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Caderno de viagem Comunicação, lugares e tecnologias

André Lemos março de 2010


Sumário .Agradecimento, 4 .Prefácio, 6 .Introdução, 16 .Prólogo, 20 .Edmonton, 31 .Montreal, 123 .Referências, 339 .Sobre esse livro, 351 .Sobre a Editora Plus, 352

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Agradecimento Um agradecimento especial à Faculdade de Comunicação da UFBA, por ter me liberado para o pós-doutoramento, e ao CNPq, que me concedeu uma bolsa de pesquisa no período de setembro de 2007 a setembro de 2008. Sem estes apoios, eu não poderia ir ao Canadá, não avançaria na pesquisa acadêmica e este livro não existiria. Devo também agradecer a pessoas-chave de antes e durante meu período canadense. Devo muito ao professor Rob Shields, amigo de longa data, pelo incentivo, acolhimento e apoio total durante a minha estada na University of Alberta em Edmonton. Rob demonstrou uma amizade sólida, respeito acadêmico e apoios institucional e logístico sem preços. Ao meu amigo Juremir Machado da Silva, parceiro desde os tempos de Paris nos anos 1990, agradeço pelo fundamental suporte e confiança. Por último, um reconhecimento ao amigo, professor Will Straw, pela cordialidade, atenção e recepção na McGill University no meu período em Montreal.

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Agradeço à professora Rosanna Maule e aos queridos Priscila e Sony Sung, proprietários dos meus apartamentos em Montreal e Edmonton, respectivamente. Todos, muito mais do que proprietários, amigos sempre disponíveis. A Priscila Magaldi Neto, devo as minha primeiras saídas sociais em Edmonton. Ela foi atenciosa, carinhosa, e me ajudou a enfrentar a solidão nos primeiros momentos do inverno. Por último, mas não necessariamente nesta ordem, devo agradecimentos especiais aos amigos, o cinéfilo e montador Milton do Prado, a dançarina e professora Suzy Weber, e ao pequeno Guto, que nos proporcionaram boas risadas, saídas e suporte inesquecíveis durante o tempo em Montreal. Eles nos deram dicas preciosas sobre a cidade e sempre foram muito atenciosos e prestativos. Por fim, dedico este livro a Mari Fiorelli, minha companheira, pela paciência, tolerância e ajuda nesse período, a Alice, por ter ficado um tempo comigo em Edmonton e por todo o apoio nesse período de distância. E a Bernardo, que nasceu quando estava finalizando este livro, tendo sido gerado em Montreal. Ele é a pequena semente canadense que germina no Brasil.

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Prefácio Começo a ler estes Cadernos de viagem em uma avião, num voo entre Salvador e São Paulo. Não podia haver lugar mais especial do que este para pensar sobre o que dizer como introdução ao webdiário do professor e colega de Universidade Federal da Bahia André Lemos. Um texto - em letras e imagens - que trata de comunicação, lugares e tecnologias. Comunicação entre lugares, conectando pessoas distantes, através de tecnologias, as mais diversas possíveis, que ligam meios de transporte com meios de comunicação, como já pontuou há um bom tempo atrás Rene Berger, no seu Il nuovo Golen, que também li numa viagem de estudo como a aqui descrita. O texto é recheado de constatações e angústias ― naturais do nosso tempo, diriam alguns ― de um acadêmico que, não perdendo o rigor, passeia ― para ser mais coerente, flana ― com os lugares, livros, sites, mapas, coisas e gentes. Esse mix, de fato, dá charme especial ao livro, que é uma deliciosa viagem acompanhando o seu percurso durante o seu pós-doutoramento no Canadá. Mas os passeios não se limitam àquele

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país, muito menos a apenas uma parte dele. Trata-se de uma viagem planetária, com idas e vindas, referências, reflexões, provocações e, muitas, imagens. Uma coisa volta subliminarmente em todo o texto. Trata-se da constatação maior de que não temos mais tempo para nada. Alguns anos atrás, numa troca de e-mails, André questionava: “Por que corremos tanto?”, e ele mesmo completava: “E gostamos!” Aqui podemos continuar a conversa. Gostamos ou somos empurrados a nos conformar com essa correria? No nosso cotidiano universitário, pelo que vejo no Brasil e no mundo, e também em muitas outras profissões, estamos quase que impelidos a correr, produzir, estar na frente. E não temos mais tempo para ver. Para contemplar. Para nos deliciarmos com o simples olhar. Bizoiar, dar uma ispiada, como se diz aqui na Bahia. Mas André busca dar um tempo nesse tempo e destacar esse seu momento de reflexão, o que, na verdade, deveria ser o trabalho cotidiano dos pesquisadores, que, com tempo, teriam possibilidade de maturar e refletir mais sobre os conhecimentos e as culturas. Não temos mais isso! Vivemos, nas universidades, a alucinada vida do correr para publicar ― ou perecer! -, fazendo projetos e mais projetos para concorrer

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a editais que, se aprovados, nos possibilitarão termos um pouco de recursos para as nossas necessidades básicas profissionais. Depois, os relatórios, as prestações de contas e, os novos projetos. Eppur se move! E nada do tempo para flanar! As escritas leves, essas, foram sendo deixadas de lado por muitos. Felizmente, não por todos. André Lemos é um desses que não deixa de rabiscar umas linhas em seu Carnet de notes na web, desde um tempo em que mal tinha blog. Hoje, dos seus “webescritos”, nos oferece esses Cadernos, mantendo o estilo diário, com data marcada, anunciada e declarada. Aqui, podemos navegar pelos textos, mapas e fotografias, retrabalhados e re-apresentados em um formato de livro. No trato das imagens, a colaboração precisa de outro colega da UFBA, José Mamede. Gosto de escrever sobre lugares que não conheço. Ou melhor, não conhecia, pois com as leituras desses originais pude fazer uma bela viagem pelo tempo e pelo espaço.

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Dos muitos autores e livros referenciados, não conhecia o escritor argentino Alan Pauls. Fiquei curioso com o fragmento que antecede a bela imagem do Parc la Fontaine de Montreal, refletindo sobre a inércia. Inércia que não é só o estar parado, num mesmo lugar. Lamentavelmente poucos sabem disso (recuerdos dos meus bons tempos de professor de física!), já que inércia pode significar movimento. Mas este é um movimento constante o que vem a significar que ele, também, não é lá um movimento, digamos assim, tão movimentado. É um movimento calmo, controlado pela velocidade constante do deslocamento e dos acontecimentos. Mas, como não é movido pelos desequilíbrios, é um movimento que, como diz Alan Pauls, “não produz mudanças”. E são essas mudanças que nos fazem crescer. Foi o recente movimento de pósdoutoramento que gerou esse livro. Foi nessa linha também o meu, imediatamente depois do dele, só que na Inglaterra, na cidade de Robin Hood, Nottingham. Assim, pensamos nós dois, deve ser o tal período sabático ― expressão que vai ser destrinchada lá pelo meio do livro - dos professores universitários. Isso porque não tem coisa melhor do que viajar. Ih! não tem não! editoraplus.org

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Pode dizer aí, pense e diga, as coisas melhores que você conhece e faz. Todas elas ficam ainda melhores se você estiver viajando, conhecendo novas gentes e desafiando-se permanentemente. O frio ou o calor, a Ópera ou o concerto ao ar livre, o pub ou a destilaria, o carro ou o ônibus, tudo, tudo absolutamente tudo, tem o sabor do diferente. Mesmo que hoje, com esse mundo padronizado, dê um trabalho danado para se achar esse diferente. Mas isso é outra história e aqui, nos Cadernos, você vai poder ver muitas dessas histórias. Como, aliás, o fez brilhantemente Jim Jarmush no belo filme Down by law, onde a presença do estrangeiro mexe com o lugar. Traz nova vida e novos ânimos para aqueles que não se acomodam. André Lemos tem estudado intensamente as questões da cibercultura, olhando mais atentamente para os temas da mobilidade, dos territórios informacionais, dos controles de fronteiras, redes virais e conexões sem fios. Conexões e redes que tomam conta de todas as páginas e são, na verdade, as bases dos muitos mapas aqui também apresentados. Uma conjugação perfeita entre o texto, os mapas e as imagens. Como ele mesmo diz, “ O texto importa, mas não sem as imagens. Estas têm vida própria e não são mero suporte dos textos.” Desde a saída de Salvador, para Edmonton, no Canadá, um lugar onde, pelas informações que ele nos dá, já foi um parque de dinossauros e hoje é uma dos maiores editoraplus.org

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complexos de redes sem fio do mundo, ele já fazia as anotações que compõem os Cadernos. E nessas anotações, podemos contatar que essa conectividade intensificada, também significa maiores controles sobre os nossos movimentos, o que vem acontecendo em todo o mundo e, obvio, preocupa-nos por demais. Controles esses sempre associados à questão que virou mantra: a segurança. Nas ruas, nas casas, na rede, nos sistemas comunicacionais e interativos, impondo-nos um movimento ativista intenso na luta pelas liberdades na internet, e que aqui está descrito com detalhes em vários dos dias do diário. Mas, claro, pensar no tema segurança lá no Canadá não tem nada a ver com o nosso pensar em segurança aqui no Brasil. Num dos trechos do livro, descreve ele o seu cotidiano: “Ontem no ônibus, na hora do rush (aqui é às 16h), muitos usavam laptops, consoles de games, celulares com ou sem GPS. Só à minha volta, tinha um rapaz com um MacBook, um outro jogando no console de games, uma mulher na minha frente usando o GPS no celular (não consegui fotografar) e um terceiro checando e-mail no Blackberry... Lugares de mobilidade física que são, de agora em diante, lugares de mobilidade informacional. Ônibus, trens, aviões e navios ou ferries seriam as novas heterotopias por excelência, para usar o termo de Michel Foucault. Voltarei mais adiante a este ponto.” editoraplus.org

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Eu não. Acho que isso é o suficiente. O leitor acompanhará o desdobramento dessas discussões sobre mobilidades e segurança ao longo do diário. As imagens, belas imagens, ajudam a descomprimir, como ele mesmo afirma. Nos transportam para o frio, para a neve, para as ruas das cidades aqui passeadas, nos trazendo de volta, quem sabe de maneira mais forte, a mesma pergunta levantada por André e já referida: “Por que corremos?” Mas corremos! E, de corrida em corrida, o tempo vai passando e nós vamos atualizando essas questões, transformando-as, quem sabe, em alertas para pensarmos a nossa existência. Na sua chegada dessa viagem - eu preparando-me para a minha ida -, encontramonos num debate que propus à TV Educativa da Bahia. O tema era o futuro da internet mas, no fundo, o que queríamos era falar do futuro do planeta. Conversa ao vivo vai, conversa ao vivo vem, e nos resta alguns segundos para os últimos comentários.

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André Lemos não pestanejou e, depois de ter escrito esse detalhado diário ao longo de 12 meses, encerrou o programa - e o papo! - com uma contundente frase-questão: “O futuro?! O futuro, seguramente vai depender da nossa capacidade de desplugar”. É vero, desplugar. Quem sabe possa essa ser a atitude mais correta, concreta e mais necessária para o momento contemporâneo. Espero que o leitor delicie-se com os textos e as imagens, realize profundas viagens com esses Cadernos e, assim, desplugado, relaxe para fazer esse delicioso e delirante passeio por espaços, palavras, línguas e imagens. O livro, portanto, é o resultado de anotações no seu moleskine (hhuuummm, mais um viciado nos cadernos físicos, bons e belos, que acompanham os viajantes, mesmo aqueles que, como nós, usam todos os recursos tecnológicos!), e lhe possibilitará ir flanando pelos espaços do Canadá, da Espanha, Portugal, e tantos outros desta e de outras viagens, com os links para os outros espaços vividos, a vero ou na imaginação. “Estou com as malas prontas esperando o taxi”.

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Ele vai partir. Esse período do Carnet de Notes vai se fechar e com isso, abrir inúmeras outras possibilidades. Para o pensar. Para o discutir, refletir e escrever. Re-escrever. Na web, nas revistas acadêmicas, nos jornais e panfletos. O taxi está chegando. São três malas de matéria física e toneladas de bites sendo transportados pela infoesfera de forma permanente e continua. “Ao aeroporto!”. O voo vai sair. Acabou o seu tempo. Acabou o meu tempo. Acabou o nosso tempo. Paulinho da Viola: “Olá, como vai ? Eu vou indo e você, tudo bem ? Tudo bem eu vou indo correndo Pegar meu lugar no futuro, e você ? Tudo bem, eu vou indo em busca

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De um sono tranquilo, quem sabe ... Quanto tempo... pois é... Quanto tempo. (...) O sinal ... Eu espero você Vai abrir... Por favor, não esqueça, Adeus...” Adeus, até breve. Boas viagens, leitor! (e não esqueça o seu moleskine! Essa conversa não pode parar).

Praia do Forte, Bahia, outubro de 2009. Nelson De Luca Pretto www.pretto.info

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Introdução Para a escritora Margaret Atwood, o padrão recorrente no imaginário da literatura canadense é a sobrevivência, Survival. Este é o título do seu livro que traça um histórico da prosa e da poesia candense sustentando a tese. Embora tenha sido questionada por diversos autores, não há como negar que o imaginário canadense é preenchido por essa dimensão de luta contra temperaturas extremas, os povos ancestrais, os animais selvagens... Este livro marcou meu período canadense, talvez pela minha própria busca pela sobrevivência. Li a obra nos primeiros dias da minha chegada ao Canadá para compreender a alma canadense, o imaginário, os simbolismos da sociedade, e poder assim melhor me inserir neste contexto. E, para isto, nada melhor do que compreender o que falam os escritores, os poetas e romancistas. Embora a sobrevivência seja um padrão da literatura canadense e tenha sido este o meu primeiro desafio ao chegar nas terras do norte, não precisei de muito para sobreviver no Canadá. Alías, viveria tranquilamente neste país para sempre. Embora em condições difíceis – de um estrangeiro latino-americano –, tudo foi muito fácil e sem editoraplus.org

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tensões maiores dos que às que estamos submetidos em situações parecidas (dominar a língua, conhecer os códigos sociais, romper a solidão e fazer amigos, enfrentar as temperaturas extremas...). Assim, entre outubro de 2007 e agosto de 2008, naveguei entre o oeste e o leste do Canadá, entre Edmonton e Montreal, passando por Jasper, Banff, Québec, Toronto. Não só sobrevivi, como vivi intensamente. O inverno glacial, a dificuldade de adaptação à cultura local - mais próxima da americana do que da européia, a que eu estava acostumado -, o inglês que estudo desde pequeno mas que nunca pratiquei; em suma, dificuldades e testes de sobrevivência. Mas a palavra sobrevivência aqui é mesmo muito forte, pois embora passar pelo inverno glacial de Edmonton e pelas nevascas de Montreal seja efetivamente sobreviver, adorei o Canadá e tudo foi muito fácil e prazeroso. Fui muito bem recebido e tive muita sorte em tudo, tanto pelo lado pessoal quanto profissional. Passando o inverno, não é difícil viver no Canadá. Muito pelo contrário. A vida é segura (não há a violência quotidiana a que estamos expostos nas grandes cidades brasileiras), as coisas funcionam bem, as universidades são ótimas e o dia a dia está longe de ser estressante, ainda mais na minha condição de pesquisador visitante e em ano sabático – oficialmente em pós-doutoramento. Meu tempo foi dividido entre leituras, pesquisas, entrevistas e conversas com especialistas locais, escritas no meu blog editoraplus.org

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“Carnet de Notes” (http://andrelemos.info), apontando resultados em progresso para papers e congressos e andar, andar e andar. Anotei tudo que vi e prestei muita atenção aos fenômenos comunicacionais, tecnológicos e locativos. Escrevi muito nesse biênio e o livro que está em suas mãos é parte das minhas anotações eletrônicas no “Carnet de Notes”. Ele é uma readaptação impressa do que escrevi e fotografei no período. Este livro é uma mostra de textos e imagens sobre as cidades por onde passei, sobre as coisas que gostei e também sobre as que não gostei, sobre as questões atuais a respeito da comunicação, as novas tecnologias, a mobilidade, o espaço, os lugares. Este Caderno de Viagens tem como base o Canadá e as cidades de Edmonton e Montreal, onde morei, mas também flerta com outras cidades canadenses (como Jasper, Banff, Québec e Toronto) e algumas cidades européias que visitei no período (como Madri, Faro e Sevilha). Acredito que este livro possa ser de interesse para estudantes de comunicação, pesquisadores, flâneurs, visitantes presentes e futuros do Canadá, ou mesmo diletantes de primeira hora e também amantes da fotografia. O texto importa, mas não sem as imagens. Estas têm vida própria e não são mero suporte dos textos. O livro é escrito como um passeio por lugares, formas comunicacionais e tecnologias digitais. Como um diário de viagem, mostra a minha visão do estrangeiro, essa figura exemplar da metrópole editoraplus.org

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(como mostrou o sociólogo alemão G. Simmel), vivendo a anomia e o isolamento, a imersão na massa e a solidão, vendo a cidade com um olhar espetacular. Assim foi o meu percurso tentando criar o meu lugar, o meu “kanata”. Canadá vem do Iroquoian, kanata, que significa “vila”, “village”, ou “settlement”, povoamento, povoado. Em Iroquoian, Canadá é aquilo que funda um lugar. Este livro é fruto da tentativa de fundar o “meu” Canadá. Tudo se dá na fundação do lugar. Aprendemos, socializamos, amamos, sofremos..., sempre de forma locativa, aqui e agora. André Lemos Montreal, 20 de agosto de 2008. Salvador, maio de 2009

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Prólogo

Trilogia do tempo e da duração Levei um tempo desde que cheguei e escrevi, já no Brasil, essa trilogia sobre a duração e sobre o ano que se inicia. Ela é reflexo de vivências nos lugares por onde passei entre setembro de 2007 e agosto de 2008. Essa reflexão se deu na inércia da minha “desadaptação” ao Brasil e na iminência de um novo ano que iniciava. Começo este Caderno de Viagem propondo um pensamento sobre a duração e sobre o terrível tempo cronológico, descontínuo e ilusório. Duração 1a. Parte Tudo muda em 2009?

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la chose et l’état ne sont que des instantanés artificiellement pris sur la transition; et cette transition, seule naturellement expérimentée, est la durée même. Elle est mémoire, mais non pas mémoire personnelle, extérieure à ce qu’elle retient, distincte d’un passé dont elle assurerait la conservation; c’est une mémoire intérieure au changement lui-même, mémoire qui prolonge l’avant dans l’après et les empêche d’être de purs instantanés apparaissant et disparaissant dans un présent qui renaîtrait sans cesse.” Bergson, H., (Durée et simultanéité. Paris :PUF, 1968)

O ano começa e nada parece mudar. Olhamos para o lado e tudo está lá, a cidade, os prédios, as pessoas, os vizinhos... Ligamos a TV e são os mesmos programas, as mesmas matérias, as mesmas notícias, os mesmos jornalistas, as mesmas guerras... Olhamos para as propagandas políticas nas ruas e vemos sempre os mesmos (políticos) afirmarem a mesma coisa: que “agora vai”, que tudo será diferente. No lado pessoal, prometemos novas ações, posturas, decisões todos os anos, para nós e para os outros, mas temos sempre a sensação de estarmos nos repetindo, repetindo, repetindo... Há aqui frustração, mas também um certo conforto. Nada muda realmente e não perderemos nada se, por exemplo, morrermos. Tudo continua na infindável espiral do mesmo. 2009 se apresenta como 2008, 2007, 2006..., sempre o mesmo.

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Mas podemos dizer que, contra esse sentimento conformista ou pessimista, a mudança está sempre aí, no fluxo das coisas, nos segundos que passam, no tempo que nos deixa mais velhos a cada dia, nos pequenos passos que conseguimos dar em direção a novas posturas (ilusão?) diante do mundo, de nós mesmos e dos outros. E se não vemos isso nas grandes coisas (dada essa sensação de que tudo se repete), podemos, se estivermos atentos, tocar e ser tocados pelas pequenas e mínimas manifestações de abertura ao novo que emergem - sabe-se lá como - dos lentos intervalos que se arrastam dentro do tempo descontínuo que passa. Este tenta sempre apagar os intervalos, chamando para si a atenção, colocando o peso nos grandes momentos fragmentados em que baseamos a nossa existência (amanhã, às 18h, segunda-feira...). O tempo descontínuo, ilusório e frustrante (já que quando chega segunda-feira, nada mudou – tampouco às 18h, ou mesmo amanhã) tenta apagar o que pode emergir das pequenas manifestações ínfimas do que dura, nos intervalos quase imperceptíveis, mas determinantes, que agem como pequenas pérolas inovadoras dentro desse tempo devorador de Cronos. Talvez a fonte do princípio que principia, que quase nunca vemos, esteja não nos grandes intervalos marcantes das promessas que fazemos todos os anos (vou ser mais feliz, vamos viver em paz, vou mudar completamente a minha maneira de

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comer e de respirar...), mas na duração, nos momentos que se arrastam entre cada segundo e que nos permitem tocar sutilmente, porém substancialmente, o bom e o belo. Não devemos nos iludir. O que muda não é visível aos grandes olhos equipados com binóculos, computadores ou telescópios, e nem está nos grandes projetos do amanhã (que nunca chegam). O que muda nunca chegará abruptamente pelo tempo do relógio, do calendário ou da agenda, mas na lenta passagem entre os segundos de todos os minutos e entre os minutos de todas as horas, na duração que se arrasta entre um instante e outro, no fluir dos pequenos instantes que crescem e se dissolvem aqui e agora. Só podemos acreditar na mudança de olhos fechados, na imobilidade da mobilidade. Como diz Bergson, a duração é essa multiplicidade de instantes – presa, na era moderna, às grandes marcações temporais que insistimos em usar para organizar a nossa vida em sociedade. A duração não é o “um” ou o “múltiplo”, não é este momento (despedaçado), nem um conjunto destes inúmeros momentos retalhados, separados e ligados artificialmente, mas a variação (multiplicidade) do um e do múltiplo. Só aqui teríamos o que Bergson chama de um tempo fundamental, uma sucessão sem separação que pode apontar para um futuro (uma mudança?), construindo-se em um emaranhado de instantes sem a artificial divisibilidade das horas que começam aqui e acaeditoraplus.org

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bam acolá. Para Bergson, há duas multiplicidades: a “numérica”, que implica o espaço (e o tempo) e a “qualitativa”, que implica a duração (e a extensão). Quando estamos imersos apenas na dimensão numérica, a sensação é de que nada muda realmente, só, talvez, artificialmente. Quando vivemos a duração, percebemos as pequenas e marcantes diferenças que parecem mudar (à nossa revelia) cada instante, apresentando-se como uma “nova” novidade. Se for assim, não vamos querer mais morrer, pois sentimos que perderemos coisas (novas?) a cada instante. 2009 só mudará em relação a 2008 se esquecermos essa marcação numérica e mergulharmos nos instantes infinitos da duração, se nos apegarmos a essa seqüência de nadas, a esses pequenos momentos “qualitativos” fora do rigor “numérico” das horas e dos grandes projetos. Se for assim (mas não há garantias!), dissolve-se até a própria ânsia pela mudança, já que, diferente do que mostramos no primeiro parágrafo, tudo muda o tempo todo. Um futuro poderia se preparar diluindo-se nas pequenas diferenças entre o passado do presente, o presente do presente e esse agora futuro do presente. Mas o tempo só existe nesse presente aglutinando passado, presente e futuro. Nessa duração, de forma sutil e imperceptível (por isso na maioria das vezes temos a impressão de que nada muda), o que muda pode se preparar. Mas não há mesmo nenhuma garantia. É nesse tempo que se deve “matar” a duração despercebida, engolida pelas dimensões descontínuas da editoraplus.org

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existência quotidiana (- 13h aula, 17h, ginástica, 20h jantar...) que o devir se prepara (memórias, pensamentos e sentimentos que emergem quando não esperamos, entre um tempo vazio e outro, no ônibus, dormindo, andando...). Só na duração, essa multiplicidade qualitativa, e não no tempo descontínuo, numérico, das temporalidades fragmentadas do quotidiano, podemos perceber o que pode, efetivamente, fazer uma diferença, mudar. Aparentemente paradoxal, é na duração que tudo pode mudar. A duração não é a decomposição do tempo, mas a possibilidade da emergência do novo (mais uma vez Bergson). Mergulhados nesse lento fluir do tempo, a pergunta sobre o que muda em 2009 se dissolve. No fundo, não existe isso que chamamos de “2009” (apenas uma ilusão numérica), mas a elástica qualidade da duração. Se não for assim, se não abandonarmos esse “2009”, viveremos para sempre no repetitivo retorno do mesmo, esperando um amanhã que nunca chega.

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Duração, 2a. Parte Terminando um livro interminável (no bom sentido), “O Passado”, do excelente escritor argentino Alan Pauls (comecei em meados de 2007, ainda no Canadá, parei e estou terminando agora em Salvador), leio este parágrafo que coloca a verdade do filósofo (Bergson, acima) em estreita relação com a “verdade” do escritor (Pauls). Sempre achei a literatura uma forma eficaz e importante de compreensão da realidade (da sociedade, da cultura), às vezes até mais do que as ciências sociais. Mas nem sempre. Vemos aqui como parece coincidir a argumentação filosófica de Bergson sobre a duração e a narrativa ficcional de Pauls. Por um lado ou pelo outro, essas letras podem nos ajudar a compreender melhor o tempo e os mecanismos bastante complexos das mudanças, das durações, das degradações, da inércia, das entropias... É ótimo reescrever trechos de livros, principalmente de ficção – sentir essa sensação mediúnica de fazer do meu corpo um instrumento de uma outra voz, que poderia aqui ser a minha. Vejam o que escreve Pauls: A inércia não produz mudanças. Não produz nada na verdade. No máximo, dá lugar à degradação, por exemplo, ou à entropia. A mudança sim: a mudança produz coisas - inércia, para dar um exemplo. E então, quem se animaria a afirmar que a diferença entre o que muda e o que degrada, entre um sinal de alteração e outro de deterioração,

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é uma diferença real? (...) No entanto, como toda força sem motor, a inércia dá lugar a movimentos sub-reptícios, tremores que surgem, fazem-se sentir por um momento e recolhem-se ao silêncio, até que o estímulo casual que os convocou se repete e eles reaparecem, num ciclo cujas seqüências, tomadas cada uma em si mesma, individualmente, nunca chegam a mudar o mundo que afetam, mas deixam nele, ressoando, os ecos de um murmúrio em que, com bons ouvidos, se lê a lembrança ou a profecia de uma mudança. Assim, como o viajante indolente que dorme no convés de um barco e de repente acorda, golpeado por uma luz ou pelo grito de um pássaro, e olha ao redor e, no desconcerto do despertar, ao mesmo tempo que reconhece o que vê, o mar, o horizonte infinito, o céu, pensa ver algo que mudou, algo sutil, mas indescritível, e só depois, ao pôr-se de pé e vacilar, descobre a inclinação do piso do convés, e compreende que o que mudara na paisagem não estava na paisagem, mas nesse ‘antes’ do qual contemplava, agora afetado por uma nova instabilidade, induzida pelas ondas, que não se lembrava de ter sentido ao adormecer, assim Rímini teve a impressão, em algum momento, de que esse ‘estar ali’ para Nancy, por sua mera obstinação, dava lugar a uma certa inclinação, um deslizamento que ameaçava comunicá-lo com outra coisa.” (SP, Cosac Naify, 2007, p. 376)

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Tarde de inércia bastante transformadora no Parc La Fontaine em Montreal, 2008

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Duração, Parte 3 Fechando a trilogia sobre o tempo e a duração, deixo mais uma citação literária, agora de William Faulkner em “Palmeiras Selvagens”. Neste excerto, podemos sentir a irrealidade do tempo ou a sua ilusão, reforçando a ênfase na duração. Aqui, fazendo eco e acrescentando elementos ao que foi colocado anteriormente nas duas partes dessa digressão sobre o tempo, aparece a nossa existência, como passagens infinitas e microtemporais entre um passado, presente e futuro, amalgamados naquilo que “é era e será”. Vejam o que diz Faulkner: Eu estava fora do tempo. Ainda estava ligado a ele, apoiado por ele no espaço como se está desde quando havia um não-você para se tornar você e se estará até que haja um fim para o não-você, graças exclusivamente ao qual você pôde existir um dia - essa é a imortalidade -, apoiado por ele mas é tudo, apenas nele, não condutivo, como o pardal isolado, pelos próprios pés duros e não condutivos e mortos, do fio de alta tensão, a corrente do tempo que corre pelo ato de lembrar, que existe apenas em relação ao pouco de realidade (aprendi isso também) que conhecemos, ou então não existe essa coisa que chamamos tempo. Você sabe: Eu não era. Então eu sou, e o tempo começa, retroativo, é era e será. Então eu era e portanto não sou e assim o tempo nunca existiu. (...) aquela condição, fato, que na verdade não existe exceto no instante em que você sabe que a está perdendo (...) É a solidão, você sabe. Você precisa saltar em completa

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solidão e pode suportar apenas este tanto de solidão e ainda viver, como a eletricidade. E por esses um ou dois segundos você estará absolutamente só: não antes de você ser e não depois de não ser, porque nessas horas você nunca está sozinho; em qualquer dos casos você está seguro e acompanhado num anonimato infindo e inextricável: num, do pó para o pó; no outro, dos vermes fervilhantes para os vermes fervilhantes. (...)” (W. Faulkner, Palmeiras Selvagens, p. 123, Cosac&Naif, 2003).

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Edmonton

Segunda, 03 de setembro de 2007 Me preparo para ir para Edmonton, capital do Estado de Alberta, oeste do Canadá. Tenho certeza de que gostarei do país. No Canadá, as tensões identitárias e linguísticas oferecem algo de vivo e dinâmico; a dimensão e a natureza do país, de extrema beleza, além da simpatia e receptividade do povo canadense, me fazem pensar efetivamente que é para o Canadá que eu devo mesmo ir, e assim será. Graças a dois outros amigos e parceiros de trabalho, Rob Shields e Juremir Machado da Silva, que me ajudaram na formalização dessa visita, estou agora preparando minha viagem para Edmonton, onde ficarei. Farei meu pós-doutoramento na Universidade de Alberta, desenvolvendo uma pesquisa sobre mídias locativas, comunicação, espacialização e cidades. Farei parte do grupo “Space and Culture” do Departamento de Sociologia da Universidade de Alberta.

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Já começo a colher informações sobre a cidade. Edmonton é a sexta maior cidade do Canadá e capital do estado de Alberta. Como estou pesquisando o tema das tecnologias móveis, busco informações sobre as redes de acesso sem fio à internet na cidade. Vejo que Edmonton planeja expandir o acesso à rede sem fio aos seus cidadãos. Segundo a matéria, “City plans to expand wireless web service”, do Edmonton Journal, a municipalidade pretende ampliar as zonas de acesso e criar mapas interativos mostrando os hotspots da cidade.

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Amanhecer em Edmonton, Outono de 2007

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Domingo, 14 de outubro de 2007 Passado um mês esperando o visto, estou finalmente viajando amanhã, dia 15. Houve uma demora incrível na liberação dos vistos (exames médicos demoram muito e tudo sai do Brasil, vai a Trinidad e Tobago e volta ao Brasil, partindo do Rio ou de São Paulo). Vou trabalhar diretamente com o professor Rob Shields (com quem tenho um longo intercâmbio acadêmico desde 1995, quando o conheci em Paris, na época do meu doutoramento). Colaboramos nessa ocasião no livro “Cultures of Internet” (Routledge, 1996) no qual escrevi um capítulo sobre o Minitel, sistema de teletexto francês préinternet. Em 2007, Rob passou 7 meses conosco como professor visitante no Grupo de Pesquisa em Cibercidade (GPC) do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da Faculdade de Comunicação da UFBA. Com os pesquisadores do grupo de pesquisa “Space and Culture”, pretendo dar continuidade às pesquisas sobre novas tecnologias de comunicação, cibercultura, mídias locativas, territórios informacionais, mobilidade e espaço urbano. Vou escrever, ler, dar aulas e participar das atividades do grupo, além de ir a congressos na área pelo Canadá, EUA e Europa. Há alguns meses venho buscando informações sobre a cidade e me preparando para a mudança e, principalmente, para o frio extremo do inverno (algo em tornos dos -20C editoraplus.org

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graus em média). Sei o que é o frio da Europa, da França, mas isso é um pouco “Além da Imaginação”. A internet ajuda muito nesse processo, não só para antecipar coisas, como para manter o contato com o Brasil. Quando fui para Paris, em 1991, fazer meu doutoramento, não havia internet; as notícias do Brasil eram raras e só me chegavam por correio ou telefone (ou pelas pouquíssimas notícias na mídia local). Agora, com a rede planetária, já até aluguei um apartamento pela craiglist e tenho encontrado ótimas dicas nos blogs e sites. De fato, as informações mais específicas e interessantes encontrei mesmo nos blogs, como o brasileiro “Tapioca Congelada”, no qual descobri, além de outras coisas, que há uma “Associação Comunitária Brasileira de Alberta”. O site tem várias informações úteis, com dicas preciosas. Há também os sites oficiais e outros blogs muito bons, como o “Edmonton Blog”, o “Edmonton Real Estate Blog” e o portal “City of Edmonton”, entre outros. Aprendi que foi nessa região que os filmes “Brokeback Mountain” (2005) e “Legends of the Fall” (1994) foram filmados, que há bons festivais de blues e jazz, interessantes museus, bons restaurantes e cafés na Whyte Avenue, um bairro antigo e agitado, o Old Strathcona, além de bom transporte público – mas que, infelizmente, é bom ter um carro. Para a minha pesquisa, estou buscando aprofundar o conceito de “território informacional”, ou seja, zonas de controle de informação eletrônica nos lugares físicos. Esse editoraplus.org

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processo cria novas formas de espacialização (produção social do espaço). Tenho monitorado a expansão das redes sem fio, dos telefones celulares e de todas as tecnologias e serviços baseados em localização no mundo e, particularmente, no Canadá e em Edmonton. Já localizei algumas redes Wi-Fi com mais de 60 hotspots na capital de Alberta. Embora a cidade não tenha planos imediatos para se tornar uma cidade sem fio (projetos similares aos das atuais “cidades digitais”), há algumas iniciativas interessantes. A mais substancial é a da Universidade de Alberta, que quer implementar em todo o campus redes Wi-Fi até 2008. Estou mapeando os projetos em andamento, as discussões, principalmente da “Edmonton’s Next Generation” (esse grupo tenta desenvolver redes Wi-Fi e pensar o futuro da cidade) e no seu blog, o “Wi-Fi Edmonton”. Espero também ter a oportunidade de visitar o “Banff Centre”, um dos mais importantes em arte e tecnologia do Canadá e do mundo, em Banff, cidade nas Montanhas Rochosas próxima a Edmonton. Acabo de saber, também pela internet, que para ter uma conexão de 25MB/s (sim, 25MB!!!!) mais TV a cabo, em casa, devo pagar algo em torno de CAD $100 (menos do que pago aqui para 600kb/s mais a Sky), e que a região foi, muito tempo atrás, um parque de dinossauros. Edmonton tem um dos maiores complexos de compras e de lazer do mundo, o “West Edmonton Mall”, considerado o maior do mundo, com zonas Wi-Fi editoraplus.org

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por todo o gigantesco empreendimento. No excelente blog “MasterMag”, de um nativo que voltou para a cidade em 1998, podemos ter uma ideia mais precisa da cidade. Edmonton is the sixth largest metropolitan region in Canada according to the 2006 Census, with a population of 1,034,945. It is also the northernmost North American city with a metropolitan population over 1 million. The population density of the Edmonton region is just 109.9 persions per square km. This is half the population density of the Calgary region, 1/7 of the Vancouver region, 1/8th of the Montreal region, 1/2 the Ottawa region, and 1/8th of the Toronto region. Edmonton is home to West Edmonton Mall, North America’s largest shopping mall, and the third largest in the world. WEM also holds the world record for the largest car park. Edmonton receives 2,289 hours of sunlight each year, making it one of Canada’s sunniest cities. There are more than 60,000 full time post-secondary students studying at schools in the Edmonton area. A very impressive 66,000 new jobs are projected to be created in the Edmonton region between 2006 and 2010. Edmonton did not make the 2006 list of most expensive cities in which to live (the list contained 150 cities). Calgary, Vancouver, Toronto, Ottawa, and Montreal all made the list. Edmonton was named the Cultural Capital of Canada for the year 2007. The annual Fringe festival is the largest alternative theatre event in North America.

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Edmonton’s 60,000-plus elm trees make up the largest concentration of disease-free elm trees in the world. Alberta is North America’s only rat free area (not including the territories). Edmonton has 225 kilometers of designated bikeways, and 41 off-leash parks to walk with your dog. The River Valley park system is the longest urban park in North America, 21.7 times larger than New York’s Central Park. Edmonton is home to five professional sports franchises, including the very successful Edmonton Oilers and Edmonton Eskimos. Air quality in Edmonton is rated as good (the best level) at least 90% of the time for any given year. Edmonton leads the nation in effective waste management. For example, the city’s curbside recycling program has reduced by 60% the waste sent to landfills. Edmonton is down right beautiful at times, as you can see in the thousands and thousands of photos available at Flickr.

A partir dos próximos dias estarei postando diretamente de Edmonton, dando notícias, falando das minhas impressões da cidade e mostrando o andamento da pesquisa.

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Quinta, 18 de outubro de 2007 Cheguei. Há dois dias no Canadá, tenho praticamente tudo resolvido. Tudo funciona com uma eficiência inacreditável. No dia em que cheguei, saindo do aeroporto, fui com Rob ao supermercado, depois abri uma conta no banco. Rápido e sem burocracia. No dia seguinte, fiz o seguro saúde, vi meu escritório na Universidade, ganhei chaves, ID cards da Universidade. No mesmo dia, já tinha, no apartamento, internet (10 MB e não 25 por escolha minha), telefone, luz, TV a cabo, tudo. Obviamente, nada disso seria possível sem a ajuda e a disponibilidade absoluta de Rob Shields e do pessoal do departamento de sociologia, que me recebeu de forma muito amigável e prestativa. Edmonton é uma cidade plana nas pradarias canadenses, com belas regiões por perto. Os grandes carros dominam a paisagem. Com exceção do centro da cidade, ela é cortada de norte a sul por ruas e de leste a oeste por avenidas – todas, ruas e avenidas, numeradas, o que faz a localização ser muito fácil, embora não haja o charme de ruas com nomes. Bairros residenciais com casas preenchem a paisagem. Poucas pessoas nas ruas, poucos ônibus, e é difícil ver os táxis. Assustei-me ao andar na rua hoje. Passei por várias ruas do meu bairro, mas só cruzei pouquíssimas pessoas no meu caminho – uma ou duas, para ser mais preciso, em 30 minutos de caminhada. O centro da cieditoraplus.org

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dade tem mais movimento, vários cafés, livrarias, serviços gerais, shoppings, cinemas, prédios altos de arquitetura moderna e um certo nervosismo com o movimento dos bancos e das instituições financeiras. O domínio é da praça central, a Churchill Square. A Universidade de Alberta não fica longe, e é possível ir de metrô ou ônibus ou uma conjunção dos dois. Um ticket de CAD $ 2,75 vale para qualquer trajeto dentro de 2 horas. São apenas duas estações do centro. Da minha casa, tenho que pegar um ônibus e depois o metrô. Em 30 minutos estou lá. A universidade é pulsante, tem uma excelente estrutura e organização. O HUB, estrutura central que mais parece um shopping, liga as residências dos estudantes com serviços gerais, além dos diversos departamentos e faculdades. Tudo é feito para transitar por dentro dos prédios. Agora não faz muito sentido, já que a temperatura está amena, mas dá para compreender as ligações internas e fechadas por causa das extremas temperaturas. No ano passado, chegou a -40 C. O frio ainda não chegou e os dias estão belíssimos, um céu azul pérola, 12 graus e sol.

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Domingo, 21 de outubro de 2007 Aqui em Edmonton circulam vários jornais gratuitos distribuídos em caixas que ficam no meio da rua. Há também os pagos, que você compra com moedas. Não há bancas de jornais, só livrarias, que têm áreas para revistas. Os jornais gratuitos são muito bons, com a programação cultural da semana e matérias sobre a cidade. Os mais interessantes são o “See”, “24hours” e o “VueWeekly”. Há uma forte imprensa independente que consegue manter essas publicações circulando livremente e com qualidade. Não há nada parecido no Brasil. Hoje peguei o “Metro” e vi uma foto do rei Pelé que me chamou a atenção. Trata-se de uma entrevista tipo “ping-pong” para “discutir” (!) a democracia. A pergunta é “Why democracy?”. O Metro e a CBC (gigante da televisão e radio pública Canadense, no modelo da BBC, de longe a melhor em jornalismo na TV local) estão fazendo esse ping-pong com 10 pessoas famosas. Já passaram pelas questões Vivienne Westwood, Boutros Boutros-Ghali, Jesse Jackson, Margaret Atwood, Bjorn Ulvaeus, Daniel Libeskind, Ken Loach e Naomi Klein. Para Pelé, a primeira pergunta foi: “Who would you vote for as president of the world?”. Pelé responde: “The president of the world for who I’d vote is God, no question”. Ele só não disse qual Deus seria, se o dos católicos, dos muçulmanos, dos judeus, hindus, budistas... A partir daí, o que se entende por “democracia” pode variar bastante. editoraplus.org

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Escada para a Ravine, Edmonton, Canadá, Outubro de 2007, depois da visita ao Museu de História Natural de Edmonton. editoraplus.org

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Terça, 30 de outubro de 2007 Ainda sem computador, começo a trabalhar efetivamente, e mais metodicamente, na pesquisa. A Universidade de Alberta (UA) tem uma excelente biblioteca e me oferece todas as condições de pesquisa. Só para se ter uma ideia, em minutos fiz uma pesquisa em suas bases de dados on-line, tanto de material on-line, como dos livros disponíveis nas prateleiras, de casa. Reservei tudo pela rede e comecei a pegá-los nas diversas bibliotecas do Campus. A coisa funciona assim: depois de uma reserva pela internet, os livros ficam com uma etiqueta com meu nome em uma prateleira. Passo lá, pego o livro, coloco-o em um sistema automático de empréstimo, passo meu cartão (“One Card”, que serve para toda a universidade e pode ser até cartão de pagamento) e estou liberado. Quantos posso pegar? Quantos quiser. Quando a biblioteca fica aberta? Todos os dias (só fecha no natal). Quanto tempo posso ficar com eles? Um mês, renovando sempre que quiser. Se alguém solicita o livro, eu recebo um e-mail pedindo a devolução para evitar uma renovação. Uma fantástica estrutura. Para quebrar a monotonia, saio de casa e vou trabalhar na biblioteca. Achei tudo o que procurava e estou com mais de 20 livros me esperando. Tenho lido muito e isso me faz pensar como o nosso trabalho de pesquisador e escritor exige tempo de maturação e reflexão. Estou

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tendo esse tempo e tenho avançado muito nas minhas reflexões. Para começar, estou trabalhando com os seguintes livros: View from Nowhere”, de Thomas Nagel, filosofia, sobre a nossa condição no mundo, nossa posição diante das coisas e os limites e tensões entre a objetividade (que identifica assim o real) e a subjetividade, que não pode ser destacada da forma objetiva de ver o mundo. Acabei de ler “Mobile Technologies of the City”, de John Urry e Mimi Sheller, uma organização com vários artigos interessantes sobre locative games, mobilidade, vigilância, redes Wi-Fi... Estou com o vol. 1, n. 1 da revista “Mobilities” (Routledge) com artigos que tratam da mobilidade social, neo-nomadismo, locative games, entre outros temas sobre a mobilidade. Comecei também o clássico “Social and Cultural Mobility”, de Sorokin, e estou formulando melhor a noção de território com a ajuda do básico, mas muito interessante, “Territory, a short introduction”, de David Delaney. Os outros livros estão na minha sala no Space and Culture na UA. Ao mesmo tempo, estou escrevendo e o plano é sair com um livro sobre o assunto daqui. Bom, e para variar e não perder o hábito, leio o ultimo romance do britânico Graham Swift, “Tomorrow”, e estou no meio de “O Passado”, de Alan Pauls.

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Minha pesquisa é sobre a questão da mobilidade, dos territórios informacionais e das mídias locativas em interface com processos sociais e comunicacionais. Tenho desenvolvido uma reflexão sobre esse tema nos meus últimos artigos (http://andrelemos. info/artigos/artigos.html) e o objetivo é aprofundar a discussão aqui no Canadá. Celular, bluetooth, etiquetas RFID, redes Wi-Fi, GPS, wireless games, etc., estão no cardápio. Minha preocupação é estudar como essas tecnologias redefinem a mobilidade, os territórios, as cidades e a comunicação na atual fase da cibercultura. Foi sugerido, em uma dessas últimas leituras, um novo campo de investigação que seria o “urban new media studies” ou “cybermobilities”. Acho que estou efetivamente trabalhando nesta área de interesse. Comecei também a fazer ensaios fotográficos sobre as fronteiras dos territórios que encontramos no dia a dia em Edmonton. Meu objetivo com as fotos é, em primeiro lugar, ilustrar as minhas ideias e, em segundo, ajudar a conhecer a cidade. Fronteiras definem territórios. Fronteiras físicas delimitam o território urbano, assim como as novas fronteiras eletrônicas indicam territórios informacionais. Esta é a minha tese de fundo. Temos hoje senhas de acesso, as formas eletrônicas, invasão de territórios informacionais com novas formas de vigilância, monitoramento e controle. Territórios são zonas de controle de fronteiras através dos quais a mobilidade e os fluxos se exercem (em diferentes velocidades, formas de acesso, poderes e amplitude), editoraplus.org

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e a forma de controle dessa mobilidade e dos fluxos pelos territórios é o que podemos chamar de vigilância, monitoramento, controle: códigos de acesso em portas, tickets eletrônicos do metrô, senhas para internet etc. são barreiras de acesso a territórios específicos, tanto em territórios físicos, como eletrônicos (automatizados, feitos por software que “escrevem a cidade”, sem intervenção humana, projetivo, etc.). E isso sem falar em territorialidades simbólicas como a cultura, a política, a religião, a língua... Assim, pensar território é pensar mobilidade e fluxo e é pensar também em formas de controle e vigilância. Tudo está diretamente interligado (aqui, a “teoria” de Latour, a saber, a de “atores-rede”, pode ajudar a compreender este novo fenômeno técnico). Para pensar a mobilidade e os fluxos comunicacionais, devemos levar em conta não apenas as territorialidades físicas, mas as novas formas de territorialidade, eletrônica, potencializadas pelas tecnologias e dispositivos de comunicação, começando pela mass media e chegando hoje a uma radicalidade maior com o que venho chamando de mídias de função pós-massiva. Tem sido interessante também pensar mobilidade, território informacional e controle de fronteiras em meio a minha nova situação: preso em diversas imobilidades. Edmonton é uma cidade ampla, plana, com uma baixa densidade populacional, fria, cheia de centros comerciais onde o que poderíamos chamar de espaço público, ou seeditoraplus.org

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mi-público, se configura. Tirando o centro da cidade, só há mesmo pessoas nos centros comerciais. A paisagem aqui é formada pelas muitas casas, alguns prédios no downtown, ruas e avenidas numeradas em cortes simétricos, tendo o horizonte marcado por um céu azul brilhante e automóveis que passam, param e seguem. Edmonton é uma cidade onde o automóvel cria, inscreve e desfaz os lugares. Pensar território, movimento e lugar aqui só faz sentido se pensarmos como o carro se configura com a forma de leitura e apropriação da cidade. É com o carro que os edmontonians marcam a cidade. O carro é aqui o software e o hardware de inscrição da cidade. Há transportes públicos (ônibus e metrô) e poucos táxis. Os ônibus são uma opção, já que a cidade é bem servida, funciona, e eles são rigorosamente pontuais, mas parece que todos optam mesmo pelo carro, e não são simples carros, mas “big trucks”. Essa é a forma mais explícita de mobilidade por aqui. Ao menos aos meus olhos, ainda estrangeiros e distantes. Praticamente não há metrô, apenas uma única linha que não cobre bem a cidade, com 5 estações. Dei sorte, já que tenho um ponto de ônibus na porta de casa que me leva a uma estação de metrô, e desta chego a Universidade. Não há troco nos ônibus: você pode comprar cartelas no metrô, que servem, obviamente, para os ônibus. Levo, ao todo, 35 minutos. De carro levaria 10 min.

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Já vemos aqui formas (poderes) e mobilidades diferentes instituindo uma tensão entre mobilidade e imobilidade. Estou pensando as mídias, a cidade e a mobilidade (meu objeto de pesquisa) estando, em vários sentidos, imóvel, ou com pouca mobilidade. Para Deleuze, a desterritorialização, a mobilidade total se dá com o pensamento. Neste sentido, com tempo, calma e focado, estou bastante móvel, pois dedico meu tempo a pensar meu objeto de pesquisa. Mas tenho diversas limitações de movimento. Estou limitado na minha movimentação por não ter um carro (ir ao supermercado é uma aventura), estou limitado também por não conhecer ainda os códigos culturais (território identitário), estou limitado na minha habilidade discursiva, já que não estou completamente móvel na língua (território lingüístico), estou limitado na minha condição de estrangeiro, estou também sem celular e sem o meu laptop (território informacional), tendo assim pouca mobilidade informacional. Pretendo, no entanto, criar condições para me locomover melhor em todos esses domínios em um muitíssimo curto prazo. No entanto, seria possível pensar a mobilidade em plena mobilidade? Não seria a imobilidade, ou um limite da mobilidade plena, uma condição fundamental para pensar o seu oposto?

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Sábado, 03 de novembro de 2007 Está acontecendo aqui, de 1 a 4 de novembro, o Global Vision Festival, com filmes de várias partes do mundo. O tema central é direitos humanos, a busca identitária, o pacifismo e o meio ambiente. Assisti hoje dois filmes canadenses e gostei do que vi: “Aboriginality”, de Dominique Keller, e “Place Between”, de Curtis Kaltenbaugh. Ambos me remeteram a questões territoriais e vou resenhá-los rapidamente aqui. Os dois filmes falam, cada um ao seu modo, de fronteiras, de limites, de territórios – territórios culturais e identitários. O primeiro filme é uma animação de 5 minutos, muito bem realizada, mostrando um garoto assistindo a um clipe de hip hop cujo cantor é um aborígine. Como que por mágica, o garoto é transportado através da tela da TV para o mundo do aborígine. Ele espreita na mata o guerreiro que agora canta sua musica ancestral. A tela da TV é aqui um portal que envia o telespectador para os limites da cultura, fundindo tradição e modernidade, mostrando o aborígine cantando hip hop (uma forma de atualização de sua musica ancestral) e, depois, o mesmo aborígine em sua terra natal, cantando para os deuses. Vemos claramente as frontei-

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ras dos territórios culturais, da magia ao moderno, do canto ancestral ao hip hop, da cultura pop e do videoclipe. O segundo filme é a busca do autor para reencontrar sua família e reconstruir sua identidade, em uma viagem para compreender a sua condição no mundo depois da adoção por uma família americana. De origem indígena canadense, o autor foi adotado com 7 anos por uma família americana, já que sua mãe estava envolvida com alcoolismo (a relação índios e alcoolismo parece ser mesmo um problema global) e não tinha condições de criá-lo – nem ele nem seu irmão, que também fora adotado e que na época tinha quatro anos. O autor organiza um encontro das duas famílias em Winnipeg, no Canadá. O filme intercala imagens externas com imagens mais subjetivas que o autor faz com sua câmera portátil. Apesar de todas as dores, o filme mostra o encontro emocionante das famílias, coordenado por uma espécie de xamã local. Nesse caso, o autor busca reconstruir seu território subjetivo, sua identidade, passeando pelo espaço in between de sua condição de índio, canadense e americano. Ele busca compreender sua origem e seu futuro nessa fronteira entre a família de sangue e a família adotiva que se reencontram para criar um território, nesse “lugar intermediário”.

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Sábado, 05 de novembro de 2007 Ao lado uma zona de livre acesso Wi-Fi em Edmonton. A maioria dos cafés, shoppings e hotéis oferecem conexão, mas mediante pagamento a um provedor. Hoje, andando no centro, vi esse cartaz anunciando um hotspot público na Churchil Square... Não vi ninguém acessando e o frio é mesmo desestimulante, mas parece haver algum esforço da cidade nesse sentido. Rede Wi-Fi pública e livre na Churchil Square, centro de Edmonton, Outono 2007 editoraplus.org

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Quarta, 07 de novembro de 2007 Salvador, Capital Cultural Global Alguns rápidos comentários sobre a palestra de Rob Shields hoje sobre o tema “Capitais Culturais Globais, o caso de Salvador”, no Art Building da University of Alberta. O argumento mais interessante desenvolvido por Shields foi a relativização do que seriam “cidades globais”. Muitos autores contemporâneos identificam as cidades globais (NY, Tóquio, Londres) a partir do fluxo financeiro, informacional e pelo peso de instalação de companhias globais (Sassen). Embora estes princípios estejam sempre atrelados a dinâmicas sociais e culturais (não podemos dizer que Tóquio, NY, ou Londres não sejam capitais culturais globais), pode-se levantar a hipótese de que seria possível pensar em capitais culturais globais sem que as mesmas tenham, necessariamente, a presença pesada de fluxos (financeiros, científicos, informacionais) ou empresas globais. Este ponto é interessante e mereceria mais investigação. Poderíamos pensar, segundo Shields, em Viena, Buenos Aires, Moscou, Machu Pichu... nesses termos. Shields tentou, a partir daí, discutir a posição de Salvador, identificando, ao mesmo tempo, traços de globalização cultural e problemas de posicionamento da cidade

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em relação aos padrões de globalização. A discussão foi interessante, principalmente por Salvador, de alguma forma, parecer recusar participar dessa dinâmica global (embora os governantes e fazedores de política queiram isso a todo custo, para dinamizar a cultura, a sociedade, o turismo, a economia etc.). Há algumas evidências dessa falta de interesse, digamos assim, para entrar na globalização: não há turismo efetivamente global, os serviços são ruins, o transporte deficiente, muita violência e insegurança, não se fala inglês, não se encontram muitas informações em outras línguas (não é fácil achar, por exemplo, na Casa de Jorge Amado, livros do próprio em inglês), etc. Talvez isso se dê pela mistura de narcisismo e provincianismo do baiano, que, na realidade, já se acha no centro do mundo, o berço mesmo da globalização: “cidade da alegria”, “o baiano não nasce, estreia”, e outros clichês do gênero. Há também o lado da resistência (embora involuntária) em participar desse “padrão de globalização”. Uma resistência contra-cultural, no caso, contra os padrões da globalização: a cultura baiana se basta, já que tem a melhor comida, a melhor música, as melhores praias... Não falei nada e me limitei a apreciar, como brasileiro e morador de Salvador, a curiosidade e a visão “global” de estrangeiros sobre a nossa cidade (visão totalmente legítima e bem verdadeira, na minha opinião). Aproveitei para curtir o espetáculo de estar quase no pólo norte, em Edmonton, a 2 graus com um céu cinza, cercado por canadenses, asiáticos,

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russos, ouvindo Rob falar de candomblé, do sol, das praias, do acarajé, das favelas e dos orixás... Uma delícia! Eles viam Salvador de forma “ex-ótica”... e, da mesma forma, eu os via! E isso não tem nada de depreciativo. Um bom papo e uma boa discussão que me fizeram pensar no que pode significar “casa”, “lar”, “território”!

Sábado, 10 de novembro de 2007 Passei o dia todo no Art and Science Symposium. As discussões pela manhã me cansaram, mas a tarde foi bem legal. Primeiro houve uma discussão sobre a questão do “tangível e do intangível”, do atual, do virtual, da materialidade, da imaterialidade. Depois, fui até a minha sala na Universidade e cruzei com duas coisas estranhas: primeiro um cartaz no ponto de ônibus avisando que acharam um iPod... Para devolver!!!! Depois me deparei com algo branco brilhando no asfalto, e, chegando mais perto, vi que era isto. E, para relaxar, fui ver um Andy Warhol na Alberta Art Galery em exposição sobre a Pop Art. Depois, voltando para casa, desci do ônibus bem antes do meu ponto e fui andando pela interessante 124th Street (vários restaurantes gregos, cafés, galerias e uma loja especialista em quadrinhos em um shopping comercial). Andando, me depa-

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rei com abajures gigantes no meio de uma passagem. Ah, já ia esquecendo. Ontem duas noticias bizarras na TV: uma campanha para diminuir a violência aqui (???) com o paradoxal nome de “fight violence”... E o aviso que coiotes estão ameaçando os corredores no vale. Cidade bizarra!

Cream alimentando o asfalto! editoraplus.org

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Anotações Urbanas em Edmonton No centro da cidade, saindo da minha aula de inglês, anotações urbanas em tapumes, territorialização no espaço público.

Arte urban a nas ruas de Edmonton

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Domingo, 25 de novembro de 2007 Passando o primeiro mês aqui em Edmonton, ainda não me sinto muito à vontade para fazer análises mais profundas sobre a cidade, sobre as formas de sociabilidade, o espaço e o uso das tecnologias. Mas algo tem me chamado a atenção: a obsessão por segurança. Tudo gira em torno disso: dirigir, atravessar a rua, comprar comida, viajar, usar o computador, tudo... A palavra “segurança” aparece freqüentemente nas peças publicitárias, refletindo mesmo o estado das coisas por aqui, e mesmo o supermercado chama-se “Safeway” (embora seja britânico). A pré-ocupação (já que pensar em segurança é de alguma forma estar sempre no futuro) às vezes me incomoda e chego mesmo a sentir falta e apreciar a nossa (brasileira) completa vivência no aqui e agora, no presente urgente, sem qualquer garantia de segurança, se arriscando o tempo todo. Vejam só o paradoxo. Nós, que temos violência, ausência completa ou eficiente de padrão de qualidade em objetos, máquinas e mesmo alimentos, não nos preocupamos muito com a segurança. Aqui em Edmonton, onde o índice de criminalidade é baixíssimo e os padrões de qualidade altíssimos, há uma verdadeira paranóia em relação a esse tema.

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Lendo o jornal gratuito e cultural See, deparo-me com uma matéria sobre controle de acesso de pessoas em bares. Agora, para entrar em alguns estabelecimentos, é obrigatório o “scanning” dos documentos de identidade com o sistema “BarLink”. A discussão, como sempre, é entre o limite legal da exigência e a segurança. Parece ser exagero reter informação pessoal para entrar em um bar e tomar uma cerveja. Bom, segundo alguns, a exigência seria mesmo ilegal, já que ninguém deve ser obrigado a fornecer seu nome de família, identidade e um documento para passar em um scanner que irá reter esses dados em bancos de dados ligados à polícia. Claro, pode-se pedir para ver a idade das pessoas para entrar, para evitar a entrada de menores. Dizem que, se você quiser, é possível pedir para tirar o seu nome do sistema, mandando um e-mail ou ligando para a empresa. A questão é a segurança, e vários depoimentos na matéria ressaltam isso. Por exemplo, a dona do Pub Druid, na Jasper Avenue - avenida que cruza o centro da cidade que não enfrenta problemas no seu estabelecimento, pensa no futuro e diz: “just because something hasn’t happened doesn’t mean something won’t happen. It’s a preemptive planning”. Uma freqüentadora de bares concorda e afirma que ela “woundn’t enter a establishment that didn’t have BarLink, because of safety concerns. She says troublemakers go to clubs that don’t scan Ids”.

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Estou tocando nesse assunto porque essa questão é central para a discussão sobre “territórios informacionais”. Busco entender esses novos territórios em relação aos espaços de lugar das cidades e o uso das tecnologias móveis e processos com as mídias locativas. Li recentemente o livro “Human Territoriality: Its theory and History” (Cambridge University Press, Cambridge, 1986) de Robert Sack, fundamental para compreender a territorialidade humana. Penso que as novas formas de controle eletrônico de pessoas e de objetos reforçam a ideia de um território informacional ameaçando a privacidade e o anonimato. Sack diferencia, em primeiro lugar, a complexidade da territorialidade humana daquela da vida animal. A humana seria intencional, comunicativa, de historicidade aberta, criadora de instituições, abstrata e vinculada ao exercício do poder, sendo assim não apenas naturalmente motivada, não instintiva, mas principalmente “socially and geographically rooted”. Para Sack, a territorialidade humana é uma “powerful strategy to control people and things by controlling area”. A territorialidade humana é um meio indispensável para o exercício do poder em todos os níveis. A territorialidade humana é “a control over an area or space that must be conceived of and communicated’. Territoriality in humans is best understood as a spatial strategy to affect, influence, or control resources and people, by controlling area”. Aqui em Edmonton, a obsessão pela segurança é uma forma de aceitar esse exer-

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Territorialidades Urbanas. Skatistas, não ultrapassem esse limite

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cício do controle (como Deleuze, controle na mobilidade) de bom grado, de se sujeitar aos novos poderes exercidos dentro desses territórios informacionais. A questão é assim social, política, estética e tecnológica, se é que podemos separar estes termos. A defesa da privacidade e da segurança é fortíssima. Para terem uma ideia, ontem, quando fui pegar livros na biblioteca, vi os que estavam separados para mim e fiquei olhando os outros livros na estante esperando os outros usuários. Rapidamente uma bibliotecária chegou junto a mim e disse que eu não poderia ficar olhando os livros,

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que não poderia ficar “bisbilhotando” o que as outras pessoas estão pegando. Fiquei surpreso já que só olhava os títulos e não os nomes das pessoas que os reservaram. Mas gostei da defesa da privacidade e do anonimato, tão ameaçados hoje em dia. Na sequência, fotos sobre os territórios, as bordas e as fronteiras que cerceiam meus movimentos na cidade. Esses territórios aparecem fisicamente e mais claramente no nosso dia a dia, mas há os menos visíveis, os eletrônicos-informacionais. Ave. of Nations, Edmonton

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Quarta-Feira, 28 de Novembro de 2007 Pensar hoje temas como comunicação, espaço, lugar e território torna-se central para compreender o que está em jogo na interface atual entre vida social e espaço urbano midiatizado pelas novas tecnologias digitais móveis. A relação do lugar com as mídias sempre foi problemática, já que vários estudos apontam para a tendência das mídias de massa para a destruição das relações sociais autênticas, do sentimento comunitário, do face a face... elas destruiriam assim o “lugar”, essa parte socialmente construída do espaço. A globalização e as novas tecnologias do ciberespaço estariam agora soterrando definitivamente o lugar. A mobilidade (de pessoas e de informação) ameaça o lugar, já que este é majoritariamente visto como ponto de fixação, de enraizamento (podemos colocar aqui Tuan, Lefebvre, Harvey, Augé). Os fluxos apagam, destroem, enfraquecem os lugares. Como podemos pensar isso hoje, nas sociedades avançadas e na era dos fluxos globais de informação, pessoas, mercadorias e capital? Os “lugares” só existem nesse movimento de fluxos, e isso sempre aconteceu, com todos os lugares, em todas as épocas. Apenas uma visão mais nostálgica vê o lugar como centro comunitário, a casa, a família (muitos estudos culturais feministas questionam essa visão de lugar desenvolvida até meado dos anos 80). Os lugares são espaços de sentido, foreditoraplus.org

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mados por diversas tensões e linhas de fluxo que os compõem. Vejam por exemplo os bairros do Rio Vermelho, em Salvador, de Copacabana, no Rio de Janeiro, ou da Vila Madalena, em São Paulo, apenas para citar o Brasil. Eles não são lugares estáticos, de vínculo enraizado de uma comunidade, mas, pelo contrário, ganham o status de “lugar” justamente por serem formados por uma miríade de tensões, fluxos, comunicação, entrecruzamentos corporais, sonoros, visuais, étnicos, sexuais – que, embora sejam fluxos diversos, criam efetivamente a ideia de um lugar, um pertencimento dinâmico. Embora fluxos, Copacabana, Rio Vermelho e Vila Madalena são lugares, já que constituídos por dinâmicas sociais e históricas próprias. Podemos dizer, como hipótese ainda, que as diversas experiências com as mídias locativas estão criando novas significações no espaço urbano, produzindo novas e reforçando antigas “localidades”, e não simplesmente as destruindo. Esse é o interesse em se pensar o “território informacional” como um “território” formado por fluxos eletrônicos em meio a outras formas de territorialização que se enraízam em espaços sociais criando, transformando, consolidando “lugares”. Como afirma Pred, “places are never ‘finished’ but always ‘becoming’. Place is what takes place ceaselessly, what contributes to history in a specific context through the creation and utilization of a physical setting” (Pred, 1984).

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O “lugar” Old Strathcona na White Avenue, Edmonton

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Os lugares (e diria mesmo todos, não só os atuais) nunca estão finalizados, acabados, “pausados” como diria Tuan, mas estão sempre na tensão entre “virtualização”, a fuga, o movimento, o fluxo, e atualização, a territorialização e o enraizamento. Ele é sempre um resultado de mobilidades, de fluidez entre membranas, de tensões em suas diversas territorialidades. O lugar não é a fixação do movimento, mas uma atualização temporária de uma virtualidade infindável que o transforma e o caracteriza como “evento” (Escobar, Massey, Thrift) e não como “ponto”. Aqui em Edmonton, vemos claramente esses entrecruzamentos na White Avenue, na Jasper Avenue no centro da cidade, em alguns pontos perto da Ravine. As cidades se constituem nesse fluxo de tensões territorializantes e desterritorializantes.

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Café Dabbar, meu lugar na White Avenue, primeira neve em Edmonton editoraplus.org

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Fluxo na noite na White Avenue, o lugar mais dinâmico de Edmonton editoraplus.org

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Terça, 04 de dezembro de 2007 Derivas e GPS Pensar os lugares é pensar a mobilidade e a dinâmica dos fluxos. Começo aqui a testar algumas derivas com GPS e mapeamento dos meus percursos com o Google Earth e o Google Maps. Estou usando um GPS Data Logger, o WBT 100 (minúsculo, do tamanho ou menor que um Zippo, deve ter 6 x 2,5 cm) que coloco no bolso, ligo, saio ando e ele registra meus passos. Ele é ao mesmo tempo bússola, GPS (latitude, longitude, altura, direção, velocidade do deslocamento) e logger, isto é, grava os dados do deslocamento. Depois, passo esses dados (pode ser em formato para Google Maps, Google Earth ou outros) para o laptop (por bluetooth). Posso também ir navegando em tempo real com ele acoplado ao laptop (mas ainda não testei isso, pois não achei mapas gratuitos daqui). Fiz algumas fotos do percurso (com uma Kodak M883 de 8MP) e, com o Photo GPS Editor, indexei as fotos aos pontos – e aí está!

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Abaixo o meu percurso da Universidade de Alberta para a White Ave (a pé e de ônibus), e o histórico bairro de “Old Strathcona” com algumas fotos. Este deslocamento mapeado e geolocalizado é para mim uma forma de conhecer melhor a cidade e de criar sentido neste lugar. Não é por acaso que inúmeros projetos com as mídias locativas utilizam escritas e desenhos com GPS. Os primeiros artistas usavam justamente os GPS (em uma apropriação de uma tecnologia militar) para desenhar (o GPS Drawing do pioneiro Jeremy Wood, ou as derivas de alguns cidadãos no Amsterdam RealTime, de Esther Polak). Retornamos assim a praticas artísticas que buscam fazer do andar uma arte e criar sentido ao urbanismo racionalizante, como a deriva e a psicogeografia dos dadaístas, surrealistas e situacionistas. Alguns projetos com as mídias locativas parecem estar em busca do “urbanismo unitário”.

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Ciberflânerie, disponível em: http://ciberflanerie.blogspot.com

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Old Strathcona

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Sexta, 07 de Dezembro de 2007

Zôo em Edmonton

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Ontem no ônibus, na hora do rush (aqui é às 16h), muitos usavam laptops, consoles de games, celulares com ou sem GPS. Só à minha volta, tinha um rapaz com um MacBook, um outro jogando no console de games, uma mulher na minha frente usando o GPS no celular (não consegui fotografar) e um terceiro checando e-mail no Blackberry... Lugares de mobilidade física que são, de agora em diante, lugares de mobilidade informacional. Ônibus, trens, aviões e navios ou ferries seriam as novas heterotopias por excelência, para usar o termo de Michel Foucault. Voltarei mais adiante a este ponto. 71


Quinta, 13 de Dezembro de 2007

Telus, World of Science, Edmonton

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Domingo, 15 de Dezembro de 2007

Snow Valley

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Quarta-Feira, 02 de janeiro de 2008 Há alguns meses na cidade de Edmonton posso afirmar que é difícil pensar o espaço público onde reina o automóvel e onde o frio coloca as pessoas sempre em zonas comerciais fechadas, circulando por “pedways” (passagens de pedestres por pontes fechadas ou lugares subterrâneos). Apesar disto, há na cidade vários hotspots (em cafés e nos centros comerciais), uma certa cultura dos games, algumas zonas Wi-Fi livres, celulares 3G e smartphones, – mas a cidade está longe de ser uma cidade pulsante em termos de cibercultura ou de socialidade tout court. Ontem, os edmontonianos bateram um record e entraram para o “Guinness” em termos de sociabilidade on-line. Foi criado um blog onde (apenas) 100 pessoas colocavam seus desejos para a cidade em 2008, em 3 horas. A ideia é discutir a localidade e divulgar a potência e a facilidade dos blogs como ferramenta informativa e de sociabilidade. A ação criou uma nova categoria e, logo, um novo record. Não entendi muito bem qual seria o interesse, mas a “operação” foi feita para entrar no livro e incentivar os blogs por aqui. A matéria do “Edmonton Journal”, “Bloggers set world record to gain skills”, mostra o “feito”. Refletindo sobre esta questão, post do “Space and Culture”, “Winter is Public” argumenta que, aqui em Edmonton, o espaço público é o ciberespaço, já que os edmontonianos

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discutem muito a cidade em fóruns como o “Connect2edmonton”. Vejam trechos dos posts no Space and Culture: (...) But there is a further question - one may assume that Edmonton streets emptied by buildings being interconnected by overhead ‘pedways’ reflect a lack of interest in the cities public spaces. The paradox is that the public sphere is online: Edmontonians are the most vocal, engaged and opinionated population I’ve ever encountered when it comes to the city and its spaces (...) (R.Shields)”.

Quinta-feira, 03 de janeiro de 2008 It’s gone three A.M. It’s getting closer. Not ‘tomorow’, I can’t play that trick on myself for much longer. Today, today: the soft drumming of the rain seems to be saying it over and over (...) Hapiness breeds hapiness: it’s as simple as that? It’s not biology, but it’s the best and the soundest system of reproduction...” (Graham Swift, “Tomorrow”, Random House, CA, 2007).

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Domingo, 06 de janeiro de 2008

Jasper Lodge, congelado! apreciando o lago

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Sábado, 12 de janeiro de 2008 Dois dias nas montanhas de Jasper ajudam a descomprimir: rios, geleiras, lagos congelados, coiotes, renas, grutas..., realmente um lugar sublime, no sentido kantiano do termo. Paisagens que nos arrebatam em suas belezas e dimensão e nos colocam no nosso verdadeiro lugar; um nada na imensidão da natureza. Li uma crítica do livro “Surfacing” (1973), de Margaret Atwood, em que ela defende a tese de que os canadenses se sentem “vitimas da natureza”. Aqui dá para entender o que isso pode significar. Vemos pequenas cristalizações sociais, pequenos lugares onde o espaço gigantesco e ameaçador pela sua beleza radical reina. Sintomaticamente perdi meu GPS tracker! A cidade de Jasper é pequena, cravada no pé das Montanhas Rochosas, mas simpática com toda a infraestrutura. Voltarei com certeza no verão para ver a mudança da paisagem. Aqui foi um tempo de esqui, de conhecer o “Maligne Cagnon”, geleiras ancestrais, de circular pela cidade e ver os animais, como renas. Dias maravilhosos, frio intenso, alguma neve e muita, muita alegria e contato íntimo com a natureza. Na foto abaixo, lugares reescritos pelas práticas quotidianas, o andar como forma de escrever o espaço (Michel de Certeau).

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Invenção do Quotidiano. Em Jasper, passantes escrevendo seus próprios caminhos. editoraplus.org

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Segunda, 21 de janeiro de 2008 Mesmo no frio e com dificuldade de locomoção, fiz muitas flâneries por Edmonton. Saía andando independente do tempo lá fora. As fotos abaixo mostram imagens de algumas caminhadas.

Cemitério, Edmonton

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Cemitério, Edmonton editoraplus.org

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Paisagem sublime com a Lua em Edmonton editoraplus.org

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Domingo, 27 de janeiro de 2008 Inverno rigoroso, frio glacial. Da minha janela, já não se veem mais as fronteiras do jardim, da calçada e da pista. Chegando a -43oC com o Wind Chill.

Vista da janela

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Segunda, 28 de janeiro de 2008 Falling Man Estou lendo o novo livro de Don DeLillo, “Falling Man” (NY, Scribner, 2007), sobre os acontecimentos do 11 de setembro. É interessante como o livro parte de uma foto, que vira uma história publicada em uma revista, que se desdobra em documentário e que é agora personalizada em um artista-performer fictício homônimo criado por DeLillo. Recursividade multimidiática: Fato - Foto - Ensaio para revista - Filme documentário TV - Romance. Será possível assim digerir o acontecimento? Explico. Inicialmente, “Falling Man” é o título de um ensaio publicado na revista “Esquire” a partir da fotografia de Richard Drew, tirada em 11 de setembro, às 9:45h. A foto de um homem se jogando do WTC em chamas foi considerada chocante, voyeurística e, posteriormente, boicotada pela imprensa americana. Essa imagem, e o ensaio da “Esquire”, deram origem a um documentário para a TV, o “9/11: The Falling Man”, de Henry Singer (2006). Agora, Don DeLillo vai adiante e desdobra o imaginário em seu novo romance. Ele cria o artista performático “Falling Man” que se pendura de caeditoraplus.org

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beça para baixo nas ruas de Manhattan para chamar a atenção sobre as pessoas que se atiraram das torres em chamas como um “homem aranha”: “She’d heard of him, a performance artist known as Falling Man. He’d appeared several times in the last week, unannounced, in various parts of the city, suspended from one or another structure, always upside down, wearing a suit, a tie and dress shoes...” (p. 33). Esse é o primeiro romance que leio sobre o 9/11 (li o “Brooklyn Follies”, de Paul Auster, que toca no assunto, mas não de forma tão direta quanto o DeLillo). DeLillo cria uma personagem que simboliza a vertigem desse início de século e de milênio sob o signo do desmoronamento, do terrorismo global e do medo do futuro. Ele cria um curto circuito entre os fatos e as diversas modalidades midiáticas que representam/ produzem o real (o fato, a TV, a foto, o ensaio, o documentário, o romance) para, quem sabe, fornecer releituras da realidade que possam criar sentidos. Em “Falling Man” estamos no centro dos acontecimentos, em meio a poeiras e fumaças que não nos deixam ver claramente o futuro. - What is next? Don’t you ask yourself? Not only next month. Years to come. - Nothing is next. There is no next. This was next. Eight years ago they planted a bomb in one of the towers. Nobody said what’s next. This was next. The time to be afraid is when there’s no reason to be afraid. Too late now.” editoraplus.org

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Terça, 29 de Janeiro de 2008 Passei hoje o dia trabalhando com alguns livros sobre a questão do lugar, das mídias e das relações sociais. Revi, a partir de uma bibliografia mais atual sobre o tema, o “No Sense of Place”, de Joshua Meyrowitz (tinha lido em 1993), que retoma a sociologia situacionista de Goffman e cruza com a teoria das mídias de McLuhan para pensar os novos comportamentos sociais em relação à evolução das mídias eletrônicas. Como estou falando em “território informacional” e “territorialização”, vou no sentido contrário dos que pensam que o lugar perde sentido e que as cidades viram apenas fluxos informacionais desprovidas de sociabilidade. Estou trabalhando no sentido oposto, vendo formas de “localização”, “territorialização” e controle informacional. Meyrowitz escreve basicamente sobre a televisão e a cultura impressa para comparar e mostrar como as “mídias eletrônicas” (a TV, o rádio, os computadores - ele coloca tudo no mesmo “saco”) modificam as relações espaciais, alterando padrões de comportamento. A discussão me é útil para pensar as mídias locativas. Sua compreensão de lugar me parece hoje equivocada (melhor do que falar em “no sense of place”, seria dizer “new sense of place”). Bom, o livro é de 1985, antes da popularização da internet e muito

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antes do impacto das tecnologias móveis e do surgimento de novas tensões espaçotemporais. Escrevi algumas páginas sobre o tema tendo como companheiros E. Goffman e M. McLuhan. Sem saber, os fantasmas estavam bem aqui perto. Tomo coragem e saio, na temperatura e vento glaciais, para um café com Rob Shields no centro da cidade. Conversávamos sobre minhas leituras e, ao mesmo tempo, navegávamos em um palm com GPS, pelo Google Maps, quando ele me diz que a duas quadras de onde estávamos se situa o lugar onde McLuhan nasceu, e que Goffman também nascera aqui em Edmonton (na realidade Goffman nasceu em Manville, aqui próximo). Minha ignorância me levou à surpresa, já que ambos me fizeram companhia nesta manhã gelada de -30 C. Perguntei se havia alguma placa e a resposta foi negativa. Não há nenhuma indicação do lugar de nascença de dois dos mais importantes pensadores da sociologia e da comunicação contemporâneas (bom, parece que há agora um projeto para que uma “placa virtual” seja indexada aos locais no futuro). Interessante ver como personalidades de uma cidade podem ser “esquecidas”. Talvez seja também sintomático que as ruas não tenham nomes, elas são apenas números, como se não houvesse heróis ancestrais, legítimos ou forjados, para serem lembrados. Curioso também constatar como uma cidade onde prevalecem os grandes espaços vazios, a circulação automobilística e o editoraplus.org

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frio intenso possa ter gerado dois acadêmicos que vão justamente pensar a “ecologia da comunicação” e as relações face a face, a microsociologia do quotidiano. Esse lugar frio e vazio ganhou para mim “a new sense of place”!

Domingo, 03 de fevereiro de 2008 Fronteiras Ontem, andando em Old Strathcona, encontro uma pequena reunião em praça pública contra a ocupação da faixa de Gaza. Algumas faixas, pessoas subindo no palanque, um lindo céu azul e um frio de rachar... Remissão à questão do lugar, dos territórios, das fronteiras, do espaço público, das faixas... Veja a foto acima.

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Segunda, 04 de fevereiro de 2008 Para começar a semana: “Os factos só são verdadeiros depois de serem inventados”. Crença de Tizangara no divertido e sarcástico “O último vôo do Flamingo” de Mia Couto (Cia das Letras, 2000).

Quarta, 06 de fevereiro de 2008 Nano World! Visitei hoje o “National Institute for Nanotechnology”. Vejam os dados para terem uma dimensão da coisa: “the $52.2 million, 20,000 square metre building is one of the world’s most technologically advanced research facilities and houses ultra quiet laboratory space - the quietest such space in Canada”. O centro fica aqui na Universidade e é um dos mais importantes do mundo em pesquisas na área do infinitamente pequeno. Um prédio de última geração, com equipamentos que dão abrigo a um pool de empresas incubadoras, em parceria com a universidade e o governo, para os editoraplus.org

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avanços nas aplicações tecnológicas nesse campo (tecidos, medicina, telecomunicação, computadores, materiais). A visita foi no bojo das discussões do seminário coordenado por Rob Shields sobre “Visibilidade e Materialidade”, justamente aqui onde nada se vê. Vimos algumas imagens que são representações e simulações dos fenômenos nano-microscópicos e não pudemos entrar nos laboratórios por medidas de segurança e para não interferirmos nos experimentos. Aqui a matéria (e o seu status) está em jogo no nível subatômico. A discussão do seminário ficou centrada (para resumir grosseiramente) na economia política da nanotecnologia, na inovação científica e tecnológica, no domínio da ciência e da técnica sobre o mundo exterior. Trata-se de um novo paradigma científico (teorias dos quanta, probabilidade – diferente do paradigma mecânico newtoniano), mas efetivamente de uma mesma dinâmica tecnológica (a nanotecnologia é a aplicação técnica dos princípios da nanociência), ou seja, de fazer, no nível micro, o que a humanidade persegue no nível macro desde a sua existência: transformação da natureza, criação de novas espécies e formas de vida, busca de poder, de controle e de consumação desse desejo de “sair de si”.

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Quinta, 07 de fevereiro de 2008 Fatos, Entidades e Sentimentos Passei o dia todo lendo Alfred Whitehead para compreender melhor a dinâmica do atual, do potencial, do fluxo e dos “afetos”. Isso pode ajudar a entender a dinâmica sócio-comunicacional das mídias pós-massivas e das tecnologias da mobilidade nas cidades contemporâneas. O que são os lugares, “an actual entity”, senão processos, linhas de fluxo, “eventos”? Como percebemos, “sentimos” essas entidades atuais e a própria dimensão do “urbano” (o virtual, a potência da concretude das cidades) hoje com as tecnologias móveis? Como a cidade concreta, o processo das coisas atuais, é subjetivizada na sensação (“feeling”) do urbano e como esse “feeling” influencia os processos sociais e comunicacionais? Deixo algumas citações de Whitehead para finalizar esse dia e sair para “sentir” o que pulsa lá fora! The general principle will be termed the ontological principle. It is the principle that everything is positively somewhere in actuality, and in potency everywhere (...). Each actual entity is conceived as an act of experience arising out of data. It is a process of ‘feeling’ the many data, so as to absorb them into the unity of one individual ‘satisfac-

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tion’. Here ‘feeling’ is the term used for the basic generic operation of passing from the objectivity of the data to the subjectivity of the actual entity in question. Feelings are variously specialized operations, effecting a transition into subjectivity. (...) An actual entity is a process, and is not describable in terms of the morphology of a ‘stuff’”(p.54). “All actual entities in the actual world, relatively to a given actual entity as ‘subject’, are necessarily ‘felt’ by that subject, though in general vaguely. An actual entity as felt is said to be objectified for that subject” (p. 55) “There is nothing in the real world which is merely an inert fact. Every reality is there for feeling: it promotes feeling; and it is felt.” (p. 364) (Alfred North Whitehead, Process and Reality, Collier-Macmillan, Toronto, 1969)

Quarta, 13 de fevereiro de 2008 Dias muito ocupados por aqui – preparando uma ação de “escrita invisível com GPS”, o que estamos chamando de “Writing Edmonton - SUR-VIV-ALL” para amanhã, dentro do que o Jeremy Wood chamou, desde o começo dos anos 2000, de “GPS Drawing”. É a primeira ação desse porte por aqui. Estou fazendo o projeto para testar

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as teorias referentes ao uso das mídias locativas e do uso do espaço urbano, e também just for fun! Na próxima semana devo colocar resultados, textos, reflexões e mais detalhes no Carnet de Notes. Tomei uma decisão importante neste mês e vou passar cinco meses em Montreal como pesquisador visitante dentro do meu programa de pós-doutorado na Faculdade de Comunicação da McGill. Isso não estava nos planos, mas decidi visitar uma outra universidade, expandir os contatos e conhecer melhor o Canadá, de oeste a leste. Fui convidado pelo colega e amigo Will Straw para ficar no Departamento de Comunicação dessa universidade. Já conheço Montreal (estive lá diversas vezes para participar de eventos acadêmicos), mas nada como morar na cidade para ter uma melhor ideia dessa região particular do Canadá, o Québec. Mas para não passar em branco o dia de hoje, como prometido, listo uma bibliografia do que li desde que cheguei aqui na Universidade de Alberta e que desenvolverei nos próximos meses na McGill University em Montreal. Os assuntos que mais pesquisei foram sobre “território”, “lugar”, “geografia da comunicação” e “mobilidade”, como vocês podem ver nas referências bibliográficas.

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Quinta, 14 de fevereiro de 2008 SUR-VIV-ALL e Areias Realizamos hoje o primeiro GPS drawing e mapeamento por “wardriving” de hotspots (abertos e fechados) em Edmonton, SUR-VIV-ALL, tendo como base o livro de Margaret Atwood, “Survival”. Vejam o site para terem uma ideia do projeto: http://andrelemos.info/survivall. Voltando para casa, depois de usar uma parafernália tecnológica (laptops, palm com GPS, GPS tracker, mapa impresso, aparelhos de foto e vídeo digitais), vejo no ônibus uma foto de um plano de ataque desenhado na areia, na fronteira do Chad com o Sudão. Locative Media High Tech versus Locative Media Low-tech ancestral e muito eficiente!

Sexta, 15 de fevereiro de 2008 SUR-VIV-ALL. Preparando os dados e mapas do projeto SUR-VIV-ALL, escrita com GPS pelas ruas de Edmonton, realizado ontem. A ideia surgiu do cruzamento da minha editoraplus.org

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leitura do livro de Margaret Atwood, “Survival”, com as minhas pesquisas sobre mídia locativa, cidade, mobilidade e novas tecnologias. Como vimos, no livro “Survival”, a autora defende a tese de que a relação com a sobrevivência é um padrão no imaginário da literatura canadense, tanto da prosa quanto da poesia: lutar contra as forças da natureza, contra os nativos, contra os animais... Assim, a partir da minha pesquisa sobre mídias locativas, tive o ímpeto de “escrever” a cidade com um GPS Tracker e de mapear alguns hotspots pelo caminho. Busco aqui, além de diversão, uma forma de me aproximar mais da cidade, de compreender e sentir seus espaços, seus lugares e suas dinâmicas. Mas, no fundo, é uma forma de ver minha “sobrevivência” aqui. A palavra “SURVIVAL” foi alterada para “SUR-VIV-ALL”, tentando criar sentidos diversos em francês e inglês, línguas oficiais do Canadá, e em português, minha língua materna. Em francês podemos ver ou inferir “SUR VIV(R)E/VIE...”, algo como um excesso e falta de vida, justamente quando sobreviver é o recurso mínimo e último da existência. Em português, “VIVA”, viver clamando a existência, um imperativo. Em inglês “survival”, o seu sentido original, acrescido do “ALL” que chama por uma dimensão social, pelo público e comunitário. O que está em jogo aqui é o imaginário da cidade (e do país), a relação com temperaturas extremas, o uso dos carros como padrão de deslocamento, os espaços vazios, editoraplus.org

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a inviabilidade dos processos eletrônicos (a escrita por GPS é invisível, assim como os hotspots Wi-Fi) em meio às estruturas aparentes do espaço público. Fizemos fotos, vídeos que tentam captar essa relação, mas tendo como fio condutor a relação com o mundo externo. Abaixo alguns trechos do livro de Atwood: The persistent cultural obsession of Canadian literature, said Survival in 1972, was survival. In actual life, and in both the anglophone and francophone sectors, this concern was often enough a factor of the weather, as when the ice storm cuts off the electrical power” (Preface, edition 2004, p. 8) “The original Survival question was: Have we survived? It was a good place to end in 1972, and it’s a good place now” (Preface, edition 2004, p. 13) “The central symbol for Canada - and this is based on numerous instances of its ocurrence in both English and French Canadian literature - is undoubtedly Survival, la Survivance (...) a survival can be a vestige of a vanished order which has managed to persist after its time is past, like a primitive reptile (...). But the main idea is the first one: hanging on, staying alive.” (p. 41)

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“Let us suppose (...) that Canada as a whole is a victim, or an ‘oppressed minority’, or ‘exploited.” (p. 45) “Canadian writers as a whole do not trust Nature, they are always suspecting sone dirty trick. An often-encountered sentiment is that Nature has betrayed expectation, it was supposed to be different.” (p. 59)

Andando na te

mpestade... Sobrevivência! Foto tirada du rante o Sur-viv-all

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SUR-VIV-ALL, escrita com GPS em 40km de Edmonton editoraplus.org

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Segunda, 18 de fevereiro de 2008

Hoje a “foto do dia” é a placa “Neighbourhood Watch”, presente em várias ruas da cidade e que me dá mais medo do que a suposta vigilância do Google Earth ou das câmeras de vigilância CCTV. O subtítulo da placa é aterrorizante e diz que qualquer atividade suspeita será reportada à polícia e que os vizinhos estão olhando. Isso em uma cidade com baixíssimos índices de criminalidade. O que seria uma atividade suspeita? Quem está olhando? Como essa pessoa que olha julga o que o outro faz? Se eu parar para descansar ou ouvir uma música por algum tempo, isso seria suspeito? O sentimento de intimidação é grande e talvez até maior do que o sentido com uma câmera CCTV apontada para o espaço público.

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Vigilância difusa... editoraplus.org

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iPod e Espaço Urbano Mudando de assunto, quero fazer uma reflexão sobre a relação entre os tocadores de música portáteis, o consumo musical e o uso do espaço urbano. Ando muito pela cidade, a pé ou de ônibus, e crio sempre um ambiente sonoro, um pano de fundo que me coloca de uma maneira especial nos lugares por onde passo. Mais do que isolamento, o iPod é para mim um dispositivo que cria um pano de fundo musical que dá sentido aos lugares. Lembro de determinados lugares ao ouvir determinadas músicas em um contexto totalmente diferente, por exemplo. Há alguns dias, penso na dimensão sonora das cidades e como os dispositivos móveis de áudio fazem parte da paisagem urbana contemporânea. Os tocadores de MP3, telefones celulares, palms, notebooks são todos equipamentos que funcionam como interfaces entre o espaço urbano, o espaço informacional e as redes sociais. É difícil andar na rua, entrar em ônibus ou metrô e não ver alguém com um mp3 player (ou ainda os “enormes” CD Players), ou celulares com esta função, ou netbooks... Os celulares e os palms ampliam ainda mais essa escuta em mobilidade pelos espaços das cidades. O regime visual parece estar em parte cooptado pelas estruturas organizadoras do espaço urbano, por painéis publicitários e, principalmente hoje, pela disseminação de editoraplus.org

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câmeras CCTV e toda uma parafernália panóptica de vigilância visual como sensores os mais diversos. Vimos acima o “Neighbourhood Watch” como mais um exemplo nesse sentido. Tudo é visto e esse regime de visibilidade torna-se uma forma de controle sobre o outro e sobre a administração da “res publica”. Mas o que dizer do som? Não seria o som uma zona de escape ainda sem controle? Bom, nem tanto. Um post do “Brooklyn Record” mostra um projeto de lei que visa regular a forma de escuta sonora no espaço urbano: quem for pego atravessando a rua com um dispositivo móvel (para o que nos interessa aqui, ouvindo um tocador de música - iPod, celular, ou outro) poderá ser multado em US$ 100.00. Até então, o regime sonoro, individual e fechado, em mobilidade, não era regulado (há apenas os limites do aparelho) e permitiam formas de escape da programação das cidades. Há diversas maneiras de escapar já que a “governamentabilidade” (Foucault) não é nunca totalizante: produção de experiências corporais e de desejo, imaginação a partir de diversas formas de escrita (arte, mídia), o imaginário, mas também práticas juvenis de uso e de temporalidades diferenciadas do espaço como o graffite, o skating - ver o excelente “Paranoid Park” - ou o “parcour”, a leitura aberta da mídia e hoje a internet. Vejam Amin e Thrift, “Cities. Reimagining the Urban” para uma análise mais detalhada. As cidades são controladas, mas são também zonas de escape já que essa governamentaeditoraplus.org

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bilidade não atinge todos os seus recônditos (lugares onde leis e regulamentos não funcionam, regimes noturnos, etc.). Algumas formas de uso do espaço com as mídias locativas, como venho mostrando no meu Carnet, criam temporalidades e usos fora da norma do espaço urbano, novas (re)territorializações: anotações urbanas, GPS drawing, location-based mobile games, smart e flash mobs, produção livre de conteúdo com geotags e mapeamento... E o iPod nisso tudo? Podemos dizer que os dispositivos móveis de produção e reprodução sonora são também criadores de zonas de escape, como uma escrita cognitiva do espaço, como produção social, criando sentido de lugar. Rádio de pilha, Walkman, iPod, ao mesmo tempo que criam um isolamento em um bolha acústica, apontam para uma inserção sensível no ambiente visual, na “paisagem”. É como se marcássemos um território (informacional?) controlando a “trilha sonora” da deambulação quotidiana. Por exemplo, quando me exercito, às vezes intercalo andar e correr de acordo com o tempo da música que toca no meu iPod. Isso me dá uma dinâmica para o exercício e uma forma de percepção do espaço a minha volta, criando texturas não só sonoras, mas visuais. Se esquecer o iPod, eu volto, já que me é quase impossível correr e andar sem o pano de fundo sonoro... Na realidade, acho mesmo que corro para ouvir música! E quando saio e vou para a rua resolver coisas, muitas editoraplus.org

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vezes vou sem o iPod, para ter uma outra imersão no ambiente a minha volta. Ou seja, essa prática muda a minha relação, sensação e percepção do espaço ao meu redor. Todos que usam iPod (ou outro equipamento similar) têm essa mesma sensação. Algo remete aqui ao espetáculo - distanciamento e olhar como “testemunha” -, e é regência ao controle da paisagem externa por uma mistura fluida de ouvir, olhar e sentir. O que sentimos quando dobramos a esquina e nesse momento toca “aquela” música? E se for uma outra? No fundo, fico pensando em qual seria mesmo o objetivo e o prazer de andar ouvindo música senão o de re-significar o espaço, de sentir e ver os lugares e as pessoas de outra forma, de criar uma zona de escape ao lugar instituído, de criar o meu sentido de lugar. E o meu lugar aqui é um “evento” (Thrift), não a imobilidade ou a base de um enraizamento ou isolamento. Visitando a bela região de Castle Downs, ao norte da cidade (a parte mais ao norte que fui no planeta), vi um imenso lago congelado e este carro de supermercado engolido e congelado pelo lago. A música que toca no meu MP3 me lembrará para sempre de Castle Downs.

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Carrinho em lago congelado

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Por falar em supermercado, ontem, passeando por Chinatown em Edmonton, encontrei coisas interessantíssimas no mercado chinês: manga ressecada, chips de jaca, ovos rosa e ovos de patos negros, lagostas vivas, mas embaladas em plásticos... uma variedade de coisas inacreditável, pessoas falando mandarim e comprando coisas que eu não tinha a menor ideia para que servia. A presença oriental é marcante por aqui (tanto que em uma estatística recente os nomes mais populares da cidade são, na ordem, Smith, Lee e Wong!) e o bairro se mistura com “Little Italy”, marcando uma convivência pacífica de diferenças (o mesmo acontece em Vancouver, Toronto e outras cidades canadenses). Lugares intercruzados de territorialidades bem marcantes, em paz, como a italiana e a chinesa! Lugar não é função, é interrelação!

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Mini auto-estrada, Edmonton. Winter, 2008

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Quarta, 20 de fevereiro de 2008 Baudelaire, Walter Benjamin, Flâneurs, Situacionistas, Michel de Certeau, artistas desenhando e escrevendo com GPS, desenvolvendo Location-Based Mobile Games, Locative Media... Todos esses personagens e processos colocam em evidência o andar como arte, como forma de apreensão do espaço e como forma de produção de sentido, criação de lugares, territórios. Não devemos romantizar muito as figuras do stroller ou do flâneur, ou a potência das mídias locativas, mas em cidades dominadas pelos automóveis e transportes rápidos, é sempre bom estimular a deambulação sem objetivo, a mobilidade física acoplada à informacional. Cidade e mobilidade são questões centrais para a comunicação. Elas adquirem maior importância no século XIX e no século XX, com a expansão dos meios de transporte e de comunicação surgem novas configurações hoje com as tecnologias “móveis”, que aliam, pela primeira vez de forma mais radical, mobilidade física e informacional. Pensem na radicalidade de trocas de SMS: textos fluindo, indo e vindo de emissores móveis de e para qualquer lugar do mundo.

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Strollology - Caminho feito por transeuntes fora da racionalidade do trajeto proposto pelos urbanistas O que temos aqui são duas dimensões fundamentais da mobilidade: a mobilidade física e a mobilidade virtual/informacional. Os estudos de comunicação têm investido em análises sobre localização de empresas de comunicação, sobre usos e estudos de recepção, sobre as funções noticiosas e locais das mídias, mas muito pouco na relação entre comunicação e mobilidade tendo como ponto de partida a “geografia” das relações sociais e as configurações do espaço urbano. No entanto, todo processo de comunicação implica movimento: saída de si no diálogo com o outro, transporte de mensagens sendo carregadas por diversos suportes. Trata-se, efetivamente, de mobilidade (informacional/virtual) quando falamos em comunicação. E a mobilidade virtual tem impactos diretos na mobilidade física e na constituição do lugar. Podemos dizer que o telégrafo, os jornais, o telefone, o cinema, a fotografia, a TV, e hoje a internet, os telefones celulares, configuraram e continuam a configurar o espaço urbano. A mobilidade é o que me permite ir de um ponto a outro (fisicamente ou virtualmente, pelas informações), me des-locar. O “des-locar” aqui não é a negação do lugar, do “topus”, mas a sua ressignificação. Não se trata de um “non sense of place”, mas de editoraplus.org

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um “new sense of place”. Post do blog “Click Opera” retoma essa discussão. O autor faz uma relação entre o documentário de 1988 sobre Richard Long, “Stones and Flies: Richard Long in the Sahara”, o filme de Andrew Kotting, “Gallivant”, o documentário de Patrick Keiller, “Robinson in Space” e o livro (que aconselho a leitura por ser muito bom) “Walkscapes: Walking as an Aesthetic Practice” de Francesco Careri. Vejam trechos: (...) The way, in particular, walking gives you a certain perspective on landscape - a kind of alienation from alienation. Walking, in these films and books, might be an adventure, an exploration, a way of making art and architecture, an ‘intervention’, a way to approach urban planning, a situation, even a sort of politics. In Careri’s case, we get a complete history of subversive forms of walking as well as an aesthetics of perambulation: ‘From primitive nomadism to Dada and Surrealism, from the Lettrist to the Situationist International, and from Minimalism to Land Art, this book narrates the perception of landscape through a history of the traversed city’. (...) German Wikipedia tells me that strollology is a perfectly serious science founded by the late political economist, sociologist, art historian and planning theorist Lucius Burckhardt in the 1980s at the University of Kassel. Also called Spaziergangswissenschaft (knowledge about moving through space), it deals with human perception and its feedback into planning and building. (...) A blend of sociology and urbanism, strollology attempts to correct the way technical progress, from trains through cars to GPS, has alienated our perception of the landscapes we move through. (...) The other mail I received yesterday was from Nick Slater, director of arts at Loughborough University. ‘After reading today’s post on your blog’, he said, ‘I thought you might be interested to see that gaming / walking activity has reached Loughborough. It is interesting to see how editoraplus.org

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walking practice has taken on a new life with the advent of locative media. Roam: A Weekend of Walking (March 15th to 17th) has tried to combine the two and have feet in both camps’. (…)”.

caminho Marcas do GPS no nff de Calgary para Ba

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Sexta, 22 de fevereiro de 2008 Saio de Edmonton e vou passar uma semana em Banff conhecendo a cidade e o Banff Centre. Acima meu percurso hoje de Calgary a Banff e depois em Banff a pé... No mapa algumas fotos. Parte do projeto “ciberflânerie” do meu Carnet de Notes. Ao chegar em Banff aproveito para preparar duas conferências para a semana que vem, uma na Universidade de Alberta, no Departamento de Sociologia e outra no MediaLab Prado em Madri, no começo de março. Chego no hotel e há cinco conexões wireless, com uma aberta. E isso no meio das montanhas... Hypercity!. Abaixo foto do Banff Centre.

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Banff Centre

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Sábado, 23 de fevereiro de 2008 Banff e-history Estou no Banff Centre (free wireless em todo o complexo), um dos mais importantes centros de produção e reflexão em arte e novas mídias do Canadá e do mundo. A infra-estrutura é fantástica com vários laboratórios, hotel, piscina, sala de recreação e ginástica, teatros, auditórios, centro de convenções, etc. E tudo isso cravado nas montanhas do Parque Nacional de Banff. O Centro é na realidade um grande campus. Vou visitar amanhã ou na segunda-feira o Banff New Media Institute, com especial interesse no Mobile Lab. O Mobile Lab tem vários projetos com mídias locativas, dando suporte a pesquisadores e artistas interessados nessa temática. Conversando com pesquisadores do Media Lab de Banff, acabo de tomar conhecimento de um projeto com mídias locativas e crianças de sete turmas da escola pública de Banff. O projeto “Banff e-History” começou em setembro de 2007 e será apresentado na próxima primavera. O objetivo é histórico e pedagógico. O projeto tem como finalidade produzir (pelas crianças) conteúdo sobre a história da cidade utilizando GPS editoraplus.org

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e telefones celulares. As crianças, em duplas, escolhem um “hotspot”, marcam sua localização com um GPS e escrevem e gravam o que acharam de suas pesquisas sobre o lugar. Os áudios gravados tocarão automaticamente nos telefones celulares quando nas localidades. Vemos aqui uma interessante aplicação usando mídias locativas para a educação criando uma experiência de primeiro grau, gerando conhecimento do espaço físico real da cidade, de sua história e produzindo conhecimento (escrito, visual, sonoro) que fica no ciberespaço e que circula nos telefones celulares.

Domingo, 24 de fevereiro de 2008 Estou no Banff Centre trabalhando em um estúdio para residências. Os estúdios são cabanas completamente equipadas: computadores, conexão Wi-Fi, impressora, cozinha, banheiro, mesas, sofá, varanda... mas não é permitido dormir aqui. E isso tudo no meio do bosque, em um lugar exuberante. Só não tem paz de espírito e inspiração aqui quem não quer. Aproveito para conhecer o lugar e conversar com algumas pessoas. Bom, ao chegar ao atelier, nos deparamos com uma interessante e assustadora nota

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explicando como proceder se formos atacados por alces, pumas ou ursos. Vejam a nota que traduzo livremente para o caso de você encontrar um urso: Se encontrar um urso: 1. fique calmo (????) 2. não olhe nos olhos dele (!!!!!) 3. pegue o seu spray anti-urso e faça movimentos lentos (cadê o meu???) 4. ande para trás devagar e NUNCA corra (????) 5. se prepare para um blefe defensivo ou “woofing” (!!!) 5. fique parado o máximo que puder, qualquer movimento pode induzir a um ataque.

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Se for atacado: 1. deite-se no chão com o rosto para baixo, mãos na nuca e pernas abertas (como se for detido pela polícia!!!!) 2. se o ataque durar mais que alguns minutos (??????) prepare-se para contra-atacar (???????) para mostrar ao urso que você não é uma presa fácil (???????) Agora sim, estou tranqüilo e já sei como agir! A única segurança é que agora, no inverno, eles estão hibernando. Mas, de qualquer forma, vou chamar um segurança para voltar ao Centro pois já é noite!

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Segunda, 25 de fevereiro 2008 Mobile Lab, Banff Conforme previsto, visitei hoje o “Banff New Media Institute” e o “Mobile Lab”. Fiquei o dia todo lá. De manhã visitei o “Banff New Media Institute”, à tarde trabalhei no artigo e apresentações dos próximos dias e visitei o “Mobile Lab”. O “Banff New Media Institute” (BNMI) fica em um dos prédios mais modernos do Campus, com uma arquitetura que valoriza ângulos e transparência. Os ângulos se integram como parte das montanhas e a transparência dos vidros dá uma sensação de imersão no ambiente. O BNMI tem laboratórios de primeira nas mais diversas mídias (áudio, vídeo, TV, cave de RV, print media, etc.). Circulei com o diretor Jim Oliver e depois me concentrei no Mobile Media. O “Mobile Lab” não tem nada de especial: uma sala, cinco pessoas trabalhando e equipamentos usuais. Conversei com o Senior Mobile Researcher Angus Leech que falou sobre os projetos em andamento. Os projetos são basicamente três, um pedagógico, o Banff e-History, com crianças da escola de Banff, como já reportado aqui, o editoraplus.org

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“Trackline”, que usa GPS e celulares para produzir conteúdo sobre o fantástico ambiente ao redor, e um mais técnico, de desenvolvimento de aplicativos para celulares. O interesse do “Mobile Lab” está na relação natureza, locative media e mobilidade. Há planos de trabalhos com sensores para colher dados localizados do ambiente. O Lab desenvolve também software open-source para celulares. Todo o uso de celulares nos projetos vem dos programas desenvolvidos e de hacks da equipe. Por enquanto, só os celulares utilizados nos projetos podem acessar os conteúdos gerados. Há trabalhos, pesquisadores e artistas integrados com outras áreas do Campus. Reclamei que há pouca informação no site e pedi relatórios. Angus ficou de me enviar os documentos e de atualizar o site.

Sexta, 28 de fevereiro de 2008 De volta a Edmonton e preparando a viagem para Montreal. Para finalizar, uma lista de coisas que gosto e que não gosto em Edmonton:

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Gosto O fantástico céu, azul, vermelho, amarelo; Pessoas simpáticas e que puxam conversa a qualquer momento; Tranquilidade e mistura de cidade provinciana com metrópole; Alice em Edmonton; Esquiar e patinar; A Ravine; A família Shields, Rob, Bodhana, Sophie; A estrutura da University of Alberta, office, biblioteca, hub; Sony e Priscila Sung; Priscila Magaldi Neto;

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Rocky Montains, Banff e Jasper; Meu bunker - meu apartamento em Edmonton, tranquilo, onde produzi muito; White Avenue; Jasper Avenue; Café Java na Jasper Ave; Café Dabar na White Ave; Tempo para ler, escrever e pensar; A carne de Edmonton, steaks fantásticos; O “nosso” simpático motorista de ônibus do trajeto Shopping para Casa; Passear de ônibus em Edmonton, do início ao fim de linha; Croissant e cereais Fiber 1: Grappes aux Miel no café da manhã;

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Conexão de 10MB à internet em casa; Andar pela cidade em um frio infernal; Cinnamon Buns nos cafés; Jornais culturais gratuitos; Galeria Latitude 53; Bar/Resto perto da U of A. que não lembro o nome!; Little Italy e Chinatown, juntas. Não Gosto Transporte público: ônibus e apenas uma linha de metrô; Hockey na TV;

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O frio chegando a – 40C; Os serviços, preços e aparelhos de telefone celular; A apologia dos grandes carros; Ter que ter dinheiro contado e certo para o ônibus; Barulho na tubulação do meu apartamento devido à “thermal expansion”; Comprar bebidas alcoólicas apenas em lojas autorizadas.

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Montreal

Paisagem urbana em Montreal

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Domingo, 02 de março de 2008 Acabo de chegar em Montreal, cansado, e parto para Madri onde participo como palestrante do “2nd Inclusiva-net Meeting: Digital Networks and Physical Space”, no MediaLab – Prado. Mas não poderia deixar de marcar aqui hoje os sete anos do meu blog Carnet de Notes. Quando comecei, em março de 2001, não havia muitos na área de comunicação e muitos me diziam que eu não iria atualizar, que era uma moda e que passaria rápido. Não só estou a cada dia mais ligado a essa prática, como os blogs são hoje uma realidade incontornável em muitas áreas. A blogosfera não pára de crescer e me sinto orgulhoso em participar dela. E lá se vão sete anos!!! Hoje, depois de um belo sobrevôo sobre Londres a caminho de Madri (com excepcional vista do Palácio de Buckingham, London Bridge, Big Ben, Parlamento, a imensa roda gigante na beira do Tâmisa e a Swiss Re Tower), passei algumas horas em Heathrow zanzando, buscando conexões Wi-Fi (todas fechadas ou por assinatura) e li todo o “The Guardian”. A edição de hoje destaca muitas matérias sobre IPTV, ITV, ou seja, a televisão na era da rede, e uma nova série na BBC1, que começou ontem à noite,

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“The Last Enemy”. Trata-se de um cenário orwelliano, no qual todos são vigiados por bancos de dados, análise de DNA, CCTV, ID-card, pervasive remote sensor, iris scan, vehicle tracking... e os que vigiam sabem sobre nossas compras, ligações telefônicas, movimentos... As mídias locativas podem ser, efetivamente, ferramentas de invasão da privacidade e de violação do anonimato para fins comerciais, militares, políticos ou policiais. O novo regime “invisível” dos bancos de dados, de localização e cruzamento de informações, de monitoramento de perfis de consumo e dos movimentos pelo espaço urbano crescem na mesma medida que a liberdade de locomoção e de acesso/ distribuição de informação. Não é por acaso que estes serviços e tecnologias surgem de pesquisas militares, prolongando a vigilância estatal, policial, comercial e industrial desde o século XVIII. Empresas e governos têm utilizado essas tecnologias para a coleta de dados pessoais nem sempre realizada com o conhecimento ou o consentimento do cidadão. Para uma ação efetiva que proteja os indivíduos de sistemas de vigilância (estatais, militares, comerciais) que possam violar seus direitos, é necessário o reconhecimento dos novos territórios informacionais. A série faz um cenário hiperbólico da situação atual da GB, o país com o maior banco de dados de DNA do planeta e o mais controlado por câmeras de CCTV. Como na realidade, na ficção o cenário é jus-

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tificado em nome da segurança pública, já que o risco de ataques terroristas é grande. Não sei se há previsão de passar no Brasil, mas vale a pena ficar de olho!

Terça, 04 de março de 2008 MediaLab Prado - Estou agora no MediaLab - Prado Madrid. O prédio fica em frente ao Museo del Prado, na Plaza de las Letras. Um bunker vasto com mesas, computadores e infra-estrutura de rede. Simples e com ambiente de laboratório mesmo. Na entrada, um sistema com uma câmera que capta a imagem do visitante e projeta em uma tela em frente, dando a impressão de um espelho, mas não é reflexo e sim projeção de imagem “virtual” (em ótica, imagem virtual é aquele projetada em um espelho) em tempo real. Na chegada já entramos na “hiperrealidade”. A obra chama-se “AR_Magic System”, de Clara Boi e Diego Diaz (Valencia, Espanha) e foi feita no workshop Magia e Tecnologia no Interactiva 2007.

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Media Lab Prado, Madri

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Sexta, 07 de Março de 2008 La Niebla en las Palmeras Não sei se é o fuso horário ou algum jogo do acaso, mas quase não dormi esta noite, acordando às 4h da manhã... Tentei voltar para dormir, sem sucesso. Desisti e liguei a TV para ver se o sono me pegava, mas, ao contrário, fui pego pelo documentário/ficção “La niebla en las palmeras” (2005), que passava no Canal+. Um belíssimo filme, entre ficção e realidade, colocando em relação a potência da ciência, através da física quântica, da guerra, com o projeto Manhattan, da memória e do desaparecimento, através da fotografia, dos registros pessoais, da luz. O filme ganhou a segunda edição do DIBA (Festival Digital De Barcelona) como melhor longa metragem e como melhor direção. Há imagens da Áustria, França, Cuba, EUA e Alemanha. O filme vai intercalando fotos de 1900 com imagens caseiras dos anos 20 e filmes da Segunda Guerra Mundial, criando uma atmosfera entre ficção científica, documentário e poesia. Há uma narradora (acho que a filha do fotógrafo Santiago Bergson, que colaborou com o projeto Manhattan) que vai descrevendo sua perda de memória, seu desaparecimento junto com o das

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imagens, no que ela chama de “luz devoradora de tempo. (...) Não há mais foto, mais memória, só luz”. O filme mostra películas que vão se deteriorando com o tempo onde só se vê a luz do projetor. Ela diz mais adiante: “el futuro esta demasiado lejo... no me interessa más!”. Algo meio onírico, fragmentado, com imagens e sons que iam brincando com o meu estado, ao mesmo tempo em vigília e sonho. Em algum momento a narradora diz: “para que servem as imagens se não para salvar o homem...”. Fiquei achando que acordara para ver esse filme, mesmo sem saber, que ele me salvaria dessa noite mal dormida e que me daria coisas para pensar, coisas sobre minhas fotos antigas, minha memória, meus registros... Neblinas! O que aconteceu efetivamente. “Revi” fotos antigas que não me lembrava mais, e que nem sei onde estão. O amarelado do desgaste do tempo daquelas imagens ativou o amarelado dos registros da minha memória (minha infância, minha família, minha cidade de nascença...). Comecei a enxergar palmeiras através da neblina do tempo. No site do filme podemos ler: La Niebla en las Palmeras es probablemente la primera película cuântica de la historia del cine: un documental experimental que tiene como elementos la memoria, la historia, la ciencia y las imágenes. La Niebla en las Palmeras es una película histórica/ científica/ ficticia. Tres conceptos que están presentes a lo largo de toda la obra, unidos como los

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quarks, partículas elementales que no pueden ser separadas. Por este motivo La Niebla en las Palmeras es una película fundacional, un ensayo fílmico de rigurosa cienciaficción, una película sobre la historia de la ciencia, sobre la Historia como Ficción, una película que investiga la utilidad y la manipulación de las imágenes y, por lo tanto, la utilidad y la manipulación de la Historia. (...) Además de una investigación arriesgada, cuidadosamente manipulada, resultado de dos años de montaje de imágenes, la película está plagada de emoción porque La Niebla en las Palmeras es también una historia de amor, una historia sobre las fotografías como sustitutas de los recuerdos y sobre los recuerdos como sustitutos del amor, un relato sobre la guerra como destructora de los recuerdos y sobre la ciencia como un arma de doble filo, siempre peligrosa y a menudo utilizada de modo destructivo. (…)”.

E acabou... Mudei de canal e passava “Walking Life” (2001), filme também forte em imagens, embora em outro registro, e também sobre sono, sonhos, vigília, e a indiferença entre eles... Fiquei assustado. Aquilo era um pouco demais para as 5h da manhã. Desliguei a TV e fui para a rua para saber se estava mesmo acordado.

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Sábado, 08 de março de 2008 Madri Wi-Fi. Andando pelas calles de Madri não é difícil achar conexões Wi-Fi abertas. No hotel onde estou, vendem o acesso a 12 euros por 24h, mas tenho do meu quarto duas redes abertas e uso esse “território informacional” para me conectar sem passar pelo controle do hotel. Agora mesmo estou no meio da rua, sentado em uma Taberna (La Mina) e pego várias conexões, duas abertas, de onde estou blogando agora. Cidade desplugada, com acesso que me faz aderir a determinados lugares. Este, e outros, para além do circuito turístico, começam a ter um outro sentido para mim. O território informacional das ruas redefine certamente os lugares. A Taberna não é mais apenas um território lúdico e gastronômico, mas também informacional, digital.

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Rastros de Madri: mais uma ciberflânerie com GPS tracker... Andando...

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Norte? mercado Perdido no em Madri

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Domingo, 09 de março de 2008 Eleições Espanholas Hoje tem eleições na Espanha. Neste domingo, realizam-se as eleições gerais, inclusive para Presidente do Governo. 30 anos de eleições desde 1977, quando os espanhóis puderam, pela primeira vez, votar em seus representantes. Até agora, 14h, (segundo o jornal El País) o índice de participação situa-se em 40%, baixo, mas parece o normal historicamente pelo horário. Saio às ruas e, surpreendentemente, muito diferente do Brasil, não vi nada, nada de boca de urna, de panfletos, de sujeira, de faixas, nada. Literalmente não vi nada e um turista desavisado nem sabe que está se desenrolando uma eleição geral aqui. Incrível. Um domingo normal, parece. A partir das 21h, podese saber do andamento da contagem no site http://www.generales2008.mir.es. Os espanhóis votam em urnas clássicas, embora já tenha havido experiências com voto eletrônico, inclusive pela internet, mas apenas para teste. Não haverá teste esse ano e o voto eletrônico encontra na Espanha uma barreira legal já que ainda não tem validade jurídica. Conta-se na mão e coloca-se os dados em 11.000 PDAs que enviam editoraplus.org

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os dados por redes sem fio (GPRS, em canal seguro) a computadores para compilar os dados. No entanto, os cidadãos espanhóis poderão acompanhar o resultado da contagem dos votos por dispositivos móveis, enviando mensagem de texto “elec-con” e/ou “elec-sen” ao número 7743. Volto ao hotel, durmo e vou ao aeroporto para iniciar a minha volta para Montreal, mas as coisas não foram tão fáceis. Tormentas. Tormentas. Tento sair de Madri, mas não consigo. Tempestade e ventos fortes em Londres fecham Heathrow e tempestade de neve do século em Montreal me mantém aqui. Vou ao aeroporto, mas volto, pois os vôos para Londres foram cancelados. Volto ao hotel e não sei quando viajo... Cansado e irritado, olho pela janela do quarto e vejo “piernas a la ventana”... Para manter o bom humor. Saio para jantar em um restaurante cubano e acho essas inscrições bem conhecidas na parede. Ligo para a agência e consigo um vôo via Frankfurt de madrugada. Agora sim, saio do hotel de Madri de volta para Montreal...

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Restaurante cubano em Madri. Na parede, inscrições bem conhecidas: “Yemanya. Olokun, Ache”!

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Chegando, encontro esse cenário na porta da minha casa na Rue de Bullion.

Montreal, Ru

e de Bullion

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Segunda, 18 de março de 2008 Hoje, no cardápio, política e internet e a obra e vida de Louise Bourgeois. Primeiro assisti à conferência de Darin Barney, “One Nation Under the Google”, na McGill sobre a dimensão política da internet. Barney retoma a questão da politização da tecnologia e do potencial, ao mesmo tempo democrático e desagregador, das novas tecnologias. Ele reconhece que a Internet oferece ferramentas para o exercício da cidadania e do ideal democrático sem precedentes na história das mídias (o que venho chamando de funções pós-massivas), mas que também, pelo determinismo e pela busca da neutralidade do desenvolvimento científico e técnico, pode levar a uma despolitização e a uma aderência cega aos novos dispositivos sem questionamento, sem crítica. No fundo, o que ele propõe não é algo novo, mas levar em conta que a ciência e a tecnologia são ideologias (Habermas) e que, por isso mesmo, devem ser objetos de questionamento político desde suas bases: por que esse sistema operacional e não outro? Por que a disseminação de câmeras de vigilância? Por que esse sistema de TV digital e não outro? Por que esse tipo de celular e esse uso das redes? Na maioria dos países (ele citou casos de exceção na Dinamarca), estas questões são deixadas nas mãos dos tecnocratas, já que são “técnicas”. No entanto, elas são sempre políticas e editoraplus.org

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atingem os cidadãos que, nessa posição, devem ser capazes de exercer um julgamento sobre a coisa pública. Ele investe na máxima heideggeriana de que a técnica não deve ser vista apenas como um instrumento neutro e defende a ideia de que recusar ou aderir sem crítica ao desenvolvimento tecnológico leva ao mesmo erro: deixar a técnica ao seu próprio ritmo - ou seja, nas mãos da burocracia estatal, dos cientistas e dos engenheiros. No domingo assisti a avant-première mundial do documentário sobre Louise Bourgeois, “Louise Bourgeois: The spider, the mistress and the tangerine” (EUA, 2008) no FIFA, Festival International du Film sur l’Art. Um excelente documentário, informativo, sem ser didático e buscando cumplicidade ao se aproximar da sensibilidade da artista. A sua obra é uma depuração de sua própria história de vida. Saí apaixonado por essa senhora com mais de 90 anos que, com humor, sarcasmo, ironia e muita simplicidade, consegue fazer de sua vida uma obra de arte e vice-versa. Ela diz em determinado momento que arte não tem nada a ver com materiais (e olha que ela é uma escultora!), mas com ideias, com emoções e com sentimentos. Lembrei muito de uma exposição do Hélio Oiticica, “CosmoCoca”, mas não sei muito qual a relação. De qualquer forma, o documentário é longo, mas muito bom. No release do filme podemos ler:

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(…) As a screen presence, she is magnetic, mercurial and emotionally raw. There is no separation between her life as an artist and the memories and emotions that affect her daily life. As an artist she has been at the forefront of a succession of artistic developments, but always on her own powerfully inventive and disquieting terms. In 1982, at the age of 71, she became the first woman to be honoured with a major retrospective at New York’s Museum of Modern Art. In the decades since, she has created some of her most potent and persuasive work. The directors filmed the artist frequently between 1993 and 1998, at her Brooklyn Studio, and her work in museums in the U.S. and Europe. While revealing her childhood sources of pain, she describes the ritualistic processes by which her memories become embodied in sculptures and installations, whose aggressive magic the camera explores”.

E hoje, por fim, participei da discussão “Webfilm and Citizenship”, no seminário colaborativo entre o Centre for Research on Intermediality (CRI) e Media@McGill. Ambiente descontraído e produtivo, com vários pesquisadores (recém doutores, professores, mestrandos) travando discussões sobre as novas mídias e, principalmente, a Web 2.0. A ênfase hoje foi no YouTube e no que eles chamam, erradamente, ao meu ver, de “web-filme”. A partir daí, apareceram questões ligadas à cidadania, à censura, à política e, claro, à linguagem das novas mídias, e também aos gêneros audiovisuais, à narratividade, e ao novo papel dos internautas. Bom ambiente e discussões estimulantes. Bom mesmo foi ver a integração de dois grupos de pesquisa, de universidades editoraplus.org

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diferentes, que falam línguas diferentes, participarem juntos de um mesmo debate. Isso pode servir de lição para nossos grupos no Brasil que têm grandes dificuldades de relacionamento.

Quinta, 20 de março de 2008 Conceptual Art Exposições interessantes no Musée d’Art Contemporain de Montréal. Gostei principalmente do trabalho do artista canadense Geoffrey Farmer, de Vancouver, e do britânico Darren Almond. De Farmer, destaco a instalação, apresentada primeiro na Tate Gallery, em Londres, “Nothing Can Separate US (When the Wheel Turns, Why does a Pot Emerge?)” de 2007. Uma sala inteira com uma grande roldana propondo a ideia de sinos de igrejas e um conjunto de espelhos, quadros, pedaços de jornais, fotos e diversos cacarecos evocando questões relativas às mídias e à comunicação em geral: periódicos, cinema, fotografia, perspectivas, paisagem... Ao entrar na sala, ouvimos sons e depois percebemos um post-it com um número de celular. Ao ligar para o núeditoraplus.org

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mero indicado, um celular na sala recebe a ligação e aciona uma colher que bate em uma panela como um sino. Em jogo a comunicação humana e a condição de conexão permanente: “what can separate us”? Interessante também a vídeo-instalação em HD (high-definition) de Almond, “In the Between”, de 2006, que faz parte da exposição “Une image sonore”. Nessa instalação, entramos em uma sala com três telões mostrando no centro monges tibetanos sentados, entoando cantos, mantras que se repetem, e, nas duas outras telas, imagens de trens e de paisagens gravadas a partir dos trens, mostrando movimento e, ao mesmo tempo, a repetição. Essa instalação me levou a pensar mais uma vez como a mobilidade está sempre atrelada à imobilidade. No fundo, uma parece ser condição necessária à outra. A vídeo-instalação mostra a tensão entre mobilidade física (transportes, redes de estradas de ferro, paisagens que se desenrolam diante de nós – o espetáculo) e mobilidade imaginária, informacional (os monges imóveis, sentados no centro, entoando mantras minimalistas que dão o ritmo e criam a trilha sonora da instalação). O público, sentado ou em pé, participa dessa tensão: mobile imobile. Podemos ler no catálogo: In the 2006 work In the Between, Almond follows the new railway line between Xining, China, and Lhasa, Tibet. Dubbed the Celestial Road, the track crosses the Kunlun Shan mountain range, which forms a natural boundary along the northern edge of the Tibetan editoraplus.org

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plateau. Its construction sparked controversy. According to Chinese authorities, the train is helping to bring Tibet out of its isolation and to encourage its development; for many world observers, however, it poses a threat to Tibetan culture and identity. In a threescreen projection, the 14-minute work juxtaposes images of the train and the landscapes it crosses with scenes shot at the Samye monastery, founded by the Indian guru Padmasambhava, who is credited with authorship of the Bardo Thodol or The Tibetan Book of the Dead. The chanting of the prayers and the sound of the Tibetan horns, drums and bells give the work a remarkable acoustic dimension”.

Na saída, compro o livro “Le gout de Montréal”, coleção de pequenos textos organizados por Marle-Morgane Le Moël (Mercure de France, 2008) sobre a cidade pela pluma de escritores como Stefan Zweig, Michel Tremblay, Jacques Chartier, entre outros. Destaco agora esse trecho de Alain Gerber: C’est un rare privilège que d’être délivré de son ombre. Je laisse mon ombre à Paris, sous belle guarde, et je déambule rue Sainte Catherine, transparent, incognito à mes propres yeux. Montréal sait ce qui lui reste à faire. (...) Ailleurs, j’éprouve le sentiment, sans doute injustifié (Dieu merci, la passion est injuste), que les choses se trouvent où elles sont par la tyrannie des besoins et le calculs des avantages (…). La realité balance entre deux chimère: ce qui n’est déjà plus et ce qui n’émerge pas encore”.

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Wilderness e McLuhan Semana passada, a convite do Will Straw, fomos ao lançamento do livro “Beyond Wilderness, The Group of Seven, Canada Identity, and Contemporary Art” (McGill University Press, 2008), editado por John O’Brian e Peter White (com quem tive a oportunidade de jantar e conversar depois do lançamento). O belíssimo livro conta a trajetória do “Grupo dos 7”, que nas primeiras décadas do século XX, pintou as paisagens do Canadá, criando tensões entre identidades, representação e dominação da natureza. O livro tem sete capítulos em torno de temas como “What’s canadian in canadian landscape?, Context and Controversy, The Expression of a Difference, Wilderness Myths, Extensions of Technology... A obra reproduz um artigo de McLuhan de 1967, “Technology and Environment” (publicado originalmente em “arscanada”, n. 105, p. 5-6, February, 1967), no qual o autor retoma temas chaves do seu pensamento: a complexidade do ambiente midiático, a reconfiguração das mídias, a arte tecnológica. Ele propõe, nesse pequeno e instigante artigo, que cada nova tecnologia (de comunicação, mas não só) toma por conteúdo as velhas formas e conteúdos das tecnologias anteriores. Aqui vemos a conhecida máxima: “o meio é a mensagem”. Ele mostra como a escrita retoma a cultura oral, a impreneditoraplus.org

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sa, os livros medievais, o meio industrial, o rural, a cultura POP o ambiente industrial e do consumo moderno. Segundo McLuhan: “(...) every new technology creates an environment that translates the old or preceding technology into an art form, or into something exceedingly noticiable...” (p. 47). Para além da visão um tanto determinista (crítica corrente a McLuhan), podemos ver hoje como as mídias digitais têm como conteúdo os formatos midiáticos anteriores, e como o que chamo de funções pós-massivas tentam ir além das funções massivas. No entanto, nossa visão do “ambiente” é sempre turva, impedindo de enxergar o que diferencia o velho do novo ambiente. Diz McLuhan: “When the electric technology jacketed the machine world, when circuitry took over the wheel, and the circuit went around the old factory, the machine became an art form. Abstract art, for example, is very much a result of the electric age going around the mechanical one” (p. 47). Não é à toa que as metáforas que utilizamos para descrever o atual ambiente midiático estão ainda atreladas aos formatos e conteúdos das mídias de massa: TV - Web-TV; jornais, jornalismo digital; filmes, web-film, filmes em celular; fotografia, fotografia digital; rádio, podcast; diários, blogs... Isso nos leva sempre a erros e incompreensões. Devemos compreender e aceitar a lei mcluhaniana que afirma que os conteúdos presentes nas mídias atuais vêm das mídias anteriores (vários autores mostram isso, como Bolter, Gruzin, Manovich). Aqui, a ideia de re-

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configuração deve ser levada em conta. Mas devemos estar atentos para perceber as novidades e as diferenças, já que novas funções e práticas sociais emergem e não se encaixam mais nas formas clássicas de broadcasting e de cultura de massa. Essas novas funções (pós-massivas) são frutos dos princípios emergentes da cibercultura: a “liberação da emissão”, a “conexão por diversas redes e sistemas” e a “reconfiguração das mídias, das práticas sociais e das indústrias culturais”. Essas novas funções, junto com as massivas (que não desaparecem), são a base do ambiente comunicacional contemporâneo. O livro fala de paisagens e, para situar o debate, retomo aqui a noção de paisagem em Anne Cauquelin (“A invenção da paisagem”, Martins Fontes, SP, 2007) que teve como momento fundador o quadro “A tempestade” de Giorgione, de 1505. Paisagem é uma invenção a partir da perspectiva (“per scapere” - o que se abre), que inaugura um novo regime ótico. Não havia noção de paisagem entre os filósofos gregos, já que a imagem era apenas um fundo para narrar, para contar “istorias” sob o signo do logos, da razão. Não há aqui a visão do que desponta. Isso só passa a acontecer com o regime moderno, com a perspectiva, com o ponto de fuga que permite, aí sim, que se veja a paisagem. Ela é uma construção mental dada pela possibilidade de “ver”, criada pelo

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artifício da perspectiva. A paisagem é uma invenção de uma técnica do olhar. Segundo Cauquelin: (...) Vemos em perspectiva, vemos em quadros, não vemos nem podemos ver senão de acordo com as regras artificiais estabelecidas em um momento preciso, aquele no qual, com a perspectiva, nascem a questão da pintura e a da paisagem? (p. 79). Esse ‘mostrar o que se vê’ faz nascer a paisagem, a separação do simples ambiente lógico (...). A istoria e suas razões discursivas passam para o segundo plano: e, veja, falamos de ‘planos’, de proximidade e de longe, de distância e de pontos de vista, ou seja, de perspectiva” (p. 81-82). É o enquadramento que inspira a ordem. A ‘janela’ que enquadra é indispensável à constituição de uma paisagem como tal. Sua lei rege a relação de nosso ponto de vista (singular, infinitesimal) com a ‘coisa’ múltipla e monstruosa” (p. 137).

Sobre as paisagens urbanas, afirma Cauquelin: emolduramos, fazemos da cidade paisagem pela janela que interpomos entre sua forma e nós. Numerosas vedutes, uma esquina de rua, uma janela, um balcão avançado, a perspectiva de uma avenida. O prospecto aqui é permanente. A cidade participa da própria forma perspectivista que produziu a paisagem. Ela é, por sua origem, natureza em forma de paisagem” (p. 149).

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Mais ainda, a paisagem urbana é mais nitidamente paisagem que a paisagem agreste e natural... sua construção é mais marcada, mais constante, ainda mais coagente. Ali tudo é moldura e enquadramento, jogos de sombra e de luz, clareira de encruzilhadas e sendas tortuosas, avenidas do olhar e desregramento dos sentidos” (p. 150).

Com as novas imagens digitais, não haveria mais paisagem e voltaríamos a um registro visual pré-perspectivista, já que o que aparece como natureza é a performance do nosso conhecimento, do protocolo, do algoritmo. Não há assim o “ver”, mas o deleite do conhecimento, da “istoria” dos objetos destacados de um fundo que não existe como fundo: temos somente a imagem, transmitida por câmeras, dados digitais em monitores, sem ponto de fuga, e ilegível, até mesmo indecifrável para quem não estiver de sobreaviso (...) podemos apenas perceber que intelectualmente que há, sem dúvida, ‘algo a ser percebido’ (...) a própria noção de paisagem é desmontada” (p. 179).

Vejamos que é bem essa a sensação que temos quando apreciamos uma obra de arte eletrônica onde o “modo de uso” deve ser explicitado para a sua fruição. Trata-se assim de uma “segunda natureza”, o nosso “conhecimento” algorítmico e não do ver.

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A paisagem, com a imagem digital, não está mais contra natureza, isto é, em acordo contrastado com seu fundo, não se apóia mais na verdade natural que revela ao mesmo tempo em que oculta, dada contra, em troca de, equivalente a... É uma pura construção, uma realidade inteira, sem divisão, sem dupla face, exatamente aquilo que ela é: um cálculo mental cujo resultado em imagem pode - mas isso não é obrigatório - assemelhar-se a uma das paisagens representadas existentes. Basta estabelecer as leis para tanto” (p. 180-181).

Por exemplo, as imagens de síntese na arte eletrônica, ou o “Second Life”, podem ser exemplos claros dessa ausência de paisagem (de uma “realidade inteira”). Essas paisagens virtuais são assim “concepções” realizadas por um programa, a “autocelebração de nosso poder de concepção” (p. 183). Com as imagens de síntese e mundos 3D simulados, estaríamos retornando a um esquema visual semelhante ao da Idade Média ou Bizâncio, no qual a qualidade simbólica dos objetos representados determinava a situação, a grandeza e as relações que eles mantinham entre si. Nenhuma ‘paisagem’ - entidade de ligação autônoma - vinha preencher o espaço intersticial entre as figuras (...). Nessas condições, a paisagem, tal como a praticamos há 500 ou 600 anos, seria um parêntese em uma história das formas perceptivas... sob a condição, claro, de que essas ‘novas imagens’ tenham alguma chance de transformar nossa aparelhagem perceptiva” (p. 184).

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Marco da Paisagem da Ilha de Montreal, a Geode de Buckminster Fuller para a Montreal World Fair (1967). editoraplus.org

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Sexta, 21 de março de 2008 Sabbatical Este livro é fruto do meu ano sabático aqui no Canadá. Oficialmente, não se trata de um sabático, mas de um afastamento para um pós-doutoramento, com uma primeira etapa no departamento de Sociologia da University of Alberta, em Edmonton e uma segunda, no departamento de Comunicação da McGill University em Montreal. Estou concentrado na minha pesquisa, escrevendo “work in progress” no meu blog, fazendo contatos, visitando e conhecendo pesquisas relacionadas, lendo muito e escrevendo um livro sobre mídia, mobilidade, cidade. Mas estou, efetivamente, em um período sabático, como se chama por aqui (um direito dos professores em muitas universidades ao redor do mundo). Mas o que significa isso? Qual a origem da palavra? A palavra vem do grego “sabbaton”, do hebreu “shabath”, ou “o dia do descanso”. Bom, descanso aqui deve ser visto como “ócio”, no sentido criativo da palavra (trabalho e produzo muito aqui), como investimento em si, no crescimento intelectual e existencial, como momento de concentração full-time à pesquisa. Normalmente se espera editoraplus.org

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sete anos para um sabático. Nas universidades brasileiras, isso não existe e a única possibilidade é a “rubrica” pós-doutoramento. Esperei 11 anos por essa oportunidade e não sei quando terei uma outra. Então, o melhor é aproveitar o aqui e agora. Vejamos algumas definições: - sabbatical - 1645, “of or suitable for the Sabbath,” from L. sabbaticus, from Gk. sabbatikos “of the Sabbath” (see Sabbath). Meaning “a year’s absence granted to researchers” (originally one year in seven, to university professors) first recorded 1886 (the thing itself is attested from 1880, at Harvard), related to sabbatical year (1599) in Mosaic law, the seventh year, in which land was to remain untilled and debtors and slaves released. - Leave time with pay granted to a teacher or professor after serving for six or seven years on the same faculty. - A period of time (usually one semester) when a faculty member is not teaching, but concentrating on his/her own education or research.

Mudando de assunto, vou falar agora sobre mais um interessante projeto de Esther Polak, “Nomadic Shopping”, a mesma que realizou o “AmsterdamREALTime” e o “MILKproject”. Nesse novo projeto, Polak constrói uma ficção a partir de “GPS track”, tendo por base o “The Opzeeland Dairy Route”. Para o projeto, ela utilizou o “mashup

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website” VeoGeo.com que combina imagens do GPS tracker, Google Maps/Earth, com vídeos do YouTube (via Network_Performance). Ao entrarmos no projeto, é possível clicar nos “waypoints” e ver o deslocamento com o GPS e um vídeo que conta a história... A imagem é composta de três janelas: o GPS tracking, o vídeo e um gráfico com dados do GPS sobre o deslocamento. Acho interessante a tentativa de ir além do simples traçado de percursos com GPS, criando uma ficção multimídia, escrevendo invisivelmente o espaço urbano, adicionando aí outras ficções, na busca de uma outra narratividade. Nas discussões no MediaLab Prado em Madri, o diretor Juan Prada chamava a atenção para projetos que dessem atenção à imobilidade, e não ao deslocamento. Não é o caso aqui, mas nesse projeto o deslocamento ganha camadas ficcionais que se sobrepõem à escrita invisível do GPS. Com a escrita ficcional, própria da literatura, do cinema, do teatro, da música, da dança, a autora tenta “contar histórias” e não apenas cartografar percursos. Esta escrita da cidade (e todas, desde os dadaístas, surrealistas, situacionistas até os atuais projetos em locative media) não vai salvar, nem redimir, seja a sociabilidade, a comunicação, o espaço urbano ou a vida nas cidades. Não há, portanto, razões para otimismo ou utopias. Todos os projetos devem ser enquadrados nesta perspectiva crítica. Temos apenas pela frente o tempo que editoraplus.org

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tudo devora e o espaço abstrato, clamando por lugares e territórios. Nessa confluência espaço-temporal, não nos resta muito, a não ser tentar, já que vivemos, enriquecer um pouco mais a vida quotidiana, combater a solidão, o isolamento e o sofrimento. Escrever não salva, mas ajuda! Lendo o ótimo “Si ce livre pouvait me rapprocher de toi” (Paris, L’Olivier/Seuil, 1999) de Jean-Paul Dubois (aconselho a leitura também do seu “Une vie française”, de 2004) um dos meus escritores franceses favoritos, o narrador diz: Et j’ai découvert que le courage dont on fait preuve pour écrire est celui-là même qui nous fait défault dans l’existence. J’ai découvert que décliner ainsi sa vie ne la rend pas moin miserable, qu’une existence présentable n’a pas besoin d’être mise en scène, que les phrases ne sont jamais qu’une suite de mots complaisants. J’ai découvert que, croyant chaque foi écrire pour quelqu’un, c’est en réalité contre moi que je plaidais” (p. 41).

Escrever não ajuda, mas, às vezes, nos salva de nós mesmos.

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Montreal High-Tech Nesse fim de semana, sexta e sábado, visitei lugares que desenvolvem projetos com novas mídias. Na sexta fui ao “Oboro”, centro dedicado à produção e apresentação de arte, práticas contemporâneas e novas mídias, para o lançamento da revista hipertextual “bleuOrange 00”. Dança, música e apresentação dos projetos interativos, hipertextuais e vídeo-instalações que aparecem no primeiro número da revista. O evento foi interessante, mas me pareceu datado. Não gostei dos projetos apresentados (e isso não foi por causa do meu mau humor ou do meu sarcasmo, coisas de que sempre sou acusado). Sinceramente, me senti no começo dos anos 1990 com toda aquela discussão sobre narratividade, literatura e hipertextos. No entanto, para não dizer que não gostei de nada (embora não tenha achado nada muito relevante), destaco o trabalho de Grégory Chantonsky, “Sodome@home”. A instalação tinha dois telões projetando cenas de “Os 120 dias de Sodoma”, de Pasolini, e imagens do Flickr, mostrando por um lado a radicalidade do fascismo e de outro a “banalidade” do Flickr. Não fica claro a escolha, nem a crítica, mas o efeito é interessante. No sábado, visitei a exposição Digital Chile, na SAT, “La Société des arts technologiques”. Mais atual, mostrando projetos e instalações interativas com sons, imagens editoraplus.org

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de síntese, vídeos, fotografia de vários artistas chilenos como Isabel Aranda, Klaudia Kemper, Alberto Lagos, Roberto Larraguibel, Félix Lazo et Claudio Rivera-Seguel. A pequena, mas consistente exposição desperta interesse no visitante e revela o desenvolvimento da arte eletrônica no Chile. Tentei evitar comparações e fiquei pensando se não seria interessante uma mostra como essa, só que com todos os países da América Latina. Destaco o belo trabalho de Klaudia Kemper, “Body Project”. Uma estrutura no centro de uma sala recebe imagens de vídeos em loop de quatro DVDs com fragmentos de corpos (boca, seio, mãos, olhos...). A estrutura composta por esferas parece uma criatura, algo parecido com um organismo. O mesmo parece ir ganhando vida com movimentos e sons da projeção das imagens dos corpos desconstruídos nas imagens. Os sons que ouvimos emanam das imagens dos corpos.

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Montreal, Velho Porto editoraplus.org

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Free Hugs e Tires d’Érable Chegando ao metrô Mont Royal, um grupo com cartazes escritos em inglês e francês (“Free Hugs/Calin Gratuit”) distribuía abraços nas pessoas que passavam apressadas ou taciturnas, saindo ou entrando na estação. Com um gesto simples, anticonsumo e amigável, eles conseguiam quebrar o frio de - 15 graus e colocavam um sorriso no rosto de todos. Recebi o meu “calin” de graça. Depois, visita ao mercado Jean Talon para ver os produtos locais e a movimentação de pessoas. Adoro ir aos mercados e acho que sempre podemos aprender sobre a alma local nesses lugares. Aqui, o espaço é um lugar marcado socialmente, historicamente na memória e no imaginário da cidade. Na entrada, uma barraquinha na qual se vende as “tires d’érable sur neige”. Um mel, que eles chamam de xarope, é retirado da árvore (érablier ou mapple tree – a folha é a que aparece na imagem da bandeira do Canadá) como se extrai a borracha da seringueira no Brasil, passa por um processo térmico (cozinha) e depois, quente, é jogado sobre a neve, endurecendo o líquido e gerando esses deliciosos “pirulitos”. Todos consomem essas “tiras” por aqui que são muito populares nessa época. É gostoso, mas um pouco doce demais para o meu paladar. No entanto, há uma variedade enorme de produtos com o érable: xarope, doces, açúcar, chocolate, biscoitos... editoraplus.org

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Tires d’érables sur neige no Mercado Jean Talon

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Sábado, 22 de março de 2008 Flanando pelo velho porto, passo em uma livraria e vejo em quadrinhos o excelente, mas difícil, “Voyage au but de la nuit” de Céline. Pego meu Moleskine e anoto para não esquecer. Andar para mim é mesmo como viajar e sempre alimenta o espírito, ajuda o corpo e cria inúmeras ideias. Aí vai o que diz Céline sobre as viagens: Voyager c’est bien utile, ça fait travailler l’imagination. Le reste n’est que déception et fatigue. Notre voyage à nous est entièrement imaginaire. Voilà sa force. Il va de la vie à la mort. Homme, bêtes, villes et chose, tout est imaginé. C?est un roman, rien qu’une histoire fictive. Littré le dit, qui ne se trompe jamais. Et puis d’abord, tout le monde peut en faire autant. Il suffit de fermer les yeux. C’est de l’autre côté de la vie”. Céline (préface, premièr edition, 1932, de “Voyage au but de la Nuit”).

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Domingo, 23 de março de 2008 Cartografia Visitei mais uma vez a impressionante “Bibliothèque et Archives Nationales du Québec”. Um prédio com diversos serviços e setores (terei que voltar mais vezes). Aproveitei e visitei a exposição “Ils ont Cartographié l’Amérique”, mostrando a importância dos mapas e dos instrumentos de localização para a conquista da América e a constituição da Nova França, o Québec. Os mapas eram, ao mesmo tempo, instrumentos de navegação e também um dos objetivos das expedições: produzir conhecimento “locativo”, documentar tudo em imagens para aumentar as formas de conquista, de controle e de expansão dos territórios. Mapa é mídia, com emissor, receptor, mensagem, canal. Ele expressa uma visão da realidade, comunica essa visão e produz a realidade social. Os mapas são sempre representações de poder, formas midiáticas de conquista e de expansão de territórios. A exposição mostra diversos documentos com ênfase, claro, na história do Québec. Não me foi permitido fotografar.

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Pude ver, mais uma vez, instrumentos ancestrais do GPS, como bússolas, balestilhas (arbolètes) - que calculavam a latitude medindo o ângulo entre o horizonte e o sol ao meio-dia; astrolábios - direção e latitude; tábuas de Loch - velocidade e direção; nocturlábio - hora aproximada pela posição das estrelas, entre outros. O embate entre a natureza, os dispositivos técnicos e o conhecimento humano me parece ser o grande diferencial em relação aos modernos GPS, no qual a única coisa que precisamos fazer é apertar o “power” e seguir as setas ou as vozes em simulação (agora até em 3D) do lugar onde estamos. Não há mais o embate com o mundo externo: olhar as estrelas, calcular a hora e a velocidade em relação a pontos no céu... Este se transforma em simulação perfeitamente compreensível e controlável, uma racionalização extrema do espaço, para controle total da natureza, agora apenas simulação. No fundo, é como se não houvesse mais natureza, apenas a sua simulação digital, novas paisagens digitais, como vimos. Os novos instrumentos podem até ser mais efetivos, mas, certamente, são menos interessantes e sedutores. Interessante ver que, assim como os mapas, esses instrumentos são também “mídias”. Eles desempenhavam uma função midiática importante, já que permitiam a expansão do conhecimento do espaço, a resolução (às vezes pela violência) de problemas de fronteiras, a permeabilidade entre membranas culturais e tensões civilizatórias eneditoraplus.org

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tre os impérios da época, a competição, o contato e as trocas comerciais. Essa excitação de encontrar o desconhecido nos é praticamente impossível hoje: encontrar terras, povos e culturas vivas desconhecidas... Algo que só podemos sentir, mas de muito longe, na arqueologia contemporânea, no turismo ou na conquista do espaço sideral. Tempos de domínio total. Os instrumentos de navegação e mapas eram, efetivamente, instrumentos de comunicação. E, como instrumentos de comunicação, eram também instrumentos de localização: verdadeiros hubs imagéticos que colocavam povos e civilizações em choque e transformavam, a cada viagem, o mundo conhecido da época. Como diz Meyrowitz, “as mídias funcionam como um GPS mental”. Instrumentos de localização são sempre instrumentos de comunicação. E o inverso também é verdadeiro. Toda mídia localiza no espaço e no tempo sendo, ao mesmo tempo, instrumentos e processos que nos permitem driblar justamente os constrangimentos do espaço e do tempo. De uma forma ou de outra, as mídias são instrumentos de localização, pois elas permitem nos situarmos aqui e agora, e para além do aqui e agora.

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Sábado, 29 de março de 2008 Peanuts and McLuhan Garimpando sebos (alguns fantásticos), descobri ontem em Miles End, bairro de Montréal, um “The Wonderful World of Peanuts” de 1958 (a primeira publicação foi em 1952), e uma coletânea com textos, perguntas e respostas de e sobre McLuhan de 1967. $8 os dois... Deixo aqui duas citações. Uma de Peanuts: - Charlie Brown - “you don’t like me!”. That’s always been the whole trouble. You just don’t like me! - Lucy - “Sure. I do, Charlie Brown...I like you. Really I do... - Charlie Brown - “well, maybe you like me a little... But I know you don’t think I’m PERFECT!”

Outra de McLuhan: “is it natural that one medium should appropriate and exploit another?”

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Map of the City, Utopia’s Ghost Ainda no Mile End, visito a exposição “Map of the City”, na Galeria Articule, que mostra a cidade como um livro a ser lido, como um organismo vivo em plena transformação: orgia de signos, objetos, mapas e imagens. A vídeo-instalação faz uma colagem de objetos, mapas, livros, inscrições da antigüidade, fotografias... tentando relacionar sua história, seus signos e símbolos passando ao espectador um patchwork de sensações (com sons e seqüências de imagens fixas em duas telas). Essas sensações em muito se assemelham ao que experimentamos no quotidiano. A instalação propõe a imersão e o consumo de imagens como fazemos ao nos locomover pelo espaço urbano, ou seja, de forma casual, sem prestar muita atenção, sem pensar ou interpretar aquilo que nos interpela. O consumo que também nos consome sem nos darmos conta. Podemos ler no catálogo: Nelson Henricks recent work Map of the City, is a two-channel video installation that explores the correlations between architecture and words. Initiated during a six-month residency in Rome, this work sees the city as a text environment, as a kind of library that requires both readers and writers. The video piece is a complex blend of text and images where mundane objects take centre stage, grow and multiply, creating small evanescent worlds for the viewer to actively consume. Map of the City is inspired by chapels

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and cathedrals, which act as three-dimensional, immersive representations of the Bible. Quotes from The Gospel of Thomas and The Bible are interwoven with original text, still photos and electronic soundscapes. The city is seen an accumulation of gestures and desires that outstrip the life of the individual, upholding the view of the city as a living organism”.

Outra exposição que visitei na quinta-feira, e que faz referência também à cidade, é “Utopia’s Ghost”, no excelente Centre Canadien d’Architecture. A partir de cinco tópicos principais: “road to nowhere”, “(In) human Scale”, “Babel/Babble”, “Islands”, e “Worlds-within-worlds (Russian Dolls)”, os organizadores propõem reinterpretar o período pós-moderno, que decreta o fim das utopias, e rever seus novos fantasmas. Há projetos de Robert Venturi, Aldo Rossi, Arata Isozaki, Peter Eisenman, entre outros. Podemos ler no site do CAC: (...) The exhibition title wall features a photomural depicting the dramatic implosion of the high-modernist St. Louis housing project Pruitt-Igoe designed by the architectural firm Leinweber, Yamasaki & Hellmuth in 1950-54. This spectacular and much publicized demolition in 1972 marked not only a public expression of the failure of certain modernist ideologies embodied by the project, but could subsequently be interpreted as a moment of ‘birth’ for the postmodern period. According to Reinhold Martin, much of the architectural production of the past half-century has been haunted by the ghosts of modernist utopias: ‘the projects documented in the exhibition are understood as bearers of a la-

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tent discourse that contradicts the very same anti-utopian currents that many of these projects have been thought to represent. The exhibition draws attention to an uncanny presence of the modernist notions that had been declared dead. The reproductions and originals representing a selection of projects of the 1970s and ‘80s take on the character of evidence assembled within five subject groups that trace a utopian afterlife: Babble/ Babel, Islands, Roads to Nowhere, (In)human Scale, and Worlds within Worlds. In this reorganisation, the curators challenge the traditional understanding of postmodernism and offer a new framework for approaching the architecture of this period. (…)”. A primeira exposição, “Map of the City”, mostra, em vídeo e sons, o presente e a vida quotidiana na sua trágica dimensão do “aqui e agora”. A cidade é um livro a ser lido, um palimpsesto, um mosaico de imagens a serem consumidas com os olhos. A segunda exposição, “Utopia’s Ghost”, apresenta uma outra forma de ler a cidade e seu imaginário, lançando o olhar para o futuro em sua dimensão utópica, irrealizada. Maquetes, pinturas e desenhos mostram projetos que tentam concretizar novas dimensões da utopia, desse “não-lugar”, ou desse “lugar-ideal” presente desde os primórdios da aventura humana. Não dá para não pensar em Barthes e seu ensaio sobre a cidade. Para Barthes, a cidade não é apenas um texto a ser lido, mas uma língua a ser falada. Sentimos isso quando conhecemos uma cidade (lemos e falamos a sua língua) ou quando somos estrangeiros ou turistas (e não sabemos nem ler nem falar e temos dificuldades para compreender o espaço que nos cerca). É a sensação do estrangeiro. O estrangeiro é, para Simmel, a figura suprema das cidades modernas, ao mesmo tempo anônimo e desengajado. Quando falamos a língua das cidades, conhecemos sua dinâmica, seus

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hábitos, as pessoas, a arquitetura. Quando somos estrangeiros, tudo nos é negado e leva tempo para aprender essa nova língua.

Barthes desenvolve uma visão erótica do espaço, partindo da raiz da palavra, da dimensão dionisíaca da vida (desejo, excesso, contato, jogo, violência). A cidade, para ele, é um lugar de jogo com o outro. Nas duas exposições pudemos ver a marca dessa dimensão erótica, a busca por essa língua a ser falada ou esse texto a ser lido, seja pela força dos objetos, das imagens e dos sons que nos envolvem (a primeira exposição na Galeria Articule), seja pelas estruturas imobiliárias que criam o tecido urbano e impregnam o imaginário e nossa visão do futuro (a segunda no Centro Canadense de Arquitetura).

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Segunda, 31 de março de 2008 Geografia e Telecomunicação Interessante a análise de Henry Bakis em “Géographie des Télécommunications” (Paris, PUF, 1984), em 1984. Com a aceleração que vivemos hoje, a sensação é que 1984 já faz parte da pré-história. Bakis mostra como a geografia só se ocupa muito recentemente dos efeitos das mídias. O primeiro a chamar a atenção foi o geógrafo alemão F. Ratzel, em 1897, em sua “Politische Geographie”, na qual ele constata que a significação mais importante da geografia é a circulação e a transmissão de informação. No entanto, os geógrafos pouco se interessaram pela questão, dando ênfase aos transportes, principalmente pela ausência de impacto das telecomunicações na paisagem urbana. Hoje, com a internet e as tecnologias móveis de comunicação, os geógrafos, arquitetos e urbanistas começam a prestar atenção ao fenômeno e já podemos destacar inúmeros estudos nesse campo (ver bibliografia nas referências no final do livro). Uma atenção maior aos problemas de espacialização causados pelas mídias começam em meados dos anos 1960 e início dos anos 1970. Neste momento, as teleco-

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municações começam a aparecer no nível da rua (cabines telefônicas, antenas de TV, estações de rádio, linhas telefônicas aéreas...). A transformação dos lugares já começa com as primeiras etapas da revolução das telecomunicações no século XX. Jornais e o rádio, o telefone e a TV, depois, serão os grandes atores das transformações sociais e espaciais do século XX. O desenvolvimento dos meios de telecomunicação exerce uma influência marcante no desenvolvimento dos espaços urbanos. Jean Gottmann (“The skyscraper amid the sprawl”, NY, 1967), por exemplo, mostra como o telefone foi fundamental para a criação de grandes prédios, para o comércio e instalação de empresas, para o desenvolvimento dos subúrbios e para a especialização dos centros urbanos. O mesmo podemos dizer hoje com a internet, os telefones celulares, os GPSs... Como afirma G. Dupuy, “la suppression de la barrière de la distance dans la communication n’empêche pas le mantien, voire le développment, d’une spatialisation des espaces urbain’”. Para Dupuy, o telefone é “‘une technique urbaine à part entière”. Ele não dissolveu a cidade, muito pelo contrário. Podemos, talvez, pensar o mesmo com as NTIC e, principalmente, com as tecnologias de comunicação móveis, nas quais a mobilidade não se opõe à inércia dos imóveis que compõem as cidades. Lembremos: cidade são fluxos, lugares, eventos em negociação com diversos territórios, hubs e nunca ponto perene de fixação. As mídias de comunicação alteram editoraplus.org

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as paisagens, as ruas e as relações sociais. Mostrando-se cético em relação aos serviços oficiais de gestão, e com uma visão aguda do que estava por vir, Bakis afirma: Peut-être l’aménagement le plus spectaculaire et le plus imprévu sera-t-il mplusé, non par les services officiels d’aménagement du territoire, mais, de la manière la plus informelle qui soit par l’action d’amateurs d’’ordinateurs individuels’, de kits de télécommunication, par des bricoleurs de la télématique”.

Mais ainda, o que parece ser verdadeiro hoje com redes sociais, blogs, software livres, projetos bottom-up com as mídias locativas: l’impact géographique des télécommunications et de la télematique pourrait bien être celui opérer sans grande politique d’aménagement, sans formalisation peut-être mais non sans efficacité, par des utilisateurs éclairés cherchant à améliorer leur vie quotidienne, professionnelle ou culturelle”.

Abaixo, bicicleta como forma de escrita do urbano.

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Maison des Cyclistes, em frente ao Parc La Fontaine, Montreal editoraplus.org

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Terça, 01 de abril de 2008 As mídias contemporâneas, globais, criam novos sentidos de lugar e ajudam a expandir a percepção que temos dos outros e de nós mesmos. Como propõe George Mead, formamos a percepção da nossa subjetividade pela percepção dos outros, esse “outro generalizado”, em um jogo de espelhos. Goffman vai tratar desse tema depois, analisando as micro-relações sociais e os papéis sociais no quotidiano. As mídias globais, desde os jornais, o rádio, o telefone, a TV e hoje a internet e diversas mídias móveis criam novas formas de compreensão do nosso lugar no mundo, da nossa identidade, do self. Da mesma forma, a visão que tenho do lugar onde estou também se complexifica a partir de uma visão global de todos os outros lugares (onde não estou). Isso se dá pelas mobilidades física, informacional e imaginária. Conhecemos mais do outro e de nós mesmos, do nosso lugar e do lugar dos outros pelo deslocamento do nosso corpo, pelos fluxos de informações e pelo pensamento, ou seja, por uma maior mobilidade física (transporte), por uma maior mobilidade informacional (jornais, rádio, TV, websites, blogs e microblogs, mapas digitais, fotos e vídeos, etc.) e imaginária, ou mental e cognitiva. As mídias sempre desempenharam um papel importante na constituição da subjetividade moderna e na significação (ou falta dela) do espaço e dos lugares.

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Com as novas tecnologias da telepresença, permitindo sociabilidade a distância, e com as novas mídias móveis e locativas amplia-se, usando a denominação de Mead, a representação de nós mesmos por uma ampliação desse “outro generalizado”, desse jogo de espelho não mais de proximidade física, mas de proximidade informacional, agora planetária. O outro não está mais necessariamente “ao nosso lado”, face a face, na nossa vizinhança ou comunidade de bairro. Ele continua na proximidade local, mas está também distante, nas nossas relações eletronicamente mediadas em instrumentos da Web 2.0 como Facebook, Orkut, Twitter, Blogs, etc. As mídias, incluindo as atuais, ampliam nossa visão dos lugares (criando novos sentidos) e de nós mesmos por jogos de espelho ampliados e por relações com o “outro”, ao mesmo tempo presencial e mediado. Cria-se, assim, “new sense of places” e “new sense of selves”. Lendo um texto do Meyrowitz (embora discorde de algumas de suas afirmações sobre a relação entre lugares e mídias digitais), achei essa afirmação muito interessante: “These images help to shape the imagined elsewhere from which each person’s somewhere is conceived. In that sense, all our media (...) function as mental ‘global positionning system’” (in Nyíri, K, A sense of place, Passagen Verlag, Vienna, 2005, p. 24). Temos efetivamente que pensar a constituição da subjetividade, da identidade e dos lugares em meio às mídias locativas, móveis e hiperlocalizadas.

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Quinta, 03 de abril de 2008 Cultural Studies in Canada Estive hoje à tarde na conferência de Imre Szemán, “Between Empire. Cultural Studies in Canada”, promoção do “McGill Institute for the Study of Canada”. Szemán faz parte da “Canadian Association of Cultural Studies”, CACS. A conferência foi na bela sala da “Faculty Club” da McGill no centro de Montreal. Szemán esboça uma visão geral dos estudos culturais e o lugar do Canadá, colocando-o na encruzilhada das influências britânica, americana e francesa. A conferência, genérica e sem se deter nos detalhes dos temas caros a esse campo de pesquisa (media, gênero, globalização, corpo, identidade...), baseia-se no livro que co-edita (com Sourayan Mookerjea e Gail Faurschou) e que deve sair no final de 2008, “Canadian Cultural Studies: A Reader”, Duke Press. O livro tem três partes: Origins (McLuhan, Innis, Frye...); Contemporary Studies (Angus, Shields, Mackey, Straw...) e Government Documents (relatórios governamentais sobre multiculturalismo, arte, bi-linguismo). De uma forma geral, as questões que balizam os estudos culturais canadenses estão ligadas à identidade na-

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cional e à busca por uma maior definição do que vem a ser essa identidade (questão que está muito presente no dia a dia, como venho constatando na minha experiência aqui), e isso desde o domínio britânico até o multiculturalismo atual que predomina na sociedade canadense, não sem tensões, incoerências, mas sustentado politicamente. Para pensar no Canadá (no futuro, na sua identidade), o autor afirma que devemos pensar que ele se parece mais com o Brasil do que com os EUA. No meu entender, a comparação é pertinente, mas exagerada. Há várias diferenças. Uma delas é o multiculturalismo global. A sociedade canadense é composta, e continua a se constituir já que a imigração continua, por asiáticos, ucranianos, poloneses, gregos, portugueses, latinos... Nós não temos essa cultura cosmopolita, não temos imigrantes atuais e também não migramos. Temos uma identidade plural de difícil definição (espanholaportuguesa - italiana e alemã, indígena, africana, mestiça...), mas autóctone. Outra diferença é que não temos a forte influência britânica, na qual a língua, a forma de governo, a influência intelectual são hegemônicas. Além disso, não estamos colados nos EUA, que consideram o Canadá como um quintal rico. O evento foi interessante para ter uma visão geral e o livro que vai sair este ano pode ser um bom termômetro para essa discussão. Os queijos e vinhos do coquetel e o papo depois também deram um tempero especial ao evento. editoraplus.org

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Spring? Cote de Neige, inverno, 4h da tarde e já noite lá fora...

Primavera em Montreal. Nevasca nos fundos da minha casa. Detalhes das escadas em “colimaçon”, típicas da cidade. editoraplus.org

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Sábado, 05 de abril de 2008 Net Neutrality in Canada Protestos sobre a quebra de neutralidade da rede pela Bell Canada gera protestos. Essa é uma das questões centrais hoje no debate sobre a liberdade na internet. A internet foi construída não discriminando pacotes de dados, ou seja, sendo neutra. Dados do meu blog ou o site da Nasa trafegam como se fossem iguais. Isso qualifica a neutralidade da internet. Agora, alguns provedores querem dizer que dados são mais valiosos do que outros e diferenciar uns dos outros, aumentado para uns a banda passante e diminuindo a largura dessa banda para os menos importantes. Assim, o provedor pode dizer que você vai acessar um site de uma empresa patrocinadora com toda a capacidade de banda, mas que irá acessar o YouTube, por exemplo, a uma baixíssima velocidade. Essa prática é considerada ilegal e pode acabar com a internet que conhecemos hoje. Vejam, por exemplo, matéria do “ars technica”, “Canadians debating net neutrality in wake of Bell throttling”, que explica o problema. Campanha de protesto pode ser assinada na “Campaign for Democratic Media”.

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Domingo, 06 de abril de 2008 Para começar a semana, uma citação no mínimo sarcástica. Horsley, autor de “Dandy of the Underworld”, barrado recentemente em aeroporto nos EUA e enviado de volta à Londres por “crime involving moral turpitude” (crucificado em 2000, entre outros projetos bizarros). Ele declara, em meio a produtos orgânicos, reciclagem obrigatória, aquecimento global, moralismo contra fumantes, culto ao corpo e ao politicamente correto: “The environment is everything that isn’t me. So of course I’m not interested in it. And neither are you. You pretend to be because it is fashionable. Do you think the dinosaurs were wiped of the face of the planet because they didn’t recycle? You morrons”.

Segunda, 07 de abril de 2008 Está hoje em todos os veículos noticiosos a permissão do uso de telefones celulares no espaço aéreo europeu. Vejam matéria da BBC “Europe clears mobiles on aircraft”, para mais detalhes. O que quero destacar aqui é que podemos ver um excelente exemplo de como as tecnologias da mobilidade modificam os espaços de lugar. Aqui, a mobilidade editoraplus.org

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virtual/informacional é criada (permissão de uso de telefones celulares) em meio à mobilidade física (o deslocamento do corpo no avião) criando tensões entre essas mobilidades e a imobilidade móvel (o confinamento no espaço que se move) que caracteriza o uso do “lugar” avião. Não é mais o mesmo avião. Novas heterotopias (Foucault). Podemos antever a modificação do “espaço/lugar avião” em várias frentes: as relações dos passageiros entre eles e com a tripulação, a relação dos passageiros com o mundo lá fora, a divisão em temporalidades e espacialidades distintas, a criação de bolhas de isolamento e, ao mesmo tempo, invasões de espaços pessoais, etc. Os impactos e o redimensionamento desse lugar móvel serão enormes. Vemos aqui como uma nova mídia (como todas, aliás) faz com que a viagem, o viajante e o veículo se modifiquem. O isolamento obrigatório nessa carcaça de aço - que leva os passageiros à leitura, ao trabalho no laptop, a assistir filmes, a ouvir música ou a tomar um remédio para dormir, ou tudo isso ao mesmo tempo - já que é difícil nos suportar sem fazer nada e ainda mais trancado a 10km de altura - vai se alterar, abrindo possibilidades de mobilidade informacional que influenciarão as relações e as práticas do objeto e da ação de viajar. Entram em jogo aqui as policronias e as monocronias, os espaços múltiplos e compartilhados que alterarão a experiência criando novas formas de trabalho e de lazer, mas também criarão novos conflitos. O uso desse dispositivo técnico, o telefone editoraplus.org

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celular, criará um “novo sentido de lugar”, um novo “avião” e uma nova experiência da viagem. Como descreve Latour em um artigo sobre a cancela, o dispositivo, o pasto, a ovelha e o pastor são todos “actantes”, exercendo influências nesse ambiente/sistema. Assim o celular, o passageiro, os atendentes e o mundo lá fora participarão desse jogo de influências, criando um “novo sentido de lugar”. Trata-se aqui de mais um exemplo de como as tecnologias digitais de comunicação móvel possibilitam aos usuários (aqui passageiros), a fusão da mobilidade física com a informacional com produção, emissão e distribuição de informação, criando novos territórios e novas práticas sociais e comunicacionais nos aviões. Com certeza, vai ficar muito mais difícil ler, ver um vídeo ou simplesmente dormir. Com o celular não se trata de estar em conexão para uma comunicação urgente. O que está em jogo é a urgência da comunicação e da conexão, a urgência em estarmos sempre disponíveis. É um dispositivo também usado para suprir o vazio e a ausência, a falta de sentido e a incompletude. As pessoas sozinhas lá em cima vão mesmo usar o dispositivo para nada que seja efetivamente urgente. Bom, em um primeiro momento, o preço deve inibir os mais faladores. De qualquer forma, o celular será usado para ajudar a suportar a viagem. Como diz Pascal, “...tout le malheur des hommes vient d’une seule chose, qui est de ne pas savoir demeurer en repos dans une chambre”. E não ficarão no avião! editoraplus.org

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Terça, 08 de abril de 2008 “Il n’y a pas plus de champs et les rue sont vides...Ces toiles d’araignées grelottent au haut des grandes croisées” (Mallarmé) Montreal Wi-Fi Montreal é uma ilha desplugada. E não é utopia, não! Tenho tido certa facilidade para acessar a internet a partir de hotspots abertos, tanto de casa (o meu está aberto), como de cafés, restaurantes, e até da rua. Não é o paraíso, já que a maioria dos hotspots que aparecem no meu computador estão fechados, mas o espectro envolve grande parte da ilha. A maioria dos cafés e alguns restaurantes oferecem o serviço de graça. Alguns usuários domésticos deixam a conexão aberta. Um projeto interessante, já reportado no Carnet de Notes, é o “Ile Sans Fil Montreal”, uma organização sem fins de lucro que estimula e ajuda a criar hotspots abertos e gratuitos pela cidade. Podem se associar estabelecimentos comerciais e pessoas comuns. Na próxima sexta-feira, have-

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rá um encontro em um café e vou ver de perto a experiência. Já me conectei em vários pontos participantes do projeto (vemos um adesivo na entrada indicando o “île sans fils”). Há projetos similares já conhecidos como Seattle Wireless, NYCWireless, Paris Sans Fil, Wireless Toronto, British Columbia Wireless, entre outros.

Quarta, 09 de abril de 2008 Game, Wii, Place Ontem assisti a série de conferências “Les Nouvelles frontières des Jeux Video” na SAT, “Société des Ars Technologique”, um dos centros mais importantes do Québec e do Canadá sobre novas mídias e arte, e um dos meus lugares favoritos em Montreal. O evento foi interessante por vários motivos: pela estrutura, pelas conferências e pelo ambiente descontraído. O evento (pago – CAD $20, CAD $10 estudante) oferecia um “comes-e-bebes” na recepção, cinco conferências e um ambiente de encontro para debate entre os participantes, palestrantes e público, no final. Na realidade, todos os eventos no Canadá, pelo menos os que participei, são assim: pagos mas com um exceeditoraplus.org

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lente buffet. Ao entrar na grande sala, podemos ver computadores com jogos, alguns telões, o buffet e mesas e cadeiras espalhadas, estimulando o encontro e a troca de experiências. Inglês e francês eram as línguas correntes e as pessoas passavam de uma a outra sem problema. Depois, uma fala de abertura ainda no lounge e a passagem ao auditório para as conferências. Achei interessante o arranjo espacial e temporal do evento, estimulando o bate-papo e o encontro em clima descontraído, quebrando a rigidez da tradicional “conferência, perguntas e respostas”. A primeira palestrante foi Sylvie Gagnon, falando sobre formação e competências dos jovens para essa indústria, que se mostra uma das mais promissoras no Canadá. Dos 10 jogos mais vendidos no mundo, 4 são feitos aqui em Montreal. Ela apresentou dados econômicos sobre formação dos jovens, mercado de trabalho e política científica e tecnológica. Depois seguiram-se as apresentações de Reid Schneider, da Eletronic Arts, sobre design cooperativo a partir do jogo “Army of Two”, e de Jonathan Morin, da Ubisoft, sobre os preconceitos dos designers de jogo e a obsessão pelo controle do usuário e pela narrativa. No entanto, o melhor da festa foram as palestras de Bart Simon, professor da Concordia, e de Phil Fish, independente, da Polytron. Fish falou sobre os jogos independentes, detonando as corporações em uma palestra criativa, crítica e com ótimo bom humor. Para Fish, a indústria pode aprender com os independentes, editoraplus.org

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já que 90% de tudo “is crap”, porcaria, e que o problema vem do tripé “money, fear and art”. Ainda apontou a falta de inovação e o excesso de recursos, que servem mais como pirotecnia, do que revelação de algo criativo. O incômodo dos dois palestrantes da Ubisoft e EA eram visíveis. Ele mostrou exemplos de jogos simples e afirmou que todo mundo pode fazer games, “com duas texturas, pixelados”. Apelou para a máxima: “lo-fi aesthetic; less is more”. A palestra de Bart Simon foi a que mais me interessou pelo tema da minha pesquisa. Simon é coordenador de projetos sobre games, o Game Code e outro sobre vigilância na Concordia University. Ele analisou a console de jogos Wii mostrando como esse novo jogo incorpora o lugar e o corpo do usuário como interfaces. Cruzando referências de teorias dos “new media”, sociologia, teoria dos jogos e antropologia, Simon analisou o Wii como um jogo que cria uma realidade híbrida, na qual o “espaço” do jogo é diferente daqueles dos jogos em consoles ou em computadores, nos quais tudo se passa na tela. Embora ele não tenha se referido ao termo, podemos dizer que o Wii cria uma AR, “augmented reality”. O lugar importa, já que não se trata nem de jogar para (console/PC), nem de entrar na tela (RV- Realidade Virtual), mas de jogar com o corpo, a tela e o espaço entre eles. O console inclui esse espaço de lugar, captando o movimento do corpo do jogador (já há aplicações na medicina, por exemplo), fazeneditoraplus.org

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do com que o jogo não se desenvolva apenas no espaço eletrônico, mas na sala ou em qualquer outro lugar. Assim, afirma Simon, ele não é apenas visual, mas sinestésico. Ou seja, não dá para esquecer o corpo e o lugar onde você está. O lugar é parte do jogo. O lugar importa e se redefine no jogo. Vejam meu comentário anterior sobre o uso de celulares em aviões. O mesmo acontece com o Wii: para jogar o lugar deve se transformar (retirar objetos, por exemplo) e passar a ser parte atuante do jogo. Ele é agora um ator. O sistema requisita, ao mesmo tempo, o corpo do jogador, a tela e o espaço físico entre eles. O lugar físico é uma interface ativa no processo, como nos jogos não eletrônicos (tênis, futebol, pega-pega...). Com o Wii, o game não mascara mais o lugar, como na rede ou nos consoles sem a sua tecnologia, impondo a intersecção desses mundos em um sistema único. Assim, afirmava Simon, “os aspectos local e pessoal são revelados”. Como tenho insistido em meus últimos textos, o lugar ganha força. Podemos, assim, pensar que o Wii é um console para “locativebased game”, embora não tenha essa denominação e não use LBS ou LBT. Estamos vendo, com as tecnologias móveis e digitais, a evidência do que estou chamando (e vou desenvolver no próximo livro) de “the place turning point” dos estudos sobre comunicação e as novas mídias digitais. Essa inflexão aponta para uma tendência muito diferente daquela que previa o surgimento de um espaço eletrônico desconectado do editoraplus.org

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espaço físico, que o transformaria para sempre em um “não-lugar” ou em um “lugar sem sentido”. Estamos passando definitivamente da fase do “upload” do ciberespaço, cujo maior emblema de decadência, hoje, é o Second Life, para a fase do “download” do ciberespaço, a fase da internet das coisas e das mídias locativas. Voltarei a esta discussão mais adiante.

Quinta, 10 de abril de 2008 McLuhan’s Wake “you don’t have to be everywhere to do everything” (McLuhan). Estou agora assistindo na TV o documentário de 2002, “McLuhan’s Wake”, de Kevin McMahon. O título faz uma referência direta ao ilegível “Finnegan’s Wake” (1939) de Joyce (a obra - intraduzível - tem uma excelente tradução no Brasil pelo corajoso Donaldo Schüler). Li os dois primeiros volumes e meu prazer estava na forma, nos sons, nas descobertas das palavras escritas em várias línguas e cujos sons davam um editoraplus.org

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sentido coerente em todas elas. A obra de Joyce é citada no documentário pelo próprio McLuhan. No entanto, o filme não explora a relação óbvia do título. Finnegan’s Wake é uma sinfonia literária, uma obra multimídia avant la lettre, uma orgia de símbolos e de línguas, representando a cultura moderna e a emergente cultura midiática. A relação é interessante, como se a difícil leitura do texto de Joyce fosse um espelho da própria dificuldade que temos hoje de “ler” a nossa cultura eletrônica, cultura essa, como o texto de Joyce, marcada pelo excesso de símbolos e de linguagens. O choque entre oralidade, escrita, mídias de massa (impresso, TV, rádio), web e telefonia móvel, que estamos vivendo hoje, seria uma materialização do Finnegan’s Wake. A dificuldade em ler o livro é a mesma que temos hoje para achar uma luz na confusão em que nos encontramos: convergência das mídias, reconfigurações da indústria cultural, colapsos identitários, subjetivos, políticos, culturais da/pela globalização, excesso de imagens, hiperrealidade. Como afirma McLuhan, só conseguimos enxergar o presente e o futuro do nosso ambiente midiático olhando para as formas comunicacionais do passado. A cibercultura seria assim o Finnegan’s Wake tecnológico em realização, ao mesmo tempo oral, literário, audiovisual, multimídiático, telemático, sinestésico, mítico. Ler Finnegan’s Wake não é uma experiência apenas visual, mas total, “retribalizan-

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do o mundo” (McLuhan). Joyce convoca o leitor a entrar em um ambiente, genialmente construído, de sons, imagens, línguas, mitos, uma forma de “realidade aumentada”. O documentário mostra a emergência e a aceleração dessa nova cultura “neo-tribal”, na qual o presente e o futuro só se compreendem com os olhos no passado. É preciso um certo desprendimento - por estarmos tão imersos nesse ambiente, não conseguimos mais ver o que está lá fora. Só podemos ler Finnegan’s Wake se mergulharmos na estrutura mítica, se nos privarmos de algumas certezas e da busca por soluções lineares, se nos deixarmos levar pela torrente de palavras e letras complicadamente arranjadas. Talvez o mesmo seja exigido para compreendermos a cultura midiática contemporânea: ver o presente sem deixar de sentir o passado, olhar o futuro sem prescrições, ver os índices da cibercultura como uma língua construída de forma complexa. McLuhan foi um dos primeiros a ver o nosso Finnegan’s Wake global.

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Sexta, 11 de abril de 2008 Cheguei ao Canadá com a ilusão que iria comprar um Nokia N95 ou um iPhone a preço de banana e que a conexão à web e outros serviços pelo celular seriam barato e fáceis. Doce ilusão. Os serviços são caros, os telefones, simples e, tirando alguns modelos da Blackberry e da HP, é impossível achar nas operadoras um telefone de ponta como os novos Nokia ou o HTC Touch Cruiser, por exemplo (3G, GPS embarcado e computação móvel). É possível comprar no mercado alguns desses aparelhos desbloqueados, a preços razoáveis, mas os custos das operadoras são de assustar. Alguns dados sobre o atraso canadense. Enquanto em países como Japão e Coréia a telefonia 3G já está na maioria do parque de celulares, só agora ela começa a pegar por aqui. Segundo dados da revista Convergence (n. 50), em 2006 só 1% da população que usa celular no Canadá usava essa tecnologia, enquanto que no Japão esse número supera os 80%. Os canadenses não usam e-mail (e pouco usam SMS) e o uso da web é restrito pelo preço caro do tráfego de dados. Os outros serviços (caixa postal, saber quem ligou, etc, coisas correntes no Brasil) também são caros e as operadoras pedem contrato de 3 anos para oferecer alguma vantagem. No Japão, 85% das conexões à web se fazem pelo celular. Hoje podemos ver por aqui celulares e serviços de acesso a sites editoraplus.org

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sociais, como o Facebook, e telefones com “video-call”, mas ainda é bastante tímido e caro. Não vi ninguém na rua usando o “video-call”, por exemplo. Os canadenses são os que pagam as tarifas mais caras entre os países desenvolvidos. Alguns analistas explicam que a situação é assim preocupante pelo tamanho do país e pela baixa densidade demográfica. A taxa de penetração dos celulares é bem baixa, 56 telefones para 100 habitantes. Ele está lá pela trigésima posição no ranking mundial. Dados de 2007 indicam 19 milhões de usuários. Só para comparar, no Brasil, por exemplo, já passamos os 124 milhões. Segundo dados da Teleco, apenas em 2007, o número de telefones móveis passou o de fixos, sendo um dos, senão o último país do mundo desenvolvido a ultrapassar essa marca (Fonte Teleco). Não vemos por aqui serviços de pagamento por celular para entrar no metrô, em ônibus ou para pagar o parquímetro, por exemplo. Apenas o uso do Blackberry é mais visível (talvez por se tratar de uma empresa canadense). Fui a três lojas de operadoras de celular e perguntei por celulares 3G e ninguém sabia me dizer nada sobre eles ou sobre serviços. Um parêntese: o serviço bancário também é, em relação ao Brasil, muito atrasado, embora o sistema financeiro seja muito mais sólido: faz-se pagamentos por cheques enviados pelos correios, as senhas dos cartões são de apenas quatro dígitos, não há possibilidade de tirar cheque nas máquinas (tem de pedir e leva mais de 15 dias para editoraplus.org

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ficar pronto!) e não há chip nos cartões. No que se refere à internet, no entanto, como já mostrei em outro post, há empresas oferecendo velocidade de 50mb/s, com TV e telefone no pacote com preços mais baixos do que o que temos a 1MB/s no Brasil só para a internet. Também há inúmeras redes sem fio gratuitas (Vancouver, Toronto, Montreal), como mostrei anteriormente. Há iniciativas interessantes como o projeto “Ile Sans Fils” em Montreal, com 400 pontos de conexão e mais de 60 mil membros. Assim sendo, acesso sem muitas dificuldades e com uma ótima velocidade a internet em casa ou na rua, mas continuo sem um telefone celular.

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Ciberflânerie, GPS Drawing, Mont-Royal, Montreal, abril 2008 editoraplus.org

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Sábado, 12 de Abril de 2008 Ontem na “Société des Arts Technologique”, SAT, fui ao lançamento no Canadá do “Tenori-On”, instrumento digital com uma interface luminosa, criado pelo artista multimídia, Toshio Iwai e a Yamaha. Não se parece em nada com um instrumento e o visual é de uma caixa quadrada cheia de botões, leds, mais nada. O dispositivo foi criado em 2001 e ficou esses anos todos sendo testado por artistas como Kraftwerk, Yellow Magic Orchestra, Matthew Herbert, Mouse On Mars, Cornelius entre outros. Foi lançado em setembro de 2007 em Londres. Na festa de lançamento por aqui, havia vários Tenori-On disponíveis para o público e shows com músicos se revezando utilizando o instrumento. Pude testar e depois de uma primeira dificuldade com a interface, me pareceu bem simples e intuitivo o uso. A interface com os leds ativos e as luzes faz com que o uso seja “natural”. Os recursos são grandes e o gadget vai fazer a felicidade de DJ’s e produtores musicais. Esperamos agora os hackings e os “usos imprevistos” por outros artistas e usuários. O instrumento (?) tem 256 leds, entrada SD Card, saída Mini DN e speakers e várias funções. O folder diz: “Tenori-on is a unique 16x16 LED button matrix performance controller with a stunning visual display....”.

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Cascada na Place des Arts, Montreal.

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Muito comum, proibido flanar, proibido loittering. Centro Comercial Subterrâneo em Montreal. editoraplus.org

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Quarta, 16 de abril de 2008 Ben X Assisti ontem ao filme belga Ben X (2007) de Nic Balthazar. O filme mostra a vida (baseado em fatos verídicos) de um autista (aspergiano) que sofre com o assédio dos colegas (bulling) e se refugia em um game multi-usuários, achando aí a sua salvação! Gostei e recomendo. Ele aborda um tema interessante (autismo, games e assédio) usando uma linguagem que toca os envolvidos (jovens e autistas). Além disso, o filme não cria um cenário de jogo, mas utiliza um jogo real, o coreano “Archlord”. E na bilheteria do complexo de cinemas Ex-Centris, você compra o ingresso como se estivesse conversando com um personagem de um filme rodando ao vivo! O vendedor aparece em uma escotilha sendo que a imagem dele é gerada por uma câmera no interior da bilheteira. Falamos assim com um vendedor filmado. Bizarro! Aconselho a ida ao ExCentris.

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Quinta, 17 de abril de 2008 “Sujet Insécure” Acabo de assistir a excelente palestra de Mireille Rosello, professora da Universidade de Amsterdã, no colóquio sobre “Insécurité linguistique et rencontres barbares”, no Cérium da Université de Montréal. Havia lido e citado um dos seus artigos sobre flânerie no meu “ciberflânerie” há alguns anos . O tema inicial era sobre cinema e ela mudou na última hora, para minha sorte, para “cultura da insegurança” na qual explora a questão do sujeito e das novas tecnologias de vigilância, principalmente as câmeras no espaço público. Vou fazer uma síntese. Em alguns dias a palestra estará disponível em vídeo no site do Cérium. A palestra se desenvolveu para sustentar o conceito de “sujet insécure”. Na primeira parte, Rosello discute a noção de “cultura da insegurança”, colocando o acento sobre a ideia de cultura, ou seja, a dimensão na qual estamos imersos. Para ela seria hoje impossível nos situarmos fora dela. O sentimento de medo coletivo não é novo - a idade

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média gera mitos e narrativa sobre o assunto, mas é agora que ele ganha contornos planetários. E um dos sintomas é que essa cultura não indica claramente um culpado. O “modo” de insegurança passa a ser uma ontologia, uma forma de ser, de saber e de leitura da contemporaneidade. A questão, para Rosello, é que devemos aceitar fazer parte dessa cultura para transformá-la. Na segunda parte, ela analisa as atuais e onipresentes câmeras de vigilância no espaço público. Elas fazem parte do discurso sobre a segurança e, ao mesmo tempo, criam a cultura da insegurança. Não há como escapar, e mesmo sistemas de desvio e apropriações desses dispositivos estão enquadrados na mesma dinâmica cultural. Ou seja, elas fazem parte da forma de estar e viver nas sociedades avançadas. Rosello desenvolve, então, três postulados presentes, segundo ela, em todos os debates sobre a questão: 1. há razões para ter medo; 2. o cidadão está preso entre dois medos: o medo de quem vigiamos (perspectiva que ela chama de “direita”) e de quem nos vigiam (perspectiva de “esquerda”) e; 3. que o sentimento de insegurança é indesejável. Isso leva à criação de uma subjetividade vulnerável que se estabelece pelas duas posições (de esquerda ou de direita). O sujeito quer reagir às câmeras na luta entre, por um lado o direito à privacidade e à liberdade individual, e a segurança social, por outro. Nesse debate ficamos presos em ideologias. Rosello afirma estar cansada desse debate e que vai renunciar a editoraplus.org

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esses argumentos e propor outro ângulo de análise. Para ela, e essa me pareceu a parte mais interessante da conferência, a solução é encarar não as ideologias, mas a materialidade do objeto, a câmera por ela mesma. Baseada em pesquisas de autores belgas (e outras pesquisas sociais), os resultados mostram que os usuários demonstram que a simples instalação de uma câmera cria medo, vulnerabilidade e insegurança. A câmera estimula uma reação positiva, produzindo a ideia de que há um problema de segurança no lugar. O medo se estabelece seja no presente (a câmera está ai para proteger de algo), seja na atualização do passado (por não ter tido medo antes), seja no futuro (o problema que virá). A angustia é assim gerada aumentando o medo e a paranóia. A presença da câmera não cria tanto o medo de ser vigiado, segundo pesquisas, mas a sensação de que deve haver medo já que a câmera está lá. Rosello vai então propor ver a câmera como um “cidadão incivilizado”, baseado em autores que escreveram sobre formas de incivilidade na sociedade (maneiras de ocupar o espaço fora das normas, como a violência verbal, o desrespeito ao outro, a falta de educação no dia a dia). Essa falta de civilidade deveria ser reprimida para não gerar mais violência. Embora controversa, ela usa essa tese para propor que as câmeras de editoraplus.org

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vigilância sejam vistas como “cidadãos incivilizados” já que instituem formas de quebrar a “boa educação”, tanto pelo olhar intrusivo, como pela produção de uma sensação de observação e vigilância, causando seja um medo atual, seja o “medo de não ter sentido medo antes”, seja o medo do futuro. De novo, se as câmeras estão aqui é por que há algo a temer. Elas são assim “incivis” por invadir o presente, evocar um passado assustador e produzir a catástrofe futura (sem resolver nada já que apenas filma). As câmeras são consequentemente formas de “pré-mediação” vulgar, apontando para algo que vai acontecer, já que performativa. Na terceira e última parte, Rosello, segundo ela mesmo, vai desenvolver uma análise mais “otimista”, afirmando que a insegurança é um sentimento indesejável e temos que fazer tudo para diminuí-lo. Ela retoma o terceiro postulado e afirma que a insegurança é fruto de um contexto cultural específico e que os eventos de 11/09 só serviram como desculpa para tentar resolver o problema pelo viés tecnocrático ou ideológico, instituindo diferenças, estigmas (o perigo do “outro”). Há assim alguns que devem ser vigiados e outros não. Para Rosello é fundamental que todos possamos nos colocar como esse “outro” e aceitar o regime de insegurança. A miséria dos “não-lugares” não é, para ela, o excesso de olhar, mas sua falta. Se tenho medo, como humano, posso me colocar no lugar desse outro que me assusta. O problema não é eliminar o outro, mas editoraplus.org

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nos ocuparmos dele, reconhecermos sua vulnerabilidade que também é a nossa. Para Rosello, a vulnerabilidade produz sociabilidade. O sujeito deve assim encarar as câmeras como um outro que olha, mas que também precisa de ajuda. Ou seja, não se trata tanto de evitar o olhar, mas de reforçá-lo para poder ver não tanto as diferenças, mas o que nos torna semelhantes. A insegurança e a vulnerabilidade podem ser formas de aproximação ao outro, formas de reforço social. Por isso, conclui Rosello, devemos reivindicar um “sujeito inseguro”, vulnerável, e que se aceita assim, fundado na e pela insegurança (já que a segurança total e completa é uma ilusão). Esse “sujeito inseguro” deve ter a capacidade de aceitar a relação de vulnerabilidade e de insegurança e não ficar preso às dicotomias que fazem da primeira um aspecto individual, e da segunda um fato social. O “sujeito inseguro” sabe da ilusão de segurança das câmeras de vigilância, sabe que elas geram o medo e a intolerância e que, ao invés de resolver o problema, elas só o agravam, produzindo mais sentimento de insegurança. Esse “cidadão inseguro” seria melhor adaptado para se locomover nesse regime de visibilidade e denunciaria as tentativas perversas de resolução dessa “insegurança universal”, da qual eles são vítimas.

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Nota: Ao leitor, sugiro ver a apresentação em vídeo, já que escrevo no calor da conferência e, com certeza, há imprecisões e traições à autora. Mas fica o relato como um estímulo a discussão e ao conhecimento do trabalho de Rosello.

Tires d’Erables sur neige em uma “Cabane à Sucre”, lugar que produz o Érable (Mapple).

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Domingo, 20 de abril de 2008 Depois de uma dia comendo tiras de érable e visitando uma “cabana à sucre” perto de Montreal, com direito a andar com “raquette” na neve, volto para casa e sou informado que o SUR-VIV-ALL está no “Networked_Performance” e em destaque no “Trópico”. Feliz com a lembrança e com o bom fim de domingo.

Terça, 22 de abril de 2008 Cellular e Badernas em Montreal Ontem, após o jogo de hockey entre os “Canadiens de Montreal” e o “Boston”, que classificou os Canadiens para a próxima fase da competição, houve ataques a carros de polícia e quebra-quebra de lojas no centro da cidade. Poucos, mas ativos, holligans colocaram fogo em carros da polícia e semearam violência e baderna no centro. E olha que o time ganhou e não houve problemas entre torcidas...apenas violência gratuita nas ruas contra policiais e estabelecimentos comerciais. Em todas as imaeditoraplus.org

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gens que vi (na TV, no YouTube, em blogs e fotologs) há pessoas usando os celulares. Aqui, os vândalos filmaram, pessoas comuns filmaram e todas essas imagens estão sendo usadas pela polícia (como informado por matérias que acabo de ver na TV) para prender outros manifestantes. Algumas pessoas presentes, incluindo aí os comerciantes atingidos, enviaram filmes e fotos feitas com o celular para a polícia. Vemos a força de circulação dessas novas imagens. Até agora 16 pessoas foram presas, sendo dois menores.

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Ponte Jacques Cartier

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Habitat 67 de Moshe Safdie

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Quinta, 01 de maio de 2008 L’année drenière à Marienbad Revi essa semana o filme “L’Année dernière à Marienbad”, de Alain Resnai, 1961 e meu sentimento foi completamente diferente da última vez. Como estou pesquisando as mídias locativas e as novas funções sociais e comunicacionais dos lugares nos espaços urbanos, meu olhar foi completamente tomado por essa problemática. Sem revisar a bibliografia já escrita sobre o filme (não sei se o que estou dizendo é uma obviedade ou não), acho que o filme é sobre a (in)comunicabilidade e a busca de um sentido no espaço e no tempo, ou seja a busca por um lugar no mundo. O hotel onde se desenvolve o filme é um castelo luxuoso, onde ouvimos diálogos circulares, diálogos em off descolados de quem fala na cena, e os três personagens centrais se misturam entre outros que estão ou em movimento, ou congelados, como se o tempo não passasse ou fosse um outro espaço-tempo. Há indícios de que o filme (roterizado por Alain Robbe-Grillet) tenha se inspirado no livro “A Invenção de Moréu” de Bioy Casares. No fundo esse espaço-tempo, que é o hotel, transforma-se em um grande editoraplus.org

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tabuleiro labiríntico (todos os outros hóspedes estão sempre jogando, sendo o jogo, aparentemente, a única forma de sociabilidade). Como em todo labirinto, todos os lugares são iguais (e por isso nos perdemos), o que significa que o labirinto/hotel é um “não-lugar”, ou seja, um espaço homogêneo fora do tempo e do espaço (não há nenhuma precisão sobre espaço e tempo, e mesmo as cenas não deixam ao espectador muita informação sobre suas cronologias). Mais ainda, esse hotel/labirinto é também marcado por controles e signos (“não perturbar”, “silêncio”...) que reforça ainda mais a função de “não-lugar”.

Parque Olímpico de Montreal editoraplus.org

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Os personagens não têm nomes e o enredo gira em torno de um homem que insiste em ter conhecido uma mulher algum tempo atrás, em algum lugar (tempo e espaço imprecisos). As cenas e falas giram em torno do labiríntico hotel e da tentativa do homem fazer a mulher se lembrar do suposto último encontro...O filme reforça a ideia de um espaço circular e homogêneo (sem sentido) do labirinto, a narrativa repetitiva (mítica) e a impossibilidade de ouvir o outro, a incomunicabilidade. Marienbad é apenas sugerido como 212


lugar do suposto encontro, mas nada é certo (há uma cidade com este nome na República Checa). A mulher suporta toda a ambiguidade do filme (os gestos pequenos e robotizados, os passos lentos, o olhar perdido e sem foco, fazem parecer um ser de outro mundo). Ela não se lembra de nada, embora não seja lá muito convincente quando afirma a sua incapacidade de lembrar. Ela se contradiz frequentemente, principalmente quando pede a ele para esperar um ano para novo encontro. Os personagens aparecem sempre no hotel, com quadros com perspectivas de um jardim ou de tabuleiros, sempre invocando o labirinto. Essa justaposição de imagem coloca, ao mesmo tempo, os personagens no hotel e nas imagens. O efeito visual funciona e as imagens parecem se fundir, intercalando posições nesse grande jogo! O desencontro entre falas, personagens, a perdição nos corredores todos iguais e a falta de sentido na movimentação do hotel indicam que o filme é, na realidade, uma discussão sobre o espaço vazio das relações sociais, sobre a busca por um sentido que criaria nesse “não-lugar”, uma MEMÓRIA (problema central do casal) que resgatasse ou produzisse algum sentido sobre esse tempo e espaço. Isso fundaria um lugar. Abaixo vistas labirínticas da torre do Parque Olímpico de Montreal.

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Domingo, 04 de maio de 2008 Escrevo este texto no trem para Québec, onde participo de um evento, o ACFAS 2008 (como convidado de última hora). O trem tem Wi-Fi a bordo, pago - 8 dólares por 24h (o primeiro que pego com esse serviço). Aqui, exercito ao mesmo tempo a mobilidade física e informacional, como vimos no comentário anterior sobre o uso de telefones celulares nos aviões. Ontem ouvi duas mesas redondas, uma sobre a literatura na era digital e outra, “espace mobile”, sobre as transformações do bd. St. Laurent na VOX. Espace Mobile A abertura do evento “Espace Mobile” foi coordenada por Marie-Josée Jean et Patrice Loubier que apresentaram os desafios que se colocam na modificação do bairro central, o “bairro das artes”, no centro de Montreal. Depois vieram as falas de Anouk Belanger, professora de sociologia da Université du Québec à Montréal, sobre a “culture populaire urbaine à Montreal” e questões sobre a revitalização do bairro. Depois, Annie Roy, da “Action terroriste socialement acceptable - ATSA”, mostrou ações concretas e a necessidade de uma realização efetiva no local. Vários artistas estão realieditoraplus.org

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zando obras durante o evento. O mais interessante ontem foi conhecer os trabalhos do artista francês Renaud Auguste-Dormeuil, interessado nos atuais processos de vigilância e de militarização. Vou tentar aqui, rapidamente, descrever alguns projetos e fazer uma ponte com o problema das mídias locativas. Ao chegar a Montreal, no aeroporto, Renaud recebeu um guia da cidade no qual são propostos cinco percursos turísticos. Esses percursos visam mostrar uma Montreal bela, dinâmica, multicultural, segura. O lugar é assim investido dos “mitos e sonhos” das instituições; um lugar idealizado. Para Renaud, o papel do artista é “injetar realidade” nos sonhos produzidos por aqueles que controlam o espaço urbano. Assim, ao receber o guia, Renaud fez os mesmos percursos a pé, mas anotando todas as câmeras de vigilância visíveis (com endereços precisos e nome dos proprietários). Depois ele produziu um mapeamento das câmeras e colocou uma “errata” no guia gratuitamente distribuído. Ele fez o mesmo em Paris (explicando que as autoridades locais mudaram o nome de câmeras de “tele-vigilância” para câmeras de “tele-segurança”): visita-áudio em museu para ver as obras vigiadas; destaque de desenhos da Disney nos quais aparecem câmeras de vigilância; uso de espelhos que desviam o “olhar dos satélites”, formas de visualização de como os GPSs monitoram as pessoas, entre outros. Um dos mais interessantes é o projeto MABUSE, no qual o artista criou um percurso turístico editoraplus.org

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em micro-ônibus para que “turistas” pudessem ver as câmeras de vigilância da cidade (as mais importantes vistas e filmadas no mundo, como a do obelisco da Place de la Concorde ou as do Hotel Ritz que pegaram as últimas imagens de Dodi e Diana...). Esses projetos artísticos (e outros que tenho apontado no Carnet e em meus textos) visam tornar visível o que passa despercebido na prática do uso do espaço urbano: não só as câmeras de vigilância (visíveis), mas as mídias locativas como o telefone celular, as redes Wi-Fi, uso de GPSs, as redes Bluetooth, as etiquetas RFID e diversos sensores criando situações de monitoramento, controle e vigilância de movimento. O que podemos dizer aqui é que as obras com mídias locativas, tendo como fundo o espaço urbano, visam trazer à tona dimensões materiais e não-materiais dos lugares. Elas buscam, como mostram os trabalhos de Renaud e de Annie do ATSA, injetar realidade e fazer com que o lugar assim produzido (como um não-lugar, asséptico, convivial, seguro) possa fazer sentido. Um percurso turístico proposto é o mesmo para todos. Um percurso turístico alertando para os lugares onde o turista será vigiado tem uma outra conotação. Se as câmeras produzem o sentimento (atual e futuro) de medo no “sujet insécur” (ver comentário sobre o assunto com a palestra de Rosello), pela sua própria materialidade, elas são também, pelo caráter normativo, produtoras de “não-lugares”. Talvez possamos dizer que as práticas artísticas, aí incluindo as câmeras e demais diseditoraplus.org

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positivos de vigilância, sejam tentativas de ressignificação dos lugares pela visualização de processos invisíveis, embora performativos, no espaço urbano, revelando o que está oculto (na materialidade das câmeras, nos espectros de rádio de zonas Wi-Fi, celulares, RFID, GPS...). Essa revelação seria uma forma de “desterritorialização”, ou seja, de transformação desses “não-lugares” em um lugar social (zonas de envolvimento das coisas que fazem sentido coletivamente). Aqui, mais uma vez, os projetos desses artistas “injetam” o real nos ideais racionalizantes e asseptizantes do planejamento urbano, criando um espaço socialmente produzido (Lefebvre). Literatura Digital A primeira mesa-redonda foi sobre a “Littérature Electronique”, no 10o Festival Littéraire International de Montreal, com a presença de Hervé Fischer, Yannick B. Gélinas, Bertrand Gervais, Alice van der Kei e Bruno Guglielminetti, coordenador. A discussão ficou na temática dos anos 1990, a saber a literatura multimidiática, o hipertexto, o papel do leitor, agora autor, etc. Pouca discussão sobre a atualidade do fenômeno como os blogs e nada sobre os novos formatos como a literatura por telefone celular (muito popular no Japão) ou as experiências de construção literária multimieditoraplus.org

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diática com as ferramentas locativas, como tenho exemplificado no Carnet de Notes. A discussão, ao meu ver, foi interessante para um público leigo. O debate girava em torno de falsas questões: se o meio digital suporta ou não a literatura (blog é literatura?, hipertexto é literatura?), se o novo formato vai apagar as outras formas literárias, se será o fim da memória pela volatilidade eletrônica, se o leitor é ainda leitor ou um interator, etc. Toda literatura é um hipertexto, no qual o leitor é sempre ativo. Sou um leitor de romances e me sinto parte ativa da obra e me deleito com histórias contadas por outros sem que eu tenha que me colocar ou participar de alguma forma outra que não seja lendo. Há diferenças, entretanto, entre os formatos (e sempre foi assim desde a invenção da escrita). Com o meio digital, a rede cria possibilidade de escritas coletivas (vejam o meu “Janelas do Mundo” – http://andrelemos.info/janelasdomundo). O meio digital e as tecnologias de acesso permitem formas diferenciadas de leitura (quando, onde e como) e a liberação da emissão abrindo as vias da distribuição a jovens escritores (que normalmente têm as portas das editoras fechadas). Trata-se, na realidade, não do fim da literatura (quem poderia decretar isso?), mas da emergência de novos suportes e, consequentemente, de novos estilos. E “A” literatura é isso no final das contas, um amálgama de estilos que passou por diversos suportes até a canonização do editoraplus.org

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códex medieval. A literatura não pode ser definida pelo suporte. Ela mudou ao longo os séculos e hoje assume uma outra forma. Há assim uma reconfiguração de estilos, mas não o fim da literatura. A literatura não é propriedade de um suporte. Não devemos pensar um formato contra um outro. O que vemos hoje é uma ampliação (argila, papiros, pergaminhos, códex, livros, hypercard, hipertexto web, blogs, microblogs, celular, mídia locativa...). E cada suporte tem seu charme, sua poética e seus leitores. No fundo somos nós os multimidiáticos, não os suportes. O que vemos hoje é uma expansão de formas expressivas da ficção e cabe aos artistas escritores definirem seus rumos. A questão não é a morte de uma forma hegemônica, o Códex, mas a abertura e o convívio de várias maneiras de se “contar histórias”, além da literatura. A mesa chamava a atenção para a necessidade de se conservar a memória (supostamente garantida no impresso e fragilizada com o digital) e que ainda haveria necessidade de um suporte material. Ora, mais uma vez tenta-se aplicar procedimentos do códex ao meio digital. Podemos certamente dizer que a memória que temos da literatura mundial está longe de ser uma memória exaustiva do que foi produzido nas diversas épocas da humanidade. Livros foram destruídos, escritores banidos, reprimidos... (vejam o belo livro “História universal da destruição dos livros - Das tábuas sumérias à guerra do Iraque” do venezuelano Fernando Báez). A memória que temos hoje na editoraplus.org

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materialidade do impresso é aquela produzida por poderosos vencedores ao longo dos séculos. Hoje a efemeridade do digital pode ser um traço do estilo... e será conservado aquilo que mais circular, já que no digital o consumo é a circulação. Talvez esta forma de manutenção de uma memória literária coletiva aberta seja mais interessante do que aquela assumida por instituições que filtram e estão a mercê dos poderes constituídos. Mais uma vez os três princípios gerais da cibercultura se aplicam aqui: emissão, conexão, reconfiguração.

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Ciberflânerie em Québec. Percurso caótico. editoraplus.org

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Segunda, 05 de maio de 2008 Depois do evento acadêmico no Palais de Congrès pela manhã, passei o dia todo andando, conhecendo a bela cidade do Québec, com certeza a mais europeia das cidades canadenses. Aqui nasceu o Canadá, sendo descoberto em 1535 pelo francês Jacques Cartier. Capital da província do Québec, 94% da população são de origem francesa. A Universidade de Laval foi fundada em 1663 pelo padre Montmorency-Laval quando só havia 600 habitantes por aqui! Andei muito e marquei meus percursos com o “GPS Tracker”. Os mapas e as impressões imagéticas estão no “ciberflânerie”. O interessante do “GPS Tracker” é que ele não é um localizador com mapas (como os equipamentos de GPS tradicionais, ou os GPSs embarcados em telefones celulares), ou seja, não sei por onde estou andando, nem o que encontrarei pela frente, nem mesmo o que tem ao meu redor (a não ser o que meus olhos alcançam). Descubro as coisas andando ao acaso, ou com guias e mapas que não uso muito normalmente. Vejo coisas de interesse “turístico”, também, mas gosto de andar e ver pessoas, mercados, ruelas sem dar muito sentido ao percurso. O GPS não é para mim um guia, um indicador de percurso. Ele é um instrumento de localização a posteriori para ver os desenhos que fiz sobre o espaço urbano, desenhos pessoais, invisíveis e que me ajudam a dar sentido ao editoraplus.org

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meu percurso. Até esqueço dele. O dispositivo é mais um instrumento para o futuro me mostrar o passado do que um validador do presente: um instrumento mnemônico e locativo que só uso a posteriori. Praticamente, só vejo o meu percurso quando exporto os dados como arquivo “klm” e abro no Google Earth. Só vejo o traçado quando lanço os dados no Google Earth e ele, magicamente, aparece (com erros). Depois vou colocando as impressões que guardei em forma de fotos, vídeos ou posts no meu ciberflânerie. O “GPS Tracker” não é o mapa com uma voz me dizendo “vire aqui ou ali”. Ele é assim uma ferramenta ideal para ciberflâneurs (embora totalmente dispensável), para aqueles que não buscam a produção de um percurso eficiente ou a rentabilização ao máximo dos custos da viagem. Para turistas objetivos buscando rentabilidade, o “GPS Tracker” não serve para nada. Me interesso, particularmente, por essa deambulação urbana, por essa “l’art de l’égarement”, como dizia Benjamin sobre Paris, e busco ver como as mídias locativas podem servir mais para a desorientação, para o encontro inusitado e casual, para a surpresa, do que para a localização, o monitoramento, o controle ou a vigilância do meu espaço. Com o “GPS Tracker” refaço o passado no futuro e curto o presente. O importante é a deriva, o nomadismo, a flânerie.

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Sobre este assunto, estou lendo agora dois livros: o de Jacques Attali sobre a história universal do nomadismo, “L’Homme Nomade”, e um outro, mais ensaístico e ficcional, “Éloge de la Mache”, número da revista Moebius, 116. Abaixo citações de três textos da revista Moebius: Ces marches sont orientées quand l’intérêt de la promenade tient tout entier dans l’intervalle. La promenade n’inspire pourtant pas le respect qu’on accorde à la rigueur du parcours semé d’observations exhaustives et méthodiques entre deux points. Le parcours trace une ligne; la promenade, un cercle où le promeneur perd don chemin” (Jean-Claude Brochu) “...nous accueillons cette démarche (la flânerie, la promenade) comme une expérience où l’être humain cherche à établir un équilibre entre corps et esprit (...) Appelons donc cet état: rêvasserie” (Louise Cotnoir) “Voici venu le temps où la marche s’arrête immobile au milieu des souffles suspendus, le goût de pleurer fendant seul la carcasse. Ma carcasse. Ma car. Rien, c’est tout. C’est assez. Phénom énalem... ...out.” (André Brochu)

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Québec editoraplus.org

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Terça, 06 de maio de 2008 Territórios No “Musée de la Civilisation du Québec”, visitei também a exposição “Territoires”, sobre a história da ocupação do Québec e das primeiras nações. Me deparei com definições de território que me parecem interessantes e muito próximas das que apresento quando da discussão sobre o que venho chamando de “território informacional”. No texto de Henri Dorion (“Un Territoire ou des Territoires?”), no catálogo da exposição (“Territoires - Le Québec”, dirigido por Dekoninck, Marie-Charlotte, Musée de la Civilisation, Edition MultiMondes, QC, 2007), podemos destacar uma citação de Christine Chivellon e uma passagem de Dorion, respectivamente: Il s’agit de considérer le territoire comme le résultat d’une appropriation d’un espace offert comme champ de possible et (de) compreendre à travers ce travail opérer sur l’espace, la mise en place d’un système sémique médiateur de la relation à l’Autre” (p. 9)

“Le território est l’espace vécu...on n’en est pas à la fin des territoires, mais plutôt à leur virtualisation partielle, et surtout à leur complexification...” (p.12)..

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A primeira citação apresenta bem o que entendo como território informacional, esse espaço de controle informacional digital, uma apropriação das camadas eletrônicas e físicas de um espaço, criando um “lugar” no qual o que está em jogo são trocas comunicacionais, ou seja, o embate com o “Outro”. A segunda citação remete a pregnância do lugar e dos territórios frente à globalização e as tecnologias do ciberespaço. Como estamos tentando mostrar, essas tecnologias, mais que nunca, não decretam o fim dos territórios, dos lugares, mas suas virtualizações e complexificações. Ainda no museu, visitei a exposição “Urbanopolis”. Sintomaticamente ela trata de diversas questões do urbano, mas esquece completamente as mídias, os processos comunicacionais e o impacto das telecomunicações na transformação do espaço urbano. A exposição destaca a demografia, a poluição, os projetos futuristas, o passado das cidades e as mudanças climáticas, mas não há nada sobre o papel das mídias. Como já mostrei em artigos, urbanistas e arquitetos parecem ainda não absorverem a importância dos meios de comunicação na formação das cidades: a escrita, a imprensa, o telégrafo, o rádio, o telefone, a TV e hoje as mídias digitais, incluindo as novas tecnologias da mobilidade, foram e são elementos fundamentais da construção social do espaço. Para não dizer que não havia nenhuma referência, havia um projeto de estudantes

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da Université Laval para a cidade do Québec de 2108 (!). Uma maquete futurista na qual se pode ler: système de realité augmentée enveloppe les batiments (...) québec tisse des liens riche et complexes entre monde réel et l’univers virtuel (...) des lieux de reencontre se forment de façon aléatoire et spontanée à l’angle d’une rue...”.

2108???

Quarta, 07 de maio de 2008 Mobilidade Total A conexão Wi-Fi no trem “Via Rail” de Québec para Montreal, que estou usando agora, é um exemplo concreto da complexificação da mobilidade em direção a uma “mobilidade total”. Aqui, temos todas as mobilidades: a física (corpo/transporte), a informacional (acesso a informação com possibilidades de emissão e produção de conteúdo) e imaginária (os devaneios da minha mente em meio ao espetáculo que desfila editoraplus.org

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pela minha janela...). Aqui, vemos essa nova heterotopia informacional de um “lugar” que se desloca (o trem, como o navio para Foucault). Esse lugar (trem) ganha uma nova função (heterotopia), um novo sentido, ao permitir o acesso e a produção de informação, como estou fazendo agora. Há várias implicações positivas e negativas (que não vou desenvolver agora), mas apenas indicar: várias pessoas estão, como eu, conectadas, trabalhando, ao invés de estarem curtindo a viagem; não há muita conversa, a não ser duas senhoras que estão atrás de mim e não param de falar. Temos aqui um trem como qualquer outro, só que com novas funções, que tenho chamado de heterotopia do controle informacional. Vejam a análise que fiz do avião anteriormente e que remete a esta mesma discussão. As novas heterotopias são uma das questões mais importantes da nossa época. Michel Serres, em “Les Messages à distance” (Editions Fides, Montreal, 1995) que estou lendo agora nesse trem (sim, deixo a conexão de lado e leio, vejo a paisagem, ouço música...), começa o livro mostrando as mudanças na dimensão humana do trabalho e os regimes históricos que ele associa a, primeiramente, Hercules, como a força, o artesão, depois a Prometeu, como o fogo, a máquina industrial, e agora Hermes, a comunicação, a mensagem. Estamos, segundo Serres, no regime dos “Angelos”, os mensageiros.

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Na passagem abaixo vemos bem o trabalho em meio a essa “mobilidade total”. Ele afirma: Considérez, le matin, lorsque vous partez au travail, la foule qui s’écoule par les rues: combien peu de Prométhées, encore moins d’Hercules et d’Atlas, pour tant et tant d’Archanges, partant en voyage, porteurs de messages? Nous vivons désormais dans une immense messagerie, où nous travaillons, pour une majorité, comme des messagers: partons moins de masses, allumons moins de feux, mais transportons des messages, qui, parfois, commendent aux moteurs. Messagers, messages et messageries, voilà, en tout, le programme du travail. Aux plans de l’architecte, aux dessins industriels succèdent réseaux et puces.” (p. 12).

Sábado, 10 de maio de 2008 Elektra Ontem à noite, fui ver o festival internacional de artes digitais, “Elektra”, em sua nona edição. Há uma programação extensa em locações diferentes na cidade. Na programação de ontem no “Usine C”, instalações e performances. Vou destacar apenas editoraplus.org

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duas obras. A instalação “Capsule Optofonica”, uma cabine que envolve o usuário com sons e imagens (há também vibrações sentidas no chão). No interior há um palm com tela táctil na qual se escolhe o clip e ajusta-se a altura do sistema sonoro. Interessante a atmosfera criada e o universo sonoro e imagético acionado. O mais interessante foi a performance TVestroy, de Thomas Quellet, Fredericks + e Danny Perreault. com projeções e telas de tv experimentando a relação entre imagem e som. Som e imagem emergem simultaneamente: o som é a imagem! Hipnótico e perturbador. O som faz uma grande diferença: potente, super graves, reverberando no corpo. Uma experiência corporal intensa...

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entrada do espaço Electra com lustre de garrafas Pet. editoraplus.org

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Tvestroy, Festival Elektra, Montreal editoraplus.org

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Vista do terraço do Montreal Museum of Archeology and History, Pointe-à-Callière, onde Montreal foi fundada em 1642 editoraplus.org

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Terça-Feira, dia 21 de maio de 2008 Participei da pré-conferência “The Global and Globalizing Dimensions of Mobile Communication: Developing or Developed?” no “International Communication Association”, ICA, aqui em Montreal. O evento foi de alto nível centrado em diversos aspectos do uso do telefone celular. Muitos dados e poucos voos teóricos, mas bastante interessante para ter uma visão geral dos estudos e para conhecer as micro e macrorelações sociais com o uso do celular. Os palestrantes mostravam suas pesquisas, os dados coletados e as análises gerais. Nada surpreendente, mas olhares locais que ajudam a ter uma visão global dos diversos usos do telefone celular: mulheres e patriarcalismo, mercados na Índia, circulo íntimo e reforço identitário, circulação financeira, design e educação...Foi dado um panorama dos usos do celular em vários países. As palestras praticamente não abordaram as experiências com as “locative media”, arte ou games. A discussão sobre o espaço urbano é periférica. A abertura foi com uma palestra, genérica, de James Katz. O título prometia algo ligado à cognição, mas esse foi apenas tangencialmente tocado. Katz mostrou o celular

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como um objeto “naturalizado” (ele não usou esse termo), expondo fotos dos mais diversos momentos do aparelho na vida quotidiana. Mostrou o celular como artefato cultural (é produzido por e produz novos hábitos, crenças e costumes). Apresentou também algumas vantagens e desvantagens do dispositivo, sempre com dados mundiais. Segundo Katz, há hoje uma grande dependência: 51 por cento das pessoas dizem não poder viver sem um celular, criando o que ele chamou de “nomophobia” ou “no mobile phone phobia”. E isso é muito presente no uso que os jovem fazem do aparelho. Sem o celular eles se sentem fora da vida social. Além disso, se você não tem um celular, você se torna um problema para as outras pessoas. Depois vieram as comunicações. Kas Kalba mostrou a penetração do telefone celular no mundo e sugeriu como hipótese uma correlação climática. O desenvolvimento começou nos países frios e estaria migrando para os países quentes. Explicou a penetração da telefonia móvel na Itália pelo pioneirismo no uso de “pay-payed phone”. As correlações são difíceis. México e Brasil têm menos celulares que Rússia e Estônia, embora os países latinos tenham um PIB maior que os nórdicos. Rivka Ribak, apresentou os resultados de suas pesquisa com mulheres e adolescentes, no oriente médio. O uso do celular é universal, mas afetado pela cultura. O global negocia com o local. Com práticas patriarcais, criam diferentes formas de adoção e resistência do uso por adolescentes na Palestina. Ela editoraplus.org

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realizou uma etnografia entre 2003 e 2005 com garotas de 16 a 18 anos. Apresentou questões como: que idade é aceitável para dar um celular para meninas? O marido pode acessar o celular da mulher, e vice-versa? Como conclusão apontou para os antagonismos presentes na adoção do celular na Palestina. A tensão se dá entre tradicionalismo e progresso; protecionismo e liberalismo... Já Dana Diminescu se interessa pelo fluxo financeiro e dos migrantes e como a telefonia móvel age nesse contexto. A pesquisa busca entender como os migrantes desenvolvem suas relações com a mobilidade, a conectividade e o controle. Ela centrou a discussão na relação entre migrantes e a transferência bancária, mostrando criticamente a relação entre os “mobile operators” e as “credit card companies” (atingem hoje 200 milhões de trabalhadores). A pesquisa analisou a situação em países como Filipinas, Quênia, Índia e França. No entanto, o conceito mais interessante apresentado foi o de “habitèle”, proposto por Dominique Boullier. Habitèle é a concrete form of connectivity. It refers to all the underpinning of our feeling of belonging - city, national, bank, social networks. Para Boullier, “l’habitèle désigne ainsi ces dispositifs portables chargés d’information qui nous maintiennent en lien avec nos mondes d’appartenance et qui ‘étendent notre bulle’ (E. Goffman) au-delà de l’espace de co-présence. Les objets deviennent alors une part de nous-mêmes, ils deviennent en cela très singuliers, car deux portables identiques à la production ne le restent guère

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dès qu’ils sont entre les mains de deux utilisateurs, d’autant plus facilement que le numérique les rend plastiques, transformables, paramétrables en fonction de la personne.”

Ou seja, tudo que diz respeito a acesso e pertencimento a um território informacional: senhas, códigos e poder em forma de bits e bytes. Habitèle é como uma “segunda pele”, um novo território, um “território informacional”, uma zona de acesso informacional controlada. Já Katie Lever apresentou sua pesquisa com estudantes secundaristas nos EUA para saber como eles usam o iPod, como eles consomem “mobile music”. Criou um grupo focal com 43 estudantes e analisou 200 questionários na primavera de 2007. Buscou responder perguntas como: o que o motiva a ter um MP3 player? Onde e quando usa? Sentem-se isolados?...etc. A questão da pesquisa é se os MP3 players causam isolamento ou, ao contrário, criam “community building”. Há hoje 90 milhões de usuários de iPod. Ela citou autores que abordaram o tema como Bull (público e privado), Coyne (situação, não-lugar), Gergen (“absence presence theory”), Garfinkel, 1967 (“social control” - controle sobre o ambiente). Para ela, a ideia de um “soundtrack for life” remete ao “non-place”. A ideia é que, já que me isolo e crio o meu som, estaria produzindo um “não-lugar”. No entanto, como mostrei em outro post, podemos pensar que

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o usuário apenas cria uma modulação do lugar (o som). Mudando o som, muda-se a relação com o lugar. Conclusão: os jovens usam os players para mudar de humor, escapar de constrangimentos e criar outra relação com o espaço e o tempo.

Quarta feira, dia 22 de maio de 2008 Continuando as apresentações no ICA em Montreal, Andrea Kavanaugh, do Virginia Tech, HCI, explorou a relação entre o uso do celular e os iletrados. Apontou o celular como “scaffolding technology” (scaffolding : abrigo para trabalhadores) e mostrou problemas e ideias para o design dos aparelhos. Ela entrou em algumas particularidades e citou o “jitterbug cellphone” (telefones com apenas o pad com números, on-off e 911) como sendo útil para pessoas analfabetas. Depois, Dawna Ballard, dos “communication studies” da Universidade do Texas, apresentou sua pesquisa sobre temporalidade, aqui compreendida como as relações pragmáticas como a conexão, a conectividade, o tempo de uso, a hiperconexão (usar sem parar SMS, e-mail, blogs, Facebook, Twitter...). Em estudo com 2400 pessoas e 17 países mostrou que quase 17% das pessoas são hoje hiperconectadas. A relação com o celular implicaria novos

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padrões globais e locais do tempo (temporalidade pensada como frequência de uso). Noções como “perpetual contact” (Katz, et al), “space of flows” (Castells), “network time” (Hassan), “presence-absence” (Fortunati), entre outras perpassam a pesquisa. Há particularismos culturais. Citou também a inter-relação entre microblogging e copresença, dando o exemplo de um evento onde os organizadores mudaram a dinâmica depois de discussões no Twitter, mesmo estando todos no mesmo lugar. Já Gwen Shaffer da Temple University, Philadelphia, analisou o sistema de acesso às rede “peer-to-peer” e apontou como este pode ajudar a diminuir o “digital divide”. O enquadramento da discussão se deu em termos de economia política, esfera pública e mobilização social. A solução apontada, depois de fracassos no MetroFi, Earthlink, etc, é em sistemas peer to peer com mesh e ad hoc networking. Há problemas de modelos de negócios e os sistemas abertos parecem ser uma alternativa. 54% dos usuários dizem usar conexão de outros. Citou exemplos de mesh como Meraki, Fon, Whiser, já mostradas no Carnet de Notes e também experiências com as “community networks” como Upsi, Seattle Wireless, Juneau Wireless, entre outras, ou ainda as europeias FunkFeuer, Guifi.net, Athens Wireless, Metropolitan Network, czfree.cz, usando open source software. Os obstáculos são as ISPs (Internet Service Provider), a regulação Federal e o medo em relação à segurança e à privacidade. editoraplus.org

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Timo Saari, também da Temple University, discutiu o uso social e o espaço público. Como temos mostrado aqui, a “ubiquitous computing” reúne processamento de informação, redes sem fio, sensores e dispositivos móveis, “integrated into everyday objects and activities”. Aqui o termo é sinônimo de “pervasive computing”. Citou o trabalho de Hiroshi Ishii e sua ideia de “ambient media”, com zonas de fachada e de fundo (foreground x background). Mostrou vários exemplos em que o contexto (o lugar) conta: orientation, multitasking, mobilidade, criando o que ele chamou de “psychological sphere”! A pergunta que sua pesquisa tentou responder foi: “what is the effect of context on our use of cellphones?” No meu caso, a questão é a mesma mas invertida: “how te context change with the use of cellphone (microrrelacão social, novas funções para antigos lugares, novas funções para novos lugares...), ou seja, como o uso do celular muda a relação com o contexto! Afirmou que o futuro é “location embedded/physical embedded” e que estaríamos ainda na era da “ubiqutous computing”, caminhando para o “embedded universe”. Scott Campbell da University of Michigan discutiu a relação entre “mobile communication and public space”, interessado nas relações entre as tecnologias móveis e o engajamento cívico e político. Mostrou que há duas formas gerais de relação com o espaço público: uma informal - doméstica, pessoal, e uma outra formal, política e editoraplus.org

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cívica, como as diversas manifestações conhecidas como “smart mobs”. Citou Castells, Rheingold e Putnam, mostrando o declínio do capital social nos EUA. Sua pesquisa está centrada nos usos: “information exchange / sociability / recreation”. Afirmou que os estudos anteriores da internet estavam centrados em questões como “isolation, alienation, less face to face”. No entanto, ele afirma que há, diz sua pesquisa, formas de “community building”, “informal socializing” que reforçam o capital social e que esse uso informal é importante para um uso mais formal das tecnologias. Segundo afirma, a tendência é haver um aumento do engajamento civil e da participação política. Rich Ling mostrou sua pesquisa sobre o uso do celular em círculos íntimos se perguntando se o dispositivo reforça ou não as relações mais íntimas. Ling fez uma pesquisa sobre a situação na Noruega e na Ucrânia com 2325 questionários respondidos na Noruega e 1028 na Ucrânia. Na Noruega a situação é de uma maior penetração e uso de SMS: todos tem celular. Na Ucrânia, apenas os mais jovens. A Ucrânia usa mais voz que SMS, depois e-mail e IM. Na Noruega o celular tem forte penetração entre os teens, sendo o uso de SMS bastante difundido. Já o e-mail é pouco usado, sendo considerado uma ferramenta para “velhos”. Ling apresentou vários dados e na conclusão afirmou que os celulares suportam interação no “intimate space”, que os serviços avançados (Web, IM, Microblogging, etc) “have only limited acceptance”. editoraplus.org

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Jonathan Donner, da Microsoft Research Índia, mostrou uma tipologia do uso dos celulares na Índia para o comércio informal. Os celulares ajudam a reduzir custos, permitem uma comunicação de proximidade e informal com clientes e fornecedores, na qual ele facilita as “trust-based relationships”, aumenta a produtividade e seriam vitais “not for make but for getting money”. Citou exemplos sobre o mercado de peixes na Índia. O celular serve aqui para: “serve costumers, get price information, coordinate with trusted partners, serving existing customers, acquire new constumers, bypass middleman, start new business”. Seria também uma forma de substituição dos telefones fixos. O mote é a micro-coordenação e a mobilidade para pescadores, taxistas e comerciantes, afirmou. O celular potencializa os negócios já existentes, ao invés de transformá-los completamente. Da mesma forma, Harsah de Silva, mostrou os benefícios econômicos do acesso à telefonia móvel na Índia, no Paquistão, no Sri Lanka, Filipinas e Tailândia. Por último, Rich Ling apresentou o trabalho de Helmersen, da Telenor, sobre a prática dos “missed calls”, ou seja o uso do celular como código sem pagar a comunicação: uma pessoa liga e desliga antes da outra atender, deixando o numero registrado e, consequentemente uma mensagem: “quando eu ligar, isso significa que já cheguei no lugar do encontro”, por exemplo. Segundo a pesquisa, há problemas de congestionaeditoraplus.org

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mento do tráfico na rede e não há lucro para as empresas, já que 2/3 do tráfico são de “missed calls”. A pesquisa desfaz também alguns mitos: 1. que apenas as pessoas com poucos recursos fazem esse tipo de ligação; 2. que a motivação é apenas econômica, mostrando que isso faz parte do “teens entertainment”. Interessante pesquisa sobre um aspecto das relações com o celular ainda pouco estudado.

Terça, dia 27 de maio de 2008 Estou concentrado revisando a bibliografia e escrevendo um artigo sobre “pervasive games”. Os “pervasive games” são jogos na rua com tecnologias móveis e redes sem fio. Há inúmeros exemplos e experiências de fusão do espaço eletrônico com o espaço físico, criando um “território informacional” próprio do “lúdico”. E o lúdico sempre foi uma maneira de socialização, de criação da cultura (ver Huizinga e Callois) e de apropriação das tecnologias e do espaço urbano. No domingo passado fui ao parque Mont-Royal, a “praia” aqui, e pude ver um “role play game” medieval onde equipes travavam batalhas de campo (roupas de época, discussão de estratégias e táticas, batalha de campo...). Vemos aqui tudo de um street editoraplus.org

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game: sociabilização, suspensão do espaço (público) e do tempo (objetivo, racional e eficiente), na criação do “mundo do jogo”, apropriação e ressignificação do espaço público. O espaço do jogo atraía pessoas que ocupavam esse espaço para ver, participar ou apenas “estar ali” estabelecendo um sentido “temporário” do lugar. Os “pervasive games” evocam a mesma ambiência, saindo das telas dos computadores e indo para as ruas. Nada muito novo, mas uma nova forma de apropriação das tecnologias móveis, de ressignificação dos lugares e de formação de redes sociais, abrindo inclusive um leque de aplicações comerciais e artísticas para o futuro próximo.

Quarta, 28 de maio de 2008 Conversei hoje com Jason Lewis, responsável pelo Obx Labs/Concordia University, que desenvolve há alguns anos projetos interessantes ligados a textualidade, espaço urbano e novas tecnologias digitais móveis, principalmente celulares. Conversamos sobre os projetos “Citispeak”, “CityWide” e “Passage Oublié”. Todos exploram a relação com o espaço das cidades, a criação de pertencimento e de vínculo social, a produção textual pública e coletiva. “Cityspeak” foi apresentado em 2006 no MobileFest em

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SP, quando conheci o projeto. A obra explora a textualidade e o uso do espaço público já que o sistema permite que pessoas enviem SMS que serão visualizadas no espaço público (telão), criando assim formas de publicização de textos normalmente enviados de forma privada. “Cityspeak is ephemeral graffiti, an exploration into using private modes of communication to drive transient public displays of commentary about a particular location.” Já “CityWide” usa ambientes com acesso a internet sem fio, hotspots (aqui aqueles disponíveis pela organização “Ile Sans Fil”), para criar uma zona de “chats” entre as pessoas que ocupam o mesmo hotspot, criando memória e microcomunidades. Citywide provides a way for geographically-based micro-communities to maintain communication with one another. The application makes use of the wireless hotspots provided by groups such as Montreal’s Île Sans Fil to create a chat-space that is local to each particular hotspot. Use it to converse with other visitors, shout out to the cute guy in the corner, post announcements, or explore the history of previously posted messages.”

Já o projeto “Passage Oublié” aborda a relação com não-lugares, no caso o aeroporto internacional de Toronto (realizado de julho 2007 a maio 2008) e os processos de controle de pessoas pós 9/11. Os usuários são convidados a deixar suas impressões por SMS ou através de um laptop dentro da área de cobertura Wi-Fi do aeroporto sobre a editoraplus.org

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questão do controle, da vigilância e da invasão da privacidade e do respeito à integridade física e moral das pessoas. Um mapa interativo (touch screen) mostra aeroportos envolvidos em “rendition flights”. O usuário pode olhar, tocar e contribuir. Passage Oublié is an interactive artwork about extraordinary rendition, the practice whereby terrorist suspects are made to disappear in a global network of detention camps. This installation takes the form of a touchscreen kiosk at Toronto’s Pearson International Airport, July 2007 to May 2008. (...) It is in this context that Passage Oublié displays information about rendition flights and asks travellers the following questions: Are rendition flights an acceptable means of dealing with the threat of terrorism? How is a collaborating country’s credibility as a defender of human rights affected? Does the end justify such means when it comes to the ‘war on terror’? Are the liberal democracies involved in this activity compromising their cherished principle that one is innocent until proven guilty?”.

Todas as experiências mostram o potencial das tecnologias móveis para ação no espaço público, para produção textual coletiva, para criação de redes de sociabilidade e para a implicação política das pessoas no espaço urbano.

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Sexta, 03 de junho de 2008 A primavera chegou e embora não faça ainda calor (chove e a temperatura está entre 15 e 20 graus), a cidade está em festa. A avenida Mont-Royal fecha durante 4 dias para as pessoas. Os comerciantes colocam coisas nas ruas com descontos atraentes. É o festival “Nuit Blanche sur Tableau Noir”. Tem-se um sentimento de comunidade forte e essa é uma das características do Plateau (o bairro). Música, pintura, performances, oficinas, etc., fazem parte da festa. É a 13ª edição do evento e isso cria uma memória, um sentimento de pertencimento ao espaço corrido e comercial da avenida. O evento (temporário) ajuda a fazer desse “espaço” um “lugar” pelo uso “tático” (De Certeau) que as pessoas fazem da rua. O som está presente, mas sem o barulho típico do Brasil. Temos aqui um exemplo, banal, de como as mídias produzem um sentimento de pertencimento, uma heterotopia. No caso em questão são as rádios-poste (como conhecidas no Brasil). É mídia de massa, com função locativa, mesmo que ela não reaja ao contexto. Como expliquei, a rádio poste produz espacialização e assim pode ser considerada uma mídia locativa analógica de função massiva, diferente das mídias locativas digitais, que interagem com o contexto e desempenham funções pós-massivas.

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Pervasive Games Volto à discussão sobre os games. Como escrevi, estou finalizando agora um artigo sobre jogos com mídias locativas, que estou chamando de “pervasive computacional games” (PCG). Fiz uma pesquisa exaustiva e encontrei 73 games desde 2000 até 2008. Fiz uma análise dos PCG por ano, país, dispositivos utilizados, tipo de PCG, tipo de jogo e redes sem fio utilizadas. Abaixo um resumo do artigo que deverá ser publicado em 2009.

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Av du Mont-Royal fechada para comemorar a primavera

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Os Pervasive Computacional Games (PCG) aliam tecnologias digitais móveis e sistemas de localização permitindo uma interface entre os espaços eletrônico e físico para fins de jogo. O lúdico é aqui a forma de espacialização criada com os PCG. Nos interessa mostrar como as novas tecnologias digitais móveis produzem espacialização, particularmente com os PCG. A espacialização se dá pelo uso de tecnologias, sensores e redes digitais móveis (celulares, palms, GPS, AR devices, RFID chips e redes GSM/ GPRS, Wi-Fi, Bluetooth, Radio) e do espaço físico por meio de territórios informacionais. Para mostrar esse processo de espacialização, discutiremos os sistemas baseados em localização, as funções “pós-massivas” e a criação de territórios informacionais. O objetivo é analisar, tendo como base a história dos PCG, as formas de espacialização criadas pelos “location based services” e “location-based technologies”. Para tanto iremos rapidamente discutir categorias como jogo, espaço, lugar e território, propor o conceito de “territórios informacionais” e de “funções pós-massivas” e no final analisamos 73 PCG (de 2000 a 2008) buscando identificar as formas de espacialização. Veremos que os PCG produzem territórios informacionais com fins de jogo, criando, temporariamente, heterotopias: 1. o uso do espaço físico para o jogo (hunt e chase são maioria); e 2. a relação entre o espaço físico e o espaço eletrônico, sendo hegemônicos os PCG de tipo LB.

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Quinta, dia 12 de junho de 2008 Wireless Place Um exemplo de novos significados dos lugares com o uso das tecnologias móveis e redes sem fio é a possibilidade de acesso à internet a partir dos lugares públicos. Venho sempre ao parque La Fontaine, no Plateau, em Montreal. Ando de bike e leio. Quando preciso me conectar tenho que sair do parque e ir a algum café. Hoje achei um ponto de conexão Wi-Fi aberto (há vários fechados) e estou escrevendo. De todos os lugares do parque, esse passa a ter um novo sentido e voltarei aqui mais vezes (com certeza há outros que descobrirei depois). O parque é um lugar público: pessoas passeando com filhos e cachorros, gente de patins e bike, gente ouvindo música, tomando sol ou lendo. Um território com suas leis, regulamentos e memória. Mas uma outra dimensão junta-se a essa: a informacional - o que venho chamando de “território informacional”. E a segurança do lugar me permite usar um laptop sem a menor preocupação. Ou seja, o lugar é uma somatória de diversos territórios e suas funções. Agora esse lugar tem uma nova função, uma editoraplus.org

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heterotopia de conexão, adicionando à mobilidade física, outra, informacional (posso navegar a vontade, blogar, microblogar...). Esse lugar agora tem um outro significado para mim e posso sempre voltar aqui para curtir o parque e, quando não estou lendo, ouvindo música ou vendo as pessoas passearem, me conectar à internet. As redes sem fio e tecnologias móveis de acesso permitem assim, criar novas funções nos lugares, adicionar elementos à memória do lugar e produzir novos significados. Não é um “nãolugar”, não é um “lugar sem sentido”. É o mesmo Parc La Fontaine, mudando. Abaixo bikes virando parte da mobília do Parc La Fontaine.

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Bike

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Terça, dia 17 de junho de 2008 Mais uma “ciberflânerie”, feita com o “GPS tracker”, agora pelas pontes de Montreal. No site (http://ciberflanerie.blogspot.com) é possível navegar pelas fotos e vídeos de uma ida e volta ao/do Parc Jean Drapeaux, de bicicleta, com direito a um Piknic Eletronic.

Mais uma “ciberflânerie” editoraplus.org

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Sábado, 21 de junho de 2008 Speed and its Limits La splendeur du monde s’est enrichie d’une beauté nouvelle: la beauté de la vitesse”. Filippo Tommaso Marinetti Participo hoje de um evento no CCA – “Canadian Centre for Architecture” que discute a “velocidade e seus limites”. Nada mais bem-vindo do que essa discussão em tempos onde não temos tempo para nada...aliás saio correndo agora para não perder a abertura do evento. A velocidade era, para o futurismo, uma religião e uma moral. Desde a revolução industrial, a velocidade está sempre associada ao desenvolvimento, à performance e à eficiência. Ser lento é quase uma ofensa. Aqui a velocidade liga-se ao movimento, tendo na máxima aristotélica, “movement = life”, seu princípio fundamental. Mas esse princípio derrapou rapidamente para “more movement = more life”, equação bastante questionável. Recentemente, conversando um professor e artista das novas tecnolo-

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gias ele me dizia estar cansado da academia por ser ela muito lenta. E ele tem razão. A academia é lenta já que a reflexão e a crítica exigem tempo, e o tempo é o inimigo da velocidade. Temos certamente que pensar em Bergson e na dimensão enriquecedora da “durée” e não do tempo descontínuo que regula as nossas vidas, como vimos no começo deste livro. Não é natural a forma como vivemos o tempo e o movimento, mas cultural. Culturas diferentes, todos sabem, vivem diferentemente o tempo e organizam suas vidas de forma independente dos relógios ou da agenda semanal. Hoje, em tempos de “tempo real” e da imediaticidade da informação, o freio à velocidade se impõe como um lugar do pensamento. A aceleração, mais do que a velocidade, é o problema. Mídia e transporte aceleraram os movimentos: aqui os movimentos virtual da informação e físico dos transportes. O século XX, e mais ainda o século XXI, são séculos da velocidade e da aceleração física e informacional. Imagens do século XIX mostravam trens e a máquina de escrever como emblemas dessa nova religião da velocidade e da moral do “mais rápido”. A mobilidade é o novo culto que emerge no século XIX. Podemos pensar em três tipos de movimentos: lentos (aceleração decrescente), rápidos (aceleração crescente) ou estáveis (aceleração nula) editoraplus.org

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e devemos pensar nestas dinâmicas da mobilidade para compreendermos a cultura contemporânea em meio à revolução das tecnologias e redes móveis. Os debates no evento “Speed and its limits” foram multidisciplinares e não vou resenhar o evento, mas apenas destacar alguns pontos que me fizeram pensar sobre questões ligadas à comunicação, à tecnologia móvel digital e ao lugar. Pierre Merlin fez uma conferência sobre os problemas acarretados pela manutenção dos atuais ritmos de velocidade (no caso da mobilidade física) e dos movimentos em uma perspectiva da atual crise energética. Os constrangimentos para o futuro podem ser colocados em três grandes pilares: energia, clima e finanças mundiais. Ele mostrou que a velocidade dos transportes vem diminuindo: os aviões são mais lentos do que nos anos 1980, os carros são mais rápidos, mas se deslocam a uma velocidade média também menor do que no fim do século XX, e as políticas urbanas estão limitando cada vez mais o uso dos transportes individuais de alto consumo de energia (carros), priorizando os transportes coletivos (ônibus e metrô) e menos poluentes (a marcha e a bicicleta). Há assim uma tendência que aponta para uma velocidade que, nos próximos 20 anos, vai estagnar e mesmo diminuir. Uma solução apontada por Merlin seria criar, nas cidades, zonas que favorecessem a proximidade física, evitando assim editoraplus.org

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grandes e dispendiosos (para o planeta) deslocamentos. Deve-se então estimular uma outra concepção das cidades e começar a produzir o que Merlin chamou de “mobilité paresseuse”, ou seja, uma “mobilidade preguiçosa”. Infelizmente Merlin não analisou o impacto das novas tecnologias. Apenas apontou que elas podem diminuir os deslocamentos, mas que não há relação direta entre a diminuição dos deslocamentos e as novas mídias. E não há mesmo. Pelo contrário, quanto mais as mídias evoluem, ou seja, quanto maiores são as possibilidades de transporte de mensagens, maior também é o número de transporte de pessoas e mercadorias. As pessoas hoje se deslocam mais, tanto fisica como informacionalmente (produzindo e consumindo informação, no que chamo de funções pós-massivas). Mas poderíamos pensar que essa mobilidade não teria que ser necessariamente acelerada, se criarmos condições para uma mobilidade “lenta” ou “douce” que estimule a flânerie, a promenade, a errance, que o culto atual da velocidade tende sempre a inibir como “perda de tempo”. Devemos pensar mesmo mais seriamente no que seria essa “perda de tempo”. A cultura do futuro (dos próximos 20 anos) deve levar essa questão a sério. Robert Levine falou de uma determinada cultura na Ásia onde essa questão não faz o menor sentido. Ela só faz sentido em uma vida projetada no futuro, insen-

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sível ao aqui e agora. Ao falar sobre a perda de tempo, Levine foi questionado por um nativo: “como é possível perder tempo?” Tenho mostrado como projetos de artistas com as mídias locativas tendem a estimular uma apropriação criativa dos espaços urbanos, a criação de novos sentidos dos lugares, o reforço da proximidade e da comunidade. Estes projetos são, certamente, minoritários, mas devemos pensar neles como “sintomas” ou, na melhor das hipóteses, como tendências. São ideias factíveis para uma melhor vivência no espaço urbano. Essa apropriação é, por essência, oposta ao percurso rápido, eficiente e pouco atento ao contexto, como fazemos diariamente ao nos deslocarmos para “resolvermos coisas”, ou para “não perder muito tempo”. É certo que as telecomunicações não diminuem a mobilidade e sempre o crescimento dos transportes físicos estiveram associados à mobilidade informacional, às telecomunicações: navios e rádios, trem e telégrafos, carros e telefones, aviões e internet...No entanto, as possibilidades de uso das tecnologias móveis podem estimular um deslocamento mais lento e, talvez, resgatar a proximidade evitando o imperativo da aceleração. Essa é a ideia chave: não instituir a imobilidade, mas desenvolver uma velocidade menos agressiva e mais compatível com o desenvolvimento sustentável do planeta.

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Pensemos, por exemplo, no uso dos dispositivos móveis e das redes de acesso a informações sem fio. Certamente eles não me fazem imóvel, mas me permitem um maior controle sobre a minha mobilidade. Eles possibilitam que eu possa coordenar, sem aceleração do movimento físico, encontros. Podemos, e já fazemos várias dessas ações atualmente: acertar encontros com um tempo mais fluido, ajustando-o por mensagens de voz ou de textos com celulares ou laptops; resolver problemas por telefone, e-mail, SMS, web ou microblogs em qualquer lugar sem que seja necessário chegar “rápido”; acessar informações em mobilidade (por exemplo, saber onde está passando tal filme em um cinema próximo) que me permitam chegar com menos pressa aos lugares; etc. Não se trata de inibir a mobilidade, mas de torná-la, por assim dizer, mais lenta. Alguém na plateia recuperou a fábula de La Fontaine, “A Lebre e a Tartaruga”, mostrando que quem ganha não é aquele que tem a maior velocidade (mobilidade acelerada), mas o que desenvolve uma mobilidade persistente, focada em uma finalidade. A fábula é hoje mais do que atual. As mídias locativas, potencialmente, para além do buzz comercial (que nos colocam como consumidores e não como agentes produtores e transformadores da realidade), podem ser esse conjunto de instrumentos inteligentes para o desenvolvimento dessa “mobilidade preguiçosa”, junto, obviamente, com outras ações que pensem no bem estar planetário e coletivo. Mas como sempre, nada

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está dado e, infelizmente, como diz Merlin, ainda há muito petróleo, gás e carvão no planeta que irão, ainda por muito tempo, alimentar a aceleração.

Terça, 24 de junho de 2008 O bom de estar em Montreal é poder encontrar velhos amigos. Tomava um café perto da “Place des Arts” quando vejo passar um velho amigo, hoje com 73 anos, mas que não me conhece. Ele sempre esteve próximo, seja em suas músicas, poemas ou romances. Esses são os amigos imaginários e virtuais (esse é um dos efeitos da mídia de massa, nos sentimos próximos de artistas e personalidades que admiramos), presentes em momentos alegres ou difíceis. Quando o vi passar, fui em sua direção e me apresentei: - Hi Mr. Cohen, my name is André, an old friend from Brazil. You don’t know me, but you always gave me support with your work. Ele me estende a mão e sorri. Digo a ele: - You’re going to Brazil for a concert, right?

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Ele levanta as mãos e me responde: - Oh, you know, I don’t know, maybe one day. E sorri calorosamente. Digo: “yes, in São Paulo”. Ele ri de novo. Sim, ele fará um concerto em São Paulo, mas parece não se lembrar... E fará um concerto hoje à noite (os ingressos esgotaram no mesmo dia ao preço de 180 dólares), depois de 15 anos sem se apresentar em público. Estava andando na rua a caminho do teatro. Passava despercebido pelas pessoas!

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Pergunto: “Can we take a picture?” Ele diz, “Sure”. Me aproximo timidamente e ele me abraça, colocando sua mão no meu ombro. Uma pessoa que estava com ele fez a foto. Agradeço, desejo um excelente show e me afasto... E hoje, dia da festa dos 400 anos do Québec aqui em Montreal, quem ganha o presente sou eu! Obrigado Mr. Cohen! 266


Festival de Jazz O festival de Jazz de Montreal é o mais importante festival da cidade. No verão, são inúmeros festivais e a cidade pega fogo. Eventos de rua, para todos os gostos, de graça. A cidade se transforma completamente e fica radiante. Pegava a bike e ia todos os dias para a rua ver shows e o movimento das pessoas nos bares e restaurantes. Aliás a bike foi o meu meio de transporte principal até agora em Montreal. Passando a época das grandes nevascas e a primavera chegando, abandonei o metrô e o ônibus e me desloquei sempre de bicicleta. Não só era mais saudável e divertido, mas também uma maneira de conhecer a cidade, de encontrar os meus lugares preferidos, descobertos, muitas vezes, ao acaso.

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Sábado, 28 de junho de 2008 Internet, Freedom and Law Enquanto no Brasil estamos vendo os reacionários projetos contra a liberdade na rede (como o do Senador Eduardo Azeredo), aqui no Canadá, com pressões das corporações de mídia americanas, a lei C-61, ameaça a liberdade de expressão, colocando também nas costas dos provedores a tarefa de vigiar os usos de seus assinantes. Escrevi junto com Sérgio Amadeu uma petição contra o projeto do Senador Eduardo Azeredo e esperamos que a lei não seja aprovada como está e que haja mais discussão no Brasil. Abaixo o texto da petição que escrevemos juntos pela internet, eu aqui e o Sérgio em São Paulo. Vemos que, de norte a sul do planeta, os dinossauros das mídias massivas e os conservadores de vários calibres estão querendo meter a mão no bem comum que é o ciberespaço. Petição contra o Projeto Cibercrime do Senador Eduardo Azeredo (nota: quando fecho este livro, a petição está agora com mais de 140 mil assinaturas).

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EM DEFESA DA LIBERDADE E DO PROGRESSO DO CONHECIMENTO NA INTERNET BRASILEIRA A Internet ampliou de forma inédita a comunicação humana, permitindo um avanço planetário na maneira de produzir, distribuir e consumir conhecimento, seja ele escrito, imagético ou sonoro. Construída colaborativamente, a rede é uma das maiores expressões da diversidade cultural e da criatividade social do século XX. Descentralizada, a Internet baseia-se na interatividade e na possibilidade de todos tornarem-se produtores e não apenas consumidores de informação, como impera ainda na era das mídias de massa. Na Internet, a liberdade de criação de conteúdos alimenta, e é alimentada, pela liberdade de criação de novos formatos midiáticos, de novos programas, de novas tecnologias, de novas redes sociais. A liberdade é a base da criação do conhecimento. E ela está na base do desenvolvimento e da sobrevivência da Internet. A Internet é uma rede de redes, sempre em construção e coletiva. Ela é o palco de uma nova cultura humanista que coloca, pela primeira vez, a humanidade perante ela mesma ao oferecer oportunidades reais de comunicação entre os povos. E não falamos do futuro. Estamos falando do presente. Uma realidade com desigualdades regionais, mas planetária em seu crescimento. editoraplus.org

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O uso dos computadores e das redes são hoje incontornáveis, oferecendo oportunidades de trabalho, de educação e de lazer a milhares de brasileiros. Vejam o impacto das redes sociais, dos softwares livres, do e-mail, da Web, dos fóruns de discussão, dos telefones celulares cada vez mais integrados à Internet. O que vemos na rede é, efetivamente, troca, colaboração, sociabilidade, produção de informação, ebulição cultural. A Internet requalificou as práticas colaborativas, reunificou as artes e as ciências, superando uma divisão erguida no mundo mecânico da era industrial. A Internet representa, ainda que sempre em potência, a mais nova expressão da liberdade humana. E nós brasileiros sabemos muito bem disso. A Internet oferece uma oportunidade ímpar a países periféricos e emergentes na nova sociedade da informação. Mesmo com todas as desigualdades sociais, nós, brasileiros, somos usuários criativos e expressivos na rede. Basta ver os números (IBOPE/NetRating): somos mais de 22 milhões de usuários, em crescimento a cada mês; somos os usuários que mais ficam online no mundo: mais de 22h em média por mês. E notem que as categorias que mais crescem são, justamente, “Educação e Carreira”, ou seja, acesso à sites educacionais e profissionais. Devemos assim, estimular o uso e a democratização da Internet no Brasil. Necessitamos fazer crescer a rede, e não travá-la. Precisamos dar acesso a todos os brasileiros e

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estimulá-los a produzir conhecimento, cultura, e com isso poder melhorar suas condições de existência. Um projeto de Lei do Senado brasileiro quer bloquear as práticas criativas e atacar a Internet, enrijecendo todas as convenções do direito autoral. O Substitutivo do Senador Eduardo Azeredo quer bloquear o uso de redes P2P, quer liquidar com o avanço das redes de conexão abertas (Wi-Fi) e quer exigir que todos os provedores de acesso à Internet se tornem delatores de seus usuários, colocando cada um como provável criminoso. É o reino da suspeita, do medo e da quebra da neutralidade da rede. Caso o projeto Substitutivo do Senador Azeredo seja aprovado, milhares de internautas serão transformados, de um dia para outro, em criminosos. Dezenas de atividades criativas serão consideradas criminosas pelo artigo 285-B do projeto em questão. Esse projeto é uma séria ameaça à diversidade da rede, às possibilidades recombinantes, além de instaurar o medo e a vigilância. Se, como diz o projeto de lei, é crime “obter ou transferir dado ou informação disponível em rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado, sem autorização ou em desconformidade à autorização, do legítimo titular, quando exigida”, não podemos mais fazer nada na rede. O simples ato de acessar um site já seeditoraplus.org

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ria um crime por “cópia sem pedir autorização” na memória “viva” (RAM) temporária do computador. Deveríamos considerar todos os browsers ilegais por criarem caches de páginas sem pedir autorização, e sem mesmo avisar aos mais comuns dos usuários que eles estão copiando. Citar um trecho de uma matéria de um jornal ou outra publicação online em um blog, também seria crime. O projeto, se aprovado, colocaria a prática do “blogging” na ilegalidade, bem como as máquinas de busca, já que elas copiam trechos de sites e blogs sem pedir autorização de ninguém! Se formos aplicar uma lei como essa às universidades, teríamos que considerar a ciência como uma atividade criminosa já que ela progride ao “transferir dado ou informação disponível em rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado”, “sem pedir a autorização dos autores” (citamos, mas não pedimos autorização aos autores para citá-los). Se levarmos o projeto de lei a sério, devemos nos perguntar como poderíamos pensar, criar e difundir conhecimento sem sermos criminosos. O conhecimento só se dá de forma coletiva e compartilhada. Todo conhecimento se produz coletivamente: estimulado pelos livros que lemos, pelas palestras que assistimos, pelas ideias que nos foram dadas por nossos professores e amigos... Como podeeditoraplus.org

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mos criar algo que não tenha, de uma forma ou de outra, surgido ou sido transferido por algum “dispositivo de comunicação ou sistema informatizado, sem autorização ou em desconformidade à autorização, do legítimo titular”? Defendemos a liberdade, a inteligência e a troca livre e responsável. Não defendemos o plágio, a cópia indevida ou o roubo de obras. Defendemos a necessidade de garantir a liberdade de troca, o crescimento da criatividade e a expansão do conhecimento no Brasil. Experiências com Software Livres e Creative Commons já demonstraram que isso é possível. Devemos estimular a colaboração e enriquecimento cultural, não o plágio, o roubo e a cópia improdutiva e estagnante. E a Internet é um importante instrumento nesse sentido. Mas esse projeto coloca tudo no mesmo saco. Uso criativo, com respeito ao outro, passa, na Internet, a ser considerado crime. Projetos como esses prestam um desserviço à sociedade e à cultura brasileira, travam o desenvolvimento humano e colocam o país definitivamente para debaixo do tapete da história da sociedade da informação no século XXI. Por estas razões nós, abaixo assinados, pesquisadores e professores universitários apelamos aos congressistas brasileiros que rejeitem o projeto Substitutivo do Senador Eduardo Azeredo ao projeto de Lei da Câmara 89/2003, e Projetos de Lei do Senado n. editoraplus.org

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137/2000, e n. 76/2000, pois atenta contra a liberdade, a criatividade, a privacidade e a disseminação de conhecimento na Internet brasileira.

Quinta, dia 10 de julho de 2008 My Winnipeg and Take Care of Yourself Esta semana, assisti o filme “My Winnipeg” e visitei a exposição de “Prenez Soin de Vous”, de Sophie Calle, duas obras interessantes pelo mecanismo mnemônico que elas ativam e pela publicização da vida privada. O filme “My Winnipeg”, 2007, do canadense Guy Maddin é uma narração em primeira pessoa sobre sua vida e sua saída da cidade. Crítico e com muito bom humor, o autor/personagem está em um estado de vigília e sono. Narra as suas memórias intercaladas com fatos marcantes da cidade. Não há praticamente diálogo entre os personagens. Todo em preto e branco com imagens nervosas, o filme é como uma experiência entre a ficção e o documentário. O diretor utiliza atores para representar membros de editoraplus.org

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sua família, mas sua mãe não é verdadeira, e sim a atriz Ann Savage (embora o narrador diga que não). Isso aponta para o jogo que o autor faz entre ficção e realidade nesse excelente filme. O autor/personagem está sempre balançando entre o sono e a insônia em um trem que desfila, pela janela, a saída da cidade. A imagem do trem mostra o sono inquieto do autor e remete à dimensão do espetáculo, como o cinema, as viagens por meios de transporte, e o sonho. Muito bom! Já a exposição de Sophie Calle, “Prenez soin de vous”, apresentada na Bienal de Veneza em 2007, é uma reação a um e-mail que recebeu de seu amante comunicando o rompimento da relação. Ela enviou o e-mail à 107 mulheres (cantoras, atrizes, advogadas, tradutoras, psicólogas, criminalistas, linguistas, etc.) e expôs, em diversos formatos, as mais variadas reações. Interessante e multimídia (mensagens escritas como um SMS, cartas, traduções, fotos, vídeos, filmes...), a obra é uma forma de catarse da artista. Ao compartilhar algo tão íntimo pela publicação dessa dimensão pessoal, uma relação amorosa que só diz respeito aos envolvidos, a artista torna visível e público o que é do regime das alcovas e do segredo. Em alguns momentos a exposição chega a ser perturbadora pela exposição de si, do outro, mesmo anônimo, identificado por “X”, e pelas reações analíticas ao e-mail (há análises jurídicas, criminológicas, psicológicas, linguística, de conteúdo...). Há, na última parte da exposição, 33 telas, cada uma com editoraplus.org

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um único plano sequência, nas quais personalidades, Laure Anderson, Jeanne Moreau, Maria de Medeiros, Victoria Abril, Miss Kittin, entre outras, comentam a missiva. A exposição está na galeria DHC, em Montreal, e ocupa os seus quatro andares, mais um anexo situado em outro prédio, na mesma rua. Em uma sociedade cada vez mais voltada para a vigilância do outro (CCTV, mídias locativas, reality shows, traços na internet, etiquetas RFID, GPS, etc), parece até estranho que os artistas estejam, deliberadamente e espontaneamente, revelando suas vidas privadas, suas memórias, como em “My Winnipeg”, e suas decepções afetivas, como em “Prenez Soin de Vous”. Situações assim só nos indica o quanto a questão é complexa e como a flutuação entre privacidade e vida pública está sempre por um fio.

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Sexta, 11 de julho de 2008 Algarve e Sevilla Estou voando amanhã para a cidade do Faro, em Algarve, Portugal, para participar da banca de um coorientando de doutorado e para ministrar um mini-curso sobre mídias locativas. Vou apresentar o resultado de minhas últimas reflexões sobre o tema, além de projetos que venho mapeando e mostrando no Carnet de Notes. A ideia é investigar a relação das tecnologias de comunicação com o espaço urbano a fim de compreender os processos de espacialização criados pelas mídias locativas: as novas tecnologias digitais, as redes de conexão, a internet sem fio e os diversos sensores que reagem ao contexto local de onde é produzida, consumida e distribuída informação, transformam atualmente as bases da comunicação social e das mobilidades física e informacional. Telefones celulares, GPSs, redes bluetooth, Wi-Fi, Wi-Max e etiquetas de radiofrequência (RFID) possibilitam trocas de informação localizadas, criando dinâmicas sociais de apropriação, mas também de vigilância e controle, nos espaços urbanos. Uma chaeditoraplus.org

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ve para compreensão desse fenômeno é reconhecer o surgimento de um novo território: o informacional. Emergem assim novas funções nos lugares, novas heterotopias (Foucault).

Domingo, 13 de julho de 2008

Sevilla

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Passei dois dias flanando pela belíssima Sevilla que fica a apenas 2 horas de ônibus do Faro. Visitei o Arquivo da Companhia das Índias, a Plaza de España e andei bastante. Belíssima cidade, com uma catedral impressionante, a maior catedral gótica da Europa. Ao lado, algumas fotos de Sevilla.

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Corrida pela arena, tentando domar um touro selvagem editoraplus.org

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Catedral de Sevilla editoraplus.org

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Plaza de España

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Segunda, 21 de julho de 2008 Paysages Ephemeres De volta a Montreal. Quanto mais estudo as mídias móveis e locativas, mais me interesso pelo uso das ruas, com ou sem dispositivos eletrônicos. Evento em Montreal, Paysages Éphémères, propõe um uso temporário da rua através de diversas ações: performances, instalações, mobiliário urbano, microesculturas... Nada de tecnologias digitais, mas apropriação e uso das ruas buscando modificar a paisagem urbana. O cenário é a avenida do Mont Royal, no Plateau, onde as obras, sem nenhuma publicidade, criam pequenos estranhamentos, pequenas hierofanias no cotidiano. Os visitantes param, olham, fotografam, e se perguntam sobre a finalidade daquelas obras. O lugar vivido e praticado ganha assim uma nova coloração. Sobre o uso temporário das ruas, indico a leitura do interessante livro “Temporary Urban Spaces” (Hayden, Florian, Temel, Robert. ed., Basel, Birkhäuser 2006), que apresenta vários projetos artísticos que tomam o espaço urbano para explorações efêmeras. Os autores afirmam:

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Uses is, in any case, not a quality that is inscribed in things, buildings or spaces but rather social relationship in the triangle of property, possession and right to use. In that sense, use is a more or less flexible relationship within which people can make various uses of one and the same thing or, expressed more generally, can relate to this thing in different ways - and thus pursue different interests” (p. 26-27)

Terça, dia 22 de julho de 2008 Death of Free Internet Já escrevi no Carnet de Notes sobre a perigosa quebra de neutralidade da rede. Na petição que fizemos contra a lei do Senador Eduardo Azeredo, colocamos explicitamente essa possibilidade. Se os provedores vão monitorar as atividades dos usuários, nada mais simples do que pensar que eles poderão, em um futuro próximo, dizer por qual site e em que velocidade um usuário poderá passar. Essa é uma questão não apenas brasileira, mas mundial. A morte da internet livre poderá ser selada nos próximos meses no Brasil. No Canadá a coisa está feia. Coloquei no Carnet informações sobre

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as ações da Bell Canada e da Telus quebrando a neutralidade da rede e reduzindo a velocidade das conexões em redes P2P. Há aqui a “Campaign for Democratic Media”: Agora, texto publicado na Global Research Canada sobre o assunto, incluindo a recente taxação de SMS - quem recebe paga também. Não é por acaso que o Canadá é o mais atrasado dos países desenvolvidos na adoção de telefones celulares. Trechos do Death of Free Internet is Imminent mostram o perigo: (...) The free transfer of information, uncensored, unlimited and untainted, still seems to be a dream when you think about it. Whatever field that is mentioned - education, commerce, government, news, entertainment, politics and countless other areas - have been radically affected by the introduction of the Internet. And mostly, it’s good news, except when poor judgements are made and people are taken advantage of. Scrutiny and oversight are needed, especially where children are involved. However, when there are potential profits open to a corporation, the needs of society don’t count. Take the recent case in Canada with the behemoths, Telus and Rogers rolling out a charge for text messaging without any warning to the public. It was an arrogant and risky move for the telecommunications giants because it backfired. People actually used Internet technology to deliver a loud and clear message to these companies and that was to scrap the extra charge. The people used the power of the Internet against the big boys and the little guys won. However, the issue of text messaging is just a tiny blip on the radar screens of Telus and another company, Bell Canada, the two largest Internet Service Providers (ISP’S) in Canada. Our country is being used as a test case to drastically change the

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delivery of Internet service forever. The change will be so radical that it has the potential to send us back to the horse and buggy days of information sharing and access. In the upcoming weeks watch for a report in Time Magazine that will attempt to smooth over the rough edges of a diabolical plot by Bell Canada and Telus, to begin charging per site fees on most Internet sites. The plan is to convert the Internet into a cable-like system, where customers sign up for specific web sites, and then pay to visit sites beyond a cutoff point. (referência - website: http://realitycheck.typepad.com/)

RFID, Spychip As mobilidades física e informacional permitem desterritorializar e criar linhas de fuga. Agora mesmo estou em um trem para Toronto, me deslocando fisicamente a 200km. Conectado via Wi-Fi, posso também me movimentar informacionalmente, pelo ciberespaço, e posso ainda produzir informação e difundi-la virtualmente para todo o planeta. Já escrevi muito sobre a “era da mobilidade” (leia-se, com dispositivos digitais funcionando por redes sem fio): essa conjunção de mobilidade física e informacional com produção livre de conteúdo. Já mostrei a mudança nos espaços móveis, como este trem, mas também aviões, navios, ferries...com as novas tecnologias móveis, os celulares e Wi-Fi. Mas essas mobilidades criam também novas territorializações, novas formas de controle informacional, de vigilância e de monitoramento. editoraplus.org

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Neste exato momento meus passos no ciberespaço, assim como minha movimentação física pelo território canadense, podem ser monitorados pelos rastros físicos e eletrônicos deixados no meu caminho, meus tickets, fatura do cartão de crédito, log na rede Wi-Fi do trem, minhas imagens em câmeras de vigilância. Não há ainda nenhuma etiqueta RFID embarcada nem no meu corpo, nas minhas roupas, no meu Visa, no meu passaporte e nem no bilhete do ViaRail, mas elas já estão chegando. Sobre este assunto estou terminando o livro “Spychips” (Plume Book, NY, 2006) das ativistas Katherine Albrecht e Liz McIntyre, da CASPIAN. O livro é de deixar qualquer um com os cabelos em pé. As autoras atacam empresas e protegem os consumidores contra a invasão desses chips na vida privada, mostrando inúmeros atentados em andamento e futuros contra os cidadãos, que não sabem que levam para casa essas etiquetas. Elas mostram como essas etiquetas já estão em roupas, carros, produtos, passaportes...O objetivo é melhorar a eficiência das empresas e a segurança dos governos, por um preço altíssimo: a nossa privacidade. Aqui alia-se mobilidade física, de produtos e pessoas, e informacional (o chip emitindo a todo instante, à revelia do usuário). Essa é uma das facetas mais nefastas das tecnologias e redes digitais sem fio. Albrecht e McIntyre escrevem na primeira frase do livro: “Imagine a world of no more privacy.” editoraplus.org

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OCAD em Toronto

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Quinta, 24 de julho de 2008 Até sábado permanecerei na grande metrópole canadense para visitas, reuniões e flâneries. Hoje, irei tomar café da manhã com Rob Shields para colocar assuntos em dia e pensar nas perspectivas futuras de cooperação, visita à OCAD à tarde, e GPS tracking durante todo o dia (fotos abaixo e no http://ciberflanerie.blogspot.com). Abaixo, fotos do centro e de detalhes do Royal Museum em Toronto.

Royal Museum em Toronto

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Royal Museum em Toronto

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Royal Museum em Toronto

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Royal u M seum em Toronto

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Sábado, 26 de julho de 2008 Meeting Place Após três dias em Toronto, o que mais me chamou a atenção foram as diversas e constantes marcas no chão. Não pude evitar olhá-las e tentar compreender essas escritas urbanas. A cidade é riscada por graffitis, tags, cartazes, stickers, painéis publicitários, sinais de trânsito, avisos de controle do território reforçado das leis e regulamentos, como: “essa área está sendo vigiada por câmeras de vigilância”, “proibido ficar aqui”, “proibido flanar”, “proibido vendedores ambulantes”, entre outras. Estas características são comuns nas metrópoles. No entanto, o que atraia mesmo o meu olhar eram as marcas abaixo dos meus pés, os riscos pedindo para serem lidos, embora eu não tivesse, nem tenha ainda, a pedra de Rosetta para decifrar esses modernos hieroglifos. Claro que elas são marcas para tornar mais eficiente o uso, a manutenção e a inovação das infra-estruturas urbanas (como água, esgoto, redes de cabos de telecomunicações, vapor, eletricidade). Marcas visíveis das artérias desse grande artefato técnico que são as cidades.

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O meu sentimento era o de andar sobre um mapa, na escala 1x1, onde a superfície da cidade é o território e o suporte de inscrições e de informações. Como no “Del rigor de la Ciencia” de Borges, o mapa aqui confunde-se com o território. As marcas no chão, diferentes do uso tático dos graffitis nos muros e dos stickers em postes ou telefones públicos, ou mesmo do uso comercial dos painéis publicitários, são índices visíveis de usos estratégicos, performáticos, técnicos, para usar uma terminologia cara a Michel de Certeau. E essas marcas estratégicas, mais do que táticas ou publicitárias, passam despercebidas pelos habitantes da cidade. Várias pessoas me olhavam e dirigiam o olhar para o chão quando me viam fotografando, como se percebessem os traços pela primeira vez. O território concreto do espaço urbano é um verdadeiro palimpsesto: marcas novas, marcas apagadas, marcas sobre outras marcas, e em várias tonalidades: branca, verde, lilás, laranja e vermelha. Há marcas facilmente notáveis, como setas, nomes e números, e outras só reconhecíveis por olhos técnicos e treinados: letras e números compondo códigos ilegíveis, desenhos que mais parecem revelar a herança de alguma civilização desaparecida. Nesse espaço urbano marcado por grandes telões, câmeras de vigilância, redes WiFi, painéis solares em parquímetros e postes de iluminação, as marcas no chão parecem anacrônicas, como os tramways que insistem em atravessar a cidade em seus editoraplus.org

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trilhos que rasgam o asfalto. Elas parecem afirmar que os fluxogramas e esquemas técnicos dos engenheiros e planejadores urbanos não são suficientes na hora de perfurar o chão e mexer no corpo da metrópole. Volta-se assim à escrita analógica, se podemos dizer assim, do grafo que tatua o corpo da cidade. Sem dúvida, trata-se de uma mídia locativa, criando informação, veiculando mensagens indexadas a lugares e objetos urbanos, produzindo uma memória técnica, instituída em um suporte material bem preciso: o chão. Essas marcas são mídias de localização, criando transmissão e memória. Comecei a escrever esse texto na CN Tower, a torre mais alta do mundo, e o ponto de observação mais próximo do céu criado pelas mãos humanas: 447 metros acima do nível do mar, e termino este escrito com os pés doendo, sentando em um café no cruzamento da Carlton Street com Yonge Street, em Downtown, olhando pessoas pela janela. A mais de 400 metros do solo (e com a impressionante marca de 21 redes Wi-Fi disponíveis - abertas e fechadas, mas todas dando acesso mediante pagamento) pude perceber o tecido e as outras marcas da cidade, muito mais visíveis do que as incrustadas a tinta no chão. Com uma vista de 360 graus, pode-se ver alguns pontos da cidade, como: o lago Ontario, o porto, o aeroporto, a estrada de ferro, os enormes prédios comerciais, os bairros a oeste com suas pequenas casas, e editoraplus.org

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até cidades vizinhas, como Redmont, em NY, ou Niagara Fall, em Ontario. É uma visão exuberante. Pode-se ler pela “arqui-tetura” (“arché-techné”, a técnica “fundamental”), as diversas formas de construção da espacialidade. Toronto era York em 1793, fundada por franceses e depois tomada por loyalistas ingleses. Em 1834, York passou a chamar-se Toronto, que significa em aborígine, “meeting place”. Hoje é a quinta cidade da América, multicultural e pulsante. Vemos grandes e imponentes prédios no centro, convertendo em altura o fluxo financeiro e o poder industrial, vemos o lago com o porto, a estação férrea e o aeroporto, todos aglutinados, mostrando por onde começou a cidade e como o lago estrutura esse grande hub com o mundo externo. Em downtown, prédios gigantescos perto do porto, da Station e do aeroporto, como se não quisessem se desprender da história e das trocas, como se quisessem, de alguma forma, continuar ligados à fluidez das águas do grande lago. A oeste, pequenos prédios e casas revelando a extensão da vida social, Chinatown, Little Italy... Dividindo os dois mundos, Yonge Street e a grande Avenida da Universidade, culminando com o Parlamento, ao norte, Universidade de Toronto, a oeste. Algumas indústrias, a leste, são visíveis também perto do porto (para beber das águas do lago e escoar seus produtos). editoraplus.org

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Quase 500 metros do solo, não vemos mais as marcas de tinta no chão, e sim uma macro-escritura, construída e destruída ao longo dos séculos nessa tensa e dinâmica construção social do espaço. Aqui, do alto, posso ler a paisagem e ver até onde meu olhar alcança, diferente daquele que busca os detalhes, como as marcas no chão. Embaixo o barulho, as sirenes, as pessoas, as pequenas marcas como detalhes irrisórios dessa grandiosidade que vislumbramos do alto. De cima, esses detalhes não são mais do que pequenos sinais, minúsculas tatuagens no corpo desse grande organismo, pequenas escritas estratégicas contracenando como traços nervosos, visíveis e invisíveis, da vida quotidiana. O tecido urbano está sendo re-escrito, visível da torre e dos satélites, ou percebido discreta ou invisivelmente no olhar que busca o detalhe do chão. Essa construção social do espaço é produzida coletiva ou individualmente com tinta, aço, concreto ou bits, com as diversas redes sociais, suas leis, seus movimentos e constrangimentos. Ao descer, olho para todos os lados e sinto vertigens. Encaro o que está na minha frente, para descobrir o que encontrarei no meu caminho. Olho também para o alto, sentindo a pequenez e o estranhamento em meio à imponência e à força da metrópole. E finalmente, volto a olhar para baixo, para o chão, para admirar, introspectivamente esses traços que parecem arte e me fazem, mesmo sendo uma ilusão, ver beleza e arte brotando do duro e quente asfalto. Ao lado e abaixo, fotos das marcas na rua e vista da CN Tower. editoraplus.org

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Marcas na rua

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Vista da CN Tower editoraplus.org

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Vista da CN Tow

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Sunday, July 27, 2008 Ciberflânerie - Marcas invisíveis de marcas quase visíveis em 7km...

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Terça, 29 de julho de 2008 Cybercartography Tenho pensado sobre os mapas e suas relações com a comunicação e as novas tecnologias. Afirmei anteriormente que os mapas devem ser vistos como mídia. Em artigo em inglês, ainda no prelo, escrevia: “The uses of maps and mappings process are unprecedented. With new locative media systems mapping is a new practice of place. The use of GPS and other devices for location and location-based services puts emphasis on control and domination over a territory. We have also a social changing. Technicians, governments and private companies controlled mapping. Now we have an ownership shift because the bureaucratic power is now moving to the users, ordinary people. With electronicpopular mapping, the urban space is being used as a tactic for produce sense in daily life, dealing with the constraints of rationalization in urban modernity. We know that maps are constructions, ideologies represented in the world and serve, always, to the constitutive powers. Today maps can be produced to represent people, community, a more legitimate space and place that show how people see and fell their environment. We have a button-up process of representing the world, not mediated by the instituted powers.” editoraplus.org

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Apresentei as marcas nas ruas de Toronto e o mapa que produzi das inscrições invisíveis de minhas caminhadas, através de um “GPS Tracker”. Um mapa de Toronto, que recupera informações já disponíveis, coloca em destaque essas marcas, adiciona o traçado do percurso através do “GPS Tracker” e adiciona fotos (exatamente o mapa que fiz) pode muito bem ser chamado de uma “cibercartografia”. O conceito não se refere a mapear o ciberespaço, mas em utilizar o potencial das novas tecnologias a fim de criar sistemas abertos, participativos, modulares e inter-relacionados de informações locativas sobre um determinado espaço urbano. E não está em jogo aqui uma pretensa neutralidade técnica dos mapas, mas sim revelar o “ato” cartográfico, o cruzamento de informações multimídias já disponíveis e as visões subjetivas como forma de apropriação do espaço. Essa é uma das facetas do atual processo de espacialização das mídias locativas. Vemos hoje uma profusão sem precedentes de construção bottom-up de mapas, buscando apropriação social do espaço, reforço comunitário, experiências artísticas... Vários projetos utilizam processos colaborativos e compilam informações dispersas, no mesmo espirito do software livre e dos wikis. E é exatamente isso que afirmam os autores Sebastien Caquard, Peter Pulsifer, Jean-Pierre Fiset e D.R. Fraser Taylor, no interessante artigo “Introduction au concept d’acte cybercartographique :

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Genèse d’un atlas cybercartographique”, disponivel no Cybergeo, European Jornal of Geographie. Sobre a evolução dos mapas na cibercultura: L’évolution de ces atlas est par conséquent largement dépendante de la volonté de communautés d’experts thématiques et de développeurs informatiques de les faire évoluer. Comme nous le verrons plus en détail dans la section suivante, les atlas cybercartographiques ne correspondent donc pas à des atlas finis mais beaucoup plus à des entités en perpétuelle évolution. (...) la cybercartographie correspond à une conception interdisciplinaire de la cartographie combinant innovations technologiques, approche scientifique et réflexion critique. Les atlas cybercartographiques qui en découlent se caractérisent notamment par leur modularité, leur évolutivité et leur interopérabilité, ainsi que par une approche centrée sur l?utilisateur, par des artefacts multi sensoriels et par leur perméabilité aux approches critiques. Ces atlas combinent donc différentes dimensions de la cartographie contemporaine. Plus que l’une ou l’autre de ces dimensions c’est cette approche résolument holistique qui caractérise probablement le mieux la cybercartographie.”

Sobre o conceito de deriva, acaso, apropriação, como no meu exemplo das marcas no chão das ruas de Toronto: (...) C’est le concept de sérendipité - faculté de trouver quelque chose d’imprévu et d’utile en cherchant autre chose - qu’utilise notamment William Cartwright (2004) pour améliorer l’exploration de l’information géographique. Cette notion de sérendipité est

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fondamentale dans le domaine des sciences en général et dans celui des sciences de l’information géographique en particulier. L’exemple le plus célèbre - même s’il n?est pas nécessairement le plus glorieux - illustrant cette notion de sérendipité associé à la cartographie est probablement la découverte involontaire de l’Amérique par Christophe Colomb. (...) Déambulation et dérive caractérisent donc une même idée de résistance aux pouvoirs structurants qu’ils soient politique, économique, idéologique ou culturel.”

Sobre a subjetividade e a visão crítica do “ato cartográfico”, inspiradas no conceito de “ato fotográfico” de Philippe Dubois: Détachée de tout contexte de production, la carte n’est plus une image construite de l’espace, elle devient une miniaturisation ‘naturalisée’ de cet espace. Débarrassée de toutes références aux choix successifs dont elle est la résultante - choix des données, des méthodes d’analyse, de représentation, de diffusion, etc. - la carte présente sous une forme qui semble objective la somme de choix qui sont par définition subjectifs. La prise de conscience de l’existence de ces choix est indispensable pour bien faire comprendre l’idée selon laquelle l’image cartographique reste une interprétation de la réalité. Un des objectifs de la cybercartographie est donc de favoriser cette prise de conscience ainsi que le développement d’un regard critique vis-à-vis de l’information cartographiée. (...) Nous proposons ici d’étendre ce concept d’acte photographique à la cybercartographie. L’acte cybercartographique souligne alors le fait qu’il ne nous est plus possible de penser l’artefact en dehors de l’acte qui le fait être - le processus ou genèse cybercartographique - ni de son contexte de réception. En d’autres termes, dans

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l’acte cybercartographique l’artefact est envisagé non seulement comme étant la résultante d’un processus et de choix multiples et variés, mais aussi comme étant intimement lié au contexte social et professionnel dans lequel il a été produit et dans lequel il est utilisé.”

Sobre as experiências de artistas, as psicogeografias e derivas atuais, afirmam os autores: (...) Ce type d’approche marque le passage d’une cartographie du dessus, dressée par des institutions externes, à une cartographie du dedans, dressée par ceux-là même qu’elle représente. (...) Ces installations utilisent les capacités performatives et narratives des cartes pour favoriser leur réappropriation au sein même de l’espace public. Ces différents exemples caractérisent une même volonté d’impliquer plus largement les individus citoyens dans le processus de production cartographique et de leur proposer ainsi une vision différente de leur environnement à travers la carte. Le concept d’acte cybercartographique s’inscrit dans ce contexte et pose les bases d’une cartographie sociale débarrassée de ses prétentions d’objectivité et d’universalité, permettant aux individus et groupes culturels de mieux définir, et par conséquent s’approprier, la manière de représenter les liens socio-spatiaux qui les concernent.”

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E na conclusão: A travers le concept d’acte cybercartographique, c’est donc vers une ‘cartographie postreprésentationnelle’ - pour reprendre l’expression de John Pickles (2004, 160) - que nous nous dirigeons, c’est-à-dire vers une cartographie qui ne cache plus ni ses origines, ni ses dimensions politiques, culturelles et sociales, ni les intérêts qu’elle défend.”

É interessante deixar para reflexão a possibilidade de pensarmos nos mapas tradicionais como instrumentos massivos, controlados por um polo editorial, que normalmente são governos e a burocracia militar, servindo como instrumento ideológico, de reforço de poderes constituídos e de alimentador das máquinas de guerra. Poderíamos ver os novos mapas digitais como mídias de função pós-massiva, em que qualquer um pode propor novas visibilidades do espaço urbano (mapas de crimes, mapas de estacionamento de bicicletas, mapas de buracos de uma cidade), feitos de forma aberta e colaborativa, questionando os poderes constituídos e propondo cartografias diversificadas, podendo ser uma nova forma de apropriação do espaço das cidades contemporâneas.

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Sábado, 02 de agosto de 2008 Nomadismo Para terminar os trabalhos por hoje deixo três citações que tocam diretamente a deambulação e o “nomadismo” evocados por projetos com tecnologias, sensores e redes de comunicação móveis. Na primeira e na segunda, viajar para reconhecer e poder fazer um mapa cognitivo dos lugares e de si mesmo, mesmo que dentro de um quarto. Na terceira, a definição de nomadismo como “estrutura” de vários povos. Tanto as viagens, como o nomadismo estrutural podem, sendo usados com parcimônia e marcando suas diferenças, ser uma das chaves para compreender a sociedade contemporânea. Xavier de Maistre em “Voyage autour de ma Chambre”: Ma chambre est située sous le quarante-cinquième degré de latitude, selon les mesures du père Beccaria ; sa direction est du levant au couchant ; elle forme un carré long qui a trente-six pas de tour, en rasant la muraille de bien près. (...) Mon âme est tellement ouverte à toutes sortes d?idées, de goûts et de sentiments ; elle reçoit si avidement tout ce qui se présente !(...) Aussi, lorsque je voyage dans ma chambre, je parcours rarement une ligne droite : je vais de ma table vers un tableau qui est placé dans un coin ; editoraplus.org

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de là je pars obliquement pour aller à la porte ; mais, quoique en partant mon intention soit bien de m’y rendre, si je rencontre mon fauteuil en chemin, je ne fais pas de façon, et je m’y arrange tout de suite.”

Diderot na “Encyclopédie”: Nomadismo é o “nom génerique donnée à divers peuples qui n’avaient pas de demeure fixe et qui changeaient perpétuellement pour chercher de nouveaux pâturages. Ainsi, ce mot ne désigne pas un peuple particulier, mais le genre de vie de ce peuple”.

Domingo, 03 de agosto de 2008 VR Estou lendo “Spook Country” de W. Gibson (Berkley Books, NY, 2007), em um café no centro de Montreal. O livro fala sobre ciberespaço, realidades aumentadas e mídias locativas. Tudo mudou! Não existem mais as ações do “Neuromancer” no Black Ice e

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também não mais os “jardineiros” no mundo virtual. Agora é a vez do lugar, da rua, do mapa, “grid” e não mais “matrix”! Vejam trechos: Someone told me that cyberspace was ‘everting’. That was how she put it”. “Sure. And once it everts, then there isn’t cyberspace, is there? There never was, if you want to look at it that way. It was a way we had of looking where we were headed, a direction. With the grid, we’re here. This is the other side of the screen. Right here!”. “We’re all doing VR, every time we look at a screen. We have been for decades now. We just do it. We didn’t need the googles, the glove. It just happened. VR was an even more specific way we had of telling us where we were going. (...) The locative, though, lots of us are already doing. But you can’t just do the locative with your nervous system. (...) We’ll have internalized the interface. It’ll have envolved to the point where we forget about it. Then you’ll just walk down the street...” (pp. 65-66)

Como diz o próprio Gibson em entrevista no SimCity ‘07, de Logan Hill no New York Books, Aug 6, 2007: “Well, one character says that cyberspace is inverting, turning inside out. I have a feeling that being aware of being connected will be an anachronism, because we?ll be connected all the time. I have this inkling that the whole idea of cyberspace is going to seem fabulously quaint in 20 or 30 years.”

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Segunda, 04 de agosto de 2008 Mais riscos invisíveis com GPS em Ciberflânerie por Montreal.

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Quinta, 07 de agosto de 2008 Livros Para matar o tempo e o tédio, indico as últimas leituras de ficção. São dicas para esse inverno brasileiro, ou esse verão canadense, o que dá no mesmo. Agora chove e faz 16 graus. Vamos lá. Um dos meus escritores anglófonos favoritos, pouco conhecido no Brasil, é Russel Banks. Já li várias obras dele, entre elas: “Continental Drift” e “Rule of the Bone”, o meu preferido. Indico também a obra “The Darling”, Harper Collins, 2004. O livro fala sobre uma mulher que retorna à Libéria, na África, para viver com os seus gorilas, que ela chama de “sonhadores”. Seguindo a mesma linha, mas agora francófonos, indico Jean-Paul Dubois, já mencionado anteriormente, autor de “Une vie Française”. Li recentemente “Si ce livre pouvait me rapprocher de toi”, Editions de l’Olivier, 1999, cuja história se passa no Quebec. O narrador busca reconstruir a sua história e a de seu pai, perto de Montreal.

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William Gibson, Spook Country, Berkley, 2007, embora não goste muito de ficção científica, o livro não se parece muito com o gênero. Aqui ele trata das mídias locativas, objeto de minhas pesquisas atuais. Ainda não acabei, mas estou gostando. Por último, aconselho os livros da edição “Les Alusifs”, do Quebec, respeitada na França e com boas resenhas nos jornais Le Monde ou Libé. Existem excelentes escritores, fora do eixo EUA-GB, dando vez ao leste europeu, Oriente Médio, Europa do Norte e América do Sul (Bolano do Chile, por exemplo). Estou lendo dois livros bem interessantes: “Une saison a Venice”, (2006) cuja guerra faz surgir uma Veneza bem longe da Itália, da polonesa Wtodzimierz Odojewski e o “Newststart 2.0” (2003) do canadense Timothy Taylor, de Vancouver, sobre um artista e um jornalista tentado compreender a trajetória do primeiro, em Roma. Kill Bill C-61 Ontem na entrada do show do Radiohead no Parc Jean Drapeau , ativistas distribuíam flyers pedindo a mobilização contra o projeto de lei C-61 que quer endurecer a lei do copyright para conteúdos eletrônicos. A lei C-61 é muito discutida por aqui e é

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consequencia de pressões americanas, principalmente dos mamutes da indústria cultural de massa. Não há uma petição, o que é uma pena, mas pedem que o cidadão envie e-mail ao ministro da indústria, que escreva ao seu membro no Parlamento e se junte a outros no FairCopyright Canada e no Montreal Facebook Groups.

Domingo, 10 de agosto de 2008 É domingo de sol. Entre uma leitura e outra, dirijo meu olhar para a cidade e tento lê-la também. Na rua McGill College, há uma exposição de fotos do século XIX que se chama: “Then and Now”, que dialoga com outras atuais. A iniciativa é da “Concordia University”, com apoio do “McCord Museum”. Vejo um “homeless”, cercado de sacos plásticos, uma calculadora e um bloco escrevendo compulsivamente. Logo mais a frente, me deparo com marcas explícitas no chão, contra o desmatamento. Paro para almoçar no Comensal, restaurante natural, à quilo (dica do Pierre Lévy, com quem fui há um mês). Na sequência fui ver o festival internacional de Graffiti, “Under Pressure”, na rua Saint Laurent, no “Quartier des Spectacles”. Tinha muita gente e toda a cultura hip hop (graffiti, break, rap). E agora, para terminar, estou no Parc La Fontaine, na

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conexão aberta do projeto Ile sans Fil, onde já indiquei sobre os novos significados do lugar com a possibilidade de conexão aberta e a criação de um novo território (informacional) em meio às diversas outras formas de territorialização. Fotos, marcas, graffitis, todas expressões urbanas que visam criar um enraizamento social, comunitário, seja pelo prazer solitário da escrita (o homeless), seja pela memória imagética (as fotos), seja pelos desenhos no protesto ambiental (as marcas no chão), seja pela escrita urbana dos graffitis (junto com skate e muito hip hop) ou no corpo tatuado.

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Corpos tatuados

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Terça 12 de agosto de 2008 Identité Esse projeto faz parte de uma trilogia sobre escritas com GPS ,ou “GPS Writing”, nas cidades em que morei entre setembro de 2007 a setembro de 2008. O primeiro projeto foi o SUR-VIV-ALL, escrita com GPS tracker de carro em 40 KM de Edmonton, no Oeste do Canadá durante o inverno de 2007-2008. O carro é o meio de locomoção por excelência em Edmonton e a palavra “Survival”, foi modificada para criar um jogo de sentidos. Sur-viv-all surgiu a partir do livro Survival de M. Atwood que argumenta ser essa a questão que perpassa toda a literatura canadense. Vejam o site (http://andrelemos.info/survivall ) para mais detalhes. No atual trabalho, escrevo, de bicicleta em 14 km, e de uma só vez (ou seja sem parar e em um único arquivo .gpx), a palavra “Identité”, questão central no Canadá, mas particularmente forte em Montreal e em toda a região do Québec. Lugar de fundação do país, dominado por franceses, depois ingleses e depois franceses de novo, o multiculturalismo está presente e a tensão entre anglófonos e francófonos ainda permanece. editoraplus.org

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Acho que essa região é que dá a tensão e a identidade canadense, além da única possibilidade de não se dissolver no vizinho do sul (os EUA). Montreal talvez seja a mais interessante cidade do Canadá, justamente pela questão/tensão identitária. A bicicleta é o instrumento de locomoção mais interessante (que uso diariamente) aqui e a palavra só poderia mesmo ser escrita em francês. Usei o Wintec GPS Tracker, uma câmera de 8 MP Kodak, o programa “myTracks”, para exportar o arquivo do GPS, e o “Quikmaps” para gerar o mapa digital na Web.

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Identité, Montréal

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Quinta, 14 de agosto de 2008 Wii Space Já escrevi anteriormente sobre a console Wii, a partir de um debate sobre games aqui em Montreal. Mas eu ainda não tinha jogado. Vou reforçar o que foi dito no texto anterior e ampliar um pouco a discussão (ideias preliminares, como sempre, “work in progress”). A tese é simples: o Wii cria um espaço ampliado, o “wii space”, fazendo com o que o lugar de onde se joga, e o movimento do corpo, tenham um papel de destaque. De residuais como nos outros jogos eletrônicos, eles passam a personagens centrais. Agora estou me exercitando com o console Wii. E é essa mesma a palavra, exercício. Meus braços estão doendo, suei a camisa e me cansei jogando algumas partidas de tênis. Viciado em futebol, nunca joguei tênis na minha vida. Agora jogo um pouco a cada dia, mesmo sabendo que, de forma alguma, essa experiência possa ser comparável ao jogo de tênis “real”. Mas isso pouco importa para o meu argumento. Esse

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não é o ponto. O que quero reforçar, rapidamente, é a qualidade do console, a versatilidade e os papéis do “lugar” e do corpo na plataforma. Os jogos eletrônicos, em geral, têm como espaço de jogo a tela do computador, ou a tela dos consoles portáteis ou da TV. O lugar onde está o jogador, obviamente, não faz parte do jogo, mas influência na jogabilidade. Procura-se uma boa posição, boa luz, conforto, concentração, etc, para poder focar no que se passa nas telas. Ele é, por assim dizer, residual, e deve ser esquecido para que o jogo funcione bem. No Wii, o lugar faz parte do jogo, criando o que vou chamar aqui de “espaço Wii” (um espaço lúdico) que prolonga o espaço das telas (que permanece, no entanto, fundamental - é um “videogame”!). Literalmente, o lugar de onde se joga é incluído no jogo. Assim, não é apenas o conforto para focar na simulação que está em marcha, mas o rearranjo e o uso do lugar como espaço de jogo (retirar objetos, afastar móveis, se movimentar para um lado ou outro - ou seja “criar um espaço” para jogar). Esse lugar de onde se joga não é apenas residual, é incorporado aos games. A sala, o quarto ou qualquer outro lugar passam a ser elementos fundamentais do jogo. Cria-se o espaço do jogo, o “espaço wii”, assim como marcar com giz o chão cria o “espaço jogo de amarelinha”, ou desenhar ou criar traves em um campo, o “espaço jogo de futebol”.

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Da mesma forma, a dimensão corporal só reforça esse vínculo ao espaço do jogo, já que ele é, como o lugar, “sentido” pelo sensor do console. Em qualquer jogo eletrônico o corpo está presente, inclinado sobre o teclado, forçando as teclas, concentrando-se nas ações, batendo nos botões da console, etc. Mas, para o jogo, o que interessa é a função da tecla, ou dos movimentos efetuados nas consoles ou no mouse. Aqui o corpo é, como o espaço, residual. Nos jogos do console Wii, diferentemente, o corpo e seus movimentos são sentidos pelo sensor e são também elementos fundamentais do jogo, sendo incorporados ao desenvolvimento da ação. O jogo, na realidade, só acontece com esses movimentos no espaço. Descubro assim que determinados movimentos, no meu jogo de tênis, têm efeitos diferentes sobre o movimento da bola (estou aprendendo ainda) e não é à toa que médicos estão usando a console para treinamento em cirurgias. E ainda não usei o Wii Fit, que radicaliza ainda mais essa relação com corpo. Meu corpo sente o jogo (estou com dores nas costas e nos braços) e o lugar foi organizado para jogar (tive que tirar a coffee table, arrastar o sofá, tirar os objetos do alcançe das minhas cortadas e saques...). Corpo e lugar passam, consequentemente, de entidades residuais para entidades do jogo, transformando-se em personagens integradas ao espaço lúdico. Podemos falar então de “realidade aumentada”, como para os jogos pervasivos que usam o espaço ureditoraplus.org

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bano em relação com o espaço informacional. Vemos aqui mais um exemplo de como as tecnologias digitais reconfiguram os lugares, criando novas funções, novas dimensões e novas relações com o corpo. Mais do que a desmaterialização e a descorporificação no ciberespaço, o que estamos vendo com as mídias locativas, os jogos computacionais pervasivos e o console Wii são novas formas de territorialização, de criação de novos sentidos do espaço físico e de tensões sentidas diretamente na carne!

Segunda, 18 de agosto de 2008 Andando para me despedir de Montreal. Fotos da tormenta se preparando.

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Tormenta editoraplus.org

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Sexta, 22 de agosto de 2008 Twitter-Arte Hoje twittava perguntando aos meus contatos se eles conheciam alguma forma de “twitter-arte”, algo que quebrasse a monotonia de informações pessoais, profissionais ou das breaking news das empresas jornalísticas. O Twitter nasceu em 2006 com a simples ideia de criar uma rede social onde as pessoas dizem o que estão fazendo naquele momento (“what are you doing?”): simples, direto e efetivo. Como uma apropriação social do sistema, começam as dicas de sites (e as “TinyURL”), as informações locais, as empresas da grande mídia, e os microcontos. Hoje tenho conhecimento do primeiro concurso brasileiro de microcontos pelo Twitter. Esse tipo de concurso não é novidade, mas é a primeira vez no Brasil. Vejam mais sobre o concurso no Twitter / 140 letras.

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Microconto Sento no Café Second Cup da rua St. Catherine e escrevo o meu microconto no concurso 140 letras para o Twitter: “Sonhava, caiu (bababadalgharaghtakamminarronnkonnbronntonnerron ntuonnthunntrovarrhounawnskawntoohoohoordenenthurnuk) e no finn acordou.”

Sábado, 23 de agosto de 2008 Edmonton Wi-Fi Passei metade do meu período canadense em Edmonton e tenho belas lembranças dos amigos da University of Alberta, da família Shields e das incríveis cores e tonalidades do céu. No entanto, a minha experiência com o acesso à internet wireless (hotspots) foi decepcionante. Não pelos números de hotspots encontrados, já que há muitas redes Wi-Fi em toda a cidade, mas pela dificuldade em acessar redes abertas, particu-

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lares ou públicas, logo, pela dificuldade em me conectar. Conseguia acessar a internet de alguns poucos cafés que ofereciam acesso de graça (a grande maioria oferece acesso pago). No Brasil, além de ainda não termos verdadeiras cidades desplugadas, temos agora a lei de cibercrimes que, se passar mesmo, vai fechar completamente o acesso livre a redes Wi-Fi no nosso país. Brad Haines, “white hat hacker”, que faz wardriving (ir de carro localizando as redes) e mapeia as conexões Wi-fi abertas e fechadas em Edmonton, mostra essa situação. Fizemos um mapeamento de hotspot, mas enquadrado no projeto “Sur-Viv-All” em Edmonton, e algo próximo, no Brasil, com o “Wi-Fi Salvador”. Segundo o mapeamento realizado por Haines, há mais de 66 mil hotspots na cidade e 30% deles não tem nenhuma proteção, ou seja, estão abertos. Ele é um hacker “do bem” (e não um cracker) e presta consultoria para empresas que querem manter a segurança de suas redes. Ele se limita a fazer o wardriving (e nunca se conecta nas redes abertas encontradas) e chamar a atenção para as redes inseguras. Não vi discussão sobre acesso livre, talvez por não ser esse um problema em Edmonton ou no Canadá. Para além dessa questão, destaco esse trecho da matéria do Globe and Mail “RenderMan to the rescue”, pela questão da imaterialidade, da dimensão dos “territórios informacionais”

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aí representada e pela atividade em si. Para mais informações sobre Haines, veja seu site, o RenderLab. (...) Haines understands that his is a strange passion. Most people he knows wouldn’t want to spend hours driving or walking around with a laptop and antenna searching for something that can’t be seen, heard, smelled or touched. When asked to describe the appeal of wardriving, he likens it to bird watching. ‘Some people are big into bird watching, and the biggest moment for them is when they spot a specific bird,’ says Haines. ‘Most people are like, ‘That’s the stupidest sport I’ve ever heard of.’ Some people say the same about wardriving. It makes no sense to some people, but for us, it’s neat.’ In true geek fashion, Haines also compares his hobby to The Matrix, a film built on the premise that our world is nothing more than a computer simulation meant to enslave humans. Only those who have been ‘liberated’ can see ‘the Matrix’ for what it is. Wardrivers, he says, are able to peer beyond what’s visible to the naked eye. ‘You are able to see beyond the real. I’m sitting in my kitchen right now looking at my backyard, but I know that just beyond my perception, the Internet is literally overlapping the physical world. To see something others can’t is kind of a neat thing. (...)”

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Terça, 26 de agosto de 2008 140 letras “Sonhava, caiu (bababadalgharaghtakamminarronnkonnbronntonnerronntuo nnthunntrovarrhounawnskawntoohoohoordenenthurnuk) e no finn acordou.” Algumas pessoas me perguntam sobre o meu microconto e o uso da enorme onomatopéia da queda (com exatas 100 letras). Explico rapidamente. A onomatopeia é uma citação do Finnegans Wake (versão inglesa) de James Joyce onde ele escreve “Fall (bababadalgharaghtakamminarronnkonnbronntonnerronntuonnthunntrovarrho unawnskawntoohoohoordenenthurnuk).” Nesse microconto, em extrema ousadia e sem a menor pretensão de conseguir êxito, tento resumir, em 140 letras, a monumental obra de Joyce, Finnegans Wake. O livro é como um sonho em diversas línguas, quase ilegível, uma aporia. Nessa narrativa labiríntica, a obra mostra (?) o “despertar” de Finnegan. Daí o jogo com “sonho”, “cair”, “acordar” e “finn”: inicio, meio e fim da obra. Para quem quiser se aventurar na leitura, há uma excelente tradução (se é que

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isso é possível) no Brasil, do Donaldo Schüler, em vários volumes, pela Ateliê Editorial de Porto Alegre. Abaixo, reflexos do lago no Parc La Fontaine.

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Parc La Fontaine

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Quarta, 27 de agosto de 2008 Estou com as malas prontas esperando o táxi. Um ano no Canadá, em um período extremamente produtivo em vários aspectos: li, escrevi, encontrei pessoas, visitei universidades e centros de pesquisa, reforcei laços de amizade, conheci o país de oeste a leste e, mais importante, consegui dar tempo ao tempo, única forma efetiva de pensar e de ser produtivo nesse trabalho que fazemos. O Canadá é também o lugar onde meu segundo filho ou filha foi gerado, o que marcará para sempre este lugar. “Vivre au Canada, c’est vivre dans quatre pays différents... un pays par saison.” Michel Conte Agora faltam palavras e deixo as sensações tomarem conta. Um dia belíssimo de sol, sem uma nuvem no céu, esquilos subindo em árvores na avenida des Érables, o silêncio da rua em meio à metrópole, bicicletas passando e a vida que vai continuar aqui e continuará independente de mim. Somos muito pequenos! Considero a minha missão cumprida, embora pudesse ficar muito mais tempo aqui. O meu Carnet de Notes tem toda a memória do tempo e este livro é um resumo deste período. Assim poderei reviver um pouco as sensações que sempre perdem suas cores com esse tempo de Cronos

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que tudo devora. Mas agora é hora de voltar para casa, retomar as coisas que deixei e compartilhar com alunos e amigos um pouco do que aprendi aqui, e em todos os sentidos!. É hora de lembranças, mas também de prospectiva, de pensar no futuro, no presente que está ali na esquina. Tempo de otimismo! I don’t consider myself a pessimist. I think of a pessimist as someone who is waiting for it to rain. And I feel soaked to the skin.” Leonard Cohen Meu táxi está chegando e, mesmo com 3 pesadíssimas malas, vou leve! Para finalizar este livro, uma lista de coisas que gosto e que não gosto em Montreal. GOSTO Andar a pé e principalmente de bike. Para mim a qualidade de uma cidade é diretamente proporcional à possibilidade de andar a pé ou de bicicleta;

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Parc la Fontaine; Plateau MontRoyal; Segurança nas ruas e em casa; Milton, Suzy, Guto; Will Straw; Biblioteca da Mcgill; GPS Tracker, Identité; Conexão Wi-Fi em todos os lugares e de graça; As ciclovias de Montréal; O melhor show, ever, Radiohead, no Parc Jean Drapeau; Sistema de metrô e ônibus, bom e pontual;

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Tempo para ler, escrever e pensar; Laika e café Pi na St. Laurent; Casa del Popolo, St Laurent; Eventos na SAT; Rue de Bullion; Av. des Érables; Romados na Raquel, incensando o Plateau com seus grelhados; Restaurante Gengibre, Japonês, na Av. de Pins; Restaurante Au Pied de Cochon, na Duluth; Restaurante Natureba La Faim du Monde, na Saint Denis; Restaurante Natureba Comensal, na McGill Av.;

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Restaurante Chez Lien, oriental na Av. Mont Royal, 1999; Jornais culturais gratuitos em inglês e em francês; A rua Rachel e a sua ciclovia por onde passei muito; Ruas Duluth e Prince Arthur para andar e comer em algum restaurante; Cinema du Parc e Cinema ExCentris; Encontrar, falar, abraçar e tirar uma foto com Leonard Cohen!; Frappucino Choco-Mint nas Starbucks; Second Ccup, na Av. du Mont Royal, 1648, um dos meus escritorios preferidos; Hamburger na Belle Soer, rue Marie Anne; Radio Postes espalhados pela Av. Mont Royal, anacrônico e locativo; Pequenas livrarias e lojas de discos espalhadas pela cidade;

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Comer croissant e cereais Fiber 1 no café da manha; Ir trabalhar de café em café, de conexão em conexão, variando lugares e gostos, de bike ou a pé; Comer crepe de chocolate no Julietta, na Rue Saint Denis; iPod criando a ambiência sonora das flâneries e bike-flaneries; Os inúmeros festivais no verão; Escrever, andando, na Moleskine pelas ruas; Minha casas, a primeira de um mês na Rue de Bullion e, depois, 5 meses no 4746 Rue des Érables; Tires de Érables sur nèige; Panquecas em casa; Pizza Delicious, comprada no supermercado;

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A varanda dos fundos na casa da Ave. Des Érables; As ameixas no verão; Cachorros tomando banho no lago do Parc La Fontaine; Beber cidra e comer crepe. NÃO GOSTO Muita, muita neve; Hockey na TV; Sistema de saúde e dificuldade para marcar um médico; Ter que ter o dinheiro certinho para o ônibus; Serviços, preços e aparelhos de celular; Poutine, uma gororoba com batata frita. editoraplus.org

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Referências Abrams, Janet; Hall, Peter (ed). Else/Where: Mapping. New Carthographies of Networks and Territories., Minneapolis, University of Minnesota Press, 2006. Albrecht, K., McIntyre, L., Spychips., Plume Book, NY, 2006. Amin, Ash; Thrift, Nigel., Cities. Reimagining the Urban., Cambridge, Polity, 2002. Attali, J., L’Homme Nomade., Paris. Fayard, 2003. Atwood, Maragret., Survival., McClelland &Stewart., Toronto, 2004. Augé, M. Não Lugares: Introdução a uma antropologia da sobremodernidade. Bertrand Editora, 1994. Auster., P., Travels in the Scriptorium., London, Faber and Faber, 2006.

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Sobre esse livro Caderno de Viagem - comunicação, lugares e tecnologias André Lemos ISBN 978-85-62069-33-8 Publicado pela Editora Plus em março de 2010. Editor-geral: Eduardo Melo Capa e diagramação: José Fernando Tavares Revisão: Camila Queiroz, Egideilson Santana e Frederico Fagundes Apoio: Agnes Mariano, Gabriela Rodrigues e Tiago Santos Lima Textos e fotos: André Lemos Edição de fotos: André Lemos e José Mamede Tratamento de fotos: José Mamede editoraplus.org

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Sobre a Editora Plus A Editora Plus, ou Projeto para o Livre Uso do Saber, tem como objetivo publicar livros inéditos e gratuitos, exclusivamente em formato eletrônico, sem custo algum para autores e leitores. Também desenvolvemos projetos educacionais nessa área. É a primeira editora do Brasil a publicar livros para celular, e a primeira a publicar no standard internacional .ePub. Para conhecer mais sobre nosso trabalho e outros livros publicados, visite editoraplus.org.

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