cultura da interface

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que consegue imaginar para ele é o arquivamento de receitas culinárias. É a difícil negociação da vida na véspera de mudanças do paradigma high tech: a pessoa é abençoada com certa iluminação técnica, mas tem dificuldade em ver muito além dessa compreensão fulgurante. Cegueira e clarividência — não é possível ter uma sem uma boa dose da outra. Nada ilustra esta idéia mais poderosamente que o maravilhoso dispositivo Memex de Vannevar Bush, hoje amplamente considerado um dos veneráveis ancestrais do computador pessoal. Como vimos no capítulo 4, as especulações de Bush sobre os poderes associativos do Memex anteciparam muitas das capacidades de armazenamento e recuperação do computador contemporâneo, bem como os hyperlinks da World Wide Web. Mas essa é uma leitura seletiva, iluminada pelo presente, de "As We May Think", uma leitura que enfatiza as passagens em que Bush percebeu o futuro corretamente e ignora as muitas seções em que ele esteve longe de ser tão clarividente. Podemos descrever o Memex como um processador de informação que nos permite armazenar velhos documentos e anotações pessoais, organizar dados e realizar cálculos — tudo isso sentado à nossa escrivaninha. Soa muito parecido com nosso computador de todo dia por volta de 1997. Mas podemos também descrever o Memex de uma maneira diferente, destacando outros elementos da mistura, que agora nos parecem menos relevantes porque não se concretizaram. Consideremos apenas este curto inventário: 1. O usuário capta informação através de uma pequena câmera instalada em sua testa ou em seus óculos, tirando instantâneos dos documentos à medida que os lê. 2. Os documentos são transformados por "fotografia seca" em pequenas imagens do tipo microfilme, que são armazenadas no corpo do dispositivo Memex. 3. O mecanismo de armazenamento é um rolo linear que se move da esquerda para a direita, cada fotograma no rolo contendo milhares de documentos em miniatura. 4. Quando está longe de sua escrivaninha, o usuário introduz textos no dispositivo através de palavras faladas transmitidas por rádio. A lista poderia continuar. (Bush dedica várias páginas do início do ensaio à exploração das possibilidades técnicas da "fotografia seca", um método de reprodução que não tem absolutamente nada a ver com o computador de nossos dias.) Em tudo e por tudo, a máquina descrita parece ser de uma espécie completamente diferente da do computador de hoje — assemelhandose mais ao cruzamento de um dispositivo de microfilmagem incrementado com


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