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Educação antirracista: os vinte anos da Lei

10.639

Avanços alcançados ao longo das duas últimas décadas ainda estão longe do ideal para a construção de uma educação plural, que reflete a diversidade brasileira

Em janeiro de 2023, a Lei 10.639 completou vinte anos de existência. Essa é a regulamentação que tornou obrigatório o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira nos currículos escolares, resgatando a contribuição negra na história do Brasil. Contudo, é um engano pensar que a lei marca o início da busca por uma educação plural, igualitária e, principalmente, antirracista. A luta dos povos negros por seus direitos vem de um Brasil colonial, com movimentos de resistência que já davam indícios da necessidade de contar a história de um país diverso, sem apagar questões de raça ou etnia. Mais adiante, em tempos de ditadura militar e redemocratização, pensadores como Abdias do Nascimento, Lélia Gonzalez, Azoilda Loretto da Trindade e Nilma Lino já traziam reflexões sobre a educação das crianças em perspectiva antirracista. Ou seja, de uma forma ou de outra, o tema sempre esteve presente, mesmo que ainda sem furar a bolha dos ambientes acadêmicos.

“A criação da Lei 10.6239/2003 só foi possível porque durante todo o século passado houve um movimento social negro na rua e entre profissionais da educação, que trabalhavam isoladamente com seus alunos, promovendo iniciativas de educação das relações étnico-raciais”, analisa Maria das Graças Gonçalves, doutora em educação pela USP, pesquisadora em equidade racial na educação e formação de professores e consultora do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT). De acordo com a pesquisadora, nos mais de 20 anos da legislação, alcançamos muitos avanços, mas estamos ainda muito longe do que desejamos. Entre os entraves que impedem a priorização de uma formação integral e cidadã, que inclui questões etnico-raciais, estão a falta de tempo e organização para o estudo e planejamento do tema, a inserção concreta do tripé História da África, História Afro-Brasileira e Indígena e Educação para as Relações Étnico-Raciais no Projeto Político Pedagógico das escolas, a falta de protocolos antirracistas nos regimentos internos escolares e a pouca abertura das escolas para a diversidade. “Temos diretrizes nacionais, temos muito material de trabalho, literatura, marcos legais para a formação inicial dos educadores. Porém, a lei continua sendo adotada como movimento de sensibilização e adesão, mas a lei é uma obrigatoriedade e não uma opção. É urgente aprimorar a formação inicial e continuada dos educadores, pois não se consegue avançar mais sem instrumentalizar professores. Precisamos trabalhar o currículo escolar para que traga a todos o sentimento de pertencimento, pluralidade cultural, sensibilidade para olhar as especificidades locais, história e cultura do espaço onde a escola está inserida e, sem dúvidas, ter orçamento para implementar as ações afirmativas. Afinal, não se faz nenhuma mudança sem financiamento”, pontua. Como responsáveis pela condução do trabalho técnico e pedagógico, os gestores escolares têm um papel fundamental na evolução da educação antirracista. Ao lado de toda a equipe pedagógica, é necessário que esses profissionais compreendam a agenda histórica do negro, entendendo que ela é importante para a sociedade como um todo e não apenas para uma parcela da população. Investimentos na formação inicial e continuada também são imprescindíveis, especialmente para reduzir indicadores de evasão e repetência, que também estão associados ao racismo. “Todos os indicadores sociais são influenciados pelo racismo. Não adianta falar em desempenho, índices de evasão e repetência e dificuldades de aprendizagem sem falar de racismo. Hoje, a escola é uma estrutura de reprodução do racismo e das desigualdades. Sem combater o racismo educacional, não conseguiremos jamais uma educação de qualidade pra nossos irmãos negros. Não constrói educação sem coração aberto, sem afeto, sem ouvido atento”, finaliza.