Relatório ASPAR

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RELATÓRIO DOS SINDICATOS DOS POLICIAIS FEDERAIS DO BRASIL

A EVASÃO DE POLICIAIS FEDERAIS DE FORMAÇÃO ACADÊMICA MULTIDISCLIPLINAR E A CRÍTICA PREVENÇÃO AO TERRORISMO.

Produzido pela ASPAR – Assessoria Parlamentar e Planejamento Estratégico Sindical, composta por Sindicatos de Policiais Federais.

Agosto/2012


2 É necessária uma agenda política pelo aprimoramento da segurança aeroportuária, assim como o desenvolvimento de um novo modelo gerencial e investigativo na Polícia Federal, como forma de apagar, de vez, a herança autoritária que ainda permeia o modelo inquisitorial e antidemocrático vigente, que se traduz em desperdício de recursos públicos e impunidade. Até 1996, os cargos de agente, escrivão e papiloscopista possuíam nível médio, mas a partir da Lei n. 9266/96, todos os cargos na Polícia Federal possuem o nível superior. Porém, hoje existe uma cultura gerencial informal dentro da PF onde todas as diretorias de recursos materiais ou humanos são restritos a bacharéis em Direito, em detrimento das centenas de engenheiros, administradores e demais pós-graduados nos mais diversos ramos acadêmicos. O bacharel em Direito é essencial para atividades que exijam a Ciência do Direito. Mas convenhamos, numa analogia bem simples: qual empresa bem-sucedida restringe a advogados as diretorias logísticas, de gestão de RH ou planejamento estratégico? A greve promovida pelos sindicatos da Polícia Federal em todo Brasil é um grito de socorro pela crise institucional de um órgão que conquistou a população brasileira através do combate à corrupção, e por este motivo hoje parece sofrer uma retaliação do Governo Federal, que assiste ao seu sucateamento e transfere suas competências às Forças Armadas. Independente dos encaminhamentos da lei orçamentária neste mês de agosto, o movimento político dos sindicatos da PF será contínuo, pois não se resume a índices de recomposição. Nos últimos anos a Polícia Federal vem sofrendo um congelamento, uma queda de produtividade agravada pela evasão anual de aproximadamente 200 profissionais/ano1 nos cargos de formação acadêmica multidisciplinar (agentes, escrivães e papiloscopistas). Há 10 anos um agente federal possuía remuneração similar às demais carreiras típicas de Estado, mas hoje, desvalorizado pelo Governo, recebe praticamente a metade.

Como efeito desta desvalorização desses cargos em relação a demais carreiras típicas de Estado de nível superior, o policial federal recém-empossado prefere prestar outro concurso público para outra carreira mais valorizada, sem tanto estresse ou risco de vida inerente à função em lotações que hoje “tapam buracos” na região amazônica e de fronteiras. 1

Conforme dados oficiais dos Boletins Estatísticos de Pessoal do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG).


3 Na primeira fase da greve, os sindicatos promoveram operações-padrão nos aeroportos como forma de avaliar as condições e protocolos de segurança utilizados, e o resultado foi estarrecedor. O atual sistema aeroportuário não está pronto para operações rotineiras de fiscalização preventiva comuns em aeroportos internacionais. E o mais preocupante é saber que o Ministério da Justiça se omite em relação a uma situação que se agrava a cada dia. Diante da recente e respeitosa decisão do STJ, as operações-padrão estão cessadas. Nenhum grevista exercerá o policiamento/fiscalização (a chamada operação sem padrão), e somente plantonistas em serviço exercerão atividades regularmente. E uma segunda fase do movimento sindical se inicia, com a compilação dos resultados das avaliações dos aeroportos em relação à segurança aeroportuária, e o planejamento de representações e denúncias aos organismos nacionais e internacionais competentes. Os detalhes das análises técnicas serão mantidos em sigilo para não agravar ainda mais a vulnerabilidade dos aeroportos brasileiros. Mas em termos gerais, as principais causas para a alarmante situação atual é a falta de investimentos nos cargos de formação acadêmica multidisciplinar do órgão que recebeu dos Constituintes a função de Interpol, Narcotráfico Internacional, Combate ao Crime Organizado, Inteligência Policial, Policiamento de Fronteiras, Terrorismo e, com destaque neste contexto, Polícia Aeroportuária2. Considerando que nos últimos anos o Governo Federal desvalorizou os policiais federais com formação acadêmica multidisciplinar diante das demais carreiras típicas de Estado, provocando uma elevada taxa anual de evasão destes profissionais, podemos concluir que ESTÃO COMPROMETIDAS as atividades da Polícia Federal elencadas no Programa Nacional de Segurança da Aviação Civil Contra Atos de Interferência Ilícita (PNAVSEC), dispostas no Decreto n. 7.168, de 05/05/10, em observância à legislação nacional, convenções e documentos internacionais, dos quais o Brasil é signatário: I - garantir a aplicação, em âmbito nacional e dentro de suas atribuições, das normas contidas neste PNAVSEC; II - apoiar, na sua área de competência, a representação do Governo brasileiro na OACI, envolvendo os assuntos pertinentes à AVSEC; III - supervisionar a inspeção de segurança da aviação civil nas ARS; IV - supervisionar, para efeito de segurança aeroportuária e proteção da aviação civil, o acesso de pessoas, veículos, unidades de cargas e mercadorias às ARS especificadas no PSA; V - inspecionar documentos de viagem dos passageiros e tripulantes no embarque e desembarque de voos internacionais e, quando julgar necessário, de voos domésticos, como parte dos procedimentos de controle de acesso de pessoas às ARS; VI - participar da AAR e coordenar as ações decorrentes do estado de alerta definido;

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CR/88, Art. 144: § 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a: (...) III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras;


4 VII - estabelecer os níveis de ameaça à segurança da aviação civil, em interface com a ANAC, a administração aeroportuária e os órgãos integrantes do SISBIN; VIII - atuar, em coordenação com outros órgãos, visando à busca e à neutralização de artefatos explosivos e artefatos QBRN; IX - retirar, do interior de aeronaves, pessoas que ponham ou possam por em risco a segurança do voo; X - inspecionar, com poder de polícia, instalações e áreas internas e externas dos aeroportos, ressalvadas as áreas sujeitas à administração militar; XI - patrulhar ostensivamente a área aeroportuária, caso necessário, em coordenação com a administração aeroportuária e os órgãos de controle de tráfego aéreo, quando se tratar de área de movimento; XII - participar da execução dos planos de contingência dos aeroportos em ocorrências relacionadas a atos de interferência ilícita contra a aviação civil; XIII - atuar, em coordenação com outros órgãos, na provisão de especialistas capacitados em antiterrorismo, intervenção armada, negociação e em artefatos explosivos e artefatos QBRN; XIV - prover negociadores, grupo tático e grupo de bombas e explosivos, nos casos de atos de interferência ilícita, quando necessário; XV - capacitar, em seu quadro efetivo, especialistas em AVSEC; XVI - autorizar, controlar e fiscalizar o funcionamento das empresas especializadas em serviços de vigilância e de transporte de valores; XVII - controlar o embarque de passageiro armado, conforme os atos normativos da ANAC editados em conjunto com a PF; XVIII - realizar testes e estudos em coordenação com demais órgãos e entidades envolvidos com a AVSEC; e XIX - centralizar informações prestadas pelas empresas aéreas, necessárias à prevenção e à repressão aos atos de interferência ilícita. Houve 11.604 ataques terroristas em 72 países em 2010, o que resultou em 49.901 vítimas, segundo o relatório anual dos EUA contra o terrorismo. Em audiência pública realizada na Câmara dos Deputados, em abril deste ano, a ABIN afirmou que o Brasil nunca esteve tão suscetível a sofrer um ataque terrorista, tendo em vista os eventos internacionais que serão sediados no País. Em 2011, terroristas promoveram 10 mil atentados, em 70 países, matando 12.500 pessoas. Neste sentido o Brasil atualmente é o foco de assistência do Departamento de Estado NorteAmericano, por conta dos grandes eventos3.

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http://www.state.gov/j/ct/rls/crt/2011/195546.htm


5 Por conta de um cenário gravíssimo, a seguir são enumeradas as medidas emergenciais cabíveis, que podem ser instrumentalizadas pelos sindicatos de policiais federais do Brasil através da contratação de escritórios e especialistas em Direito Internacional, diante do agravamento da crise interna hoje vivida pelo órgão. No âmbito de proteção aos direitos humanos, podem ser tomadas medidas contra a militarização do policiamento civil brasileiro, numa política incoerente do Ministério da Justiça, que incentiva o uso das forças armadas em atividades policiais, e o uso de polícias militares em atividades de policiamento civil através da “Força Nacional”. O Tribunal de Contas da União (TCU), em relatório de auditoria4 disponível na internet, alerta, em 2011, para a alocação insuficiente de recursos humanos da PF nos aeroportos. E aumenta a preocupação dos sindicatos da PF, pois surge o risco de uma maior militarização de funções policiais civis. Ou então catastróficas medidas paliativas que busquem a privatização de serviços de segurança, ou a contratação de seguros contra atentados terroristas. Na contramão das nações desenvolvidas, o Brasil incentiva o uso de recrutas das Forças Armadas para o policiamento civil. Noutros episódios da História Mundial, tais medidas prepararam golpes de Estado, e sem dúvida não são condizentes com um regime democrático que ainda remedia os seus traumas. Segundo um estudo sobre o alarmante risco de atentados no Brasil 5, o atual Ministro da Justiça e futuro ministro do STF, José Eduardo Cardozo, entende que não haverá a criação de uma unidade específica para combater o terrorismo no Brasil. No entendimento do Ministro “o Brasil não está sujeito a práticas terroristas”.

MEDIDAS SINDICAIS A SEREM INSTRUMENTALIZADAS Em relação aos organismos internacionais, representações vão incluir a solicitação de visita de inspetores e/ou comissões especializadas, assim como: 1. Representação junto à ICAO (Organização da Aviação Civil Internacional), agência especializada da ONU (Organização das Nações Unidas), em relação ao descumprimento pelo Brasil (Ministério da Justiça) da Convenção de Chicago (1944), ratificada pelo Decreto nº 21.713 de 27/08/46. Através do sucateamento da Polícia Federal, órgão que possui a atribuição constitucional de polícia aeroportuária, a atual falta de investimentos nos cargos operacionais de formação acadêmica multidisciplinar da Policial Federal compromete a segurança dos voos na navegação aérea internacional. (A notificação recebida pela ICAO é repassada a todos os estadosmembros da ONU) 4

http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/comunidades/programas_governo/areas_atuacao/tra nsporte/relatorio_voto_acordao_aeroportos.pdf 5 PINTO, Maurício Viegas. COPA DO MUNDO DE 2014. Um estudo sobre o risco de ocorrência de um atentado terrorista. Disponível em http://www.sotai.com.br/wp-content/uploads/ArtigoTerrorismo.pdf.


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2. Também será feita representação à ICAO - ONU, em relação ao descumprimento pelo Brasil (Ministério da Justiça) da Convenção de Tóquio (1963), ratificada pelo Decreto nº 66.520, de 30/4/70. A atual carência de policiais federais, a ilegal terceirização de funções típicas de Estado e a falta de treinamento específico traduzem uma perigosa vulnerabilidade em relação sequestro ilícito de aeronaves. 3. Representação à OEA (Organização dos Estados Americanos), em relação ao descumprimento da Convenção Interamericana contra o Terrorismo, assinada em Barbados, em 03 de junho de 2002, ratificada pelo Decreto nº 5.639, de 26/12/05. Tal Convenção reforça a necessidade de todos os estados-membros cumprirem o compromisso de prevenir, combater, punir e eliminar o terrorismo. A falta de investimentos na Polícia Federal em relação aos cargos operacionais de formação acadêmica multidisciplinar compromete a reputação internacional do país. São referências para tal representação:   

Convenção para a Repressão do Apoderamento Ilícito de Aeronaves, assinada na Haia em 16 de dezembro de 1970. Convenção para a Repressão de Atos Ilícitos contra a Segurança da Aviação Civil, assinada em Montreal em 23 de dezembro de 1971. Protocolo para a Repressão de Atos Ilícitos de Violência nos Aeroportos que Prestem Serviços à Aviação Civil Internacional, complementar à Convenção para a Repressão de Atos Ilícitos contra a Segurança da Aviação Civil, assinado em Montreal em 24 de dezembro de 1988.

4. Representação ao Conselho de Segurança e Comitê Antiterrorismo (CTC) da ONU, em relação ao descumprimento da Convenção Internacional sobre a Supressão de Atentados Terroristas com Bombas, ratificada pelo Decreto n. 4.394, de 26/09/02. Tal convenção exige a adoção de todas as medidas factíveis, entre as quais, caso necessário, a de adaptar suas legislações internas para prevenir e impedir que se prepare, em seus respectivos território, a perpetração de atentados terroristas. A falta de investimentos na Polícia Federal, em especial nos seus cargos operacionais de formação acadêmica multidisciplinar, justifica a notificação ao Secretário-Geral das Nações Unidas. 5. Também será alvo de representação ao Conselho de Segurança e Comitê Antiterrorismo (CTC) da ONU, o descumprimento da Convenção Internacional Contra a Tomada de Reféns, concluída em Nova York, em 18 de dezembro de 1979, ratificada pelo Decreto n. 3.517, de 20/06/00. Segundo esta convenção, os Estados Partes deverão cooperar para a prevenção dos crimes de tomadas de reféns, assim como tomar todas as medidas ao seu alcance para impedi-los. O sucateamento dos profissionais responsáveis pela função de polícia aeroportuária é um sintoma crítico a ser relatado ao Secretário-Geral das Nações Unidas.


7 6. Será elaborada representação ao Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), sobre a falta de investimentos na Polícia Federal, e as consequências negativas em relação ao combate ao crime organizado transnacional, por conta da vulnerabilidade das fronteiras e sistemas aeroportuários. 7. Ainda no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU) será elaborada uma representação junto ao seu Conselho de Direitos Humanos, onde serão relatados o uso de forças armadas e polícias militares para em forças de seguranças de natureza civil, um retrocesso ao regime democrático, e uma incoerência por parte do atual Governo Federal, em especial o Ministério da Justiça, cuja presidenta foi vítima de tortura por conta de um regime militar. 8. Será feita representação ao Comitê de Estádios e Segurança da FIFA (Federação Internacional de Futebol) em relação à falta de investimentos nos profissionais responsáveis pelo policiamento aeroportuário, e o consequente não cumprimento de protocolos internacionais relacionados à segurança aeroportuária, que comprometem as mais básicas exigências de segurança relacionadas ao risco de terrorismo. 9. Ainda no contexto da Copa do Mundo de 2014, serão apresentadas representações à CGU (Controladoria-Geral da União) e ao MPF (Ministério Público Federa) sobre o temerário planejamento previsto na Lei Geral da Copa n. 12.663, de 05/06/12. Segundo seu artigo 23 a União assumirá os efeitos da responsabilidade civil perante a FIFA, seus representantes legais, empregados ou consultores por todo e qualquer dano resultante ou que tenha surgido em função de qualquer incidente ou acidente de segurança relacionado aos Eventos. Conforme o disposto no artigo 24, a União poderá constituir garantias ou contratar seguro privado, ainda que internacional, em uma ou mais apólices, para a cobertura de riscos relacionados aos Eventos. Ora, ao invés de investir nos policiais federais, que apresentam uma evasão de profissionais devido ao descaso do Governo Federal, a opção escolhida é usar recursos públicos na forma de seguro. E é paradoxal constatar que a omissão em investimentos na PF agrava um cenário que certamente elevará, e muito, os custos da contratação de seguros. A garantia das famílias dos turistas será o seguro de vida contratado pelo Governo. 10. Também no contexto da Copa do Mundo de 2014, serão apresentadas novas representações à CGU (Controladoria-Geral da União) e ao MPF (Ministério Público Federa) sobre o artigo 70 da Lei Geral da Copa n. 12.663, de 05/06/12, que antecipa a contratação de serviços de segurança privada nos Eventos. Mais uma vez salta aos olhos a malversação de recursos públicos e a possível delegação de funções típicas de Estado a particulares. E paradoxalmente o Governo Federal continua a desvalorizar os cargos operacionais de formação acadêmica multidisciplinar da Polícia Federal. 11. O Relatório da Comissão Avaliadora do Comitê Olímpico Internacional para as Olímpiadas de 2016 aponta que o terrorismo se tornou uma preocupação global, e sobre este tema declara que o Rio de Janeiro e o Brasil demonstraram um compromisso na manutenção de um alto nível de vigilância e aplicação de métodos de


8 prevenção6. Na contramão do disposto neste relatório, será encaminhada uma representação à referida comissão, e também ao Corpo Executivo e Jurídico do Comitê Olímpico Internacional, onde será relatada a falta de investimentos do Brasil em relação aos cargos operacionais de formação acadêmica multidisciplinar da Polícia Federal, responsáveis pela Interpol, Inteligência Policial e Polícia Aeroportuária. 12. Também será feita uma representação junto à CGU (Controladoria-Geral da União) e MPF (Ministério Público Federal) em relação à ilegalidade dos contratos de terceirização de mão-de-obra realizados pela Polícia Federal e Infraero para consecução de atividades típicas de Estado, como funções de fiscalização e policiamento nos aeroportos.

Em suma, há 08 anos os sindicatos da Polícia Federal buscam o apoio do Ministério da Justiça para evitar o crítico sucateamento do órgão. Infelizmente, a esperança agora se volta para a intervenção do Ministério Público Federal, da Controladoria-Geral da República e de organismos internacionais aos quais o Brasil deve responsabilidades como signatário de tratados e convenções internacionais.

Belo Horizonte, 21 de agosto de 2012.

ASPAR Assessoria Parlamentar e Planejamento Estratégico Sindical, composta por Sindicatos de Policiais Federais do Brasil.

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http://www.olympic.org/Documents/Reports/EN/en_report_1469.pdf


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