DE ODESSA A LISBOA GUIADAS PELO RUGBY

ANASTASJIA E TETIANA ABANDONARAM A UCRÂNIA DEVIDO À GUERRA E ENCONTRARAM NO SPORTING CP A NOVA CASA, CONTINUANDO ASSIM A CARREIRA DE ATLETAS. AO JORNAL SPORTING, NUMA CONVERSA APÓS UM TREINO NOS CAMPOS DO PÓLO DO ESTÁDIO UNIVERSITÁRIO DE LISBOA, EXPLICARAM O QUE AS LEVOU A FAZER OS MILHARES DE QUILÓMETROS ENTRE O SEU PAÍS E PORTUGAL E MOSTRARAM-SE FELIZES COM QUE ENCONTRARAM.

Para além de vencedora, a equipa sénior feminina de rugby do Sporting Clube de Portugal tem revelado muitas outras qualidades. Uma delas é o facto de ser acolhedora e prova disso é a forma como recebeu Anastasjia Kryzhanovska e Tetiana Terasiuk, jogadoras ucranianas que, fruto da guerra no seu país, se viram obrigadas a emigrar para poder dar seguimento à carreira de atletas.

Com 27 e 29 anos, respectivamente, Anastasjia e Tetiana são naturais de Odessa, cidade portuária no sul da Ucrânia na costa do Mar Negro, e lá estavam quando, no final de Fevereiro, rebentou o conflito. A jogarem num clube local, interromperam os treinos, que, naturalmente, passaram para segundo plano tendo em conta tudo o que estava – e está – a acontecer. “Houve a pausa de Inverno e era suposto termos um estágio em Março, mas a guerra começou e o rugby parou, pelo menos, até ao final do Verão. Voltei a treinar em Maio, mas mais no ginásio. Era perigoso treinar ao ar livre”, disse Anastasjia Kryzhanovska ao Jornal Sporting. Tetiana Terasiuk revelou que esteve “sem treinar colectivamente entre Fevereiro e Setembro”.

Surgiu, depois, a oportunidade verde e branca. Anastasjia lembra-se de ter conhecido Maria Heitor, treinadora-adjunta do Sporting CP e árbitra de rugby, num torneio em Bruxelas, na Bélgica, no Verão passado, quando a ucraniana estava a representar um emblema sul-africano. “Falámos sobre rugby e eu disse-lhe que não podia jogar na Ucrânia porque estávamos sem campeonato. Ela disse-me que havia a possibilidade de vir para Portugal para jogar pelo Sporting CP”, contou. A possibilidade tornou-se realidade e, em Setembro, Anastasjia aterrou em Lisboa. Tetiana Terasiuk fez o mesmo pouco depois: “Já conhecia a Maria Heitor há muitos anos. Depois da Anastasjia vir para cá, decidi juntar-me. Foi cerca de um mês depois”. A sempre assustadora experiência de trocar de país, mesmo que forçada, revelou-se acertada, mesmo que as saudades de casa, da família e dos amigos – todos ainda na Ucrânia – sejam muitas. “Falo com os meus pais todos os dias, assim como com os meus amigos. É tudo o que podemos fazer”, explicou Anastasjia.

Apesar dessa parte incómoda e de ainda não terem tido a chance de regressar à Ucrânia, o balanço do Sporting CP, de Lisboa e de Portugal não podia ser mais positivo.

“Agradecemos muito a ajuda. Temos um sítio para viver, uma boa equipa da qual fazemos parte e uma boa oportunidade para crescermos enquanto atletas. É uma excelente experiência”, garantiu Tetiana, que deixou ainda uma mensagem aos compatriotas que possam estar a pensar em Portugal como opção: “Não tenham medo de vir para cá. É um país muito bom com pessoas muito boas”.

Do Come O Tardio Ao Sucesso Desportivo Em Portugal

Colegas há vários anos, tanto a nível de clubes como na selecção nacional ucraniana, Anastasjia Kryzhanovska e Tetiana Terasiuk têm uma boa relação. As duas jogadoras, que ocupam a posição de centro, vivem juntas e, até, histórias semelhantes. Começaram a jogar rugby tarde, já na universidade, e depois de experimentarem várias modalidades. O que as prendeu a esta foi o conhecido espírito colectivo adjacente ao jogo.

“O rugby tem o melhor espírito de equipa. Sentimos o apoio de uma forma que não se sente em mais nenhuma modalidade”, confidenciou Tetiana, com Anastasjia a não ter dúvidas de que se trata da “melhor modalidade”.

A mudança para Portugal significou, para além de tudo o resto, uma grande evolução no rugby que encontraram. “Estar aqui é uma grande oportunidade. Sentimo-nos mesmo num clube profissional. Temos tudo, fisioterapeuta, dois treinadores, ginásio, campo disponível. Na Ucrânia, nem sempre tínhamos campo para treinar. É uma grande chance de crescer enquanto jogadora”, contou ao Jornal Sporting Tetiana, sendo que as atletas competem também, agora, em rugby de XV, o que não acontecia na Ucrânia. Outra das diferenças está no Inverno e no privilégio de não ter de passar os treinos para o interior devido à neve.

No Sporting CP, encontraram “a melhor equipa em Portugal, certamente” e um grupo que as recebeu de braços abertos. “As colegas ajudam-nos com tudo, traduzem tudo o que o treinador diz. O próprio treinador fala em inglês quando fala especificamente connosco”, disse Anastasjia.

De Leão ao peito, já conquistaram o Campeonato Nacional em XV e sevens, ambos com triunfos sobre o SL Benfica nas respectivas finais. A Leoa assegurou que é o “resultado de muito trabalho, muito treino” e que “vencer títulos é o objectivo da equipa, ainda para mais em finais contra o SL Benfica”. Sobre Lisboa e Portugal, só há elogios. Tetiana afirmou que “as pessoas são bondosas querem ajudar”, destacando ainda o facto de “toda a gente estar feliz” e de “o ritmo ser calmo, sem pressa”. Anastasjia também falou sobre as pessoas, mas destacou alguns dos locais que já visitou: “Já estivemos em sítios diferentes, como Sintra ou Cascais e outros sítios muito bonitos. Estamos a gostar muito. As pessoas são calmas e sorridentes. Gosto de estar aqui”.

Sobre o futuro, as jogadoras preferem não fazer planos a longo-prazo, uma vez que tudo está dependente da guerra, mas têm a certeza de que querem ficar, pelo menos, mais uma temporada no Sporting CP e em Portugal. “Queremos, de certeza, jogar a próxima temporada pelo Sporting CP. Não podemos planear muito mais porque não sabemos como vai estar a situação na Ucrânia. Mas é certo que estaremos no Sporting CP na próxima temporada”, prometeu Anastasjia Kryzhanovska.

Treinadoras De Crian As Ucranianas

Antes do treino das seniores, Anastasjia Kryzhanovska e Tetiana Terasiuk orientaram um treino de rugby com várias crianças ucranianas. A iniciativa, que tem sido regular, partiu das próprias e conta com o apoio do Sporting CP.

“Estivemos num torneio de crianças e a Tetiana teve a ideia de treinarmos crianças ucranianas. Sugerimos ao Sporting CP, que apoiou e ajudou a nossa ideia. Ajudaram-nos a encontrar crianças ucranianas e neste momento já temos cerca de 15 com diferentes idades. Por vezes é complicado, mas é engraçado. Queremos ajudá-las a gostar da vida aqui porque para algumas daquelas crianças esta mudança foi complicada, têm dificuldades de adaptação à escola e ao país”, disse Anastasjia.

Para Tetiana, “é um pequeno gesto para o Sporting CP, mas algo muito grande para as pessoas ucranianas que vivem aqui”: “É muito importante que estes miúdos façam amigos, falem a própria língua. É muito bom”

Por fim, Anastasjia não tem dúvidas de que o que o Sporting CP “está a fazer pelas pessoas ucranianas tem um grande impacto”. “Só quero agradecer pelo que têm feito por nós, atletas, assim como pelas crianças e pelas outras pessoas”, concluiu.

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