Pars Orientalis – Estudos sobre Escrita e Viagem

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PARS ORIENTALIS

Catarina Nunes de Almeida

PARS ORIENTALIS Estudos sobre escrita e viagem

DOCUMENTA

Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito do projecto UIDB/00509/2020.

© CATARINA NUNES DE ALMEIDA , 2022

© SISTEMA SOLAR, CRL (DOCUMENTA)

RUA PASSOS MANUEL, 67 B, 1150-258 LISBOA

ISBN 978-989-568-064-1

1.ª EDIÇÃO, DEZEMBRO DE 2022

REVISÃO: HELENA ROLDÃO

CAPA: THOMAS DANIEL, THE OBSERVATORY AT DELHI , 1799

DEPÓSITO LEGAL 502441/22

ESTE LIVRO FOI IMPRESSO NA ULZAMA

ÍNDICE PRELÚDIO Situar o Oriente .................................. 13 ESCRITA E VIAGEM: ESTUDOS DE CASO Figurações da Índia nas narrativas de viagem europeias a partir da segunda metade do século XX ................ 43 Contemplação, evocação e naufrágio: paisagens fluviais chinesas na poesia portuguesa contemporânea ........... 63 Três visões do Japão ................................. 95 Uma viagem na Coreia do Norte: a fotografia como um certificado de presença ............................. 125 Duas viajantes ibéricas na Ásia Central: para uma leitura do feminino nas narrativas de viagem do nosso tempo ....... 151 Peregrinações, circum-navegações e epopeias: a literatura portuguesa contemporânea à procura de si própria ....... 173 Obras citadas ...................................... 195

And the end of all our exploring Will be to arrive where we started And know the place for the first time.

PRELÚDIO

SITUAR O ORIENTE

Tout confondre, de l’orient d’amour à l’occident héroïque […] — pour atteindre l’autre, le cinquième, centre et Milieu Qui est moi.

Certas noções, certos juízos, pela força do hábito, ganham o estatuto de inquebráveis na linguagem e na memória. Estabelece-se uma convivência pacífica entre o nosso discernimento e eles. Mas se lhes damos algum tempo, um olhar mais apurado, percebemos que afinal são frágeis, instáveis — que rapidamente acusam o toque. É sobre um desses binómios aparentemente inabaláveis que me proponho reflectir neste preâmbulo.

Em que termos nos habituámos a distinguir o Oriente do Ocidente? Quais os critérios que nos impelem a compor instantaneamente estas duas ideias? É natural que nos satisfaça, numa primeira tentativa de classificação, o critério geográfico — no fundo, parte da nossa formação está filiada na ideia de que Ocidente e Oriente constituem dois espaços físicos distintos. Mas a simples separação entre Europa e Ásia (como sendo o Ocidente e o Oriente, respectivamente) fica desde logo condenada ao fracasso: cabem na nossa ideia de Ocidente vários espaços geográficos que se encontram fora

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da Europa (como os Estados Unidos, o Canadá ou a Austrália) e, por sua vez, a nossa ideia de Oriente não exclui países legitimamente europeus (como a Turquia) ou norte-africanos (como a Tunísia, a Líbia ou Marrocos).

Tal acontece porque a separação entre Ocidente e Oriente depende — tem dependido ao longo dos séculos — de uma linha geográfica imaginária: se fizermos voo raso sobre os limites dessa geografia, para a qual Edward W. Said (1978) nos ensinaria a olhar, percebemos que ainda hoje o Oriente se traduz numa amálgama de espaços, alguns consideravelmente distantes, cujas raízes históricas, políticas, religiosas, culturais não podiam ser mais variáveis. O Oriente continua então a corresponder a uma vasta e ilusória colecção de imagens que vão da Índia a Marrocos, do Japão ao Egipto, do Irão à China. Assim, compor essa linha imaginária obriga-nos a rever também concepções temporais, históricas, que estão na origem das duas ideias.

Para encontrar a raiz do binómio Ocidente-Oriente, retomo a proposta elaborada por Carlos João Correia num brevíssimo ensaio que escreveu sobre este mesmo assunto: comecemos por considerar o termo Oriente como «uma orientação no espaço», isto é, como o conceito que sintetiza «tudo aquilo que fica situado a Oriente da Europa» (2004: 33-34; itálico do autor). De facto, na sua origem, a palavra definia direcções espaciais concretas: o termo latino Oriens designava o Levante (ou o lugar onde o sol “se ergue”), por oposição ao Occidens, o Poente (ou o lugar onde o sol “cai”). Importa então perceber, à época em que começam a circular os dois termos, qual foi o ponto de referência geográfico que esteve na sua origem, isto

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porque, sendo rigorosos, qualquer ponto da Terra possui o “seu” próprio Oriente e Ocidente.

Com efeito, são já várias as reflexões que procuram esclarecer qual o primeiro centro de referência a posicionar-se como “o Ocidente”. Nessa discussão, é geralmente a Grécia que emerge como o lugar que pela primeira vez determinou o lado do Levante e o lado do Poente, ou seja, onde se operou a primeira cisão entre os dois mundos. Esta constitui, aliás, uma das chaves-mestras do trabalho desenvolvido por Thierry Hentsch (1988), em L’Orient imaginaire. La vision politique occidentale de l’Est méditerranéen, obra incontornável para a reflexão aqui proposta. Seria possível, como é evidente, recuarmos ainda além da Grécia Antiga, e Hentsch reconhece-o (1988: 22-23); mas, ao fazê-lo, deixaríamos o binómio irremediavelmente comprometido: quanto mais regredimos no tempo, mais inevitável se torna procurarmos as raízes culturais do Ocidente em espaços afastados da Europa — espaços que hoje reconheceríamos pacificamente como sendo “o Oriente”. Esta tese — bastante frequentada, aliás, pelos académicos de Oitocentos — serviu para mostrar que ambos, Ocidente e Oriente, possuíam afinal uma matriz ancestral comum. As bases da identidade ocidental pré-clássica pareciam remontar, na verdade, à região do crescente fértil.

Mesopotâmia, Egipto, Babilónia vieram dar corpo a um passado remoto a partir do qual o Ocidente passou também a construir a sua ancestralidade cultural.

A assunção deste passado recôndito, intemporal e glorioso como pertença “nossa” é a forma que o Ocidente encontra de garantir a grandeza da sua origem civilizacional: «[I]l faut que la civilisation ait une origine quelque part, du moins une origine privilégiée à

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laquelle et de laquelle nous puissions participer» (Hentsch, 1988: 20). É a possibilidade que o Ocidente tem de participar destas origens, sobretudo através da genealogia indo-europeia, que impele a Europa a aprofundar o conhecimento das civilizações “a Oriente” e a manter com elas relações regulares — mormente por via da presença colonial — deixando outras, por tantos séculos, à margem dos seus contactos. É o caso da China, que permanecerá como um bloco isolado no extremo do continente “euro-asiático”, e cuja cultura e pensamento evoluirão de forma muito fechada. Essa impenetrabilidade, todavia, não é necessariamente uma marca da China; parece ser antes um sinal do desinteresse do próprio Ocidente, que ali não poderia ir buscar nada que alimentasse a sua matriz identitária. Olhemos então com cuidado para as origens míticas da cisão entre Ocidente e Oriente: em que período histórico podemos situar a génese simbólica deste binómio? Será que a Grécia Antiga constitui um ponto de referência sólido? De facto, mesmo Hentsch é cauteloso quanto a uma identificação categórica da Grécia com o Ocidente ou com a Europa: a familiaridade da herança grega é, muitas vezes, apenas aparente, porque vista de perto a realidade helénica contraria em vários aspectos o espírito intelectual moderno com o qual o Ocidente se identifica, seja pelo seu atraso em relação às ciências aplicadas, seja pelo silêncio dos filósofos em relação a temas fulcrais como, por exemplo, a escravatura. Além disso, se nos situarmos convenientemente no tempo e no espaço, não é líquido que a Grécia contenha desde sempre a Europa em potência, ou que ela seja “europeia” face à Ásia: por um lado, na Grécia Clássica, o conceito histórico de Europa não existia; por outro, as suas fronteiras expandiram-se muito para além da Europa, através das conquistas

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de Alexandre Magno, diluindo-se em larga medida o espírito grego no “oriental”.

Ainda assim, feitas as devidas salvaguardas, existe um período histórico que não deixamos de associar a essa cisão simbólica dos dois mundos: as guerras entre Gregos e Persas. Ao contrário dos Troianos, que se apresentavam como adversários dentro da mesma cultura, os Persas figuravam como a ameaça estrangeira, o Outro civilizacional, o que impedia a afirmação de afinidades identitárias. Com os Persas, a existir identificação, foi certamente uma identificação às avessas: de facto, Os Persas de Ésquilo, ou As Bacantes de Eurípides, já continham em si «um Oriente como uma imagem especular do Ocidente, mesmo invertida» (Correia, 2004: 34). Aos olhos dos Gregos, as diferenças exponenciais entre a democracia ateniense e a monarquia persa constituíam, desde logo, um factor de ruptura. Por conseguinte, afiguram-se válidos os argumentos que procuram sustentar esta ideia: que a oposição entre os dois mundos se pode ter cristalizado algures no século V a.C., com as guerras entre Gregos e Persas, e que com ela nasce a primeira fronteira imaginária entre o lado do Poente, o “nosso”, e o lado do Levante, o dos bárbaros. Naturalmente, devemos pensar nessa fronteira imaginária como uma linha sujeita a inúmeras variações — de que daremos ainda conta —, mas isso não nos impede de reconhecer que, no essencial, “o Ocidente” dos Gregos coincidiu por muito tempo com a actual Europa Ocidental (cf. Droit, 2009: 13-14).

Ainda assim, a filiação à Grécia não se firma apenas pelas circunstâncias históricas que acabámos de apontar. A herança grega é também um legado ideológico que passámos a reconhecer como “mentalidade ocidental”. De acordo com Roger-Pol Droit (cf. ibidem:

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27-28), são as raízes gregas que ressaltam, por exemplo, na ideia de uma superioridade moral, cultural, civilizacional plasmada na atitude dos ocidentais. Contudo, se procurarmos socorrer-nos de documentação histórica para sustentar estes argumentos, rapidamente percebemos que o reconhecimento da Grécia como berço simbólico da divisão entre Ocidente e Oriente nunca passará disso mesmo — de uma atribuição simbólica. Em termos concretos (em termos verdadeiramente políticos ou institucionais), só vamos encontrar o berço dessa polaridade em Roma. A divisão administrativa do Império Romano entre Pars Occidentalis e Pars Orientalis, pela mão do imperador Diocleciano em 285 d.C., foi o que definiu pela primeira vez, no quadrante político, essa fronteira. A divisão do território em duas partes — que se consubstancia formalmente no século seguinte, com uma parte do Império sediada em Constantinopla e a outra em Roma — terá tido na sua base a própria fragmentação linguística do mundo romano, entre os espaços que falavam o latim e os que mantinham a fluência grega.

Sob jurisdição romana, o Mediterrâneo, que fora outrora uma linha de corte, passa a ser o elemento unificador de todo o Ocidente: o Mare Nostrum ligava em simultâneo a Hispânia, a Gália, a Britânia, a Itália, o Norte de África, as províncias balcânicas e as províncias orientais até ao Egipto. Assim, certas regiões que para os Gregos eram o Oriente deixaram de o ser para os Romanos, que as integraram nos seus domínios administrativos, isto é, naquilo que constituía, segundo a sua perspectiva (uma perspectiva imperialista, logo mais ampla), o Ocidente. O contributo romano será fundamental para criar uma primeira noção de “fora” e de “dentro”, tendo como ponto de referência o espaço colectivo do Império (cf. ibidem:

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30). À época, o Oriente definia-se como tudo o que estava para além desse ponto nevrálgico que era o Mediterrâneo e os seus limites.

A unidade do mundo romano revela-se, porém, mera aparência, pois a clivagem entre as duas facções, ocidental e oriental, era notória, sendo que os territórios do Oriente mantinham a sua supremacia, quer ao nível económico, quer ao nível cultural (cf. Hentsch, 1988: 32). Além disso, a ideia de que é a facção ocidental a responsável pela conservação e difusão da cultura da Grécia Antiga, entendida como a sua cultura, e a real defensora dos fundamentos cristãos, mostra-se na verdade falaciosa, pois esse papel será, mais tarde, assumido sobretudo pelo Império Bizantino, que deflagrará no seio da facção oriental, e pelo mundo muçulmano, que até hoje se encaixa no que aceitamos ser “o Oriente” (cf. Dédéyan, 2004: 24). Por conseguinte, também a distinção entre Ocidente e Oriente, tendo por base critérios religiosos, cai por terra, porque Bizâncio (que emergiu a partir da parcela oriental do Império Romano) foi desde o início um modelo de devoção cristã; e os “heréticos” muçulmanos, não obstante serem defensores de crenças inconciliáveis com as do Ocidente cristão, foram os principais responsáveis pelo reflorescimento do saber grego e pela sua transmissão às regiões europeias por eles dominadas.

Ainda assim, feitas as devidas ressalvas, não deixarão de ser os critérios religiosos — concretamente as oposições entre católicos e ortodoxos, ou entre cristianismo e islamismo — aqueles que melhor definem a separação entre Ocidente e Oriente durante a Idade Média (cf. Droit, 2009: 15-17). Com efeito, a ascensão do Islão, seguida das conquistas muçulmanas a partir do século VII, estabeleceu uma forte oposição entre a cristandade europeia medieval e o mundo islâ-

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mico (que se estendia do Médio Oriente e Ásia Central até ao Norte de África e Andaluzia). Com o domínio árabe, o destino unitário do Mare Nostrum ficará fatalmente comprometido — segundo Thierry Hentsch, a cisão do Mediterrâneo corresponde precisamente a este confronto decisivo: «[…] en coupant la mer en deux, en lançant des raids contre ses côtes septentrionales, les Sarrasins “embouteillent” l’Europe carolingienne, lui interdisent le commerce au loin et la poussent vers le Nord» (1988: 38). De facto histórico, tal oposição ganhará as proporções de um mito fundador:

L’Européen reste inconsolable de la perte de cette unité méditerranéenne qu’il revendique comme sienne. […] Le réel et le symbolique sont trop étroitement mêlés pour qu’on puisse les distinguer avec profit.

Nous voyons ici un événement très tangible prendre la tournure non moins formidable d’un mythe fondateur […]. (Ibidem: 39-40)

Ainda que a tensão entre os dois pólos religiosos, sobretudo durante o período da Reconquista Cristã, representasse inevitavelmente um fosso entre as culturas, este período corresponde também — embora pareça contraditório — a uma progressiva descoberta da Ásia pelo Ocidente. Isto implica considerar que uma parte fundamental da ideia de Oriente, aquele que está para além da cortina islâmica, começa também agora a consubstanciar-se. O Oriente medieval é, pois, o resultado de uma conjuntura religiosa marcada pelo conflito, mas também de uma sede de conhecimento por espaços ainda por explorar, nomeadamente os que podiam trazer benefícios comerciais e económicos à Europa (cf. Dédéyan, 2004: 27). Assim, os vagos conhecimentos que o Ocidente possuía de civilizações mais

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distantes e complexas, como a China e a Índia, foram sendo lentamente preenchidos por imagens reais, a partir do momento em que aumentam as importações de bens de luxo dessas regiões. Embora as Cruzadas não tenham facilitado o intercâmbio cultural com a Ásia, a aparição do Império Mongol teve implicações estratégicas para toda a Europa, e levou a contactos diplomáticos prolongados a fim de garantir a paz e a estabilidade. Entretanto, com o alvorecer dos Descobrimentos, o interesse europeu no mapeamento da Ásia tornou-se ainda mais efectivo, apesar de na maior parte das vezes as pesquisas terem lugar fora das universidades.

No que respeita ao contexto académico medieval, os conhecimentos linguísticos precederam um estudo mais amplo da cultura e da história dos povos a Oriente. Com a Europa a palmilhar novos territórios no coração da Ásia por via terrestre, e com a já referida tensão face à possível ameaça mongol, os estudos linguísticos foram fortemente incentivados, não só com um propósito diplomático, mas também animados por um desejo de interpretar o hebraico bíblico, ou línguas como o siríaco — por forma a facilitar o acesso à literatura cristã primitiva —, sem descurar ainda a compreensão de obras árabes de reconhecido valor, sobre medicina, filosofia e ciência. Os Studia Linguarum foram ganhando presença principalmente durante o século XII, registando-se um aumento das traduções de textos árabes para o latim (trabalhos que se devem a figuras como Constantino, o Africano, que traduziu 37 livros — textos de medicina na sua maioria —, e Herman de Caríntia, que em 1143 se torna o primeiro tradutor do Corão para o latim). O interesse pelas línguas orientais floresce de tal forma que, após o Concílio de Viena (1311-1312) — porventura um dos marcos fundadores do próprio Orien-

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talismo —, damos conta da existência de cadeiras de Hebraico, Árabe ou Aramaico em várias universidades europeias.

Ainda assim, já o dissemos, o conhecimento europeu das regiões do Extremo Oriente, do Sul ou do Sueste Asiático permaneceu pobre durante a Idade Média, dependente da ficcionalidade desmedida das viagens de autores como Marco Polo e Sir John Mandeville, ou da extensa tradição lendária cristã. Importa lembrar que, mesmo antes da expansão marítima, o mito do Éden terrestre era identificado geograficamente com o Oriente1 e que, a par dele, muitas outras lendas remetiam para esse que era considerado o espaço de todas as fantasias.

Dentro da variedade lendária medieval é necessário destacar o mito do Preste João das Índias, difundido a partir da apócrifa Carta do Preste João, que começa a circular no Ocidente entre 1155 e 1175. Este mito depressa se transforma numa das mais significativas projecções do Oriente, não só pela sua durabilidade no imaginário colectivo europeu, mas sobretudo pela sua influência (co-responsabilidade, até) nos esforços expansionistas ainda antes do século XV. Não esqueçamos que a Carta contém, na sua génese, um projecto de «unificação da cristandade oriental e ocidental» consumado através de «uma aliança cruzadística para a conquista de Jerusalém» (Ramos, 1998: 10). A particularidade do mito do Preste João reside, pois, na

1 Os estudos críticos sobre a cosmogonia medieval apontam para uma identificação da Índia ou do Extremo Oriente com espaços da Bíblia — passa a ser atribuído ao Ganges um carácter sagrado, por ter origem na mesma nascente que os rios bíblicos Nilo, Tigre e Eufrates; além disso, várias paisagens asiáticas seriam conotadas com o Paraíso Terrestre (cf. Bouchon, 1999: 313; Correia e Dias, 2003: 27-28).

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sua interminável demanda, ou seja, na insistente tentativa de o situar num espaço real (cf. Correia e Dias, 2003: 120-153).

Estas representações simbólicas do Oriente — todas convergentes num certo desejo de recomeçar a história pelo reencontro com o paraíso perdido — darão também um forte impulso à “invenção” da China. Era necessário apurar se os domínios do Grande Khan tinham efectiva correspondência com «o mítico reino da perfeição» (D’Intino, 1989: XIII), pese embora as práticas religiosas chinesas nunca se tenham ajustado ao idealismo lendário, pelo menos não tanto quanto a sua exemplar estrutura político-social.

Em finais do século XIV, o conhecimento máximo do planeta correspondia a cerca de um quarto da totalidade e era a civilização islâmica — e não a Europa — que detinha a maior rede de comunicações e de conhecimentos, graças à expansão religiosa e às actividades comerciais. A Europa vive, essencialmente, centrada em si própria e este horizonte cultural hermético fez que a realidade, tanto geográfica como humana, fosse representada a partir de imagens e de categorias fantásticas que se misturavam desde a Antiguidade (são disso exemplo as descrições presentes na célebre Collectanea Rerum Memorabilium, de Gaio Júlio Solino, em circulação já desde o século III ou IV). A imagem da Terra assentava, pois, num conjunto contraditório, baseado numa síntese de referências da cultura greco-latina e bíblica, ainda que com alguns ajustes, implementados graças ao aparecimento posterior das cartas de marear e ao alargamento do horizonte geográfico dos árabes.

Entretanto, durante a Idade Moderna, dois fenómenos serão responsáveis por uma transformação significativa da ideia de Oriente na mentalidade europeia: por um lado, a descoberta, pelos portu-

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gueses, do caminho marítimo para a Índia e o conhecimento crescente e mais experimentado da Ásia; por outro, a expansão ameaçadora do Império Otomano a partir do Leste da Europa. Daqui se conclui com pertinência que, simultaneamente, um Oriente se abria e um Oriente se fechava.

Era o Império Otomano que materializava ainda a velha concepção do Oriente como sinónimo de uma fé rival, constituindo, em pleno século XVI, a maior ameaça à hegemonia europeia. Só com a vitória naval de Lepanto (1571), travada pela chamada Liga Santa, se põe fim ao mito da invencibilidade otomana. A Batalha de Lepanto representa, à época, mais do que a primeira vitória cristã contra os turcos otomanos: ela marca o fim da expansão islâmica no Mediterrâneo, transformando-se também num símbolo, desta vez do triunfo do Ocidente sobre o Oriente.

No entanto, a este “velho” Oriente — para todos os efeitos intolerável, sangrento, obscuro — sobrepôs-se progressivamente um “novo” Oriente, de grandes esperanças e de grandes fantasias, que começa a fazer sonhar a Europa em 1498, quando Vasco da Gama chega à Índia por mar. Por esta altura, era a República de Veneza que dominava grande parte das rotas comerciais entre a Europa e a Ásia. Ora, com a tomada de Constantinopla pelos Otomanos, Veneza limitara o comércio e aumentara os custos, pelo que a necessidade de encontrar uma rota alternativa se tornara matéria prioritária para os reinos ibéricos. Usando a rota iniciada por Bartolomeu Dias, em 1488, os portugueses conseguiam, dez anos depois, quebrar o monopólio do comércio mediterrânico e tornar a Europa cada vez mais independente dos contactos acidentados com o mundo islâmico.

Ao mesmo tempo, a descoberta do caminho marítimo para a Índia

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constitui um enorme contributo para o humanismo renascentista: no momento em que a Europa reencontra as grandezas do mundo greco-romano, Portugal oferece-lhe um outro, o mundo asiático, feito de civilizações igualmente ricas, algumas delas anteriores à própria Antiguidade Clássica.

Durante a Idade Média, a Índia já figurava como um extenso palco por onde desfilavam várias figuras lendárias e míticas, resultado de uma síntese dos relatos de mercadores e de peregrinos, ou da imaginação de poetas e de homens do clero. De século em século, de boca em boca, a Índia foi ocupando o lugar de paraíso perdido, de antro de demónios e também de terra de gente cristã (cf. Bouchon, 1999: 314). Depois de os portugueses aí se estabelecerem, a Europa começa a receber uma imagem cada vez mais precisa do território indiano, transformando os mitos numa realidade observada e bem documentada, embora as cosmogonias medievais persistissem ainda por muito tempo, mesmo depois da descoberta da imprensa e da publicação de obras mais fidedignas. Serão sobretudo italianos, particularmente alguns residentes florentinos de Lisboa, a registar as primeiras impressões da Índia através de cartas, muitas delas ainda conservadas na Biblioteca Riccardiana de Florença (cf. ibidem: 318). Somam-se a essas cartas os inúmeros relatos dos escrivães portugueses a bordo das naus e dos exploradores que se lhes seguiram — fontes cruciais para o florescimento de uma nova cartografia do Índico —, ainda que as notícias tenham circulado muito mais pela Europa do que propriamente por Portugal.

Ora, não obstante os muitos testemunhos que resultaram dos contactos com a nova realidade, a convivência dessa nova realidade com o universo dos mitos e do imaginário ancestral atravessou

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praticamente toda a Idade Moderna. Não esqueçamos que um dos propósitos da chegada à Índia — a par do desejo de criar uma rota marítima que garantisse o comércio com o Oriente — era a procura de aliados entre os supostos “cristãos da Índia”, a fim de preparar uma nova cruzada contra os infiéis. Esta desejada aliança constituiu a face mais idealista do projecto dos Descobrimentos, tendo na sua origem o velho mito da Índia cristã. Levados por essa crença, os primeiros portugueses a pisarem o território e a terem contacto com a religião hindu criaram a ilusão de verem nos seus ritos várias semelhanças com o cristianismo, ainda que essa ilusão não tenha passado da segunda expedição (1501), quando se começa a tornar claro que os cultos idólatras predominantes tinham uma raiz bem distinta e que os cristãos eram na realidade uma pequena minoria, entre muçulmanos e hindus.

Sublinhe-se ainda que o Renascimento recorrerá muitas vezes à Índia como tema de inspiração — aqui não podemos ignorar a vocação dos poetas e dos cronistas para fantasiar e criar figurações surpreendentes. A Índia e o sagrado Ganges são diversas vezes nomeados por Dante n’A Divina Comédia (1321). No Portugal moderno, a Índia estaria no centro da vida e da obra de figuras incontornáveis como Luís de Camões ou Garcia de Resende, embora rapidamente a inspiração se disperse por outras geografias da Ásia. O tema da expansão marca para sempre a poesia e a prosa escritas em português, com o Oriente a ocupar desde cedo um lugar central nesse intenso processo — a Peregrinação (1614) de Fernão Mendes Pinto representa talvez o exemplo mais fulgurante desse crescente maravilhamento e dessa entrega ao desconhecido. Porém, o espírito humanista apelava também à factualidade das descrições e a uma tentativa

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de interpretação coerente das sociedades asiáticas. É certo que os primeiros passos daquilo que designamos por Orientalismo terão sido dados por esta altura, sobretudo por autores portugueses como Fernão Lopes de Castanheda, João de Barros, Diogo do Couto, Damião de Góis, Duarte Barbosa ou Tomé Pires. Mas também os estudos levados a cabo em universidades europeias se tornaram mais sistemáticos ao longo do Renascimento, apesar de continuarem a ser dominados por aspectos linguísticos e religiosos. A estes juntou-se-lhes depois o aspecto político, por serem cada vez mais úteis as traduções para fins diplomáticos. Um marco importante da época foi a publicação, em Espanha, da primeira Bíblia poliglota (1514), contendo todos os textos existentes em hebraico e aramaico, além do grego e do latim.

O estudo do Extremo Oriente, por esta altura, foi iniciado sobretudo por missionários, que se fixaram em regiões da China e do Japão. Por conseguinte, o projecto evangelizador terá mantido alguma longevidade, pelo menos nos estudos linguísticos. É aos Jesuítas que se devem os primeiros registos da história e dos costumes dos novos territórios da Ásia e todo um conjunto de informações relevantes para o conhecimento cada vez mais perfeito da geografia. Circulavam, desde a segunda metade do século XVI, as chamadas Cartas do Japão, plenas de descrições e de interpretações sobre a cultura japonesa, redigidas por autores portugueses como Cosme de Torres, Lourenço Mexia, Gaspar Vilela ou Luís de Almeida. É ainda de referir o curioso Tratado das Contradições e Diferenças entre a Europa e o Japão, da autoria do Padre Luís Fróis (concluído no ano de 1585).

Sobre a China encontramos também várias obras marcantes: o Tratado em que se contam muito por extenso as cousas da China com suas

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particularidades e assim do reino de Ormuz (Évora, 1569-1570), de Frei Gaspar da Cruz, o Novo Descobrimento do Grão Cantaio ou dos Reinos do Tibete (1626), do Padre António de Andrade, ou Imperio de la China y cultura evangelica en el por los religiosos da Companhia de Jesus (Madrid, 1642), do Padre Álvaro Semedo.

Com efeito, se propomos um estudo sobre a variação da ideia de Oriente, é fundamental sublinhar o facto de o império português ter tido na sua génese este projecto missionário de grande escala, que se revelaria o mais coerente e duradouro dentro do vasto programa ultramarino. Para alimentar esse projecto, era fundamental investir no campo dos saberes, pela necessidade

de conhecer as religiões orientais, de dominar as línguas, de conhecer costumes e mentalidades, de apreender as particularidades finas da política local, de conhecer suficientemente o espaço para nele implantar a fina quadrícula da administração eclesiástica. (Hespanha, 1999: 19)

Em parte, foi graças a este investimento clerical que os Descobrimentos e a expansão marítima corresponderam, para os Portugueses, a um período de domínio cultural, que se traduziu na afirmação efectiva de uma identidade, não só em termos linguísticos (com a assimilação de palavras estrangeiras e a conquista de autonomia relativamente à fluência castelhana), mas também em termos literários, com o contributo inestimável das viagens para a formação do humanismo renascentista (o apelo do exótico, assumindo as mais variadas representações e circulando agora por toda a Europa, acabaria por acompanhar a revitalização dos próprios modelos greco-latinos).

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Como explica Álvaro Manuel Machado (1983: 41), os relatos e crónicas serão a base de uma mise en question da própria civilização ocidental, particularmente no que respeita a tópicos sustentados pela matriz cristã. Acima de qualquer outro, o contacto directo com a civilização chinesa propiciará transformações muito significativas ao nível das mentalidades. Por esta altura, uma China mais “realista” passa a figurar nas cartografias, substituindo as velhas alusões ao Cataio. À medida que os contactos se intensificam e novas informações são recolhidas localmente, a terra dos chins começa a ser reconhecida como sociedade modelar, erigida sobre séculos de história, o que lhe confere a admiração e o louvor de uma Europa ainda submersa no obscurantismo teocêntrico (cf. Almeida, 2016a: 18).

A primeira menção explícita à terra dos chins em fontes portuguesas data de 1502 — consta no chamado Planisfério de Cantino —, já que até então a China era um termo geográfico perfeitamente desconhecido no Ocidente (cf. Loureiro, 1995: 147). No entanto, dez anos mais tarde, com a conquista de Malaca, já há registo de algumas iniciativas tomadas por Afonso de Albuquerque no sentido de enviar à coroa portuguesa todas as informações possíveis sobre aquele território. A preocupação em observar e narrar com detalhe as várias facetas daquela realidade exótica irá favorecer a formação de uma imagem muito positiva da China; o novo espaço representa simultaneamente uma fonte de inspiração e um exemplo civilizacional — podemos até dizer que, por esta altura, a China seria o centro da utopia civilizacional. Esta exaltação da sociedade chinesa enquanto sociedade ideal estender-se-á por muito tempo, acompanhando a evolução do próprio diálogo entre Ocidente e Oriente. Como tal, encontraremos descrições e argumentações altamente favoráveis no

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que respeita à realidade chinesa não só nos escritos dos Jesuítas, mas também, mais tarde, na argumentação dos próprios iluministas.

Resumindo em poucas palavras a realidade geográfica moderna, e aludindo especificamente aos contactos estabelecidos por Portugal, diríamos que, depois de conhecida a Índia, o Oriente dos séculos XVI e XVII correspondia a um espaço amplo, muito heterogéneo, onde cabiam o Cataio (China), Ceilão (Sri Lanka), Sião (Tailândia), Malaca ou Malaia (Malásia), a Cochinchina (Vietname), o Camboja, o Japão e o Arquipélago de São Lázaro (Filipinas). Como sabemos, ao contrário do que aconteceu com os domínios portugueses em África e na América do Sul, na maior parte dos casos só os objectivos comerciais dos portugueses na Ásia foram relativamente bem-sucedidos; no que respeita à difusão da fé, esses intentos estariam votados ao fracasso.

Curiosamente, como nota Gérard Dédéyan, é também no Oriente que, durante a Idade Moderna, se volta a dar um encontro crucial entre as civilizações europeias. Podemos até afirmar, com ironia, que o Oriente passa a ser a segunda casa do Ocidente e o palco dos primeiros conflitos coloniais entre franceses, ingleses, holandeses e portugueses, especialmente na Índia, onde Goa ganhará algum destaque: «On assiste en Orient, grâce à l’expansion portugaise et aux Jésuites portugais, italiens, espagnols — et à côté de l’exploitation abusive des indigènes —, à une rencontre de civilisations» (Dédéyan, 2004: 29).

Como resultado desta apreensão da Ásia à escala europeia, dá-se uma interessante mudança ao nível das mentalidades, dentro da qual se generaliza, pouco a pouco, uma certa apologia do Oriente. Leibniz, ainda no final do século XVII, manifesta uma lucidez exem-

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plar neste domínio, exaltando em inúmeros trabalhos (cf. Almeida, 2016a: 27) não só a superioridade da escrita chinesa, mas também do seu pragmatismo ideológico (apresentando, a partir daquele modelo de sociedade, argumentos favoráveis à religião natural e universalista). Um pouco mais tarde, a filosofia das Luzes — em figuras como Montesquieu, Voltaire e Diderot — irá partilhar do mesmo elogio, sensibilizados pelo exemplo daquela sociedade em matéria de racionalismo e de justiça política e social (cf. Correia, 2004: 37).

Ainda que a compreensão das línguas de certos espaços menos acessíveis aos viajantes ocidentais, como o Japão ou o Tibete, se mantivesse limitada, durante o século XVIII os estudiosos europeus alcançariam já um conhecimento razoável da geografia, da história, da estrutura política e das crenças religiosas dos povos da região. Os pensadores iluministas acabariam por relativizar em inúmeras obras os valores da civilização europeia, por comparação com outras, como a chinesa, paradigmática em matéria de tolerância política. Considerariam também certos aspectos do Oriente pagão como superiores aos do Ocidente cristão — um tópico bem patente nos Ensaios sobre os Costumes e o Espírito das Nações (1756), de Voltaire, onde o Confucionismo é apresentado «como o modelo de deísmo que ele gostaria de ver implementado na Europa, tornando credível a ideia de uma religião finalmente liberta da superstição, do fanatismo e da intolerância» (Correia, 2004: 37). Contudo, a sobrevalorização da sociedade chinesa acabaria por ser atenuada pela Revolução Francesa de 1789, uma vez que também a China, a seu modo, espelhava a reunião da autoridade política, moral e religiosa numa única pessoa com total soberania; portanto, não deixava de ter um funcionamento análogo ao do Absolutismo.

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Mas a ruptura com o modelo chinês pode resultar de aspectos ainda mais complexos: de acordo com Roger-Pol Droit, a Revolução Francesa contém em si a chave para uma cisão fulcral entre Ocidente e o Oriente ainda activa nos nossos dias, uma vez que representa o primeiro triunfo do indivíduo. A partir do final do século XVIII, muitos dos direitos que eram dados por adquiridos no Ocidente passam a estar «fundamentalmente associados a uma pessoa, a um indivíduo, e não a um grupo, a uma comunidade, a uma classe ou a uma casta», o que suscitará várias tensões, latentes até hoje, em relação a culturas «centradas mais no colectivo do que nos indivíduos» (Droit, 2009: 40).

Após a Revolução de 1789, ao mesmo tempo que se intensifica esta descrença na sociedade chinesa enquanto referência em termos políticos, o imaginário europeu vai encontrar na Índia um novo espaço de inspiração. À primeira vista, esse interesse exponencial poderá afigurar-se contraditório, uma vez que o sistema político-social indiano se centra na ideia de “casta” ou de “varna”, o que implica uma estratificação da sociedade segundo uma lógica racial ou de linhagem familiar que vem negar uma série de valores conquistados pelo Liberalismo. No entanto, o interesse político dos Românticos pela Índia era mínimo — o fascínio pela Índia foi motivado principalmente pela descoberta do sânscrito, o que levaria ao encontro de uma raiz linguística e cultural comum, a matriz indo-europeia (cf. Correia, 2004: 39-40), há muito perdida no tempo. E não só: o encantamento exercido por aquela cultura consubstancia-se também na «necessidade sentida pela juventude romântica de instituir uma nova mitologia, uma nova figuração plástica do Espírito, que a libertasse da Razão austera do século dito iluminado» (ibidem: 40).

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Aquilo que os românticos buscam no Oriente — em particular na Índia — será precisamente o inverso do que inspira os seus antecessores: o Oriente representa uma fuga ao racionalismo rígido e caduco; e, em pouco tempo, converte-se numa via de acesso à transcendência e à elevação espiritual (cf. Almeida, 2016a: 28). À medida que esta nova visão do Oriente ganha forma, o tema da viagem — mormente o da viagem ao Oriente — assume particular relevância, transformando-se no marcador simbólico e metafórico do exotismo literário. A viagem como epifania alcança por esta altura um importante estatuto, embora os destinos continuem a corresponder à velha geografia mental do Oriente, vaga e heterogénea, situada entre os referentes bíblicos, o Magrebe, o Extremo Oriente e a Índia.

O interesse das ciências humanas ultrapassa, ainda assim, as vertentes literária ou filosófica. No domínio académico, a Arqueologia vai-se tornando numa ciência ao serviço de um público cada vez mais alargado, com um número significativo de tesouros e de objectos do mundo oriental a serem trazidos para a Europa e a serem expostos nos grandes museus. A Egiptologia foi, sem dúvida, a primeira disciplina a desbravar terreno neste domínio, sendo pouco a pouco acompanhada pelo estudo de outras civilizações antigas. O interesse em analisar e decifrar os códigos culturais das civilizações extra-europeias resultaria num grau de especialização cada vez mais apurado por parte dos orientalistas, traduzindo-se rapidamente no desenvolvimento de matérias como a Epigrafia e a Paleografia.

Assim, um pouco por toda a Europa, sobretudo na segunda metade do século XIX, assistimos à crescente institucionalização dos Estudos Orientais, um processo que correspondeu à fundação de bibliotecas especializadas (primeiro pessoais e mais tarde acadé-

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micas), universidades e sociedades científicas (umas visando espaços especificamente asiáticos, outras mais ligadas à criação ou manutenção de um projecto colonial)2, com o intuito de manter vivo o debate de ideias sobre o Oriente entre especialistas de diversos países. É neste âmbito que ganham forma os conhecidos Congressos Internacionais de Orientalistas, cuja regularidade e a própria influência dos participantes rapidamente concederiam ao evento grande prestígio. É importante salientar ainda o papel decisivo destes congressos na construção intercultural e interdisciplinar de uma ciência — uma interculturalidade e uma interdisciplinaridade que decorrem não só do nível internacional das várias sessões, mas sobretudo do objecto científico em destaque: o Oriente (cf. Rabault-Feuerhahn, 2010: 48). Da organização dos diferentes encontros, que têm lugar por um período de cem anos, entre 1873 e 1973, sobressai o esforço de fazer coincidir as práticas orientalistas de diferentes países, não só pondo em diálogo as culturas orientais entre si, mas também comparando-as com as matrizes ocidentais, através dos estudos divulgados pelos especialistas europeus que, com autoridade e legitimidade, vão definir o que é o Oriente (cf. Pinto, 2019: 16-18).

Claro que o estudo moderno do mundo oriental não foi fruto de impulsos inocentes — ele estaria comprometido com interesses e atitudes imperialistas, cuja análise tem sido sobejamente esmiuçada, sobretudo a partir das reflexões propostas por Edward W. Said. Mas, ao mesmo tempo, não parece que seja de desprezar a coexistência

2 Podemos destacar, a título de exemplo, algumas delas: Asiatic Society (1784), Société de géographie de France (1821), Société asiatique de Paris (1822), Sociedade de Geografia de Berlim (1828), Royal Geographical Society (1830), American Oriental Society (1842), ou a Sociedade de Geografia de Lisboa (1875).

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de um certo fascínio, de carácter mais naïf se quisermos, pelo exótico Oriente, que propõe uma simbiose declarada entre o real e o imaginário, e que está patente não só na literatura como nas artes plásticas, na arquitectura, na música, no teatro, enfim, que cobre praticamente todos os domínios do pensamento estético ocidental.

O chamado “orientalismo” passa, pois, a posicionar-se como um tema fulcral na história das ideias e do gosto, tanto na Europa como nas Américas. Ele corresponde, então, a dois fenómenos co-ocorrentes: o fascínio pessoal, que rapidamente alcança o estatuto de uma moda (evidente nos impulsos coleccionistas daqueles que frequentam o dito “Oriente”, ou na afeição a estéticas específicas, como as conhecidas chinoiseries ou japoneries) e o interesse de cariz mais exploratório ou científico, quase sempre indissociável de objectivos políticos bem definidos.

Com os Estudos Orientais a ganharem o estatuto de disciplina académica por quase toda a Europa, a ênfase numa ou noutra região será então ditada pelos interesses imperialistas de cada nação (no caso da França, por exemplo, os estudos vão centrar-se em particular nas regiões do Norte de África e do Médio Oriente, que integravam os seus domínios coloniais). Assim, não é de estranhar que, ao mesmo tempo que as investigações se intensificam, comecem a surgir estereótipos e perspectivas racistas sobre certos povos e as suas práticas culturais. Esses discursos tanto podiam incidir sobre a distante China (o “inferno amarelo” de Pierre Loti) ou o odioso Islão (cheio de costumes bárbaros), como estender-se a comunidades há muito instaladas na sociedade europeia, como era o caso dos judeus ou dos ciganos (povos que, para todos os efeitos, tinham as suas raízes fora do mundo ocidental). Os Estudos Orientais postos em mar-

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cha durante do século XIX vão contribuir, no fundo, para a criação de toda uma série de preconceitos, sustentados também pelos novos estudos no âmbito da Biologia (cf. Morris, 2013: 51-93) e das teorias evolucionistas (entre as quais o Darwinismo não foi excepção). Os estudos pós-coloniais — fortemente marcados pelo trabalho precursor de Said — vieram mostrar, portanto, que o entendimento do Oriente pelos povos ocidentais foi limitado desde o início por um conjunto de pressupostos, preconceitos, caricaturas e atitudes etnocêntricas; ao mesmo tempo, tornaram evidente que os desígnios imperialistas quase sempre se sobrepuseram a uma tentativa real e desinteressada de diálogo e de conhecimento do Outro.

Não obstante, um pouco por contraste, o termo Orientalismo também tem servido para definir a literatura ou as artes que, ainda em contexto colonial, contribuíram para a produção de imagens positivas do Oriente, revelando até uma certa apologia das suas diferentes culturas e um interesse genuíno pelos seus costumes, práticas religiosas, correntes artísticas e literárias. A literatura contemporânea vai acusar muito esta atitude, através de um significativo conjunto de textos e de obras onde o elogio do Oriente se traduz, por exemplo, em poéticas híbridas, isto é, no acolhimento efectivo de uma tradição estética por outra. Ao longo do século XX, podem ser colhidos exemplos que vão desde a sinologia poética de autores como Paul Claudel, Ezra Pound, Henri Michaux, à inspiração Zen da geração Beatnik.

Ora, antes de concluir, é importante regressarmos ao ponto em que assumíamos, em conformidade com Said, que quando falamos de Oriente não falamos de uma geografia física precisa, que «o Oriente é uma ideia que tem uma história e uma tradição de pensamento, de imagens, e um vocabulário que lhe deram uma

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realidade e uma presença no e para o Ocidente» (Said, 2004: 5). Será precisamente a uniformização dessa história e dessa tradição de pensamento que nos permite identificar hoje a existência de um cânone orientalista.

Subscrevendo Roger-Pol Droit, o “estudo dos outros” pode sempre ser lido como busca da própria identidade na alteridade — e talvez esse seja, a par de uma certa ânsia de novidade, um dos traços que caracteriza mais profundamente o Ocidente. Esse traço pode explicar, em parte, a necessidade europeia de explorar, a dada altura, o saber asiático e de assimilar aspectos das suas diferentes culturas (cf. Droit, 2009: 69-71). Com isto, não se pretende descartar a ideia de a ocidentalização do mundo — ou, mais concretamente, a ocidentalização do mundo oriental, espelhada tantas vezes na literatura — corresponder, na verdade, a uma outra forma de colonização: de facto, «[a]quilo a que chamamos “mundialização” é uma “ocidentalização” do mundo» (Droit, 2009: 20).

Certo é que este “domínio ocidental” é hoje uma noção frágil. A actualidade mostra-nos que os conceitos de Orientalismo e Ocidentalismo são bastante voláteis: de um momento para o outro a Europa e os Estados Unidos têm entrado em profundas crises económicas, com efeitos recessivos a vários níveis da sociedade, ao mesmo tempo que a China tem dado sinais de grande prosperidade e riqueza, acompanhada pelo Japão no que respeita a avanços tecnológicos; ao mesmo tempo, assistimos à emergência de toda uma série de novas potências, do dito Terceiro Mundo, à medida que se libertam dos estigmas coloniais (o caso da África do Sul ou de emirados árabes como o Qatar). Também a tentativa de medir forças do ponto de vista militar, entre Ocidente e Oriente, se revela falaciosa, sobretu-

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do sob a ameaça do poderio atómico, em países como a Coreia do Norte ou o Irão. Portanto, falar hoje da “ocidentalização” do mundo como uma forma de colonização ou de dominação do Outro é algo que só podemos considerar com reservas. No mundo globalizado, uma boa parte daquilo por que nos deixamos influenciar decorre também de uma escolha pessoal, de uma escolha de vida: na Europa e na América não só se praticam artes marciais inspiradas pelo Zen, como se folheam livros de haiku escritos pelos seus mais aclamados poetas (de Octavio Paz a Jorge Luis Borges). Por conseguinte, embora as três vertentes segundo as quais, de acordo com Said, o Orientalismo se desdobra — o académico, o imaginário e o político — continuem a vigorar, as motivações que levam hoje um indivíduo a focar-se num determinado espaço do chamado Oriente devem ser interpretadas caso a caso, porque a presunção de que esse indivíduo “formou” a sua imagem por correspondência, de que ele viajou mas não viu, de que ele esteve permanentemente fechado à novidade do Outro, de que foi submisso ou ingénuo perante interesses económicos, religiosos ou políticos, afigura-se no mínimo imponderada. Existiu, nas últimas décadas, uma reacção muito pragmática da parte dos estudos académicos, que, de certa forma, veio moderar a problemática levantada por Said. Falo, concretamente, da substituição generalizada dos Estudos Orientais pelos Estudos Asiáticos. Esta substituição, inspirada já por uma consciência pós-colonial, vem excluir qualquer hipótese de o Oriente se manter como uma região homogénea, estandardizada, delimitável cartograficamente. Neste âmbito, os trabalhos de investigação em universidades europeias e americanas têm-se focado em regiões específicas e desdobram-se em disciplinas que contemplam, por exemplo, a História, a Geografia,

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a Religião, a Arte ou a Literatura de parcelas geográficas concretas, como o Sueste Asiático, o Islão Asiático, a China ou a Índia. Contudo, apesar de podermos afirmar que a ideia de Oriente tem sido esbatida e ampliada à medida que investigadores, artistas ou viajantes contemporâneos encontram os referentes reais da sua pesquisa e da sua demanda, os limites físicos desse Oriente não deixam nunca de ser uma atribuição pessoal e uma categoria de inteligibilidade, que remetem antes de mais para a evolução do próprio Ocidente. Como vimos, a variação do conceito de Oriente corresponde essencialmente à variação dos critérios que, a cada momento, o definiram: critérios religiosos, económicos, sociopolíticos, morais e estéticos.

Neste livro estão coligidos alguns estudos de caso que, sob diversos aspectos, ilustram, respondem, continuam algumas das questões que aqui foram discutidas. Uma parte destes textos corresponde a trabalhos ainda inéditos; a outra parte, pelo contrário, retoma artigos já publicados, em línguas que não o português, oferecendo-lhes uma nova leitura e actualizando expressivamente o seu conteúdo. A partir de um corpus essencialmente composto por obras da literatura portuguesa contemporânea, esses textos procuram, no seu conjunto, interpretar o tema da viagem ao Oriente nos nossos dias.

Findo o ciclo colonial, temos assistido a uma renovação do interesse por alguns espaços que compreendem, justamente, essa geografia remota. O Oriente vem ganhando forma não só enquanto horizonte espiritual e filosófico, mas também integrado num processo de revisão das grandes aventuras marítimas e da História. Esse interesse tem resultado num conjunto de textos de natureza heterogénea (narrativas de viagem, romance, poesia) publicados no contexto pós-colonial das últimas décadas. O termo Oriente é aqui

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aplicado tendo em conta o seu peso histórico-cultural inescapável, ao assinalar um duradouro conjunto de imagens e de noções que acompanham desde cedo a tradição literária europeia, pese embora as obras analisadas remetam essencialmente para espaços da Ásia — Índia, China, Japão, Coreia do Norte, Afeganistão são alguns deles.

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ESCRITA E VIAGEM: ESTUDOS DE CASO

FIGURAÇÕES DA ÍNDIA NAS NARRATIVAS DE VIAGEM EUROPEIAS

A PARTIR DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX

E che cos’è l’India!

Come faccio a dirtelo? L’India è l’India.

Alberto Moravia, Un’idea dell’India (1962)

Attimo per attimo c’è un odore, un colore, un senso che è l’India: ogni fatto più insignificante ha un peso d’intollerabile novità.

Pier Paolo Pasolini, L’odore dell’India (1962)

Everything in this landscape was brilliant and distinct. It was like the springtime of the world.

Eric Newby, Slowly Down the Ganges (1966)

Mas há Índias e Índias, cada um vê a sua.

Almeida Faria, O Murmúrio do Mundo (2012)

A Índia ocupará desde cedo um lugar privilegiado no imaginário europeu. Esse fascínio é indissociável do facto de ter sido o primeiro espaço da Ásia a acolher a Europa, o que lhe confere desde cedo uma familiaridade singular. Mas não só: ao mesmo tempo que a chegada à Índia impõe ao Ocidente um novo entendimento

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do espaço, oferece-lhe um novo entendimento do tempo, porque assinala a rectificação do Velho Mundo e do paradigma mental que o alimentava. A descoberta da Índia vai representar, assim, mais do que um marco para a História: ela funda uma medida na descoberta do homem pelo homem, e volta a unir o percurso do humano à instância do divino.

Com efeito, o mito da Índia espiritual continua a marcar presença no itinerário íntimo de escritores e poetas. A sua consolidação é favorecida pela formação de uma cultura pós-colonial e pós-imperial, que ali busca não só o sentido entre “nós” e os “outros”, mas também um sentido pessoal para a religião. Muito activo no Ocidente a partir da segunda metade do século XX, por via de uma série de movimentos sociais e culturais — que vão desde um interesse crescente pela espiritualidade budista à prática de terapias orientais, do yoga ou da meditação à adopção de novos hábitos alimentares como o veganismo ou ao aparecimento de subculturas como as comunidades hippies —, o mito da Índia espiritual reiterou a leitura da viagem como epifania, como forma de explorar uma outra geografia: a geografia da alma (cf. Almeida, 2016b: 207-208).

Eis então a pergunta que aqui nos traz: o que significa, a partir de meados do século XX, viajar até à Índia? Parece evidente que os autores contemporâneos continuam a procurar — e por vezes encontram — pelo menos três dimensões da Índia que ecoam desde o Romantismo: o passado histórico, a transformação espiritual e a experiência do exótico. Todas estas dimensões se conjugam de forma extraordinária numa única alegoria, que é a da «viagem como procura de nós mesmos», como escreve Eduardo Lourenço (2012: 8). Essa procura de nós mesmos adquire não só uma vertente pessoal,

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de busca íntima, mas inclui também uma vertente colectiva, universal, que compreende nós enquanto humanidade e nós enquanto nação ou continente. Nesta sucinta reflexão proponho-me observar em que medida a literatura contemporânea dá continuidade a esta procura simbólica.

O corpus deste trabalho é composto apenas por obras que se inscrevem dentro do género dos relatos de viagem — quis privilegiar sobretudo o carácter testemunhal (ou factual) da escrita, excluindo por isso a ficção. No entanto, para garantir uma leitura abrangente, procurei seleccionar autores de diferentes nacionalidades e com percursos estéticos igualmente distintos. Essa selecção recaiu sobre as obras Slowly Down the Ganges, publicada em 1966 pelo inglês Eric Newby; L’odore dell’India e Un’idea dell’India, publicadas, respectivamente, pelos italianos Pier Paolo Pasolini e Alberto Moravia em 1962; e ainda — ampliando significativamente o escopo temporal desta análise comparativa — a obra O Murmúrio do Mundo (2012), de Almeida Faria, para não excluir da minha leitura o “ponto de vista” português.

O meu propósito é identificar, através desta pluralidade de representações da Índia, alguns pontos de contacto entre as obras (nomeadamente, os pontos de contacto com um cânone literário que recua, pelo menos, até aos antigos voyages en Orient), mas também enunciar os aspectos que as distinguem umas das outras e, porventura, do próprio cânone. Interessa-me perceber tais diferenças a partir da forma como os autores lêem a Índia, evidentemente; contudo, o meu foco incidiu não só sobre escritores cujos países de origem mantiveram ligações coloniais ao território, como é o caso de Portugal e Inglaterra, mas quis incluir na análise a visão de escri-

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