Mário Cesariny, «Um Rio à Beira do Rio – Cartas para Frida e Laurens Vancrevel»

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UM RIO ร BEIRA DO RIO cartas de Mรกrio Cesariny para Frida e Laurens Vancrevel


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Mรกrio Cesariny, Frida (com a gata Anna Blume) e Laurens Vancrevel, Cotovia, Sesimbra, 1973.


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Mário Cesariny UM RIO À BEIRA DO RIO Cartas para Frida e Laurens Vancrevel edição

Maria Etelvina Santos Perfecto E. Cuadrado apresentação, tradução e notas

Maria Etelvina Santos posfácio e comentários

Laurens Vancrevel

D O C U M E N TA FUNDAÇÃO CUPERTINO DE MIRANDA


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ÍNDICE

Apresentação, Maria Etelvina Santos .................

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CARTAS (1969-2005) ............. ......................

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Posfácio e Comentários às cartas, Laurens Vancrevel Posfácio................................................. 445 Comentários às cartas................................. 473 Índice onomástico ......................................... 499


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AP RES ENTAÇ ÃO

Ma r i a Et el v i n a Santo s


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«enquanto houver água na água» expressão tão bela, tão reveladora, da sede, do desejo a agir, com a sua imagem dupla de redução (pela purificação) da água pela água — num poema meu, diz-se «um rio à beira do rio» Mário Cesariny a Frida e Laurens Vancrevel 23 de Julho 1978


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Dos encontros verdadeiros poderíamos dizer que eles se desdobram em nascimentos futuros. Assim o encontro permanente entre Mário Cesariny e Vieira da Silva, a sua pintura e Arpad Szenes, a cidade de Paris, a Torre Saint-Jacques e A Cidade Queimada. E já antes Breton e o seu poema «Tournesol», O Amor Louco e a viajante que caminhava em bicos de pés, e sempre essa salgadeira dos inocentes na mesma cidade — «Em Paris a Torre Saint-Jacques cambaleante / Igual a um girassol». O mesmo e outroTournessol enviado a Frida e Laurens Vancrevel, numa troca que se inicia em 1968, quando Cesariny escreve a Laurens: «Essa figura, que eu confundo com a Poesia, persegue-me desde 1947. Você acaba de me ensinar que se trata de Tournessol». Figura-ponte, figura de interrogação e resposta, figura-diálogo, a do «gira-sóis», «Menina-Sol» ou «Menina-Poesia», uma e duas, ou Naniôra, seguramente a mesma figura tutelar, como a viajante de Breton, mas caminhando agora sobre múltiplos pés, com lugar futuro na imagem «O meu testamento de Poeta», de 1994, quando ainda e de novo, em 1971, o poeta continuava a dizer em carta a Laurens Vancrevel: «… será ainda esse Tournessol, Gira-Sol, de que fiz vários desenhos, para ti e para a exposição de Amsterdão. Mas essa figura mítica, que eu nem via que era um gira-sol — para mim, era a própria figura da Poesia, feroz (fechada), mas florida (a cabeça), mágica (a varinha) e aérea (desliza como sobre uma plataforma que se move por meio de uma infinidade de 13


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pés (humanos)) — triângulo, círculo, quadrado, e também flor, e também: imposição mágica — mas essa figura é, sobretudo, feminina — como o poeta é mulher». Imagens duplas de redução e purificação, «água na água» e o desejo a agir e a provocar novos nascimentos. Encontros fortes. O «navio de espelhos» desdobrado em futuro, passa pelas montanhas de espelho que abrem caminho à luz sempre que o sol se encontra longe: escreve o poeta a Vancrevel, em 1978, que os incas «ornamentavam com espelhos — navios de espelhos — o cimo das montanhas, para abrir caminhos à luz do sol por entre os abismos!». Sempre o mesmo navio «sol e lua nos flancos», que «não navega, cavalga», desde 1964, entrando agora na Igreja Velha de Amsterdão, onde uma porta e uma escada que parece suspensa no ar deixam perplexo o pintor e o poeta — porta-mágica e escada-mastro como no navio de espelhos: «E no mastro espelhado / uma espécie de porta». A Igreja Velha de Amsterdão, no dizer do poeta «um grande navio veleiro», vai prolongar a série, ser mais um elo na linha de continuidade da pintura e da poesia de Cesariny — nesse modo desdobrativo e multiplicador, a figura, despida do estatuto de personagem, é simultaneamente resto e arquétipo, sempre nascente, porque não se fecha num tempo nem lugar, e viaja por fragmentação, por vibração e intensidade, em direcção ao próximo encontro. Em duas cartas datadas de 26 de Junho e 18 de Julho de 1980, o diálogo com Frida e Laurens Vancrevel serve de testemunho à aproximação textual entre o poema «O navio de espelhos» e a Igreja Velha de Amsterdão: aquele poema, que Cesariny conta ter sido escrito «em Londres, em 1964, numa espécie de estado de graça, de estado segundo, e sob a influência longínqua da visão (a pintura) de Vieira da 14


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Silva», repercute num texto novo que começa a surgir em dobra. Texto que, receia o poeta, «vai levar algum tempo e o mais provável é que ao fim não se perceba nada! Com os séculos dos séculos que ali vão dar e dançam!». Nesta última frase está presente toda a série futura. Servem estes exemplos, e poderiam ser outros igualmente surpreendentes, para dar a ver como a troca epistolar, prolongada e intensa pela amizade, de Cesariny com Frida e Laurens Vancrevel, excede em muito o interesse factual, embora também este seja da maior importância, uma vez que os factos mais relevantes associados ao(s) movimento(s) surrealista(s), cisões, novos recomeços, revistas e outras publicações, exposições, nomes reconhecidos no domínio literário e nas artes plásticas, são objecto de diálogo, de opinião, de tomada de posições, desde finais dos anos sessenta até 2005, data da última carta enviada por Cesariny aos Vancrevel. Se me restasse apenas uma palavra, escolheria a verticalidade para definir a figura que emana desta correspondência, e que é também a presença forte que atravessa vida e obra em Cesariny, e não apenas por momentos como este, num postal endereçado em 1987: «Meus queridos / Venham, venham, sempre que queiram! / Lisboa, a grande horizontal — e eu, pequena vertical? — à vossa espera / sempre». É de uma ética que estou a falar, de uma língua não impostora, de rectidão. Embora referindo-se a outros, escreve numa carta de 1977: «A vertical é o movimento do mergulhador, a horizontal o leito-da-meditação» — e parecia falar de si. Impossível não lembrar o que pintou em 6 de Março de 1992, na morte de Vieira da Silva. E evoco o antigo fresco de Paestum e o movimento do seu mergulhador. Reminiscências. O cair a pique de tantos dos seus versos faz parte da mesma ética sem impostura, tem esse movimento duplo da verticalidade, ligando o cimo e o fundo. E no quotidia15


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no das cartas, a verticalidade lembra ainda um fio de prumo, visível no modo quase austero como Cesariny rejeita qualquer forma de cedência. O gesto poético visionário é, na amizade, a apertada cota de malha de um Príncipe Valente. Ao saber da morte de Édouard Roditi, escreve: «Um verdadeiro poeta! Um verdadeiro. Um amigo». Estes três interlocutores — Mário Cesariny, Frida De Jong e Laurens Vancrevel — escrevem, pintam, traduzem. E chamam outros ao diálogo: Rimbaud, sempre presente, como Pessoa, Pascoaes e António Maria Lisboa, mas também Breton, Artaud, René Crevel, Luis Buñuel, Édouard Jaguer, Vincent Bounoure, Nora Mitrani, Francisco Aranda, De Vries, Rik Lina, Jörg Remé, Emilio Westphalen, Breyten Breytenbach, Alexandre O’Neill, Natália Correia, Raúl Perez, Alberto de Lacerda, Eugenio e Amparo Granell, Marie José e Octavio Paz — «Cara de Solitário-Colectivo» — entre muitos outros. Do livro que nasce ao livro que se publica, quer seja pela mão de Laurens Vancrevel, da casa editora Meulenhoff ou da revista Brumes Blondes que dirige, quer em folhas volantes tão do agrado de Cesariny, fala-se muito de pintura, de música, de poesia, da vida: «talvez possamos conversar um pouco — sobre a vida em geral», escreve o poeta na última carta. E fala-se bastante de tradução: desde as transposições por Cabala fonética, para «captar uma vertigem», aos autores que ocupam cada um dos poetas, como Rimbaud-Cesariny, Michaux-Vancrevel ou Frida e a epopeia irlandesa; Cesariny alegra-se com textos seus em neerlandês, pela mão de August Willemsen, tradutor de Pessoa: «A Cidade Queimada revestida por Memling, Van Eyck e Ruysdael (não é o Ruysbroeck). Que maravilha! (…) Caro Willemsen, a sua transfusão de sangue incita-me a voltar a escrever, nesse “Diário [da Composição]” de há vinte e três anos, algumas linhas suplementares…». Também se confrontam versões e resultados; fala-se do ro16


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mance A Selva, melhor pela mão de Blaise Cendrars do que pela de Ferreira de Castro; pedem-se versões de trabalho, em francês ou inglês, de textos neerlandeses de Laurens-poeta para Cesariny-tradutor por interposta mão de Frida Vancrevel. As várias cartas em que Cesariny se refere à sua prática de tradução, por exemplo entre 1977-1978, quando se ocupa do poeta sul-africano Breyten Breytenbach, são verdadeiras lições teóricas sobre o acto de traduzir. Cesariny foi um tradutor exímio, reconhecido sobretudo através dos grandes textos que traduziu, mas não podemos esquecer o imenso trabalho de selecção, organização e tradução dos inúmeros manifestos e outros textos incluídos no volume que organizou sob o título Textos de Afirmação e de Combate do Movimento Surrealista Mundial (1924-1976), publicado em 1977, muitas vezes referido nesta troca de correspondência, volume que é ainda hoje um instrumento fundamental de trabalho naquela área, e que pensava completar com um segundo volume que não chegou a dar à estampa. Há ainda muito trabalho a realizar sobre o papel de divulgador e o ofício de tradutor no poeta Mário Cesariny. E é sempre o rigor que prevalece nesse ofício, alongando-se no tempo quer se trate da selecção de poemas a traduzir, quer da escolha de uma única palavra, o que por vezes leva a que, passados anos, o poeta veja surgir como que inesperadamente a palavra que considera justa. Tome-se um exemplo: em Novembro de 1981, num poema que Laurens Vancrevel dedica a Mário Cesariny, a versão para português traz à língua uma pedra, semanticamente volteante ou virevoltante, a que Cesariny chamará «pedra turbilhonante», e posteriormente «pedra de remoinho», para anos depois, em 1987, encontrar a palavra justa na expressão «pedra de viragem», nome dado à pedra mágica, referida por Artaud no seu Heliogabale. As palavras anulam fronteiras entre o poema e a sua tra17


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dução, são vasos comunicantes entre poema-próprio e poema-do-outro, são nómadas, alimentam-se do movimento, são aéreas. Como na «Ode a Outros e a Maria Helena Vieira da Silva»: «rosto ao lado de um rosto num portal antigo // ó vieira das silvas dos teus cabelos / presos à dança da pedra e do ar». Para além da constante troca de afinidades, de relações de trabalho, de interesses que convergem e de tomadas de posição afins, a relação forte entre Cesariny e o casal Vancrevel está presente na partilha que a linguagem utilizada deixa entrever. Cesariny usa expressões de uma enorme gentileza, como Frida La Belle ou Laurens le Poète. Sentia que estava entre amigos. Numa carta de Agosto do ano 2000, o poeta evoca as noites em casa dos Vancrevel, e acaba a falar do seu maior desejo de tradução em devir: «Lembro-me sempre dos teus regressos do trabalho, com as tarefas debaixo do braço ou nas mãos, a sorrir, atravessando as pontes e a neve suja. Abria-se sempre uma garrafa de vinho português, ao jantar, não sem antes fazerem, com aquela angústia deliciosamente fictícia, sempre a mesma pergunta: “Abrimos uma” (garrafa)? Ah. Podíamos “morrer a sorrir”, como acreditava Apollinaire. Estou a trabalhar numa tradução, em verso rimado, poesia métrica (bastante livre, diga-se!) da Epopeia de Guilgamesh. Espero conseguir acabar este belo trabalho. Creio que estou a fazer uma coisa muito, muito bela. Salut! Mário.» Este o encontro que aqui se (d)escreve — como um rio à beira do rio. Porque há «a restante vida» como devir, «e entre nós e as palavras, o nosso querer falar». 18


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N OTA DE EDIÇ ÃO

A fixação, transcrição e tradução deste volume de correspondência, que se junta agora aos quatro volumes anteriormente publicados — pela Assírio & Alvim / Fundação Vieira da Silva-Arpad Szenes e pela Documenta / Fundação Cupertino de Miranda —, tem como os outros especificações próprias que, neste caso, incidem particularmente em critérios tomados relativamente à tradução, mas também alguns outros de ordem geral, que gostaria de deixar expostos nesta nota à edição. Assim: I. — Salvo indicação em contrário, as cerca de cento e cinquenta cartas de Mário Cesariny para Frida e Laurens Vancrevel, ao longo de mais de trinta anos, foram originalmente escritas em francês. Quando necessário, a indicação da língua do original (português, castelhano ou inglês) é referida na primeira nota sempre incluída a seguir à data, onde se indica se o original é manuscrito ou dactiloscrito; — procedeu-se à organização cronológica das cartas, tendo sido normalizada a forma de apresentação das mesmas (local, data), excluídas as indicações de endereço, sempre que repetidas; quando a data é conjectural, esta é indicada entre parênteses rectos, precedidos de s.d.; quando não existe indicação de data na carta, nem uma hipótese conjectural por parte de Laurens Vancrevel, 19


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procurou-se situar a carta através da temática exposta ou outras referências externas; — as abreviaturas de títulos de livros, revistas, e de nomes próprios, bem como as siglas, foram desdobradas e completadas entre parênteses rectos; — a ortografia foi normalizada, mantendo-se, no entanto, nas cartas redigidas por Cesariny em português, a grafia do autor; — as cartas para terceiros, por vezes incluídas como cópia para os Vancrevel, são acrescentadas como Anexo à carta, ou como Cópia se for esta a indicação do autor; — sempre que os anexos sejam constituídos por recortes de jornal, imagens fotocopiadas, poemas, postais, todos eles intervencionados com desenhos e/ou escrita, procedeu-se à tradução dos textos e inclui-se a reprodução do suporte intervencionado. II. O critério adoptado para a inclusão de Notas foi o seguinte: — incluem-se as indicações bibliográficas referidas na carta, com indicação da 1.ª edição e/ou edição utilizada; — incluem-se as referências à pintura de Cesariny, sempre que documentada no Catálogo Mário Cesariny (João Pinharanda e Perfecto Cuadrado, org. Lisboa, Assírio & Alvim, 2004); — quanto aos autores referidos nas cartas, estes não constam normalmente em nota, uma vez que os nomes foram completados no corpo do texto para melhor identificação; — nas cartas intervencionadas pelo autor após a sua redacção, com frases acrescentadas nas margens ou frases manuscritas em cartas dactilografadas, estas indicações e as remissões vêm referen20


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ciadas em nota; exclui-se da nota o simples acrescento de um PS, referido como tal pelo autor no final da carta; — foram acrescentadas em nota outras indicações sempre que consideradas úteis, como no caso de citações expressas ou de outras formas de intertextualidade. III. Questões particulares de Tradução: — os neologismos criados por Cesariny em francês foram transpostos para o português, tendo-se procurado seguir o mesmo critério do autor: a junção de palavras ou de expressões, com o respectivo espaçamento; — nos casos em que os neologismos são constituídos por jogos de palavras, inversões e criações poéticas de difícil correspondência na língua portuguesa, com um jogo vocabular, sonoro e visual, que só faz sentido na expressão criada por Cesariny, optou-se por manter o original, acrescentando em nota uma possível tradução do significado; — quanto à tradução de expressões de uso corrente na linguagem de Cesariny, para as quais nas cartas o poeta procurava encontrar correspondência na língua francesa (em várias cartas aludindo a essa dificuldade), seguiu-se o caminho inverso, procurando nos textos de entrevistas, algumas gravadas e filmadas, os seus modos próprios de dizer em português, inclusive na sua poesia, tentando ir ao encontro do seu imaginário linguístico, embora dando sempre atenção ao nível de língua utilizado na relação epistolar com o destinatário; para tal, foram também consultados os volumes de correspondência anteriormente publicados; 21


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— no caso da intertextualidade com outros autores portugueses, através de excertos de textos transpostos para francês, foram citados os versos originais em português, com a indicação bibliográfica respectiva; — no caso particular do uso de expressões da língua inglesa incluídas por Cesariny em cartas escritas em francês, manteve-se a expressão inglesa na carta traduzida para português; seguiu-se o mesmo critério no caso de a carta ser originalmente escrita em português, contendo expressões em francês ou inglês. Optou-se, assim, por manter as expressões na língua estrangeira, quando estas se referem a fórmulas de saudação ou de despedida, ou a expressões de uso corrente que não levantam quaisquer dúvidas quanto ao significado; quando se trata de expressões mais alargadas no corpo do texto, ou de parágrafos inteiros, procedeu-se à tradução para não haver perda de significado. Por fim, uma palavra de agradecimento a todos os que, através da edição cuidada dos vários volumes da correspondência, e dos esclarecimentos a eles associados, contribuem para melhorar os volumes seguintes, na mesma vontade de continuar a fazer ouvir a voz de Mário Cesariny. No caso deste volume em particular, um profundo agradecimento a Frida e Laurens Vancrevel, pela imensa generosidade demonstrada com o poeta e com os que agora cuidam do seu legado, ao pôr-nos nas mãos estas cartas.

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C A RTA S 1969-2005


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lisboa, 12 de maio de 1969 1 Caro poeta e amigo Foi com grande alegria que recebi a sua carta e espero poder enviar-lhe, este mês, algumas publicações recentes, ficando à espera das suas. Não conte, no entanto, com a participação de muitos amigos, e muito menos com uma actividade regular, como se diz no exército… O mínimo que posso dizer-lhe numa carta é que os surrealistas, aqui, tiveram sempre muita dificuldade em serem publicados. E tenho algum receio que o meu volume A Intervenção Surrealista venha a dar-lhe a impressão contrária. A bem dizer, é um livro em que a maior parte do material que o compõe deveria ter conhecido publicação há muitos anos. Isto não significa que esse material tenha envelhecido, mas sim que o lado de certo modo prestigiante, ou já prestigiante, do surrealismo, permitiu, aqui em Lisboa, esta edição. As suas afirmações sobre as actividades do grupo (ou a falta delas) em Paris é de grande interesse para mim. E a sua declaração de independência também. Assim como o que me diz sobre a falta geral de informação (ou ligação) sobre e com os surrealistas que não vivem em Paris. No que diz respeito aos surrealistas daqui, há um abismo abismante, desde o início, entre aquilo que pensam e por vezes escrevem sobre os surrealistas portugueses e o que realmente existe, aqui, desde 1947. Incomoda, mas não é importante, pois o historial do surrealismo, dicionários e outros tais, será sempre, creio, o que mais interessa a outros, mas o menos interessante. 1

Dactiloscrito.

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Gostaria também de pô-lo em contacto com os nossos amigos brasileiros, Sergio Lima e Leila Lima que, desde 1967, têm contribuído fortemente para a afirmação surrealista na América do Sul, com uma exposição internacional em São Paulo (1907) e a edição de uma revista, A Phala1 — Morada: Rua Capote Valente, 1447Apt. 41-Sumaré-S. Paulo-Brasil. Seu, Mário Cesariny

1 Sergio Lima, org. A Phala: Revista do Movimento Surrealista Internacional. São Paulo, Fundação Armando Alvares Penteado, 1967.

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s.d. 1 [1969] Vancrevel: Essa figura, que eu confundo com a Poesia, persegue-me desde 1947. Você acaba de me ensinar que se trata de Tournessol. Portanto, envio-lhe, para os sete dias da semana, o ano de Tournessol. E que ela o faça feliz! Mário 1

Manuscrito.

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s.d. [1969] 1 Caro poeta e amigo Mil vezes obrigado pela sua carta e pelos poemas que me enviou. Infelizmente não consigo ler em holandês, mas posso ver que é uma edição muito, muito bela, e belo também o desenho2. Acredite em mim quando digo que lhe escreveria muito mais vezes e mais longamente se não fosse esta maldição de ter de escrever em francês. É uma língua que não domino inteiramente e que merece bem o cognome de língua diplomática europeia. A clareza, a forma perfeita e redonda, etc., quando se é muito magro, muito amargo, e se anda muito à roda, perdem o lado solar. E obrigado mais uma vez pela sua transcrição de uma página do livro de José Pierre, sobre a pintura e o surrealismo. Cá. E lá. E como toda a nossa camaradagem se interessa por isso, passo-lhe duas cartas que escrevi (junto as cópias) a Jean-Louis Bédouin a propósito da publicação de Vingt ans de surréalisme3, e da meia página dedicada a Portugal, e bem, e ainda sobre a saída um pouco mais recente da obra de José Pierre, de que você me fala. Ainda um pequeno relato sobre o mesmo e para o mesmo, enviado por Cruzeiro Seixas e Ernesto Sampaio. Divirta-se com estes textos e volte a reenviar-mos, s.f.f. Quero ainda chamar-lhe a atenção para o facto de, numa outra carta escrita em Paris e ao cuidado do nosso amigo Paulo António de Dactiloscrito. Cesariny refere-se ao poema plaquete Eppur si muove de Laurens Vancrevel, ilustrado com um desenho de J.H. Moesman. 3 Paris, Denöel 1961. 1 2

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Paranaguá, eu ter afirmado a minha total não-solidariedade para com «a actual temporada (surrealista) em Paris». L’Archibras1. Quanto ao meu «gira-sóis», depositado, amado, fixado à sua inteira vontade, não ficarei senão muito lisonjeado com o seu fraternal estado (tanta palavra em ado!! Isto também acontece em neerlandês?). Quanto às gravuras de Cruzeiro Seixas, ele não vê qualquer inconveniente, mas pede-me para lhe dizer que vai tentar mandar-lhe um ou dois desenhos originais, algo que seja transportável de avião, mas apesar de tudo mais próprio (não é «próprio» o que quero dizer), em todo o caso mais próximo da mão do autor e dos olhos do público. Será isso? Junte também o meu prefácio para A Intervenção Surrealista2 ao alfarrábio que está a preparar. E se não ficasse com má consciência por aconselhar-lhe a tradução de um texto que já é difícil em português, dir-lhe-ia para incluir ainda, do grande poeta António Maria Lisboa, um amigo que morreu em 1953, o texto «Operação do Sol». De qualquer modo, vou enviar-lhe o pequeno livro, Erro próprio, que contém a «Operação». É um dos muito raros textos de que se pode dizer que aqui se virou eu virei o sopro poético ………… ———— [Revista] L’Archibras, Jean Schuster ed., Paris, Le Terrain Vague,1967. Mário Cesariny, A Intervenção Surrealista. Lisboa, Editora Ulisseia, Julho de 1966; nova edição: Lisboa, Assírio & Alvim, 1997. 1 2

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Amore1, poema-fleuve do nosso amigo Sergio Lima merece, no que repeita aos anos sessenta, a maior atenção. Desconheço se tem um exemplar dessa obra, para mim extraordinária. Mas pode sempre pedir ao S.L. Talvez o S.L. aceitasse traduzir (para francês) alguns excertos para uso seu. Pode ser que o poema já tenha sido todo traduzido para essa língua, pois o Sergio escreveu-me, já há dois anos, a falar do possível aparecimento em francês, na Eric Losfeld, dessa obra. O que não veio a acontecer. Ah! Jean-Louis Bédouin respondeu muito amavelmente às cartas, de que lhe envio cópia. O que vai dar ao mesmo. Escreva-me mais vezes! Seu Mário Cesariny ————

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São Paulo, Massau Ohno, 1963.

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Anexo 1: Cópia para Laurens Vancrevel A Jean-Louis Bédouin Lisboa, 14 de Janeiro de 19681 Caro amigo Tomei a liberdade de enviar a Paulo António de Paranaguá, em Paris, uma cópia da primeira carta que enviei para si, de Londres, bem como a comunicação que Ernesto Sampaio e Cruzeiro Seixas lhe enviaram de Lisboa. Espero que não veja nisso qualquer inconveniente. Acontece que o P. A. Paranaguá acaba de nos propor que estreitemos um pouco mais os laços e os projectos entre os surrealistas portugueses e o grupo de Paris. Estreitar, claro que queremos, mas também é desejável que se faça uma pequena limpeza nas vias de comunicação, caso contrário corremos o risco de apenas estreitar o vazio. Uma publicação, digamos, recente — Le surréalisme, de José Pierre, ed. Rencontre, Lausanne-Paris, 1967 — acaba de expor, acerca do surrealismo português, dados que ultrapassam largamente o grau de erro admissível. Creio que, quando não se possui a lucidez de inteligência destrutivo-criadora de um Breton, ou de um António Maria Lisboa, seria melhor evitar o tom menor dictatorial de que abusa José Pierre. Creio também que, quanto ao surrealismo, há ainda uma outra necessidade, sobretudo depois da ocultação aparente de Breton, que basta constatar na leitura comparada de, por exemplo, este volume de José Pierre e a última edição 1

Cópia do datiloscrito. Escrita a J.-L. Bédouin e enviada a Vancrevel em 1969.

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de Le surréalisme et la peinture, 1965, de Breton. Mas, deixemos isso. O que me interessa, e interessa a si, é que as cartas que lhe enviámos esclarecem suficientemente, e mais ou menos acerca dos mesmos pontos, os erros introduzidos por José Pierre. Portanto, é inútil estar a refazer — a cópia deve ser suficiente. De resto, a expressão «pintura surrealista» alterou-se completamente aqui, desde há uns anos. Toda a gente faz «pintura surrealista», quadros surrealizantes, dádá, neo-dádá, neo-dadaízante, e por aí fora. Resta perceber, na mixórdia das manchas-linhas-cores o que tem o surrealismo, realmente, a ver com tudo isso. ————

Anexo 2: Ao Senhor Jean-Louis Bédouin Ao cuidado das Edições Denöel 14, Rue Amélie, Paris VIIIème França Londres, 3 de Maio de 19651 Caro Senhor Acabo finalmente de reler, na sua obra Vingt ans de surréalisme, nas páginas 109-110, as linhas que publicou sobre o movi1 Cópia do dactiloscrito. Cesariny comenta nesta carta o que Bédouin, a partir da leitura que fez do «Balanço» publicado por J.-A. França em 1948, escreveu em Vingt ans de surréalisme (1961) sobre o surrealismo em Portugal.

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INTERLÚDIO

Neste momento, MARC DUCHESNE acaba de me escrever a pedir poemas para «uma primeira recolha colectiva (internacional), impressa, reservada exclusivamente à poesia surrealista». Tu conhece-lo? (ou conheces este projecto de publicação?). Ele escreve da Bélgica — Rue des Marronniers, 3 B-5260 — Villiers-Le-Bouillet — Bélgica e promete a colaboração «de alguns amigos holandeses, ingleses, chilenos, franceses, etc.». Falei-lhe de ti, dei-lhe o teu endereço. Diz-me alguma coisa a propósito disto.

Em suma: a publicação será reservada aos amigos e a alguns mini- ou maxi-gatos das redondezas. Aspecto gráfico bastante mau, espero. Mas com alguns textos — poemas — inéditos, de Laurens Vancrevel, Octavio Paz, Agustin Espinosa; tinha e tenho autorização de Luis Buñuel para dois poemas que, infelizmente, foram publicados no ano passado — o gato adormeceu durante demasiado tempo —; de Vieira da Silva, de J. Brooksmith, um gato inglês que, como gato que se preza, ignora que é surrealista, de Cruzeiro Seixas e do nosso amigo Mário Henrique Leiria que acaba de chegar do Brasil sem a perna direita e sem a esquerda, passo a explicar, foi preciso cortar, e cortar, e voltar a cortar — essa doença terrível da circulação. Na verdade, ele teve sempre a obses74


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são das pernas. Os seus poemas de juventude, inéditos, como por um acaso têm o título de «Poemas Ortopédicos»1. Vou pedir a, I shall ask, Rosemont uma tradução do seu unanswerable livro The Morning of a Machine Gun. Mas, aí, tenho medo. Ele foi um pouco vulgar na sua fuga muda. Afinal, não o foi completamente, pois acabo de receber o primeiro número da Arsenal, a que acrescentou a sua Declaração de Guerra. Não duvido que as suas publicações na América se tenham revestido de uma importância maior pela sua crescente dureza granítica. Grande abraço pela tua nota sobre Portugal — Sol e a-Mar-go… Para a Frida

para Laurens with love Mário Cesariny

1 Referência a Climas Ortopédicos, um dos três «livros de autos» que Mário Henrique Leiria (1923-1980) deixou inéditos.

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lisboa, 8 [março de 1971] 1 Caro Amigo Obrigado pela tua última carta. Alegro-me muitíssimo com a vossa próxima estadia em Portugal. Ficamos à espera! E obrigado também pelo pequeno desenho do gato Schlechter-Duvall. A seu tempo prestará bons serviços… Quanto a Arsenal, é estúpido que não tenhas recebido um exemplar, e passo-te aqui o índice: André Breton — Introduction to Lautréamont; Isidore Ducasse — The Letters; F. Rosemont — Manifesto: On the Position & Direction of the Surrealist Mouvement in the U.S.; Malcolm de Chazal — Plastic Sensibiity (excerpts); Joseph Jablonski — Beyond the Shadow of a Tic; Joyce H. Mansour — Religious Intoxications of Large Cities; Benjamin Péret —The Eucharistic Congress of Chicago; Penelope Rosemont — Red Lion; Paul A. Garon — Blues and the Poetry of Revolt; Schlechter-Duvall — The Return of the Great Invisibles; Her De Vries — Message from Below Sea Level; Laurens Vancrevel — A Survey of Surrealism in Europe; Ragnar von Holten — Surrealism?; Surrealism in Czechoslovakia. Bom. Há ainda muitas outras coisas, artigos, poemas e desenhos, mas se me perdoas a preguiça paro por aqui. Quero apenas fazer o resumo do teu «Survey»: 1

Manuscrito.

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Áustria — Hausner, Lehmden, Celan. Bélgica — G. Gronier, Alechinsky, Bastin, Guth, Dalain, Lacomblez, Scutenaire, Mariën. Dinamarca — Freddie, Colding, Heerup, Jorn, Harder, Hermann. Inglaterra — John Lyle, C. Maddox, E.L.T. Mesens. Alemanha — Oelze, Jené, Klapheck, Aue, Sauerbier, Hülsmans, Ursula. Grécia — Embirikos, Valaoritis. Holanda… Itália — De Sanctis, Sterpini, Manina, Baj. Portugal… Merci! E é preciso que vejas, da próxima vez, os trabalhos de Raúl Perez (pintura e desenho), um dos novos realmente espantoso. Eu e o Seixas descobrimo-lo recentemente. Brasil — Sergio e Leila Lima. Espanha — Cirlot, Moragues, Fontanilles. Suécia — Svanberg, Von Hulten, Lundkvist, Ekelöf, Lindegren. Jugoslávia — Kunovsky, Rabuzin, Ivšic. Quanto a Arsenal, a revista porta-se muito bem, indignada com uma «Declaração de guerra» assinada por «The Surrealist Group» (o que significa, creio, Franklin e Penelope Rosemont), duma violência magnífica. No entanto, não se diz ou escreve nada que não seja um eco do que já se disse ou escreveu na Europa. Escuta bem o que quero dizer: para os surrealistas, é sempre muito bom (e muito lisonjeiro!), não tanto «A Escola», mas «A Associação, Mais ou Menos Secreta», e a «Propagação de Ideias». E creio, com toda a sinceridade 77


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de espírito, que em solo novo (U.S.), a flor deverá conhecer florescências bastante estranhas e mesmo novas. O que está em jogo é, sobretudo, uma ideia moral. E isso quem o garante é o Rosemont. Mas se não se envolve a negra busca poética na pura e simples adesão moral — digo «pura e simples», mas sei que há nela uma força de afirmação e de repulsa que pode ir até ao sacrifício da própria vida — o que é belo — muito belo — digo, válido —… E como é belo revermo-nos nos filhos!… Aqui, um fragmento de música. Quando pensam vir? Passei a última semana em Sesimbra. Lembrei-me muito (remembrance) do nosso almoço holandês. Love Mário Seixas envia beijos e também fica à vossa espera.

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[5 de maio de 1976]

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n.y., 17 de maio [1976]

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lisboa, 21 de maio [1976] 1 Queridos Amigos Este papel holandês é magnífico, a carta sê-lo-á menos, terá de ser escrita a correr; estive fora mais tempo do que esperava e há infinidades de insignificâncias a regular nestes dias próximos presentes. Pois recebi a vossa carta de vinda, como, antes dela, a tradução Chirico, e o belo envio de fotografias reprodutivas-pintura. Tudo tesouros que é preciso merecer, corporizar, pôr a crescer e a circular. Que bom. Também chegou uma carta de Peter Manti (do grupo do Rosemont) com coisas e dizendo que ia pôr-me em contacto com vocês, por escrito. Das coisas várias vistas e sentidas e preparadas por esta minha viagem a Espanha — e sobretudo o contacto, em Santa Cruz de Tenerife, com os sobreviventes do grupo surrealista (ou para-surrealista) de 1936 — saíram muitas coisas belas que vos contarei quando vierem. E quanto à vossa chegada, prepararei, como dizes, e se assim o quiserem, habitação no «Ninho de Águias», desde a noite de 15 até 23, de Junho. Há, porém, que o Cruzeiro Seixas vos convida para irem para casa dele — disse-me que já vos escreveu nesse sentido — e, assim, vocês devem confirmar rapidamente para aqui se aceitam o convite do Artur Manuel ou se preferem ir para as Águias. Eu tenho pena, muita, de não estar residindo em Lisboa no mês de Junho: alugou-se uma casa no campo, para mim, mãe, Henriette e gato, para esse mesmo mês. Mas é perto de 1

Manuscrito. Original em português.

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Lisboa — e de Sesimbra — e vocês podem aparecer lá quando quiserem e, mesmo, ficar lá uns dias (há quarto) para, se o tempo estiver bom, tomarem banhos de mar — se é que os gatos grandes e lindos que vocês são gostam da água salgada. Espero que sim: a água, aqui, é mesmo azul e límpida. Têm vocês, portanto, de escrever antes de partirem, dizendo as últimas coisas da vontade. Vi na televisão um programa sobre Miranda do Douro e acho que vocês deviam atravessar por ali. Há lá um padre espantoso a quem podiam pedir fizesse de cicerone-explicador daquilo, e, sobretudo, pedir-lhe que pusesse a dançar para vocês o grupo dos pauliteiros de Miranda. São notáveis. Ali, fala-se o mirandês, que é português e espanhol — galego, aragonês — pois está na raia de Espanha, à qual pertenceu durante tempo. Espero pois e ainda carta vossa, e o abraço a quatro braços de ver-vos de novo aqui. A bientôt! Mário

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lisboa, 1 de junho de 1976 1 Frida Minha Querida Eis que achaste por bem escrever-me uma carta para me REPREENDER!! Isso é bom. Como podes ter imaginado que eu estaria irritado, ou qualquer outra coisa terminada em -ado, porque não se vendeu o célebre relógio, ou porque não se vai fazer uma exposição minha em Amsterdão, ou porque que que que. Até ao momento, vocês sempre foram, para mim, os amigos, os grandes amigos, e não vejo razão para esse acesso de humor maligo em Ruysdaelkade. Talvez tu, vocês os dois, tenham começado a ficar fartos de mim, e isso até posso compreender. Mas, minha querida Frida, se algum arrefecimento tiver de começar a cair do céu, melhor seria que começasse pelo vosso céu, não pelo meu. Estou-me completamente nas tintas para o relógio e para a exposição. Isto é, seria bom se a conseguíssemos fazer, fazer-ma, mas há que convir que o mundo, se existe, continua a ser maravilhosamente belo, mesmo sem ela. Perez contou-me que Amsterdão considera os meus desenhos «muito Cobra». E eu que até me sentia um pouco orgulhoso com essa semelhança! Num dos próximos dias, mais amenos, conta a Amsterdão que eu comecei a fazer Cobra por volta de 1947, ou mesmo em 1946. Quanto à carta que escrevi a Perez e a Marie José, a razão é que, vê bem, eles estavam mesmo em vossa casa, eu não tinha ou1

Dactiloscrito, com um parágrafo manuscrito acrescentado no final da carta.

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tra maneira de lhes escrever a não ser ao vosso cuidado, eles estavam na vossa casa, vossa, vossa. Deixemos isso. Coisas mais inquietantes — de momento, ainda não graves — e mais interessantes iniciaram a travessia do céu ibérico. Por exemplo, o aparecimento, em Phases, da colaboração de André Coyné, católico ecuménico, há muito tempo a viver em Lisboa. Gosto bastante dele, e é justamente por isso que nunca teria a ideia de o expor na prateleira Phases. Penso que deve ter sido ideia de Cruzeiro Seixas — se é que essa colaboração teve algum intermediário português — e, consequentemente, dos serviços de língua francesa do seu amigo Mário Botas. Se assim foi, acho esquisito, pois eu continuo, creio, a ser o correspondente português dessa revista. Enfim, vi a América, a do Norte, digo. Nova Iorque é a Grande Macacada. Chicago nem sequer existe, é uma cidade atroz, é preciso passar por lá para se perceber o desespero e o desespero de desespero dos nossos amigos de Chicago. De Nova Iorque, escrevi a F. Rosemont, pedindo-lhe que vos enviasse o catálogo — muito belo, de resto. Não pude trazer se não o meu próprio exemplar, seria um peso enorme na minha pobre mala trazê-los comigo — contei quinze exemplares e quinze cópias do último número de Arsenal que deveria trazer! Portanto, impossível. Seria uma quantidade enorme de quilos. No catálogo, vem a reprodução do cadavre-exquis eu-Lauren[s]ce-Ted J., feito em Amsterdão; Frida e Lauren[s]ce são citados como surrealistas representados, tal como a Holanda, e, portanto, vocês deverão receber um exemplar, ou 170


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lisboa, 12 de junho de 1980 1 1 Manuscrito, redigido nas margens de uma folha com colagens: tira de fotografias (Photomaton) e cartĂľes (B.I., Inst. Port. Reumatologia, e Passe da Carris).

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Meus Queridos Laurens e Frida Na verdade, estou já em Amsterdam com vocês, se não física e totalmente, pelo menos em espírito ardente. O que ainda vai, talvez, reter-me por alguns dias (poucos) é uma inflamação na íris do olho direito. Nada de grave, mas não quero chegar ao pé de vocês com olho de Camões, olho que sem dúvida não mereço. Digamos, portanto, que na próxima semana tentarei ter o bilhete de avião, e telefonar-vos-ei imediatamente para rang-rang-tlinc hora de chegada. Beijos Mário

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lisboa, 18 de junho de 1980 1

Quinta

dia 19

Voo TAP 620

Chegada

14.20 Mรกrio

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Telegrama enviado de Lisboa / Sete-Rios para Amsterdรฃo.

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lisboa, 26 de junho de 1980 1 Meus Queridos Enviei-vos já várias cartas com coisas. Esta será a última desta fornada. Envio-vos o borrão das minhas notas sobre a Igreja Velha de Amsterdam. Tirei fotocópia para mim. Na verdade, parece-me que vai levar muito tempo antes que possa escrever um texto definitivo e assim é melhor vocês guardarem o texto original. Agora, uma boa notícia: o Emílio Adolfo Westphalen já está em Lisboa, como Adido Cultural; já me escreveu, já nos telefonámos, e vamos encontrar-nos daqui a dois dias, na Embaixada do Peru. Belo, não é? Penso que era indispensável levá-lo ao Poetry Festival! Não vos parece? O livro dele, agora reimpresso na «Papeles Invertidos» é mesmo muito bom. Um grande abraço vosso para o nosso Mário

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Manuscrito. Original em português.

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Anexo 1

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Manuscrito, em portuguĂŞs e francĂŞs. Cf. carta de Junho de 1987.

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P O S F ÁCIO ———— CO M ENT ÁRIO S ÀS C ARTAS

L a u ren s Va n cre ve l


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Mรกrio Cesariny e Laurens Vancrevel, Lisboa, 1973. Fotografia de Frida de Jong.


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P O S F ÁCIO

A correspondência trocada durante trinta e seis anos entre Mário Cesariny, a minha mulher Frida e eu próprio, da qual se reproduzem neste livro as cartas do Mário, dá testemunho da profunda amizade que nos uniu e, é preciso dizê-lo, revela apenas uma pequena parte da história. Faltam a essa correspondência as conversas calorosas que tivemos durante as nossas estadas em Lisboa e as visitas do Mário a Amsterdão; faltam ainda todas as conversas telefónicas. A última carta que nos enviou tem data de 2 de Março de 2005, quando a sua saúde já nos deixava esperar muito pouco; nela pedia-nos que, a partir de então, apenas lhe fizéssemos telefonemas, pois a mão direita já não lhe obedecia. As últimas vezes que o visitámos foi em Abril de 2006. A sua saúde era visivelmente frágil, mas insistira que viéssemos estar com ele para falarmos acerca do destino a dar aos quadros e outras obras suas em nosso poder; perguntámos, em primeiro lugar, qual seria o seu desejo. Queria que, depois da sua morte, as obras regressassem a Portugal, de preferência para um museu público que garantisse a sua conservação e apresentação regular ao público; deixava a escolha do museu português ao nosso critério. A última conversa telefónica aconteceu a 8 de Outubro de 2006, quando estivemos em Vila Nova de Famalicão com Paulo Pimenta, a ver a sua magnífica colecção de quadros de pintura moderna, 447


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muitos deles de Mário Cesariny; Paulo era um fiel amigo de Mário e, além disso, alguém que teve um papel decisivo na orientação surrealista a dar ao Museu da Fundação Cupertino de Miranda e na criação do Centro de Estudos Surrealistas da mesma Fundação. Na noite anterior assistíramos, no Museu, à inauguração da exposição antológica do nosso amigo Raúl Perez. Foi uma conversa telefónica breve, mas muito emocionante. O Mário parecia querer dizer-nos que estava bastante mal, e que nos devíamos apressar se o queríamos rever ainda em vida. Prometemos-lhe que tentaríamos ir a Lisboa em breve, mas que não nos era possível ir de imediato. A sua bela voz tornara-se fraca e quase imperceptível. No dia 26 de Novembro de 2006, Paulo telefonava-nos, muito emocionado, para nos dar conhecimento da morte do Mário. Sabíamos que a morte era uma libertação para ele, que sofria muito devido à doença e à frágil condição física. Lembrávamo-nos de uma frase escrita num poema seu, onde dizia que a existência física era «um corpo estranho e surdo, um corpo incompreensível». Tinha gostado muito do seu corpo, de tão belo que era, mas acima de tudo era um homem de espírito. * As primeiras cartas que dele recebi, em 1969, foram a razão da nossa primeira viagem a Portugal. Escrevera ao Mário (através do seu editor), para lhe dar conhecimento da minha admiração pelo seu livro A Intervenção Surrealista, que descobrira no início daquele ano. Li a Frida as respostas do Mário; ela achou as cartas maravilhosas; 448


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aquele Mário era, certamente, um homem muito simpático e singular, dizia ela; devíamos ir conhecê-lo. Reservámos as férias de Verão de 1970 para o fazer. Nessa época, não valia a pena visitar o Portugal salazarista nem a Espanha de Franco; era essa a opinião partilhada entre a burguesia bem-pensante na Holanda. Mas as páginas de A Intervenção Surrealista diziam muito acerca do espírito livre de Cesariny. Seria normal ir visitá-lo. Muito mais tarde, contou-nos os constantes problemas que teve com a ditadura; foi permanentemente controlado pela censura e pela PIDE, a polícia secreta. * Depois de atravessar a França, mudámos de comboio em Irún na fronteira espanhola. Aí, na via larga dos caminhos-de-ferro ibéricos, esperava-nos o comboio da noite para Lisboa. Tínhamos feito reserva num compartimento com duas camas. No porte imponente dos expressos dessa época, deslizávamos através da noite espanhola, imensa e estrelada, passando por Burgos, Valladolid e Salamanca. Pelos montes, víamos fogueiras festivas e fogos-de-artifício. Por momentos, chegámos a pensar que rebentara uma revolta contra o franquismo, mas um dos viajantes que passava no corredor explicou-nos que se tratava da festa em honra de São João. Na manhã seguinte, bem cedo, tomaríamos o pequeno-almoço na estação da Guarda; tínhamos entrado em Portugal. Depois, a viagem continuou com lentidão através da Serra da Estrela, deslumbrante e aparentemente sem sinais de vida. Depois de uma breve paragem em Coimbra, começámos a atravessar o enorme vale banhado pelo Tejo. Ao final da tarde, entrámos no aglomerado populacional de Lisboa. 449


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À luz dourada da tarde, o expresso entrava na Estação de Santa Apolónia. Descemos, com as malas, para nos dirigirmos à saída da gare, quando um desconhecido pousou a mão no ombro de Frida. Era o Mário, que nos deteve por entre os passageiros. Olhava para nós com um olhar intenso e perspicaz, e saudava a nossa chegada. O Mário assobiou para chamar um dos muitos táxis em frente à estação. Como não tínhamos feito reserva em nenhum hotel (nessa época não era necessário) levou-nos a uma agência de viagens, na Avenida da Liberdade, onde conhecia uma funcionária. Em poucos minutos, arranjou-nos um sítio confortável para ficar, na Av. 5 de Outubro. Depois de arrumarmos as coisas, voltámos a apanhar um táxi, que o Mário soube chamar por entre os carros — o trânsito em Lisboa parecia ser apenas constituído por táxis e autocarros de primeiro andar, todos pintados de preto e de cinzento esverdeado — para irmos à Galeria São Mamede, na Rua da Escola Politécnica, onde nessa mesma tarde iria inaugurar uma exposição de Maria Helena Vieira da Silva, grande amiga de Mário; ele próprio organizara e prefaciara o catálogo. Na Galeria, conhecemos o seu grande amigo Artur Manuel do Cruzeiro Seixas, que era o director artístico da mesma. Seixas esteve sempre ocupado a conversar com os visitantes que, aparentemente, eram clientes da galeria. Pelas nove horas da noite, as salas ficaram vazias — era a hora do jantar. Seixas propôs a todos que fôssemos jantar ao porto de Sesimbra, para provar peixe fresco. O Mário sentou-se no banco da frente do pequeno carro Fiat, estacionado numa ruazinha ao lado da galeria; e nós sentámo-nos nos bancos de trás. Seixas conduziu-nos 450


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Dedicatórias de Mário Cesariny para Frida e Laurens Vancrevel Mário Cesariny, Um auto para Jerusalém, dedicatória 1969. Mário Cesariny, Alguns mitos maiores (ed. 1958) dedicatória 1969. António Maria Lisboa, Poesia, dedicatória de Mário Cesariny 1965. António Maria Lisboa, Erro próprio, dedicatória 1969. Mário Cesariny, catálogo de exposição na Galeria de S. Mamede, dedicatória 1969.

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Catálogo de Cruzeiro Seixas (ed. 1965), dedicatória de Mário Cesariny 1969. Mário Cesariny, Poesia (ed. 1944-1955), dedicatória 1970. Mário Cesariny, 19 Projectos de Prémio Aldonso Ortigão, dedicatória 1971. Mário Cesariny, catálogo de exposição na Galeria de S. Mamede, dedicatória 1971. Mário Cesariny, As Mãos na Água, a Cabeça no Mar, 1972, dedicatória 1972. Mário Cesariny, Burlescas Teóricas e Sentimentais, dedicatória 1972. Mário Cesariny, Jornal do Gato, dedicatória 1975. Mário Cesariny, Textos de Afirmação e de Combate, dedicatória 1977. Mário Cesariny, Titânia, dedicatória 1977. Mário Cesariny, Fernando Pessoa Poeta, dedicatória de Mário Cesariny 1980. Mário Cesariny, Primavera Autónoma das Estradas, dedicatória 1980. Mário Cesariny, Pena Capital, dedicatória 1982. Novalis, Fragmentos, dedicatória de Mário Cesariny 1987. Mário Cesariny, O Virgem Negra, dedicatória 1989. Mário Cesariny, Labyrinthe du Chant, dedicatória 1994.

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Mรกrio Cesariny e Laurens Vancrevel, Lisboa, 1973. Fotografia de Frida de Jong.


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CO M ENT ÁRIO S ÀS C ARTAS

p. 25: carta de 12 de maio de 1969 linha 10 Marc Duchesne, poeta belga, vendeu em 1969 um exemplar do livro de Cesariny A Intervenção Surrealista a Vancrevel. Este, entusiasmado com o conteúdo do livro, escreveu uma carta a Cesariny (dirigida ao editor da Ulisseia, em Lisboa), que respondeu prontamente com esta carta de 12 de Maio de 1969. linha 18 Os surrealistas holandeses declararam-se independentes do grupo surrealista de Paris depois da sua «autodissolução» unilateral. p. 27: carta s.d. [1969] linha 5 A exposição internacional do surrealismo, que Vancrevel então preparava, tinha como título «Soleil Noir, Fleur Révoltée», um jogo de palavras sobre «tournesol» e uma alusão às palavras de Éliphas Lévi: «O temerário que ousar olhar o sol sem sombra ficará cego e, então, para ele o sol tornar-se-á negro». Respondendo a este título, Cesariny enviou sete desenhos do seu próprio tournessol poético. Essa série viria a ser incluída na exposição de Outubro de 1969 em Scheveningen / Haia.

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p. 28: carta s.d. [1969] linha 2 Vancrevel enviara a Cesariny a plaquete do seu poema Eppur si muove (1964), com um desenho a tinta de J.H. Moesman. nota 3 Jean-Louis Bédouin, Vingt ans de surréalisme 1939-1959, Éditions Denöel, Paris, 1961. História detalhada e interna do grupo surrealista de Paris, das suas actividades públicas e da sua relevância internacional. A passagem sobre o surrealismo português encontra-se nas páginas 109-110. p. 29 linha 18 Cesariny enviara a Vancrevel o livro Erro Próprio de António Maria Lisboa, publicado em Lisboa pela Guimarães Editora, em 1961, com organização e introdução de Cesariny. nota 1 [sobre a revista L’ Archibras] Apareceram sete números desta revista entre 1967 e 1969. Estes anos de grandes tensões sociais e políticas (Maio de 68 em Paris; a revolta democrática em Praga e a sua repressão violenta pelo exército soviético; a promessa de um socialismo libertário em Cuba, etc.) marcaram os debates sobre a posição política do surrealismo no interior do grupo surrealista, que perdera em 1966 o seu chefe de fila natural, André Breton. As grandes contradições internas levaram à autodissolução do grupo, imposta por alguns dos seus membros em 1969. Outros membros do grupo decidiram dar continuidade ao movimento surrealista de um modo mais aberto e internacional.

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ÍN D ICE O NO MÁSTIC O


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À mi-chemin d’ici à là (Arnost Budík), 81, 90 Abecassis, Snu, 204, 220-221, 227, 231, 235, 238, 244, 292 Abjecção, 40 Actual, 429 Afixação Proibida, A, 40 Aforismos (Fragmentos de Novalis) (Mário Cesariny), 229, 464, 471 Afonso, Sarah, 215 Alechinsky, Pierre, 77, 477 Almada Negreiros, José de, 215, 232, 324 Altazor (Vicente Huidobro), 263 Alves dos Santos, Fernando, 40 Amore (Sergio Lima), 30, 178, 181 Amorim de Sousa, Luís, 89, 204, 311 Anthologie de la poésie portugaise (Isabel Meyrelles), 131, 479 Antologie (Laurens Vancrevel), 122, 483 Antologia do Cadáver Esquisito (Mário Cesariny), 203, 466 Antologia da Poesia Portuguesa Erótica e Satírica (Natália Correia), 50 Antología de la Poesía Surrealista (Aldo Pellegrini), 214 Antología de la Poesía Surrealista Latinoamericana (Stefan Baciu), 214, 485 Antunes, Joaquim Baptista, 391 Apollinaire, Guillaume, 18, 209, 263, 371, 438 Aragon, Louis, 130-131, 371, 389

Aranda, Francisco, 16, 103, 112, 141, 145-146, 221, 240, 246, 298, 301, 328, 335, 415, 433, 453, 481 Arbre à glands, L’ (Marc Duchesne), 81, 84, 87, 90, 479 Archibras, L’, 29, 194, 479 Arnaud, Noël, 103, 481 Arp, Jean/Hans, 68, 129, 195, 370, 388 Arrabal, Fernando, 346 Arsenal, 75-77, 94, 154, 170, 243 Artaud, Antonin, 16-17, 68, 82, 90, 171-172, 175-176 Au château d’Argol (Julien Gracq), 178, 182 Aue, Walter, 77, 478 Automatische Verbeelding, De (Vancrevel et allii), 396, 400, 496 Aventura surrealista, A (Sergio Lima), 434 Azevedo, Fernando, 38, 232 Bachelard, Gaston, 389 Baciu, Stefan, 214, 290, 295, 492, 494 Baj, Enrico, 77, 478 Balanço das Actividades Surrealistas em Portugal (França, José-Augusto), 32-34 Bastin, Pierre, 77, 477 Beckford, William, 365 Bédouin, Jean-Louis, 28, 30-32, 36, 43, 46, 93, 109, 148, 181, 474 Bettencourt, Edmundo, 324-325

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Blake, William, 307, 440 Blanc de Portugal, J., 38 Bocage, Manuel Maria Barbosa do, 253 Bodini, Vittorio, 299, 301, 494 Botas, Mário, 154, 161-162, 170, 182, 217, 456 Botto, António, 291, 324 Bounoure, Micheline, 50, 176 Bounoure, Vincent, 16, 49-50, 58, 65, 71, 176, 180, 187, 195, 222, 476 Brauner, Victor, 43, 82, 105, 175, 440 Breton, André, 13, 16, 31-33, 35, 37, 41-42, 46, 48, 65, 67-68, 76, 82, 100, 103, 109, 128-130, 175-177, 181-182, 191, 200, 227, 233, 264, 299, 332, 410, 419, 421-424, 428, 431, 440, 465, 475-476 Breytenbach, Breyten, 16-17, 139, 156, 160, 201, 204, 220-221, 224, 227, 229-231, 237-238, 244, 291, 308-309, 318, 344, 350, 433, 435 Breytenbach, Yolande, 237 Brooksmith, J., 74, 477 Brumes Blondes, 16, 61, 87, 94, 99, 101, 146, 178, 191, 205, 223, 421, 480, 486 Budik, Arnost, 81-82, 86, 90, 103-104, 132, 141-142, 385, 454-455 Bulletin de liaison surréaliste, 195, 259 Buñuel, Luis, 74, 103, 145-146, 171, 329 Bureau Surrealista, 94, 239-240, 258 Burghardt, Tom, 243 Burns, Thom, 240, 242-243, 264, 493 Burra, Edward, 369 Byron, George Gordon, 416 Cadernos Surrealistas, 33-34, 37 Calas, Nicolas, 287

Calderón de la Barca, 415 Camacho, Jorge, 66, 72, 207, 301 Camacho, Margarita, 66, 72 Camões, Luís de, 272 Camus, Albert, 38 Canções (António Botto), 291-292 Cárdenas, Agustín, 301 Carlón, Enrique, 301, 415, 418 Carlón, José, 418 Carrington, Leonora, 401, 408, 496 Cartas de Olinda a Alzira (Bocage), 253 Cartas que me foram devolvidas (António Botto), 291 Carvalho, Valentim de, 87, 390 Castro, Eugénio de, 323 Celan, Paul, 77 Cervantes, Miguel de, 329, 370 Cesar Vallejo y el surrealismo (André Coyné), 177 Chavez, Gerardo, 301 Chazal, Malcolm de, 76 Chenieux-Gendron, Jacqueline, 260 Chirico, Giorgio de, 167, 460 Cidade Queimada, A (Mário Cesariny), 13, 16, 228, 374-376, 380, 392 Cirlot, Juan-Eduardo, 77 Civilisation surréaliste, La (Vincent Bounoure), 187 Claudel, Paul, 131 Clavecin de Diderot, Le (René Crevel), 249 Climas Ortopédicos (Mário Henrique Leiria), 75 Coetzee, A., 236 Colding, Steen, 77 Confound the Wise (Nicolas Calas), 287 Contos do Gin-Tonic (Mário Henrique Leiria), 131 Corpo Significa, O (Sergio Lima), 187 Correia, Natália, 16, 50, 143, 146, 155, 362, 456

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© SISTEMA SOLAR, CRL (DOCUMENTA), 2017 RUA PASSOS MANUEL, 67-B 1150-258 LISBOA © FUNDAÇÃO CUPERTINO DE MIRANDA PRAÇA DONA MARIA II 4760-111 VILA NOVA DE FAMALICÃO © FRIDA E LAURENS VANCREVEL © HERDEIROS DE MÁRIO CESARINY 1.ª EDIÇÃO, OUTUBRO DE 2017 ISBN 978-989-8834-82-9 REVISÃO: ANTÓNIO D’ANDRADE DEPÓSITO LEGAL 433318/17 ESTE LIVRO FOI IMPRESSO NA RAINHO & NEVES, LDA. RUA DO SOUTO, 8 4520-612 SÃO JOÃO DE VER PORTUGAL



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