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Pós-Fácio
restos mortais — projecto do americano Job Epstein que também esculpiu, para aquele mundo de coisas mortas (lembrando-se, por certo, do obscuro poema gótico intitulado «The Sphinx»), a orgulhosa esfinge-macho que ali expõe, à tristeza de tantos olhares, a enorme vitalidade do seu órgão genital. Este vigor foi em 1961 punido e deu origem a um fait-divers acolhido pelas colunas da imprensa: duas solteironas inglesas, com ferros extraídos à aparente inocência das suas carteiras, atacaram o inimigo, esfacelaram a protuberância masculina que lhes parecia hostil à decência inglesa e à memória de um dos seus mais célebres escritores. E por isso a esfinge de pedra, com o membro viril restaurado, defende-se agora com um anteparo à prova de bala, protector da zona sensível contra grafitis e humores desapropriados à memória de Wilde e à integridade da obra de Epstein. A prisão e os maus cenários da sua morte servem com êxito os que gostam de interpretar como actuações do perverso Destino as desgraças sofridas pelos mais próximos de um relevante drama central. Porque todos eles o acompanharam com ocorrências mais e menos fatais, afectados por problemas psicológicos e físicos, como poderemos concluir se nos lembrarmos que em 1896 a sua mãe morreu em Dublim, depois de lhe ser recusada uma visita ao filho encarcerado na prisão de Reading; que a sua mulher progressivamente paralisada, depois de cair numa escada, viria a morrer na Itália por não resistir à operação cirúrgica que tentava salvá-la de uma imobilidade total; que Vyvyan, o seu filho mais novo, impedido por um primo de recitar versos do seu pai, aos catorze anos de idade fugiu desesperadamente de casa, caiu num campo coberto de neve e salvou-se com dificuldade de uma hipotermia e de uma infecção auricular (mais tarde, aos trinta e dois anos de
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