Aqui ninguem e inocente peça Mauricio Paroni de Castro

Page 44

Antigas escrituras budistas Ao conversar com o diretor de cinema Beto Brant, com quem compartilho uma estética que preza os dramas e estórias nos confins entre ficção e realidade, ele me perguntou qual o interesse que o levaria, como espectador, a sair de casa para ouvir o que um estilista medíocre como Kuko Jimenez diz. Respondi-lhe que isto em si já era uma conquista: ele não havia perguntado sobre o espetáculo, sobre o ator que interpretava Kuko Jimenez ou sobre os autores ou diretores. Ele havia perguntado sobre Kuko. No silêncio da madrugada após aquela conversa, as respostas mais profundas vieram à tona. Com Thierry, na arena dramática, eu havia somente trabalhado a partir de personagens de Tennessee Williams e John Cassavettes, e com Graham a deriva era um simples exercício de escrita e vivência, jamais a base principal da dramaturgia, e mesmo assim tratava-se de figuras da estatura de Walter Benjamin. Jamais enfocara pessoas comuns, como a maioria das personagens de Voltaire de Souza que os atores escolheram para “derivar”. Enfim, há uma lacuna de personagens que ressaltem o valor que, em minha vida particular, confiro a quem vive no anonimato. Percebo somente agora que Aqui ninguém é inocente é também a busca de uma chave interpretativa que possa ilustrar no palco essa realidade urgente. Sem buscar a “falsa nobreza” de que nós, do teatro, injustamente nos vangloriamos em relação a outras artes performáticas. A lacuna é geral nesse tipo de dramaturgia, e pode ser uma das causas da enganosa falta de fôlego do teatro contemporâneo no cativar o público. Já na dramaturgia convencional, não há texto britânico ou americano que não tenha pessoas comuns presentes. Não é por acaso que as platéias por lá vivem lotadas.

44 | Aqui ninguém é inocente


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.