo sugestões de acréscimos ou emendas e os encaminhando à

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reunião do Conselho de Escola. 4.2) Estabelecer, através de votação direta pela totalidade dos alunos e em sintonia com o Projeto Pedagógico, a lista de Direitos e Deveres dos alunos, a fim de que seja examinada e acatada pelo Conselho de Escola. 4.3) Criar, escolher os membros e verificar o adequado funcionamento dos Grupos de Responsabilidade que julgar pertinentes. 4.4) Acolher críticas e sugestões de modificação dos dispositivos e do funcionamento geral da escola, encaminhando-as ao Conselho de Escola. 4.5) Outras que julgar adequadas. Os Grupos de Trabalho de Gestão Compartilhada Os Grupos de Trabalho de Gestão Compartilhada poderão ser de caráter permanente ou transitório, e serão formados pelos pais, alunos, professores e comunidade, na medida de seus interesses e possibilidades. São grupos de trabalho com tarefa específica, e terão sua formação referendada pelo Conselho de Escola, instância à qual irão se reportar diretamente. São exemplos de Grupo de Gestão Compartilhada os grupos formados ou que poderão se formar para implantar e gerenciar: o portal da escola; o jornal; o Projeto Amorim Rima; a Comissão de Festas.

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Aprovado na Reunião Ordinária do Conselho de Escola de 07/12/05, com modificações posteriores.

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.2. PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO

I – Dos primórdios do Projeto Da derrubada das grades à derrubada das paredes

A hoje denominada EMEF Desembargador Amorim Lima nasceu em 1956 como 1a. Escola Isolada de Vila Indiana. Começou a ocupar o endereço

atual em 1968. Em 1969 passou a chamar-se Escola de 1o. Grau Desembargador Amorim Lima e, com a promulgação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação, em 1999, recebeu a denominação atual.

Situada em bairro de alta heterogeneidade social e cultural, próxima a pólos científico-culturais da importância da Universidade de São Paulo, de

áreas mais pobres de seu entorno e de pólos de importantes manifestações culturais, como o Morro do Querosene, a Amorim Lima teve, ao longo dos anos, o privilégio de receber também uma clientela heterogênea e múltipla.

Se essas características fizeram da Amorim Lima uma escola desde há muitos anos diferenciada, com uma comunidade ativa e participativa, foi a

partir de 1996, com a chegada de Ana Elisa Siqueira como diretora que a escola passou a viver suas transformações mais profundas.

Preocupada com a alta evasão _ e ciente do triste fim que vinham a ter os alunos evadidos visto que, para muitos, era a escola o único vínculo social

concreto _ o primeiro esforço da nova diretoria foi no sentido de manter os alunos na escola, durante o maior tempo possível. Foi o tempo de derrubar os alambrados que cerceavam a circulação no pátio, num voto de respeito e confiança, de abrir a escola nos fins de semana, de melhorar os espaços tornando-os

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agradáveis e voltados à convivência. De abrir, enfim, a escola à comunidade.

A sala da diretoria deixou de ser o panóptico de uma instituição totalizante, a ameaça ao aluno desviante, para, sempre de portas abertas, ser o

epicentro de uma transformação radical. Alunos de séries mais avançadas começaram a freqüentar e viver a escola fora de seus horários de aula, como monitores em atividades várias. Com apoio e o engajamento crescente dos pais e mães de alunos e da comunidade, a escola passou a oferecer atividades extracurriculares. Instalaram-se Oficinas de Cultura Brasileira, de Capoeira, de Educação Ambiental, de Teatro. A maior participação dos pais e mães passou a se refletir na organização das festas (Festa Junina, Festa da Cultura Brasileira, em agosto, Festa do Auto de Natal, com a colaboração de Conceição Acioli e Lydia Hortélio), na criação do Grupo de Teatro de Mães, no trabalho voluntário. O Instituto Pichón-Riviere e o Instituto Veredas foram convidados a fazer intervenções na escola. Conseguiu-se apoio financeiro externo para uma série de atividades _ primeiro do Projeto Crer para Ver, da Fundação Abrinq, por dois anos, e depois da Fundação Camargo Correia.

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