Conquista, antiguidade e nobreza da mui insigne e ínclita cidade de Coimbra

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Terceira e Quarta Parte de Leaõ, Galliza, e Cantabria; Quinta e Sexta Parte do Reyno de Castella, Setima e Oitava Parte dos Reynos de Aragaõ, e Navarra; De los linages de Galicia; Clarissima, e nobilissima Arvore da Illustrissima Casa dos Condes de Linhares; C

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Antiguedades de Braga; Casa de Castro.

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ANTÓNIO LOURENÇO CAMINHA Cavaleiro da Ordem de S. Tiago, professor de Retórica e Poética, primeiro na vila de Ourique, e depois em Lisboa, onde obteve de D. João VI a nomeação como Oficial da Biblioteca Pública. Publicou, em nome próprio, dois volumes de Obras Poéticas, e numerosos opúsculos. Entre 1791 e 1821 dedicou-se à publicação de Inéditos de Autores Portugueses, obtendo de D. Maria I um Privilégio de exclusividade da edição, e angariando uma nutrida lista de assinantes. Além da Conquista de Coimbra, editou as Ordenações da Índia, de D. Manuel I, e textos de António de Abreu, Aires Teles de Menezes, Diogo do Couto, Duarte Ribeiro de Macedo, Estêvão Rodrigues de Castro, Francisco Galvão, D. Jerónimo Osório, D. Luís da Cunha, Manuel Godinho de Herédia, Pedro da Costa Perestrelo e outros anónimos. Faleceu em 1831.

“O Precioso Monumento (que a pezar da verocidade do tempo, que tudo consome, e aniquila, hoje damos ao Público do insigne Jurisconsulto Antonio Coelho Gasco): os Sábios da Nação por quem foi visto, e admirado, o reputão por hum daquelles nobres escritos que a idade aurea da nossa litteratura produzio, e por esta causa nos não podemos dispensar de o fazer communicavel ao Público instruido pelo beneficio do Prélo. Precisariamos de hum longo e prolixo Discurso Preliminar, se entrassemos no projecto de analysar o improbo trabalho, e canceira desta laboriosa composição, producto feliz deste grande Genio Lusitano; porque são tantos os exames de pedras sepulchraes, de apagados pergaminhos, e de outras muitas Antiguidades de Portugal, e Hespanha, que o Leitor comprehende de huma vez, que Gasco em nada fica inferior aos Aldretes, Gloriveus del Campo, Moralles, e dos nossos, Estaços, Marinhos, Resendes, Oliveiras, e Ruys de Pina, famosos Escavadores de mil Antiguidades, com que tanto se nos augmentárão os Monumentos litterarios. Cuidámos, quanto em nós esteve, de conservar em tudo a sua antiga, e primitiva pureza de estylo, pensamentos, e frase nobre, e genuina.” ANTÓNIO LOURENÇO CAMINHA “De António Coelho Gasco, escreveu JÚLIO DE CASTILHO: «é um erudito á moda do sec. XVII, em cujos escriptos, pausada e consciosamente elaborados, se entremeia já, por entre farragem mal criticada, muita e preciosa observação pessoal. Gosto d’elle por isso; viu, copiou, cotejou com paciência. Raro predicado!” A mesma opinião perdurará no espírito daqueles que se devotaram, algum dia, à leitura das páginas do antiquário seiscentista, onde perpassa uma frescura que denota um espírito curioso e ávido de novos conhecimentos, um desejo constante de cativar a atenção pela novidade, – se bem que as longas tiradas de erudição nos denunciam ainda, por outro lado, um escritor formado na escola clássica.” ANTÓNIO CRUZ

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António Coelho Gasco

Primeira, e Segunda Parte da Nobreza de Espanha em que se contem a origem, e descendentes dos Reys de Portugal, e os Titulos, e Fidalgos delle;

CONQUISTA, ANTIGUIDADE E NOBREZA DA MUI INSIGNE E ÍNCLITA CIDADE DE COIMBRA

Permaneceram inéditos diversos outros manuscritos seus, havendo referências aos seguintes:

“ANTONIO COELHO GASCO (…) Igualmente foy illustre por geraçaõ, que pelo estudo da Jurisprudencia de que deu claros argumentos da sua natural viveza na Universidade de Coimbra. Depois de ter com summa inteireza administrado alguns lugares no Reyno navegou para o Maranhaõ a ser Auditor Geral no Graõ Pará cujo ministerio ao tempo que o exercitava com prudencia, e justiça sendo digno de mayor duraçaõ o naõ acabou impedido pela morte no anno de 1666. Foy naturalmente inclinado ao Estudo da genealogia naõ podendo divirtillo desta applicaçaõ as continuas occupaçoens dos lugares juridicos, que administrou, antes parece impossivel que escrevesse tantos livros Genealogicos quem consumia a mayor parte do tempo no exercicio de outra faculdade totalmente opposta a esta de que deixou tantos argumentos da sua erudiçaõ historica.” DIOGO BARBOSA MACHADO

ANTÓNIO COELHO GASCO Nasceu em Lisboa, em data indeterminada, cerca de 1595. Era filho de Gaspar Coelho Gasco, Cavaleiro professo da Ordem de Cristo, fidalgo da Casa Real. Em 15 de julho de 1617 concluiu a formatura na Faculdade de Leis da Universidade de Coimbra. Desempenhou funções na magistratura e na administração pública, designadamente como juiz dos órfãos em Lisboa e em Freixo de Espada à Cinta, vila onde também foi juiz de fora e capitão-mór. Foi nomeado, em 1652, Auditor Geral no Estado do Grão Pará e Maranhão, onde faleceu em 1666. Durante a sua permanência no Pará e Maranhão, teve intervenção nas convulsões originadas pela questão da escravidão dos índios, com confrontos entre a Missão da Companhia de Jesus, liderada pelo Padre António Vieira, por um lado, e os senhores dos engenhos, restantes colonos e outras congregações religiosas, por outro. Desde muito cedo manifestou especial interesse pelos estudos históricos, em especial pela genealogia (sendo considerado a maior autoridade do seu tempo nesta matéria), epigrafia, heráldica e numismática, percorrendo o país a examinar e copiar pergaminhos, crónicas e livros de linhagens, visitar monumentos e decifrar e transcrever inscrições epigráficas. Quando partiu para o Maranhão deixou em poder de um seu particular amigo diversos manuscritos, dos quais viriam a ser editados: Conquista, Antiguidade e Nobreza da mui insigne e inclita cidade de Coimbra, por António Lourenço Caminha, Lisboa, 1.ª edição, 1805; 2.ª edição, 1807; Primeira parte das Antiguidades da Muy Nobre Cidade de Lisboa Imporio do Mundo, e Princeza do Mar Occeano, publicado no Archivo Bibliographico da Bibliotheca da Universidade, Coimbra, vols. IX (1909), X (1910), XI (1911) e XII (1912), reunido em separata na série Inéditos da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra (1924), com uma introdução de Augusto Mendes Simões de Castro; e Antiquário Discurso Dedicado ao Ill.mo e R.mo S.or D. Rodrigo da Cunha, Arcebp.o de Braga, S.or della, Primas das Hespanhas, e Elleito Metropolitano de Lisboa, no Boletim da Biblioteca da Universidade de Coimbra, vol. XII, 1935, com introdução de António Cruz.


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FICHA TÉCNICA Conquista, antiguidade e nobreza da mui insigne e ínclita cidade de Coimbra seguido de Antiquário discurso (Sobre as antiguidades de Trás-os-Montes) AUTOR: António Coelho Gasco (Lisboa, c. 1595 – Maranhão, 1666) EDIÇÃO GRÁFICA: Edições Ex Libris ® (Chancela Sítio do Livro)

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TÍTULO:

RECOLHA DO TEXTO E NOTAS:

Mário Araújo Torres PAGINAÇÃO GRÁFICA: Alda Teixeira ARRANJO DE CAPA: Ângela Espinha

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1.a edição, Lisboa Junho, 2019 ISBN:

978-989-8867-60-5 453697/19

DEPÓSITO LEGAL:

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Todos os direitos de propriedade reservados, em conformidade com a legislação vigente. A reprodução, a digitalização ou a divulgação, por qualquer meio, não autorizadas, de partes do conteúdo desta obra ou do seu todo constituem delito penal e estão sujeitas às sanções previstas na Lei.

PUBLICAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO:

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CONQUISTA, ANTIGUIDADE E NOBREZA DA MUI INSIGNE E ÍNCLITA

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ANTIQUÁRIO DISCURSO

(SOBRE AS ANTIGUIDADES DE TRÁS-OS-MONTES)

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Recolha dos textos e notas por

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NOTA PRÉVIA 1. O AUTOR: ANTÓNIO COELHO GASCO 1.1. Apontamentos biográficos

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São escassos os elementos biográficos relativos a António Coelho Gasco que se colhem nas obras de referência de António Caetano de Sousa 1, Diogo Barbosa Machado 2 e Inocêncio Francisco da Silva 3. Sabe-se que nasceu em Lisboa, como o próprio o confirma 4, e que era filho de Gaspar Coelho Gasco, Cavaleiro professo da Ordem de Cristo, Criado da Casa Real 5, que viria a ser sepultado no Convento do Carmo 6. As origens de sua família remontam a D. Monio Viegas (c. 9501022), dito o Gasco, capitão da armada dos gascões que desembarcou na foz do rio Douro, reconquistou do domínio de Almançor a cidade do Porto e, seguindo rio acima, tomou aos mouros a terra de ambas as margens, assim se tornando no primeiro Senhor de Ribadouro. Teria morrido na batalha de Vila Boa do Bispo, em 1022, juntamente com os seus filhos Egas e Garcia Moniz, o primeiro conhecido por Egas Moniz, o Velho, para o distinguir de seu bisneto Egas Moniz, o Aio (1080-1146) 7. Do filho deste último, Lourenço Viegas, o Espadeiro (1109-1160), avô de Soeiro Viegas Coelho (o primeiro a usar o apelido Coelho), descendem quer Pero Esteves Coelho (?-1361), nobre valido de D. Afonso IV, um dos executores da sentença de morte de Inês de Castro, quer Leonor de Alvim (1356-1388, filha de Branca Pires Coelho e João Pires de Alvim), a Condestabreza, mulher de D. Nuno Álvares Pereira 8. “Das armas, e insignias dos Coelhos escreve Ioaõ Roiz de Saá Alcayde Mor do Porto estes antigos versos [com óbvias alusões à morte de Pero Coelho a quem D. Pedro I mandou arrancar o coração pelo peito]: “Em hum campo douro hum leaõ: / de muy braua catadura. / Coelhos por orla dura: / os Coelhos se diráõ. / Armas em outra mistura / Coelhos tal perfeiçaõ / de esforço, e opiniaõ / sostem no que começarem / que o coraçaõ lhe tirarem / naõ lhes tira o coraçaõ”. Saõ as armas dos Coelhos em campo douro hum leaõ de braua catadura, e por orla sette coelhos brancos em campo azul,

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e por timbre hum leaõ com hum coelho na maõ, os pavezes de ouro, e azul, e vão as armas na letra H” (António Coelho Gasco, Antiguidades de Lisboa, Cap. 42):

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Seus pais eram proprietários de uma quinta no vale de Chelas 9, território mítico, repleto de histórias e de lendas, desde as Virgens Vestais a Aquiles vestido de donzela no Templo de Tétis, e desde Ulisses, fundador de Lisboa, até aos Santos Mártires Adriano, Natália e Félix 10. Esse ambiente terá despertado no jovem Gasco o gosto pela genealogia, heráldica, epigrafia e numismática, consumindo o tempo livre a ler os pergaminhos, crónicas e livros de linhagem da livraria do Mosteiro de Chelas e a decifrar as inscrições nas pedras e memórias do território 11. Frequentou a Faculdade de Leis da Universidade de Coimbra, onde “pelo estudo da Jurisprudência (…) deu claros argumentos da sua natural viveza” (Diogo Barbosa Machado). Licenciou-se em 15 de julho de 1617, conforme consta do assento da sua formatura 12: “Em os 15 de julho de 617, na Salla grande dos autos publicos estando presente o Sñor doutor Ioaõ de Carvalho lente de Digesto uelho e padrinho em este auto e os mais Sñores doutores lentes iuristas en presença de todos leo Antonio Coelho Gasco natural de lixboa a sua liçaõ de ponto que lhe foi assinada ontem as quatro horas p.a oie ler a mesma in l. unum ex familia s. s. de legatis 2.o acabada a liçaõ lhe argu-

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mentaraõ os Sñores doutores seus mestres e o examinaraõ p.a uer se o aprouariaõ p.a poder uzar de suas letras e uotaraõ sobre a penitencia e por .A.A. e .R.R. regulados os votos naõ foi penetençiado foi por todos aprouado nemine discrepante t.os os Sñores doutores Antonio lourenço Gonçallo gil coelho e eu. Bertholomeu f.ez Soares siruo de Secretario em abcençia de Rui de albuquerque o fiz.”

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Atendendo às disposições dos Estatutos da Universidade de Coimbra, reformados em 10 de outubro de 1612, no reinado de Filipe II (1598-1621), sobre as idades mínimas para a obtenção dos diversos graus e a duração do curso de Leis 13, é admissível que Gasco tenha concluído a licenciatura com 22 ou 23 anos de idade, o que permite situar o seu nascimento cerca de 1595, portanto nos últimos anos do reinado de Filipe I (1580-1598). No período provável de estudos de Gasco em Coimbra, foi Reitor da Universidade (de 1611 a 1618) D. João Coutinho da Câmara. O grande bispo desse período foi D. Afonso de Castelo Branco (1585-1615), a que sucederam D. Afonso Furtado de Mendonça (1616-1618) e D. Martim Afonso Mexia (1619-1623). Ao primeiro dedica Gasco grande parte do Cap. XXII da Conquista de Coimbra, a propósito dos benefícios que fez na Sé Velha, e do Cap. XXV, quando relata a abertura do túmulo da Rainha Santa Isabel em 1612, a que terá assistido. Resulta deste capítulo que Gasco andava a escrever a sua obra sendo Bispo D. Afonso Mexia. A par dos estudos jurídicos, aproveitou Gasco a sua permanência em Coimbra para consultar e copiar crónicas e tombos das livrarias dos colégios universitários e religiosos, visitar todos os monumentos da região (incluindo Conimbriga, Lorvão, Montemor-o-Velho), decifrar e registar todas as inscrições sepulcrais e outras memórias. E até nas férias, quando regressava a Lisboa, não cessava de investigar: conseguindo determinar (o que nenhum cronista anteriormente fizera) o número dos combatentes mouros (4000 de cavalo e 500 000 apeados) que cercaram Tomar em 1168, “em hum marmore escrito de letras gothicas em linguagem latina no real conuento de Thomar, o qual está posto sobre a porta que foi do castello, que trasladei fielm.te ainda que me custou m.to trabalho quando vinha às ferias de Coimbra” (Cap. 64 das Antiguidades de Lisboa). Depois de formado, exerceu, “com summa inteireza” (Diogo Barbosa Machado) diversos cargos na magistratura e na adminis-

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tração pública, designadamente como juiz dos órfãos em Lisboa e em Freixo de Espada à Cinta, vila onde também foi juiz de fora e capitão-mór. A sua estadia em Freixo de Espada à Cinta decorreu entre 1627 e 1635, período durante o qual D. Rodrigo da Cunha foi Arcebispo de Braga, qualidade em que visitou aquela Vila e nela ouviu o Antiquario Discurso que Gasco lhe dedicou. Segundo o autor declara, foi esta obrinha o fruto de “huns breues dias das ferias, em que algum tanto os arduos negocios da judicatura, me deraõ de maõ para brevem.te tratar de algumas antiguid.es d’estas montanhas”, aproveitando os apontamentos de visitas, cópias de documentos e transcrições de epigramas que não cessava de recolher: a leitura da inscrição de uma pedra romana que encontrou “na aldeia de Carraçero, situada em huma altissima serra, cuberta de altos aruoredos silvestres, tres leguoas de Barguança”, ocorreu “andando eu fazendo o tombo, por mandado de sua Mag.de que D’es guoarde”. Em 1652, foi Gasco nomeado Auditor Geral no Estado do Grão Pará e Maranhão 14, ministério que exercitou “com prudência e justiça” (Diogo Barbosa Machado). Viveu aí um dos períodos mais conturbados dessas Capitanias, com as convulsões motivadas pelas campanhas contra a servidão dos índios, em que se destacou o Padre António Vieira, que entre 1653 e 1661 liderou a Missão da Companhia de Jesus no Maranhão e no Grão-Pará, e que em São Luís do Maranhão proferiu alguns dos seus mais notáveis sermões: em 1653, o “Sermão da Primeira Dominga da Quaresma”, no qual tentou convencer os senhores de engenho a libertarem os seus escravos indígenas; e em 1654, o “Sermão de Santo António aos Peixes”. São extremamente escassos os dados sobre esta segunda fase da vida de Gasco 15, limitando-se os seus biógrafos a referir que faleceu no Maranhão em 1666.

1.2. A obra.

1.2.1. Manuscritos inéditos. Gasco “foy naturalmente inclinado ao Estudo da genealogia naõ podendo divirtillo desta applicaçaõ as continuas occupaçoens dos lugares juridicos, que administrou, antes parece impossivel que escrevesse tantos livros Genealogicos quem consumia a mayor parte

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do tempo no exercicio de outra faculdade totalmente opposta a esta de que deixou tantos argumentos da sua erudiçaõ historica” (Diogo Barbosa Machado). Das “obras escritas pela sua mão” que, “quando partio para o Maranhaõ deixou em poder de hum seu particular amigo”, elencadas por Diogo Barbosa Machado, desconhece-se o paradeiro das seguintes:

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– Primeira, e Segunda Parte da Nobreza de Espanha em que se contem a origem, e descendentes dos Reys de Portugal, e os Titulos, e Fidalgos delle; – Terceira e Quarta Parte de Leaõ, Galliza, e Cantabria 16; – Quinta e Sexta Parte do Reyno de Castella, Setima e Oitava Parte dos Reynos de Aragaõ, e Navarra; – Clarissima, e nobilissima arvore da Illustrissima Casa dos Condes de Linhares 17; – Antiguidades de Braga 18.

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Existe ainda menção a uma obra sobre a Casa de Castro 19. Apenas três dos manuscritos de Gasco viriam a ser impressos: Antiguidades de Lisboa, Conquista de Coimbra e Antiquário Discurso.

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1.2.2. A Primeira Parte das Antiguidades da Muy Nobre Cidade de Lisboa, Imporio do Mundo, e Princeza do Mar Occeano / Dedicada ao Il.mo e R.mo Snõr Eduardo Farnese, Cardeal da S. R. E. e Gouernador do Principado de Parma / Por Antonio Coelho Gasco, Agraduado em Leys, foi impressa, com anotações de Augusto Mendes Simões de Castro (Coimbra, 1845-1932), ao longo dos volumes IX (1909), X (1910), XI (1911) e XII (1912) do Archivo Bibliographico da Bibliotheca da Universidade, e depois reunida, precedida de uma “Nótula” de Ernesto Donato, no II volume da coleção Inéditos da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra (Imprensa da Universidade, Coimbra, 1924). Desconhece-se o paradeiro do manuscrito autógrafo de Gasco, que andava a escrevê-lo entre 1623 e 1626 20. A edição teve por base a cópia constante das fls. 1 a 89 do Manuscrito n.º 504 da Coleção de Manuscritos da BGUC, miscelânea inicialmente pertencente ao 1.º Duque de Lafões, D. Pedro Henrique

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de Bragança Sousa Tavares Mascarenhas e Silva (1718-1764), cujo brasão de armas está gravado a ouro no exterior da capa da encadernação em carneira. Essa miscelânea foi posteriormente pertença do bibliófilo José Pedro Hasse de Belém (1747-1805), constando na parte interna da capa a anotação “Monsenhor Hasse”, cuja valiosa livraria (impressos e manuscritos) foi adquirida aos seus herdeiros, em 1806, para a BGUC pelo diretor interino Joaquim dos Reis (?-1810) 21. Na mesma Biblioteca existe um outro manuscrito das Antiguidades de Lisboa, que pertenceu a Alberto Eduardo Valado Navarro (1891-1972), 3.º Visconde da Trindade, por ele adquirido no leilão da Livraria do Dr. Motta Gomes, em 25/9/1955. O fundo da Livraria do Visconde da Trindade foi legado por testamento no ano de 1960 e transferido para a BGUC em 1972. Esse manuscrito (Cota: V.T.-19-8-11) tem, no anterosto, o retrato de António Coelho Gasco, em moldura oval, desenhado a tinta-da-china, que reproduzimos no presente volume. No final do volume, a lápis de carvão, a data de 1648, sem qualquer indicação adicional (possivelmente, a data da conclusão da cópia manuscrita). Cópias de alguns extratos do manuscrito de Gasco constam de fls. 43 e seguintes do Manuscrito n.º 78 (“Papéis vários”) e de fls. 128 e seguintes do Manuscrito n.º 502 (“Papéis vários”); neste último caso, as trovas, em português antigo, relativas à perdição de D. Rodrigo, último rei dos godos, copiadas do capítulo 46 das Antiguidades de Lisboa. Inocêncio Francisco da Silva (obra citada, tomo I, p. 113) dá conta de que deste “manuscripto importante” de Gasco possuía “um excellente transumpto o sr. Antonio Joaquim Moreira; porém tendo-o franqueado há muito tempo com a sua usual benevolencia a outro amigo, em cujo poder ainda se demora, não me foi possivel vel-o”; acrescentando posteriormente (obra citada, tomo VIII, p. 116): “O amigo a quem me referi (…) era o meu finado collega José Pedro Nunes, por cuja morte, occorrida a 20 (creio) de Julho de 1859, se extraviou o manuscripto, de sorte que não mais foi possivel achal-o. Possue comtudo uma copia (que delle fizera extrahir anteriormente) o sr. Marquez de Vallada. Há tambem outra copia na Bibl. Nacional, pertencente á livraria que foi de D. Francisco de Mello Manuel.”

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Na “Advertência” que antecede a publicação pela Imprensa da Universidade de Coimbra, refere Simões de Castro: “O Visconde da Juromenha conheceu a obra de Gasco, porque no seu livro Cintra pinturesca, publicado em 1838, transcreve d’ella uma curiosa noticia do palacio real de Sintra, mas provavelmente não se serviu do exemplar da Bibliotheca da Universidade, no qual esta noticia, comparada com a do livro do referido Visconde, apresenta algumas variantes (sendo mais aceitaveis as do manuscripto da Universidade)”. Também Diogo Barbosa Machado conheceu cópia manuscrita dessa obra, referindo (local citado): “Consta de 87 Capitulos 22. Acaba o ultimo com a vida do Cardeal D. Affonso, e dos Arcebispos de Lisboa seus sucessores até D. Affonso Furtado de Mendonça. Este livro tive em meu poder, e delle como do Author se lembra Luiz Marinho de Azevedo nas Antiguidades de Lisboa, liv. 3, cap. 6 [citado na nota 9], e o moderno Addicionador da Bibliotheca Geographica, de Antonio de Leaõ, Tom. 3, col. 1735 [citado na nota 17].” Gasco não chegou a escrever a anunciada segunda parte das Antiguidades de Lisboa.

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1.2.3. A Conquista, antiguidade, e nobreza da mui insigne, e inclita cidade de Coimbra foi objeto de duas edições por iniciativa de António Lourenço Caminha, ambas na Impressão Régia, a primeira em 1805 e a segunda em 1807. Inocêncio Francisco da Silva, que possuía a primeira edição, chegou a duvidar da existência de uma segunda edição, aventando a hipótese de ter existido uma única, apenas com mudança nos rostos; mas, sem esconder o pouco crédito que lhe inspirava Caminha, acabaria por reconhecer (obra citada, tomo I, p. 113): “A experiencia repetida do pouco escrupulo que havia da parte do editor em fraudar ás vezes os seus assignantes e leitores nas publicações que apresentava de pretensos ineditos, unicamente com a mira de engendrar volumes em proveito da propria bolsa, fez-me hesitar por muito tempo se esta seria mais uma das suas artimanhas, e se em logar do escripto de Gasco elle nos teria dado um apontoado indigesto de retalhos e fragmentos colhidos em diversos auctores, e guisados á sua feição. Tanta é a desordem e falta de nexo que se me affigura ver na obra, tal qual existe impressa! Mas as duvidas que se me offereciam quanto a este ponto, cahiram a final perante um testemunho,

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para mim de muito peso e auctoridade, qual considero o do Padre José de Figueiredo, que na sua Collecção de Retratos e Elogios de Varões e Donas 18 affirma positivamente haver tido em sua mão o manuscripto autographo da obra de Gasco, que lhe fora confiado por seu possuidor Thomé Barbosa de Figueiredo; e que por aquelle autographo fora tirada a edição de Caminha.” E mais tarde (obra citada, tomo VIII, p. 116): “Existe com effeito da Conquista de Coimbra (…) a edição de 1807, que eu com fundamento plausivel havia por duvidosa. Tem-na o sr. Figanière, e por ella confrontada com a de 1805, verifiquei serem inteiramente diversas. Ainda assim, não comprehendo como pôde o editor Caminha fazer reimprimir o livro passados menos de dous annos depois da primeira edição. Grande devera ser a affluencia dos compradores!” Por iniciativa de Ernesto Donato, primeiro bibliotecário e diretor interino da BGUC, a Conquista de Coimbra foi publicada, em formato de folhetim, entre 13/1/1932 e 16/7/1932, no “bi-semanário republicano independente” O Despertar, de que ele era então diretor. A publicação foi precedida de uma nota, de sua autoria, datada de 6/1/1932, onde, após reproduzir os elementos fornecidos por Inocêncio Francisco da Silva e Barbosa Machado, acrescenta: “A obra de Coelho Gasco que hoje damos à estampa, é muito repetidas vezes citada em publicações que se ocupam de Coimbra desde os tempos de antanho, e, por ser hoje muito rara, e desejada nas colecções dos que se ocupam das velharias desta terra, eis o motivo por que a reproduzimos nas colunas do O Despertar, de forma que os seus assinantes, do que fôr saindo bi-semanalmente, possam formar um pequenino volume muito interessante”.

1.2.4. O Antiquario discurso dedicado ao Ill.mo e Ver.mo Sr. D. Rodrigo da Cunha, arcebispo de Braga, Primaz das Espanhas e eleito Metropolitano de Lisboa, foi elaborado por António Coelho Gasco quando exercia as funções de juiz de fora, juiz dos órfãos e capitão mór com alçada na vila de Freixo de Espada à Cinta e dos seus termos, por ocasião da visita que a essa Vila fez D. Rodrigo da Cunha, no período, entre 1627 e 1635, em que esteve investido da dignidade de Arcebispo de Braga 23. O texto autógrafo de Gasco, integrado, de fls. 100 a 120, no Manuscrito n.º 601 (“Papéis vários”) da Coleção de Manuscritos da BGUC, que tinha o n.º 66 na Coleção do seu anterior possuidor, José

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Pedro Hasse de Belém, foi publicado por António Cruz [António Augusto Ferreira da Cruz (Trofa, 1911 – Porto, 1989), historiador, bibliotecário, arquivista e professor universitário], no Boletim da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, volume XII (1934-1935), pp. 114-119, precedido do estudo “Um inédito de António Coelho Gasco sobre Antiguidades de Trás-os-Montes”, tendo dessa publicação sido extraída separata. É essa versão que ora se reedita, acompanhada das notas apostas por António Cruz.

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1.2.5. Apreciação global. A Gasco é geralmente criticado o estilo pouco atraente, a desordenação na arrumação das matérias, a aceitação de versões de factos fantasiosas, a incorreção de algumas transcrições, derivada de pouca preparação em epigrafia e não de desonestidade intelectual. Mas todos reconhecem o enorme esforço em preservar memórias, que, sem ele, para sempre se teriam perdido. Sobre as Antiguidades de Lisboa, opina Simões de Castro que ela “abunda em opiniões e assertos que a boa critica de ha muito não aceita, e o seu estylo nada tem de atrahente, todavia é valiosa pela grande quantidade de noticias interessantes que contém relativas á Lisboa anterior ao terremoto de 1755, a Sintra e a outras terras, e pelas muitas especies epigraphicas que archivou, hoje em grande parte perdidas”. E Hübner: “Homo fuit optimae fidei, sed rei epigraphicae prorsus ignarus; itaque exempla eius neglegentissima sunt et a descriptioribus fortasse magis etiam corrupta, neque usquam fere versuum dispositionem observant.” 24 (obra citada, p. 23). Em artigo sobre o Antiquario Discurso, refere Milagros Navarro Caballero 25: “La présentation des témoignages épigraphiques de Coelho Gasco et surtout leur comparaison avec des monuments qui ont pu être identifiés montre qu’il n’était pas un faussaire: il n’inventait pas l’existence d’une pierre, mais il réécrivait en grand partie le texte qu’elle portait. Avec de fortes lacunes en épigraphie, mais rempli de curiosité intellectuelle, notre homme avait pour objectif de montrer l’ancienneté et l’honorabilité romaine de son district juridique, fût-il au prix de transformations. Il manipula le texte parfois par ignorance ou mené par ses espoirs de découvertes savantes, mais souvent par rêve de prestige et sûrement convaincu, comme c’était

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le cas pour de nombreux érudits de l’époque, que de toute façon, son opinion, savante, ne pouvait pas être très éloignée de la réalité.” Foi, porém, como genealogista que Gasco assumiu enorme relevância, como o atesta a circunstância de, num conjunto de documentos relativos à família dos Noronhas, que integram (fls 196-198) o Códice n.º 661 (“Papéis genealógicos”) da Coleção de Manuscritos da BGUC, existir um autógrado de Gasco a certificar, como maior autoridade na matéria – “pello muyto que tenho lido em uarios livros de Nobreza de maõ escriptos” e “pellos Letreiros e Rotulos de antiguas sepulturas, que tenho lido…” – a exatidão dos pareceres anteriormente emitidos por outros genealogistas (António Soares de Albergaria, Sebastião Pereira de Eça e Gaspar Maldonado):

Pese embora todas as apontadas reservas, o juízo final sobre a obra de Gasco que prevalece é o que formulou Júlio de Castilho: Gasco “é um erudito á moda do sec. XVII, em cujos escriptos, pausada e consciosamente elaborados, se entremeia já, por entre farragem mal criticada, muita e preciosa observação pessoal. Gosto d’elle por isso; viu, copiou, cotejou com paciência. Raro predicado!” 26. “A mesma opinião – acrescenta António Cruz (local citado, p. 114) – perdurará no espírito daqueles que se devotaram, algum dia, à leitura das páginas do antiquário seiscentista, onde perpassa uma

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frescura que denota um espírito curioso e ávido de novos conhecimentos, um desejo constante de cativar a atenção pela novidade, – se bem que as longas tiradas de erudição nos denunciam ainda, por outro lado, um escritor formado na escola clássica”. Com sólida formação clássica, profundamente religioso, Gasco manifesta-se também como um fervoroso patriota: a contínua exaltação dos reis e heróis portugueses, dos santos, mártires, homens e mulheres virtuosos portugueses, dos poetas e escritores portugueses, encabeçados por Camões, o “Príncipe dos Poetas”, da valentia do povo português, permite inserir as suas obras na literatura de resistência à dominação filipina, sob a qual viveu dois terços da sua vida, até à restauração da independência em que teve papel relevante o Arcebispo D. Rodrigo da Cunha a quem dedicara o Antiquário Discurso.

2. O EDITOR: ANTÓNIO LOURENÇO CAMINHA

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Sobre o editor de Conquista de Coimbra, refere Inocêncio Francisco da Silva (obra citada, tomo I, pp. 188-189) que António Lourenço Caminha, Cavaleiro da Ordem de S. Tiago, fora durante muitos anos professor de Retórica e Poética, primeiro na vila de Ourique, e depois em Lisboa, onde obtivera de D. João VI a nomeação como Oficial da Biblioteca Pública, “como remuneração (diz-se) do donativo que fizera áquelle estabelecimento de uma porção de livros velhos, e alguns manuscriptos, que elle qualificava de rarissimos” 27, acrescentando: “morreu em edade muito provecta, e quasi decrepito, no mez de Julho de 1831”. É manifesta a pouca consideração que a Inocêncio merecia a atividade de Caminha, quer como autor, quer como editor. Regista como publicadas em seu nome, além de “alguns outros pequenos opusculos avulsos, em prosa e verso, (…) que não valem a pena de aqui os descrever” 28, dois volumes de Obras poeticas (I, 1784; II, 1786); várias edições da Ode e da Écloga pastoril que a voz de uma eterna saudade consagra ao sempre triste e lutuoso dia em que a Nação Portugueza sentiu o fatal golpe na irreparável perda do Senhor D. José, Principe do Brasil (1788); o Elogio que o amor, a fidelidade, e a gratidão consagram ao muito alto e poderoso Senhor D. João, Principe Regente (1799 e 1807); a versão portu-

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guesa de Lelio ou Dialogo sobre a amizade, dedicado a Tito Pomponio Attico, de Marco Túlio Cicero (1785); e a Verdadeira origem e antiguidade da Veneranda Imagem do Senhor dos Passos da Graça (1799), a propósito da qual comenta: “Dizem que em premio d’esta publicação jazera por alguns mezes preso correccionalmente na Cadêa do Limoeiro. Confesso que não sei attingir o motivo de tanto rigor: porque o escripto será na realidade inepto, e não faltará quem justamente o qualifique de um aggregado de parvoices; mas d’ahi a ser olhado como crime digno de punição corporal vai por certo grande distancia, que só poderia vencer-se por um acto despotico e injustificavel da parte de quem o praticou. Parece que o folhetinho foi mandado supprimir, e que mui poucos exemplares escaparam á destruição. Hoje são mui raros de achar.” 29 Mas foi sobretudo como editor que Caminha se evidenciou. Tomou a iniciativa de publicar uma série de volumes contendo textos inéditos de autores portugueses: nas suas expressões, “Monumentos dos nossos bons Antigos”, “dos mais esclarecidos Seculos da Literatura Portugueza”, “immortaes escritos (eternos monumentos mais perennes que o bronze, e que o marmore) que a sabia antiguidade nos deixou”, “de mór valia, que não são as perolas, e especiarias do Ganges”. Para o efeito, obteve de D. Maria I, em 1791, a concessão de um Privilégio 30, que, pelo período de dez anos, proibia que terceiros imprimissem ou reimprimissem as obras por ele editadas. Angariou uma bem nutrida lista de subscritores “que, como zelosos Patriotas, concorrêrão para a impressão dos Escritores Ineditos dos illuminados Seculos da Literatura Portugueza” (do Indice Alfabético dos Senhores Subscritores publicado na edição de 1805 da Conquista de Coimbra constam 118 nomes). E, em 1821, Caminha, “professor régio, aposentado, de retórica e poética”, requereu às Cortes Constituintes apoio para prosseguir o seu plano de recolha e divulgação de livros de autores portugueses antigos, “sem outro galardão que o de ser útil aos seus e à pátria” 31. Da generosidade e do rigor do editor desconfiava Inocêncio: “Caminha deu à luz muitos volumes, de chamados ineditos, com que adquiriu por vezes lucros consideraveis, pois fazia as suas edições por meio de subscripção, e o preço das assignaturas era pelo commum de 1:200 réis por cada tomo de 8.º pequeno. Estes volumes ficariam mais que bem pagos por metade d’essa quantia, e

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alguns nem tanto valeriam. O peor é, que d’envolta com as obras dos auctores dos ineditos iam tambem algumas d’elle proprio, que não escrupulisava em commetter estas fraudes litterarias, com tanto que d’ellas colhesse o proveito que se propunha” (obra citada, tomo I, p. 189). “Hum daquelles nobres escritos que a idade aurea da nossa litteratura produzio” que Caminha editou foi a Conquista, Antiguidade, e Nobreza da mui Insigne, e Inclita Cidade de Coimbra, que o “insigne Jurisconsulto Antonio Coelho Gasco”, “este sabio Genio Lusitano”, “que em nada fica inferior aos Aldretes [Bernardo de Alderete ou Aldrete], Gloriveus del Campo [Florián de Ocampo], Moralles [Ambrosio de Morales], e dos nossos, Estaços [Gaspar Estaço], Marinhos, Resendes [André de Resende], Oliveiras e Ruys de Pina, famosos Escavadores de mil Antiguidades”, “soube tirar das densas trevas da antiguidade”. A segunda parte do volume em que Caminha editou a obra de Gasco é preenchida – sem que se vislumbre qualquer conexão temática entre os dois escritos – com a publicação de Obras ineditas de Antonio de Abreu, amigo e companheiro de Luis de Camões no Estado da India / Fielmente extrahidas do seu antigo manuscripto, que possuimos em papel asiatico 32. Dos “inéditos” editados por Caminha foi a obra de Gasco a única que conheceu duas edições (em 1805 e em 1807). Os restantes volumes, sempre muito criticados por Inocêncio, foram os seguintes:

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– Obras ineditas dos nossos insignes poetas Pedro da Costa Perestrello, Coévo do grande Luis de Camões, e Francisco Galvaõ, Estribeiro do Duque D. Theodozio, e de muitos Anonimos dos mais esclarecidos Seculos da Literatura Portugueza / Dadas á luz fielmente trasladadas dos seus antigos Originaes (1791) 33; – Obras ineditas de Aires Telles de Menezes, da Illustre Casa de Unhão, e Ayo do Senhor Rei D. João II, de Estevão Rodrigues de Castro, e de outros Anonimos dos mais esclarecidos Seculos da Literatura Portugueza / Dadas á luz fielmente trasladadas dos seus antigos Originaes (1792) 34; – Ordenações da India do Senhor Rei D. Manoel de Eterna Memoria, Informação verdadeira da Aurea Chersoneso, feita pelo antigo Cosmographo Indiano, Manuel Godinho de Ere-

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dia, e Cartas em lingoagem Portugueza de D. Jeronimo Osorio, Bispo do Algarve, Ineditas (1807) 35; – Obras ineditas de Diogo do Couto, Chronista da India e Guarda Mor da Torre do Tombo (1808) 36; – Obras ineditas de Duarte Ribeiro de Macedo (1817) 37; – Obras ineditas de D. Hieronimo Ozorio, Bispo de Silves no Algarve, Precioso Ornamento do seu Seculo (1818); e – Obras ineditas do grande exemplar da sciencia do Estado, D. Luis da Cunha, a quem o marquez de Pombal Sebastião José de Carvalho e Mello chamava seu mestre, etc., Commentadas, Tomo I (1821) 38.

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Apesar de todas as críticas de Inocêncio Francisco da Silva, foi graças à atividade editorial de António Lourenço Caminha que a obra de António Coelho Gasco sobre Coimbra chegou até nós. 3. A PRESENTE EDIÇÃO

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Na presente edição reproduzem-se os textos da Conquista de Coimbra e do Antiquário Discurso, tal como foram publicados por António Lourenço Caminha (na segunda edição, de 1807) e por António Cruz, respetivamente, respeitando escrupulosamente a grafia, incluindo pontuação e acentuação, adotada por esses editores, mesmo quando, o que é frequente no caso de Caminha, a mesma palavra surja escrita de modo diverso ao longo do texto. As únicas alterações consistiram em atribuir numeração sequencial às notas da Conquista de Coimbra e utilizar maiúsculas na totalidade das trascrições epigráficas. Também se optou por respeitar as abreviaturas usadas nas citações bibliográficas desse texto. Para obviar à dificuldade na identificação de algumas obras citadas, insere-se no final uma lista da principal bibliografia usada por Gasco. Os títulos dos capítulos da mesma obra foram apostos pelo editor e alguns deles não permitem ter completa noção das matérias. Por isso, no índice final, a seguir ao título dado por Caminha a cada capítulo, se insere breve súmula do respetivo conteúdo. Lisboa, abril de 2019. Mário Araújo Torres

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ANTÓNIO CAETANO DE SOUSA (1674-1759), História Genealógica da Casa Real Portugueza, Tomo I, Lisboa, 1735, p. XXXIII (n.º 32) do “Apparato”: “O Bacharel António Coelho Gasco, filho de Gaspar Coelho Gasco, Cavalleiro da Ordem de Christo, Juiz dos Orfãos em Lisboa, serviu a Casa Real (..).” 2 DIOGO BARBOSA MACHADO (1682-1772), Bibliotheca Lusitana, Tomo I, Lisboa, 1741, pp. 241-242: “ANTONIO COELHO GASCO natural de Lisboa, filho de Gaspar Coelho Gasco, Cavalleiro professo da Ordem de Christo, Criado da Casa Real, e Juiz dos Orfãos em Lisboa. Igualmente foy illustre por geraçaõ, que pelo estudo da Jurisprudencia de que deu claros argumentos da sua natural viveza na Universidade de Coimbra. Depois de ter com summa inteireza administrado alguns lugares no Reyno navegou para o Maranhaõ a ser Auditor Geral no Graõ Pará cujo ministerio ao tempo que o exercitava com prudencia, e justiça sendo digno de mayor duraçaõ o naõ acabou impedido pela morte no anno de 1666. Foy naturalmente inclinado ao Estudo da genealogia naõ podendo divirtillo desta applicaçaõ as continuas occupaçoens dos lugares juridicos, que administrou, antes parece impossivel que escrevesse tantos livros Genealogicos quem consumia a mayor parte do tempo no exercicio de outra faculdade totalmente opposta a esta de que deixou tantos argumentos da sua erudiçaõ historica, pela qual o louvaõ Franckenau in Bib. Hisp. Hist. Gen. Herald. pag. 34. e o Padre D. Antonio Caetano de Sous. no Appar. à Hist. Gen. da Casa Real Portug. pag. 56. n. 32. Quando partio para o Maranhaõ deixou em poder de hum seu particular amigo as obras seguintes escritas pela sua maõ: (…). 3 INNOCENCIO FRANCISCO DA SILVA (1810-1876), Diccionario Bibliographico Portuguez, Tomo I, Lisboa, 1868, pp. 112-113: “ANTONIO COELHO GASCO, natural de Lisboa, Formado na Univ. de Coimbra, ao que parece na faculdade de Direito Civil; depois de ter exercido alguns logares de magistratura, foi despachado para o Brasil no cargo de Auditor Geral da capitania do Grão-Pará, a ahi consta falecera no anno de 1666.” 4 Cap. XXIII da Conquista de Coimbra, referindo-se a Santo António: “Era filho da minha amada Patria Lisboa”. 5 Cap. 30 das Antiguidades de Lisboa: “… seg.do ouui dizer a meu Pay Gaspar Coelho Gasco Caualleyro professo da Ordem de Iezus Christo que andou na caza real dos gloriosos Reys de Portugal, e em seu seru.o…” 6 Cap. 76 das Antiguidades de Lisboa: “Em duas partes desta cidade ha sepultura da linhagem dos Coelhos, e huma dellas he antiquissima, e muy nobre que está debaixo do pulpito onde se canta o Euang.o, fora do arco da capella mor do real e sumptuoso templo da Virgem do Monte do Carmo, que he huma campa preta que tem no meyo hum escudo pequeno de metal

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com estas insignias, e por arredor huma banda de metal com estas letras: Aqui jaz Esteuaõ Coelho Gasco; em cuja sepultura estaõ meus pays enterrados e auós, e he nosso jazigo, e capella. Outra sepultura há na cap.a mor do priorado de Sancta Iusta com suas armas dos Coelhos, que he de hum Nicolao Coelho”. Cap. 40 das Antiguidades de Lisboa: “Aqui neste real templo do Carmo está aquella antiga, e sumptuosa capp.a de Nossa S.ra da Piedade de m.ta romagem, e de m.os milagres toda cosida em ouro, e toda cuberta polas paredes de finissimos retabulos, e o tecto alumiada com cinco alampadas de prata. He capp.a dos Monizes Luzitanos, onde jaz em cofre de pedra seu fundador Gil Ayres Monis [Era criado do Condestabre, e correo com as obras do sumptuoso templo do Carmo de Lix.a] à banda do Euangelho com seu escudo em campo azul, cinco estrellas de ouro insignias desta conhecida linhagem. E no meyo della debaixo de huã campa está Phebus Monis reposteyro mor de ElRey D. M.el. (…) Para a parte do Euangelho no cruzeyro esta a illustre sepultura dos Coelhos par.tes muy chegados do Condestabre D. Nuno Aluares Pereyra debaixo do pulpito do Euang.o. Em correspondencia do tumulo do Condestabre p.a a p.te do Euang.o campa preta fachada ao redor com huã faisca de bronze, escudo pequeno, e huã letra que diz ESTA SEPULTURA HE DE ESTEUAÕ COELHO GASCO, E DE SUA FILHA D. MOR DA SILUA. Esta huã quinta grande com cazas senhoris avinculada em Nossa S.ra dos Oliuaes, he jazigo antiquissimo de ANTONIO COELHO GASCO, e da Gaspar Maldonado moço fidalgo da caza delRey.”. 7 Cap. 42 das Antiguidades de Lisboa: “Diz o Conde D. P.o no liuro que fez das Linhageñs no titulo 36 que D. Moninho Gasco veyo da Gascunha com grossa armada a portar à Foz do Douro com muita gente darmas de fidalgos, e caualleyros, e com dous Bispos. Teue de sua molher que consigo trouxe a D. Egaz Monis Gasco. Este grande s.or em sangue D. Moninho Viegas Gasco jas sepultado em V.a Noua na igreja da d.a v.a na claustra iunto â porta que vay para a igreja cuja sepultura tem este letreyro. ERA: M: LX: OBIIT: D: MONION: VIEGAS: QUI DICITUR: GASCUS: ET FILIUS EJUS: EGEAS: MONIS: ET GO: MES: MONIS: REQUIESCANT: IN PACE: AMEM: Quer dizer. Na era de mil : lx : [Era do S.or 1022] morreo D. Moninho Viegas o p.ro que se apelidou Gasco, e seus filhos Egas Monis, e Gomes Monis descansem em pas, Amem.” 8 Cap. 41 das Antiguidades de Lisboa: “Este D. Moninho conquistou aos mouros a cidade do Porto, e todo seu territorio a terra da Maya do Porto, e de Sancta M.a dos Infançoens que he o Condado da Feyra. Seu filho D. Egaz Monis Gasco cazou com D. Tolda Hermiger bisnetta ligitima do d.o Rey de Leão D. Ramiro, de que teue a D. Hermigo Viegas Gasco que teue de sua molher a D. Moninho o 2.o por sobre nome Hermiges insigne

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cap.m e famoso caualleyro que foi em companhia de D. Froias Vermuis para tomar o r.no a ElRey D. Aff.o de Leão (…). Este D. Moninho [o 2.º] foi o que matou a D. Garcia o Conde de Cabra junto à cidade de Coimbra de hum encontro de lança que lhe deu: o qual Conde vinha por General do Conde exercito delRey D. Sancho de Cast.a contra ElRey de Portugal, D. Garcia seu irmaõ (…). Teue de sua molher D. Oriara ao valeroso D. Egas Monis ayo delRey Dom Aff.o Henriques (…). Foi cazado D. Egas Monis Coelho illustre heroe com D. Mor Paes da Sylva f.a do Adiantado Mor de Portugal Dom Palayo Gutteres da Sylva de q.m teue a D. Lourenço Viegas, ao qual ElRey chamaua irmaõ, e o amaua muyto e lhe chamaraõ naquelle tempo o Espadeyro por ser grande cortador da espada. Teue de sua molher (…) a D. Egas Lourenço, o qual de sua molher teve a D. Lourenço Viegas Coelho (…) e teue de sua molher D. Maria f.a de D. Mem Monis que foi o p.ro que entrou em Santarem q.do foi tomada aos mouros. E entre os outros f.os teue a D. Joam Soares Coelho que de sua molher D. M.a teue a Pero Anes Coelho, e outros. Pero Anes Coelho teue de sua molher (…) a Esteuao Coelho que teue de sua molher (…) Pero Coelho Gasco, e D. Branca Coelha may da Condestabreza D. Leonor Daluim. Pelo que fica sendo esta s.ra sobrinha materna de P.o Coelho Gasco (…). Foi em tempo delRey Dom Aff.o o 4.o de Portugal m.to grande seu priuado, e o mór s.or que entaõ houue nestes r.ns e foi no cons.o da lamentavel morte da Princeza D. Ignes de Castro pelo qual feito o mandou matar cruelm.te ElRey D. P.o de Portugal morrendo elle com m.to esforço, constancia, e com grande arrependim.to de seus peccados, perdoando a todos sua morte. Teue de sua molher m.tos filhos de q.m descendem os Coelhos que tem sua antiga sepultura no Carmo no cruzeyro debaixo do pulpito do Euang.o sepultura illustre, e das mais antigas do real templo do Carmo, onde jaz Gonçallo Coelho Gasco f.o do d.o Pero Coelho”. Cap. 76 das Antiguidades de Lisboa: “(…) os nomes dos que serviraõ na catholica guerra ao magno, e sancto Rey D. Aff.o me parece que saõ estes. D. Mendo Monis f.o do grande Egas Monis, D. P.o Monis seu irmaõ caualleyros muy esforçados, e animosos; e D. Martim Monis que foi na sancta batalha do Campo de Ourique cap.m da alla dr.ta, e seu irmaõ D. Lourenço Viegas, que por ser homem muy esforçado da espada, foi daquelle tempo chamado o espadeiro, para que o valor da bellica virtude augmentassem, e creassem de nouo nos homens altos espiritos, e alexandrinos coraçoens â vista della. Foi este insigne caualleyro portvugvez (…) a q.m ElRey D. Aff.o amaua tanto que lhe chamaua irmaõ, por seu Pay D. Egas Monis o hauer creado em caza. Este D. Lourenço teue a D. Egas Lourenço, que de sua molher teue a Lourenço Viegas Coelho que foi o p.ro que se appelidou desta antiguissima, e nobilissima alcunha, de que a arruinada familia dos Coelhos destes R.nos e a illustre de Castella trazem sua origem, e por armas em campo de ouro hum rompente leaõ roxo, e real inda que alguñs querem

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que este leaõ há-se ser faixado em huã faixa azul: e por orla deste escudo trazem cinco coelhos brancos em campo azul e por timbre hum leaõ com hum coelho entre as vnhas (…).” 9 LUIS MARINHO DE AZEVEDO (c. 1599-1652), Primeira Parte da Fundação, Antiguidades e Grandezas da Mui Insigne Cidade de Lisboa, e seus Varões Illustres em Sanctidade, Armas, & Letras, Lisboa, 1652, p. 226: “Em o valle de Chelas em huma quinta, que foi dos pays do Licenciado Antonio Coelho Gasco juiz que foi dos orfãos nesta cidade, hà um cippo com todas suas letras, as quaes contem a inscripção seguinte: D. M. / JULIAE LABERNARIAE / C. JULIUS. SILVANUS / JULIA GLAVEA / PARENTES / F.” (…).” Comentando esta referência, diz António Cruz (“Um inédito de António Coelho Gasco sobre Antiguidades de Trás-os-Montes”, Boletim da Biblioteca da Universidade de Coimbra, volume XII, Coimbra, 1935, p. 117): “Quere dizer: desde novo, António Coelho Gasco habituou-se a ver e a admirar uma inscrição. Não é de estranhar, pois, que ele sentisse desejos de decifrar as letras gravadas no cipo existente na quinta de seus pais, – e daí lhe viesse aquele grande interêsse por antiguidades, mais tarde manifestado nas suas obras.” 10 ANTÓNIO LUÍS TADEU, “António Coelho Gasco e o Mosteiro de Chelas”, em Olisipo, boletim do Grupo de Amigos de Lisboa, n.ºs 146-148, Lisboa, 1983-1985, pp. 101-104: “António Coelho Gasco, escritor do século XVII, que nos legou um interessante manuscrito onde a par das fantasias históricas e um estilo bastante empolado, prolixo e algo gongorizante, muito de bom e aproveitável se encontra”. 11 Inclinação a que não terá sido estranha a influência de seu “Tio Ioseph Coelho de Caru.o que sancta gloria haja”, possuidor de um mármore antigo aparecido na “allagada cidade” de Troia, na península de Setúbal, que dizia: “D . M . S . G . L . FABIANVS . ANN . XXX . VIII . H . S . E . S . T . T . L .”. “Cuja interpretaçaõ he a seguinte: Esta sepultura he dedicada aos Deuses das almas: Aqui jas enterrado Lucio Gallo Fabriano: Seja-uos a terra leue, o qual se finou de idade de 38 annos” (Antiguidades de Lisboa, Cap. 10). 12 Arquivo da Universidade de Coimbra, Autos e Graus de 1616-1619 (t. 25), fls. 94 v. Reproduzido por António Cruz, “Um inédito de António Coelho Gasco sobre Antiguidades de Trás-os-Montes”, Boletim da Biblioteca da Universidade de Coimbra, volume XII, Coimbra, 1935, p. 117. 13 Os alunos de Leis faziam seis cursos inteiros, de oito meses ao menos cada curso (Livro III, Título XLII), para obterem o grau de bacharel, a que se seguiam os graus de licenciado e de doutor, sendo a idade mínima para o doutoramento a de 25 anos (Livro III, Título XVVIII, n.º 1). O Curso de Leis era composto por quatro cadeiras maiores e quatro menores ou cate-

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drilhas (Livro III, Título V, n.ºs 14 a 19): a de Prima, onde se lia o Esforçado (Livros XXIV a XXXVIII do Digesto); a de Véspera, onde se lia o Digesto novo (Livros XXXIX-L); a de Terça, onde se lia o Digesto velho (Livros I-XXIII); a de Noa, que se lia antes de Véspera, e era dos três livros do Código; duas menores de Código, que se liam, uma depois do Digesto velho, e outra depois da lição de Véspera; e duas menores de Instituta, que se liam, uma pela manhã à hora de Terça, e outra à tarde, antes da lição de Véspera. 14 No Arquivo Histórico Ultramarino estão catalogados os seguintes documentos relativos a António Coelho Gasco: 1) Consulta do Conselho Ultramarino para o Rei D. João IV, sobre o pedido de ajuda de custo de António Coelho Gasco, que vai nomeado para o cargo de Ouvidor-Geral da Capitania do Pará (15/6/1652); 2) Consulta sobre António Coelho Gasco que vai por Ouvidor da Capitania do Pará, pede uma ajuda de custo (1652?); 3) Consulta do Conselho Ultramarino para o Rei D. João IV, sobre o que escreve o Ouvidor do Pará, António Coelho Gasco, acerca dos motivos que ocasionaram a prisão do Capitão do Forte do Gurupá, Domingos Caldeira, e de Capitão Inácio do Rego Barreto (18/7/1654); 4) Carta do Ouvidor-Geral da Capitania do Pará, António Coelho Gasco, para o Rei D. Afonso VI, sobre a residência que tirou ao ex-Capitão Mor do Pará, Marçal Nunes da Costa, e a proposta que apresentou, por ordem do Governador e Capitão-General do Estado do Maranhão, Grão-Pará e Rio Negro, Rui Vaz de Sequeira, de Francisco de Seixas Pinto para ocupar aquele cargo (20/7/1662); e 5) Requerimento do Provedor da Fazenda Real do Pará, João de Ornelas da Câmara, para o Ouvidor e Auditor da Gente de Guerra do Pará, António Coelho Gasco, a solicitar que despache aos escrivães a passagem da sua folha corrida (anterior a 25/7/1672). 15 ANTÓNIO LADISLAU MONTEIRO BAENA (Compendio das Eras da Provincia do Pará, Lisboa, 1838, p. 94) refere que, no decorrer de um tumulto, foi eleito Juiz Diogo Pinto, que deu “o juramento nas mãos do Ouvidor da Capitania Antonio Coelho Gasco”, “o primeiro Jurisconsulto despachado para este lugar; o qual teve Regimento igual ao dos Ouvidores da Comarca do Maranhão dado em 23 de Outubro de 1660”. E, mais adiante (p. 98): “Impugna o Ouvidor da Capitania Antonio Coelho Gasco as ordens do Ouvidor Geral relativas à intermissaõ das funçoens dos Magistrados na punição dos crimes, e na decisaõ das contestaçoens civis dos Cidadãos, com o fundamento de naõ ser permittida pelas Leis; e de naõ existir Decreto especial do Monarcha, único regulador da Moral Social. E recomenda que taes ordens naõ sejaõ cumpridas; e que se dê instrucçaõ de tudo ao Governador, a quem só reconhece por Ministro supremo como Loco-Tenente do Reinante”.

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ANETE COSTA FERREIRA (“A missão do Padre António Vieira no Gram Pará – Maranhão”, em Academia de Marinha, Memórias 2008, Volume XXXVIII, p. 163): “Antes, porém, em Setembro [de 1655], reúne-se na cidade de Belém a Junta das Missões, para uma tomada de decisão sobre a guerra dos índios da Ilha de Joanes. O Termo é assinado pelo governador André Vidal de Negreiros; António Coelho Gasco, provedor da Fazenda de Sua Majestade e ouvidor da Capitania do Pará”. LUIZ MOTT (“Ventura e desventuras de um mercedário sodomita em Belém do Pará pós-Filipino”, em Politeia: História e Sociedade, Departamento de História da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), v. 11, n. 1, jan.-jun. 2011, pp. 81-103), refere “o ouvidor de Sua Majestade, Antônio Coelho Gasco”, entre as autoridades civis e militares atuando em Belém na quadra do julgamento de Frei Lucas de Souza, superior do Convento de Nossa Senhora das Mercês de Belém do Pará, que, em 1658, foi formalmente denunciado por praticar o “abominável” e “nefando” crime de sodomia. Por último, LUDMILA GOMILDES FREITAS (O sal da guerra: Padre António Vieira e as Tópicas teológico-jurídicas na apreciação da guerra justa contra os índios”, Universidade Federal de Uberlândia / Instituto de História / Programa de Pós-Graduação em História, Janeiro de 2014) refere: “Em questão [em 1655], estavam em jogo a aplicação da nova lei trazida por Vieira e pelo governador-geral André Vidal de Negreiros, os protestos dos moradores na Câmara de Belém e a escravidão de dois mil índios resgatados nas últimas entradas no Pará. Para arbitrar o exame dos títulos de escravidão foi convocada uma junta, em que participaram, além de Vieira, o «ouvidor do Estado e auditor da gente de guerra, o Dr. Antônio Coelho Gasco, com o escrivão de seu juízo»; o Prior do Carmo, como interprete da língua indígena, o procurador dos índios e os Prelados das ordens que missionavam na região” (p. 181). “O governador-geral e o ouvidor seguiram os votos de Vieira, todavia, os três prelados das outras ordens e o vigário «votaram que fossem absolutamente cativos, sem mais fundamento que por eles haverem confessado que o eram».” (p. 190). 16 FELIPE DE LA GANDARA, Nobiliario, Armas, y Trivnfos de Galicia. Hechos Heroicos de svs Hijos, y Elogios de sv Nobleza, e de Mayor de España, y Europa, Madrid, 1677, p. 173, no Capítulo XII – De la familia de los Aldanas, ò Maldonados, destaca, entre os autores de obras genealógicas sobre a nobreza de Galiza, “el Doct. Antonio Coello Gasco”. ANTÓNIO CAETANO DE SOUSA, local citado: “E também escreveo algumas Familias nobres de Portugal, e Galliza, de que faz menção Filippe de la Gandara, liv. 2 cap. 12 fol. 173.” GERHARDI ERNESTI DE FRANCKENAU (1676-1749), Bibliotheca Hispanica Historico-genealogica-heraldica, Leipzig, 1724, p. 34: “ANTONIUS

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COELLO GASCO, Doctor (Theologiae ni fallor) de patria bene mereri studiut, conscripto: DE LOS linages de Galicia opere, quod adhuc manuscriptum latet, ejusque nobis suppeditavit notitiam P. Philippus de Gandara in suo Gallaeciae nobiliario [Lib. II, cap. 12, fol. 173, fin].” 17 DIOGO BARBOSA MACHADO, local citado: “Conservase este livro na vastissima Livraria do Excellentissimo Conde de Ericeira, e parece ser original. Chega até D. Fernando de Noronha 3.º Conde de Linhares, que faleceo a 3. de Março de 1609. No fim tem huma descripçaõ da Villa de Linhares, e huma breve noticia das principaes familias della.” ANTÓNIO CAETANO DE SOUSA, local citado: “Clarissima, e nobilissima Arvore da Illustrissima Casa dos Condes de Linhares. He hum tomo de quarto manuscrito, que parece original de letra antiga, e boa, e se conserva na Biblioteca Ericeiriana. Chega até D. Fernando de Noronha, terceiro Conde de Linhares, que faleceo a 3 de Março de 1609, e no fim traz huma descripçaõ da Villa de Linhares, e dá por mayor noticia das Familias nobres daquella Villa.” 18 Também referida por ANTÓNIO DE LEON PINELO (c. 1590-1660), Epitome de la Bibliotheca Oriental y Occidental, Nautica, y Geografica (…) añadido, y enmendado nuevamente (…) por mano de el Marques de Torre-Nueva (1681-1747), Tomo III, Madrid, 1738, col. 1725: “ANTONIO COELLO GASCO, La Historia de la Ciudad de Lisboa, Antiguidades de Coimbra. Antiguedades de Braga, tres Tomos M. Ss.” 19 ANTÓNIO CAETANO DE SOUSA, local citado: “compoz hum livro manuscrito da Casa de Castro, de que faz mençaõ o Padre Francisco da Cruz.” No capítulo 90 das Antiguidades de Lisboa, refere Gasco, a propósito do Arcebispo de Lisboa D. Miguel de Castro, da Casa dos Castro, que “de suas heroicas obras se espera sair á luz mui cedo historia p.ar.” 20 No Cap. 29 dá notícia da morte de D. Nuno Álvares Portugal, “sendo entaõ hum dos tres gouernadores dos r.nos de Portugal no anno de 1623”. No Cap. 33: “neste anno de [1]625 sendo a See Vacante desta cidade por morte de seu sancto Prellado e Pontifice D. Miguel de Castro”. Finalmente, no termo do último capítulo alude à eleição para Arcebispo Metropolitano de Lisboa de D. Afonso Furtado de Mendonça, ocorrida em 1626. 21 A. E. MAIA DO AMARAL (coord.), Os Livros em sua ordem: Para a história da Biblioteca Geral da Universidade (antes de 1513-2013), Imprensa da Universidade, Coimbra, 2014, pp. 78-79. 22 Na edição da Imprensa da Universidade de Coimbra são 90 capítulos. 23 Cf. Nelson Rebanda, “O antiquario discurso de António Coelho Gasco, preparado para uma visita do arcebispo de Braga D. Rodrigo da Cunha a Freixo de Espada à Cinta (1633-1636?)”, in Freixeno, n.º 7, Freixo de Espada à Cinta, 2006.

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