cultura da interface

Page 80

clara da ética jornalística, e no entanto todo o caso passou quase despercebido. Por quê? Havia várias razões. A velha guarda da imprensa continua, em sua maior parte, perplexa diante do novo idioma arcano de cibéria. Bits, bytes, banners, navegadores — quem consegue entender isso? E dado o fluxo constante de press releases e matérias de agência de notícias sugerindo um verdadeiro Kamasutra empresarial de emaranhados de promoção cruzada, é quase impossível distinguir os acasalamentos ilícitos dos meramente esquisitos. Na Costa Oeste, é claro, a Weltanschauung tecnolibertária tornou difícil o questionamento de qualquer parceria empresarial — mesmo quando ela envolve Bill Gates. (Aliás, neste caso, a verdadeira violação da ética foi cometida pelo Journal, não pela MicroSoft.). Mas havia também a novidade do próprio navegador. Ao longo dos últimos séculos, o meio do jornal foi estabelecendo gradativamente algumas exceções a seu princípio geral de "objetividade", e a esta altura elas são compreensíveis para um amplo público: páginas de opinião, por exemplo, e anúncios. Um navegador para a Web é fundamentalmente diferente dos elementos regulados por essas convenções mais antigas, já que existe num nível superior ao da própria informação bruta. O navegador é uma metaforma, um mediador, um filtro. É uma janela que abre para o espaço de dados, separando o usuário e a informação, mas também moldando essa informação de todo tipo de maneiras, sutis e não tão sutis. Ele não tem nenhum equivalente real no mundo da imprensa, já que o leitor de jornal consome a informação diretamente, do papel para o nervo óptico, sem absolutamente nenhuma mediação, exceto a lerdeza ou o barato de cafeína que costumamos ter de manhã cedo. Uma versão digital do mesmo jornal é por definição mais maleável. Os navegadores da safra atual se diferenciam basicamente por suportar vários padrões de multimídia que alteram a aparência que os dados assumem on-line, mas há no horizonte alguns produtos novos que filtram realmente a informação com base em variáveis semânticas. (Veremos mais sobre eles no capítulo "Agentes".) Os navegadores de hoje alteram o aspecto dos dados que transmitem; os de amanhã vão alterar o sentido deles, dando ênfase a certas matéria em relação a outras, ou dando destaque a seções particularmente relevantes para o leitor. Seja o que for que essa nova criatura vai se tornar, deveria ficar claro que ela não pertence às mesmas velhas categorias do anúncio e da página de opinião. Se há uma lição a extrair da mal planejada aliança do Journal com a Microsoft, é que os padrões éticos da imprensa escrita nem sempre podem ser bem traduzidos para o código digital, e que em alguns casos todo um novo


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.