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O VINHO COMO UMA FORÇA PARA O BEM

As famílias produtoras de vinho

podem desempenhar um papel de liderança em relação aos desafios de sustentabilidade do século XXI

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Após uma década a trabalhar e a cimentar um negócio em Londres, foi-me dada a oportunidade de regressar a Portugal e de me juntar à empresa de vinhos familiar, a Symington Family Estates. Para muitos, esta seria uma oportunidade irresistível, mas eu tinha uma preocupação – e grande! Interrogava-me sobre se a organização compreendia os desafios ambientais que enfrentamos? E estariam motivados para lidar com eles? Temia que ingressar no setor (do Vinho do Porto) pudesse ser como recuar no tempo, para uma era em que a luta com questões complexas como a sustentabilidade não estivesse na agenda.

Na Symington, há aspetos do que fazemos que são tradicionais (o Vinho do Porto não é produzido numa fábrica e muitos dos nossos processos de produção, da vinha à adega, seriam reconhecidos mesmo pelo meu bisavô). No entanto, quando regressei ao Porto, fiquei aliviado. A equipa tinha os olhos postos no enorme desafio das alterações climáticas, estando seriamente empenhada nas questões sociais da nossa região. Compreendia que a saúde da empresa é indissociável da saúde do ambiente que nos rodeia e das comunidades que vivem e trabalham nas regiões onde atuamos.

A zona de conforto de um produtor de vinho é falar da beleza das suas vinhas, da especificidade do seu terroir e da qualidade dos seus vinhos. Até muito recentemente, a maioria das discussões sobre sustentabilidade era vista como mero exercício de relações públicas, fazendo passar mensagens seguras e previsíveis, tipo “cuidamos da nossa terra” ou “trabalhamos em estreita colaboração com a comunidade local”. O vinho tem beneficiado ser visto como um produto natural, com uma leve pegada ambiental, e tem conseguido evitar as críticas apontadas a outros setores. Como resultado, as empresas de vinho familiares não estão habituadas a falar sobre questões sociais ou ambientais (além de assegurarem que é cumprida toda a legislação e de dizerem as coisas certas nas alturas certas).

Contudo, em muitos aspetos, as empresas produtoras de vinho, especialmente as familiares, estão bem posicionadas para desempenhar um papel de liderança em matéria de sustentabilidade. Como agricultores, estamos completamente dependentes dos caprichos dos deuses da chuva e da temperatura. Quer queiramos quer não, estamos na linha da frente da luta contra as alterações climáticas. O forte sentido de comunidade em muitas regiões vinícolas faz com que o setor do vinho possa apontar o caminho das boas práticas empresariais neste enquadramento. Além disso, a nossa mentalidade empresarial é geracional: sim, precisamos de gerir negócios viáveis, mas as empresas familiares tendem a ser motivadas pela sustentabilidade económica a longo prazo e não pelos lucros a curto prazo.

“Felizmente, nos últimos anos assistimos a uma rápida mudança na consciência pública sobre a crise climática, assim como a uma maior procura de produtos sustentáveis e éticos por parte dos consumidores e a uma resposta correspondente por parte das empresas.”

Alterações climáticas – produtores de vinho na linha da frente

Como quaisquer agricultores, tem sido impossível aos produtores de vinho ignorar as alterações climáticas das últimas décadas. Atendendo a importância do terroir e à extrema sensibilidade das vinhas às condições climáticas, o setor do vinho é altamente influenciado pelas perturbações causadas pela crise climática. Somos um ‘canário na mina de carvão’ para a comunidade agrícola global.

Temos também a boa fortuna de produzir um produto com o qual as pessoas têm fortes ligações. O vinho é emocional – representa cultura, história e geografia – e os melhores vinhos contam histórias fantásticas sobre locais específicos. Isto dá-nos bases para falarmos sobre as alterações climáticas – o que estamos a fazer para nos adaptar, bem como demonstrar o nosso trabalholíder para reduzir as nossas próprias emissões. Isto não é tratar a sustentabilidade como um mero exercício de relações públicas –será, antes, responder de forma decisiva a uma ameaça existente.

O Vale do Douro (onde a minha família gere a maior área de vinha de letra ‘A’) é uma região de extremos – caraterizada por invernos frios e verões quentes e secos. Estas condições criam um microclima perfeito para a produção de vinhos do Porto, bem como de vinhos tintos de grande estatura. A orografia montanhosa permitiu também a uma nova geração de viticultores produzir uma gama de elegantes vinhos brancos tirando partido das cotas mais elevadas. No entanto, este terroir de frágil equilíbrio está a ser perturbado pelas alterações climáticas – com os sinais de alerta a aumentar nos últimos anos e a sensação de que a próxima década vai precipitar a aceleração dos desafios a enfrentar.

Em 2012, o nosso responsável de I&D em viticultura, Fernando Alves, foi coautor de um artigo com o Professor Gregory Jones (da Universidade do Sul do Oregon), intitulado “Impact of climate change on wine production: a global overview and regional assessment in the Douro Valley of Portugal”. Utilizando dados das estações meteorológicas de Vila Real, Régua e Pinhão, demonstrou-se que, entre 1967 e 2010, o Vale do Douro registou um aumento de 1,3°C na temperatura média, enquanto o aumento médio ao longo de todo o ciclo vegetativo, desde o abrolhamento até à vindima, foi de 1,7°C. Entre estas datas, em média, há um incremento de 16 dias por ano em que as temperaturas ultrapassam os 35°C, aumentando assim a incidência da ocorrência de ondas de calor. condições. Além

Na década desde que este artigo foi publicado, assistimos a uma aceleração destas tendências. Em 2020 foi registado o mês de julho mais quente de sempre no Vale do Douro, +3,5°C acima da temperatura média do referido mês para a região. Ao longo de 2020, assistimos a ondas de calor em junho, agosto e setembro, com picos de vários dias acima da média das temperaturas máximas em 30 anos (para cada mês). Segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), o período de janeiro a meados de setembro de 2020 foi o mais quente de que há registo. Enfrentamos atualmente em Portugal uma grave seca desde o inverno, com mais de 90% do país a viver condições de seca “elevada” ou “muito elevada”.

A videira é uma planta extremamente resiliente e pode sobreviver a grandes alterações das condições. Além disso, as castas autóctones portuguesas adaptam-se bem a condições secas e quentes. Mas uma coisa é a videira sobreviver a grandes privações, outra coisa é sobreviver e conseguir continuar a produzir fruto da qualidade exigível para a produção de vinhos de elevada qualidade. Durante as ondas de calor dos últimos anos, verificamos que as nossas vinhas se defendem nas condições mais extremas, sacrificando (ou diminuindo) a produção do seu fruto. Isto significa que a fotossíntese é interrompida, o que provoca atrasos e perturbações nas maturações, podendo, no limite, condicionar a qualidade.

Adaptação ao novo normal

Na Symington, temos vindo a investigar o impacto das alterações climáticas nas nossas vinhas há muitos anos. Em 2014, plantámos a primeira de três coleções de castas para estudarmos a capacidade de as variedades ancestrais produzirem uvas de alta qualidade em condições quentes e secas. Muitas destas castas (com nomes curiosos, como Cornifesto, Bastardo e Malvasia Preta) saíram do grupo de preferências dos viticultores portugueses, devido ao seu baixo rendimento em comparação com outras castas. Mas acreditamos que algumas das cerca de 50 castas que estamos a estudar possam ter grande potencial para produzir vinhos de alta qualidade mesmo num futuro dominado pelas alterações climáticas. Partilharemos as nossas últimas conclusões no Congresso Internacional Terroir – Simpósio ClimWine, em Bordéus, em julho de 2022 (ver página 130).

Somos também parceiros num consórcio a nível da UE que desenvolveu um robô de monitorização autónomo da vinha, VineScout, que nos permite recolher dados em tempo real sobre as condições climáticas na vinha, de forma muito precisa e detalhada. Proporciona-nos uma visão raio-x do impacto das alterações climáticas em parcelas muito específicas da vinha – e ajuda a orientar intervenções, como a rega gota a gota ou a escolha para a localização de uma nova vinha. Numa linha semelhante, temos participado num outro projeto da UE denominado VISCA. Foi elaborado um software de previsão climática de longo alcance para os viticultores compreenderem o impacto provável das alterações climáticas nas suas vinhas daqui a 10, 20 e 30 anos.

Reduzir o nosso contributo para o problema

Durante muitos anos, o setor do vinho andou com a cabeça enterrada na areia no que respeita a alterações climáticas. Penso que isto se devia à falta de conhecimento e compreensão sobre a gravidade da ameaça combinada com uma falta de confiança de falar em público sobre como e porquê os produtores poderiam reduzir as suas próprias emissões. Além disso, é compreensível que os pequenos e médios produtores (que constituem a maioria dentro do setor) possam sentir que, embora a crise climática fosse profundamente preocupante, não lhes cabia falar sobre o assunto ou assumir a responsabilidade pelas suas pegadas de carbono.

John Simpson, respeitado veterano jornalista da BBC, disse: ‘Quando a crise provocada pelo coronavírus acabar, lembrar-nos-emos de que há algo infinitamente pior e mais destrutivo a pairar sobre nós: a ameaça ao planeta. Se conseguimos parar o Mundo por causa de uma doença, não poderemos trabalhar juntos para fazer o que é necessário para nos salvarmos do desastre que se avizinha’? É a pergunta mais acertada.

Felizmente, nos últimos anos assistimos a uma rápida mudança na consciência pública sobre a crise climática, assim como a uma maior procura de produtos sustentáveis e éticos por parte dos consumidores e a uma resposta correspondente por parte das empresas. No setor do vinho surgiram vozes mais fortes – de interlocutores experientes, como Miguel Torres Senior (Família Torres) a líderes mais jovens, como Katie Jackson (Jackson Family Wines). Em 2019, a Jackson e a Torres fundaram uma organização associativa, a International Wineries for Climate Action (IWCA), que lidera agora a resposta do setor à crise climática, com um quadro rigoroso de objetivos de redução de CO2, diretamente ligados às metas de emissões — com base científica — da ONU.

A nossa empresa foi das primeiras a aderir à IWCA, em 2020. Hoje em dia, o número de membros aumentou, e inclui produtores de todo o Mundo, incluindo Spottswoode (Califórnia), VSPT Group (Chile) e Yealands (Nova Zelândia). Os novos membros candidatos incluem Champagne Lanson (França), Famille Perrin (França), Ridge Vineyards (Califórnia), Sula Vineyards (Índia) e Yalumba (Austrália).

Durante as três últimas vindimas, temos estado a testar um equipamento que captura o CO2 dentro das cubas de fermentação, com vista à sua transformação em carbonato de cálcio, utilizado para corrigir o pH do solo das nossas vinhas. Esta é apenas uma das muitas medidas que estamos a tomar para reduzir a pegada de carbono – desde a redução do peso das garrafas de vidro, passando por iniciativas de reflorestação e de repovoação de espécies selvagens (rewilding) em zonas de mata natural dentro das nossas propriedades no Douro e Alto Alentejo.

No setor do vinho persiste alguma resistência nas empresas para se responsabilizarem pelas suas pegadas de carbono. É a realidade, apesar de fazer parte das boas práticas empresariais assumidas há anos por grandes empresas mundiais — privadas e públicas. Um CEO de uma conhecida empresa vitivinícola disse-me recentemente que nenhum Conselho de Administração assinaria metas de redução de emissões de carbono se não soubesse que as conseguiria cumprir. De facto, os produtores que aderiram a objetivos de redução das emissões de carbono com base científica estão a fazê-lo porque demonstra a liderança necessária para exercer uma pressão positiva ao longo de toda a cadeia de fornecimento no setor – desde fabricantes de garrafas a empresas de transporte –, sendo cada vez mais um pré-requisito para uma estratégia de sustentabilidade credível.

Do paradigma de ver a sustentabilidade como um simples exercício de relações públicas, infelizmente ainda há muitas pessoas ligadas ao vinho dispostas a encetar debates, mas não a tomar medidas concretas. Na Symington, estamos longe de ser perfeitos. Temos muito por fazer para reduzir a nossa pegada ambiental e aumentar o impacto positivo da nossa atividade empresarial no que ao ambiente e à sociedade diz respeito. Precisamos de redobrar esforços na mudança de mentalidades e investir em novas tecnologias. No entanto, temos um firme compromisso para colocar a sustentabilidade no âmago da nossa atividade. Não a encaramos como um exercício de comunicação corporativa, vemo-la antes como um propulsor estratégico fundamental. É um catalisador para traçar o caminho futuro da nossa empresa e de assegurar que teremos a resiliência para enfrentar os desafios vindouros.

(Em cima) Na Quinta da Cavadinha temos algumas parcelas de vinhas seculares, mas é também aqui que, desde 1997, temos vindo a desenvolver estudos importantes numa vinha experimental, nomeadamente no que se refere às melhores combinações entre porta-enxertos e castas.

(Em baixo) As vinhas ‘Stone Terraces’ (socalcos) com exposição nascente na Quinta dos Malvedos. Existem também parcelas com exposição poente e norte. A extraordinária variedade de terroirs no Douro constitui uma enorme mais-valia para as estratégias de adaptação às alterações climáticas.

A evolução de uma empresa no século XXI

À medida que a consciência dos nossos desafios ambientais aumentou, surgiu um debate público mais amplo: qual é o papel das empresas face às grandes ameaças sistémicas? Será que o modelo capitalista requer reforma? Não se trata de idealismo nem extremismo; é amplamente aceite que o modelo de progresso do século XX necessita de uma urgente reformulação, para evitar impactos ambientais devastadores — mesmo durante a duração de vida daqueles que hoje habitam o planeta.

Lionel Barber, diretor do ‘Financial Times’, escreveu recentemente que ‘o modelo capitalista liberal tem proporcionado paz, prosperidade e progresso tecnológico nos últimos 50 anos, reduzindo dramaticamente a pobreza e elevando o nível de vida em todo o Mundo’. Mas na década desde a crise financeira global o modelo tem estado sob pressão, particularmente o enfoque na maximização dos lucros e do valor para os acionistas. Estes princípios de bons negócios são necessários, mas não suficientes. Chegou, pois, a altura dum reset — dum reiniciar.”

John Simpson, respeitado veterano jornalista da BBC, disse: ‘Quando a crise provocada pelo coronavírus acabar, lembrar-nos-emos de que há algo infinitamente pior e mais destrutivo a pairar sobre nós: a ameaça ao planeta. Se conseguimos parar o Mundo por causa de uma doença, não poderemos trabalhar juntos para fazer o que é necessário para nos salvarmos do desastre que se avizinha’? É a pergunta mais acertada.

Temos um compromisso social, económico e ambiental nas regiões onde operamos. O nosso Fundo de Impacto proporciona financiamento a instituições de beneficência locais e a outras entidades tais como as corporações de bombeiros voluntários, às quais temos vindo a fazer doações, anualmente, de ambulâncias e equipamentos para o combate aos incêndios.

Um compromisso para com as pessoas e o planeta

Na minha opinião, o melhor catalisador para uma empresa transformar a sua perspetiva de sustentabilidade - enquanto apenas marketing - num motor de mudança, é contratar auditores externos que a obriguem a cumprir certas normas e objetivos e a ser regularmente auditada, para assegurar que as metas são atingidas. Compromissos assumidos publicamente são uma forma eficaz de uma organização não recear o escrutínio neste domínio.

Em 2018, pouco depois de ter ingressado na nossa empresa familiar, foi-me pedido que organizasse o dia dos nossos Gestores Sénior, em torno do tema da sustentabilidade. A minha empresa anterior ( Escape the City) tinha sido uma das primeiras no Reino Unido a receber a certificação B Corporation — a certificação de sustentabilidade empresarial mais abrangente do Mundo, englobando governação, ética, ambiente, equipa, comunidade e cadeia de fornecimento. Convidei o Luís Amado, gestor da B Corp em Portugal, para se dirigir à nossa equipa e explicar a lógica do enquadramento e a necessidade urgente de mais empresas aderirem a este tipo de padrões empresariais.

Nessa altura, não tinha expetativas de que a liderança da empresa concordasse com um compromisso tão rigoroso. Fiquei agradavelmente surpreendido quando o nosso CEO, Rupert Symington, no final do dia, me transmitiu que ‘este era exatamente o tipo de enquadramento que devíamos seguir’. Estou orgulhoso por termos sido a primeira empresa de vinhos em Portugal a obter o Certificado B-Corp (em julho de 2019), juntando-se a um movimento global de empresas empenhadas em cumprir os mais elevados padrões de desempenho social e ambiental e práticas empresariais responsáveis e éticas.

Tornar-se uma B Corp não é apenas uma boa certificação de sustentabilidade: passa também pela alteração dos estatutos legais da empresa, para obrigar os seus diretores a colocar as considerações sociais e ambientais no mesmo patamar das considerações financeiras. O modelo B Corp foi concebido como um roteiro, com recertificação de três em três anos, para obrigar as empresas a adotar um programa de melhoria contínua.

Claro que existe um benefício de reputação em ser uma B Corp (verão o logótipo “B” nos contrarrótulos de todas as nossas garrafas), mas existe também um risco de reputação: ninguém quer perder esse estatuto. Quem o possui, está a subscrever normas de comportamento empresarial muito mais rigorosas do que as leis que regem os negócios normais. O grau de exigência é superior.

Tornar-se uma B Corp foi um passo natural para uma empresa de vinho familiar que já possuía fortes valores ambientais e sociais. Mas também mudou a nossa identidade de formas subtis, mas não menos importantes. Será normal agora ouvir os colaboradores da Symington dizerem ‘Bem, como uma B Corp, penso que a forma correta de procedermos é...’ Não nos estamos a apresentar como um modelo de virtude nem pensamos que podemos resolver sozinhos os inúmeros desafios sociais e ambientais que enfrentamos, mas dar este passo assegurou que estamos a trazer rigor, estrutura e responsabilização a uma área que tem estado repleta de opacidade, confusão e grandes afirmações de ação, mas por vezes sem conteúdo.

Empresa ativista

Como acima mencionei, é desconfortável para uma empresa pronunciar-se sobre questões sociais e ambientais. Não podemos ser todos tão audazes como a Patagonia, a Innocent Smoothies ou a Ben & Jerry’s. Os líderes empresariais tendem, compreensivelmente, a afastar-se de quaisquer comunicações que sejam políticas ou tendenciosas.

No entanto, o Mundo mudou drasticamente nos últimos anos. A consciência da sociedade (e a preocupação do público) relativamente à crise ambiental é muito elevada. Quer queiramos quer não, as pessoas que compram os nossos produtos querem saber se somos uma empresa responsável, com um forte plano de sustentabilidade. Dois terços dos consumidores dizem escolher determinadas marcas devido à sua posição em questões sociais (segundo Alain Jope, CEO da Unilever) e 66% das pessoas estão preparadas para pagar mais por marcas sustentáveis (estudo da Nielsen de 30 mil consumidores em 60 países). Esta pressão está a chegar até nós, como produtores de vinho, ao longo de toda a cadeia – desde os consumidores finais aos retalhistas, importadores e jornalistas. Saúdo-a, porque pode funcionar como uma alavanca de mudança positiva para o setor do vinho.

Na Symington, lançámos recentemente um Fundo de Impacto que proporciona o financiamento de subvenções a causas sociais e ambientais na nossa região. Fizemo-lo porque sentimos que é correto devolver às comunidades onde operamos, mas também acreditamos que é do nosso próprio interesse que a nossa região seja financeira, social e ambientalmente viável. Não se trata de ‘ficarmos bem na fotografia’ (temos comunicado pouco em torno desta iniciativa). Trata-se de investir no futuro da nossa região.

Os parceiros no nosso Fundo de Impacto incluem os bombeiros voluntários da região do Douro, que prestam um serviço essencial às comunidades locais, fornecendo cobertura de ambulância e combatendo os incêndios florestais (15 ambulâncias doadas até à data). Somos financiadores a longo prazo da Rewilding Portugal , uma organização sem fins lucrativos que trabalha num ambicioso programa de conservação ambiental num corredor de 120 mil hectares de vida selvagem, no Vale do Grande Côa. Recentemente, lançámos um vinho - Rewilding Edition -cujas vendas contribuem diretamente para o apoio financeiro aos esforços de conservação da nossa região.

(Esquerda, página ao lado e em cima) A nossa colaboração com a Rewilding Portugal inclui dias de voluntariado, nos quais colaboradores da Symington podem participar em atividades como a limpeza de terrenos, onde a organização está a intervir no corredor de renaturalização no nordeste de Portugal.

(Em baixo) As nossas iniciativas ambientais estendem-se à nossa propriedade no Alto Alentejo, a Quinta da Fonte Souto, onde pusemos em marcha um ambicioso programa de aumento da área florestada (já de si bastante extensa).

Temos também apelado à reforma do sistema regulador (ultrapassado) que controla a produção de uvas no Douro. Esta é uma questão complexa, que está a ter um impacto negativo nos preços que os agricultores recebem pelas uvas destinadas aos vinhos tranquilos (em oposição aos preços mais elevados que podem receber para uvas de Vinho do Porto). Seria para nós certamente mais confortável mantermo-nos calados, –o sistema atual beneficia-nos (de algumas formas não intencionais) –, mas se os 21 mil lavradores da região não tiverem um futuro económico sustentável, nós também não.

Trabalho significativo no século XXI

No passado, as pessoas que levantavam questões ambientais e sociais num contexto empresarial podiam ser apelidadas de hippies ou sonhadores. Hoje em dia, a sustentabilidade é um tema transversal. Os urgentes desafios ambientais que enfrentamos são globalmente compreendidos e é amplamente aceite que as tarefas que as gerações atuais herdaram são de assumir a responsabilidade de corrigir muitos dos impactos não intencionais (mas devastadores) da atividade económica moderna.

Pode ser fácil sentir-nos esmagados pela enormidade e complexidade da tarefa ou manter-nos em silêncio, receosos de não estar à altura ou de sermos criticados. Tenho 38 anos e duas filhas pequenas. Espero ainda estar a trabalhar em pleno na década de 2050. O consenso científico global é que, até essa data, enfrentaremos severos níveis de perturbação do clima, a menos que as emissões globais caiam drasticamente ao longo dos próximos anos. Se não o conseguirmos fazer, a própria viabilidade da região produtora de vinho que amo está posta em causa.

Tenho a sorte de fazer parte da quinta geração de Symingtons a produzir vinhos no Norte de Portugal e quero que as minhas filhas tenham a oportunidade de fazer parte da sexta geração. No meio de todas as dificuldades, tentar transformar as operações de uma empresa produtora de vinhos para funcionar de acordo com as melhores práticas de custódia ambiental e de descarbonização é o pensamento que me guia.

Tratar a sustentabilidade somente como um exercício simpático da nossa atividade como empresa de vinhos já não é uma opção. Temos a obrigação de salvaguardar o que temos para as gerações futuras. É tão simples quanto isso! Estou confiante de estarmos num processo de mudança cultural e sistémico, que vai acelerar nos próximos anos. Se os produtores de todo o Mundo continuarem a arregaçar as mangas, como muitos estão a fazer, e a adotar estratégias de sustentabilidade realmente ambiciosas, acredito que coletivamente poderemos olhar para trás e dizer com orgulho que o setor do vinho foi verdadeiramente uma força para o bem.

Este artigo foi publicado pela primeira vez sob o título “Um canário na mina de carvão”, na edição da primavera/verão de 2022, na revista Berry Bros. & Rudd: N.º 3.