Pt paredes com teatro

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PT Paredes com Teatro A cidadania em palco


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Capítulo 1

Capítulo 2

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abertura

O Programa PT Paredes com Teatro

Nota do autor

Os Bastidores

9 O rapaz do braço engessado e a caixinha de chocolates

18 A operacionalização do Programa

21 Os resultados do Programa

O Palco

29 Grupo de Teatro da Associação para o Desenvolvimento de Bustelo – Recarei

35 Grupo de Teatro Juvenil de Sobreira

43 Grupo de Teatro de Duas Igrejas

51 Grupo de Teatro de Cête – Cêteatro

57 Grupo Teatro Infanto-Juvenil de Baltar – Associação Clube Jazz de Baltar

63 Grupo de Teatro de Baltar – Associação Clube Jazz de Baltar


153 Capítulo 3

A Cena

71 Grupo de Teatro da Associação Social e Cultural de Louredo

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Grupo de Teatro Infantil de Mouriz

Os encenadores do pt Paredes com teatro

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Girassol – Grupo de Teatro de Mouriz

Grupo de Teatro Os Expansivos – Lordelo

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Grupo de Teatro Os Mindinhos – Rebordosa

Grupo de Teatro da Associação Juvenil Xisto – Aguiar de Sousa

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91 Tru’peça – Associação de Teatro de Rebordosa

99 Grupo de Teatro Amador de Cristelo

107 Tic-Tac – Grupo de Teatro Infantil de Cristelo

113 Tic-Tac – Grupo de Teatro Juvenil de Cristelo

Grupo de Jovens Nova Esperança – Sobreira

145 Companhia de Teatro de Vandoma – Grupo de Jovens de Vandoma

156 Testemunhos e notas biográficas

173 os grupos participantes


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Uma política cultural com os cidadãos Em 2006 estava convicto que uma política cultural para o Município de Paredes tinha que ser definida, em primeiro lugar, apostando nas instituições locais e nos cidadãos, tanto mais que a cidadania, expressando-se de diversos modos, tem na cultura um lugar privilegiado de ação. Uma política cultural municipal deve traçar as orientações estratégicas definidas em função do território, dos meios disponíveis, orçamentais, de recursos humanos e de equipamentos de programação, da acessibilidade, procurando tanto quanto possível a inclusão dos seus munícipes e, por último, a abertura ao contacto com os modos e as formas culturais da contemporaneidade. Conhecendo o território e as suas mais importantes manifestações culturais, estava em crer que era possível traçar, numa das frentes de orientação política cultural para Paredes, o desafio de recuperar e renovar uma forte tradição de cariz associativa do concelho: o Teatro Amador. Paredes sempre foi terra de gente que gosta de teatro, ao ponto de esta atividade ser frequente em todos os centros paroquiais. Era, para mim, estranho que desse fulgor que permitiu a gerações e gerações de paredenses serões bem passados pouco restasse. Apenas a evidência na grande maioria dos salões paroquiais a existência do palco e das míticas cortinas que ainda nos agarram o olhar. Era preciso voltar a chamar essa gente! Assim foi e a pouco e pouco lançada a âncora no passado começamos a construir este sonho. Definida a orientação, foi elaborado um programa para o qual foram definidos o modelo, os objetivos, os resultados a alcançar e

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disponibilizados os respetivos meios, de modo a assegurar a sua concretização no médio e longo prazo. O PT Paredes com Teatro foi, desde o seu lançamento, um sucesso, quaisquer que sejam as perspetivas pelo qual seja avaliado. Pelo número de grupos, pelo número de espetáculos, pelo número de espetadores, pela qualidade dos espetáculos produzidos, pela abrangência de dramaturgos trabalhados, até pela dinâmica que foi criando promovendo iniciativas que estavam longe de ser vislumbradas aquando do seu lançamento, como é exemplo, a participação de crianças e jovens que levou ao lançamento, na terceira edição, do PT Júnior. A primeira edição, em 2006, foi lançada com alguma prudência, já que o objetivo era começar com cinco grupos. Logo nessa edição foram oito os grupos participantes. De então para cá, e realizadas que estão seis edições e mais de 400 espetáculos aos quais assistiram mais de 40 000 espetadores só no concelho de Paredes, os resultados foram ultrapassados em todos os parâmetros e o modelo provou a sua eficácia e dinâmica. Ao longos destes anos assisti a dezenas de espetáculos em muitas localidades de Paredes. Admiro a entrega, a disponibilidade, a vontade, a mestria daqueles que participam, encenam e ajudam, por vezes, a audácia das encenações. Assisti a espetáculos dos mais variados géneros: da comédia, à tragédia; do clássico ao contemporâneo; do musical ao teatro do absurdo. Em todos eles vi pessoas, dos 7 aos 70, vibrantes e orgulhosos. Vi despontar verdadeiros talentos da representação. Vi sobretudo, amadores apaixonados pelo teatro. Vi crianças e jovens no palco e os pais e familiares na plateia. Vi jovens encenadores, profissionais de teatro, orgulhosos do “seu” grupo. Vi uma comunidade de cidadãos.


Como Vereador da Cultura do Município de Paredes, sinto orgulho e satisfação por ver concretizada uma intenção política numa ação levada a cabo com tão grande sucesso e dinamismo. Na qualidade de Vereador da Cultura de Paredes, a todos os que fazem o PT Paredes com Teatro, o meu sincero agradecimento e o meu aplauso. Enquanto cidadão o meu abraço fraterno.

Pedro mendes

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O rapaz do braço engessado e a caixinha de chocolates Reparei que o rapaz tinha um braço engessado. Era o ator ou a personagem que assim se apresentava? O Rei fazia o que um rei é suposto fazer: ordenava, inquiria, ditava leis e decretos, distribuía benesses e castigos, comia e dormia. Na qualidade de espetador esperava a todo o momento a referência a uma guerra que justificasse um real braço partido, marca de uma peleja grandiosa na conquista, a ferro e fogo, de reinos inimigos, para engrandecimento do reino e glória de Sua Majestade. Em vão. Aquele era um Rei pacífico apenas preocupado em descobrir, das três princesas suas filhas, aquela que por artes de malvadez apenas justificada por desmesurada e cega ambição, maquinava nas costas do Rei a desfortuna das irmãs na herança da coroa real. Uma história de todos os tempos, de Eurípides a Shakespeare, passando pelos contos dos irmãos Grimm e acabando nas telenovelas do primetime, protagonizada naquele palco por um grupo de crianças. Sem justificação dramatúrgica para o braço engessado, deixei-me levar pela mestria do ator e as peripécias da personagem, os movimentos graciosos das filhas do Rei, a malvadez de um Ministro, e toda a ação da peça, até ao desenlace final onde tudo se resolveu pelo bom juízo do Rei que castigou quem devia castigar e louvou quem devia louvar. Moral da história? A ordem do Reino foi reposta e todos viveram felizes para sempre. — E o gesso, João? – Ontem caí e parti o braço. Sorriu, olhou a mãe com ternura e rematou: – A minha mãe não me queria deixar vir para o teatro, mas hoje era a estreia. Por vezes um gesso é uma desculpa, outras um desafio. É isso também o teatro: a superação, o esforço, o trabalho, a confiança. Desistir não era opção para aquela criança. Dez anos? Onze, talvez,

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mas não mais. Desistir era deixar o imprevisto ganhar à vontade. Desistir era comprometer um bem maior, o grupo, a pequena comunidade tecida pelo esforço comum, pela cooperação, pela confiança, pela vontade, pela convivialidade. Diverti-me com o Rei, magistralmente interpretado, mas emocionei-me com o João. Em cena, a vida é um faz-de-conta, mas o ator é de carne e osso, ainda que seja um fingidor, como o poeta. O teatro é um olhar pela fechadura da porta, um polaroid de vida condensada, ideia que Peter Brook exprime com maior grandeza e exatidão: “O Teatro é, em primeiro lugar, a vida. É a vida, mas é a vida sob uma forma mais concentrada, mais breve, condensada no tempo e no espaço”. Se é certo que o teatro não serve para medir a temperatura do ar nem calcular a órbita de um planeta serve para tornar visível as fraquezas e as virtudes dos homens. Desmascara vilões, desmonta traições, apresenta ideias revolucionárias, como em “Lisístrata”, de Aristófanes. Mostra as paixões, as angústias, os sonhos, os gestos de pequenos e grandes homens, sempre a “mentir, dizendo sempre a verdade” como afirmava Jean Cocteau, a que Carlo Goldoni acrescentava com certeza poética que “tudo o que é verdadeiro tem o direito de agradar”. O teatro pode ser também premonitório, debruçar-se sobre a vida e a morte, sobre o amor e a política, como fizeram Gil Vicente, Moliére, Tchekov e tantos outros, de ontem e de hoje. Recriam o mundo, apresentando os homens tal e qual. E o teatro que se faz no PT Paredes com Teatro? O teatro feito de pessoas comuns, aquelas que podem ser “excecionais não sendo profissionais” no dizer feliz e certeiro de uma encenadora do PT? O teatro feito por todas aquelas pessoas como o João, criança, ou o Aníbal com 70? Que força, que vontade, que impulso leva homens e mulheres, crianças, jovens e adultos, ao palco depois de um dia de


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trabalho cumprindo as suas obrigações profissionais ou o exercício de um dia de aulas, da escola ou da universidade? Faço-me a pergunta vezes sem conta, sobretudo depois de assistir a uma estreia sabendo que muitas dezenas de horas de ensaio foram necessárias para ali chegar. Muitas angústias, muitas frustrações e outras tantas alegrias, repetições sem conta às vezes apenas e só para compor um pormenor do andar, a entoação da voz ou a dicção de uma palavra. Penso no esforço que é necessário para chegar ali, à estreia: físico e mental, resistência ao cansaço, persistência para aperfeiçoar um gesto, concentração para não perder o ritmo, atenção afinada para não perder o tempo de uma fala ou a contracena com uma personagem. O teatro é um jogo que jogamos desde a infância, é ontológico, e que jogamos pela vida fora como nos lembra W. Shakespeare1. No teatro

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que se faz no PT Paredes com Teatro cumpre-se a mensagem de Augusto Boal, “Somos todos artistas: fazendo teatro, aprendemos a ver aquilo que nos salta aos olhos, mas que somos incapazes de ver, tão habituados estamos apenas a olhar.”2 Assim é, Augusto, aqueles

“As you like it”, William Skakespeare.

homens e mulheres, crianças e jovens são todos artistas. Tocaram o fogo prometaico. Criam vidas e por isso vivem muitas vezes. Tantas palavras tantas vezes repetidas. Tantos gestos tantas vezes reproduzidos. Tantas dores tantas vezes sentidas. Tantos beijos tantas vezes trocados. Tantas mortes tantas vezes vividas. E uma caixinha de chocolates, para início de ensaio, trouxe a Cidália para adoçar a boca de todos. Uma caixinha de surpresas, Cidália, ver estes homens e mulheres, crianças e jovens em tantas vidas representadas. O teatro que se faz no PT é um abraço fraterno de cada comunidade participante posta em cena pela vontade das pessoas comuns que assim nos mostram um sentido de convivialidade forjada no encontro entre arte e vida. Um teatro de comunidade. Um teatro para a comunidade. Em suma: um exercício de cidadania, ou como diz o subtítulo desta edição: a cidadania em palco.

Henrique Praça Setepés

Todo o mundo é um palco. E todos os homens e mulheres meros atores; Eles têm suas saídas e suas entradas, E um homem em seu tempo desempenha muitos papéis

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Mensagem do Dia Mundial do Teatro, Instituto Internacional de Teatro, UNESCO, 2009


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O Programa PT Paredes com Teatro A tradição do teatro amador em Portugal foi uma das mais importantes manifestações de cariz cultural comunitário e associativa ao longo de dezenas de anos do séc. XX. O Município de Paredes, tal como tantos outros Municípios do país, não fugiu à regra, encontrando-se neste concelho um historial rico de iniciativas neste domínio dinamizado por associações de natureza recreativa, cultural e desportiva. O auge deste tipo de manifestação cultural aconteceu na década de 50/60 do séc. XX tendo a partir dessa altura iniciado um declínio apenas com um pico de algum rejuvenescimento no pós 25 de Abril de 74, coincidente com o crescimento do associativismo de pendor mais político. A década de 80 do séc. XX assistiu ao progressivo declínio do teatro amador, acompanhando o decréscimo da atividade associativa de matriz cultural a que não é alheio o progressivo afastamento dos mais jovens seduzidos por outras atividades mais aos gosto do seus pares. Mas também pelo envelhecimento acentuado das práticas associativas, com direções cristalizadas no tempo e da falta de iniciativas que cativassem os jovens. Para dar um exemplo: no ano 2000, ano que antecedeu a iniciativa Porto 2001.Capital Europeia da Cultura, havia na cidade do Porto cerca de 650 associações (recreativas, culturais e desportivas) registadas, mas apenas cerca de três dezenas e meia em atividade, algumas das quais apenas com a disponibilização de um bar, jogos e uma ou outra iniciativa por altura das épocas festivas. O Município de Paredes acompanha de perto todo este processo: forte implantação do teatro amador de natureza associativa ao longo de décadas e forte declínio a partir dos anos 80. No início do séc. XXI, e tomando como referência o ano de 2005, havia no concelho dois grupos de teatro amador, um com atividade intermitente e outro

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com atividade regular, ambos sofrendo de parcos recursos para as necessidades, envelhecimento dos participantes, dificuldade de recrutamento de pessoas, em particular de jovens, práticas teatrais antiquadas e repertórios muito estreitos quer quanto a autores quer quanto a dramaturgias contemporâneas. Em 2006, e como parte integrante da estratégia cultural posta em prática pela vereação da cultura, o Município de Paredes entende criar uma dinâmica que possibilite o renascimento daquela tradição, apostando num programa inovador que incentivasse a criação de grupos de teatro amador nas associações culturais existentes ou o aparecimento de novos grupos. Nasce o Programa PT Paredes com Teatro (adiante referido por PT), definido como “uma iniciativa de promoção da cultura e da cidadania participativa dos cidadãos cuja missão é a promoção, o apoio e o desenvolvimento do teatro amador com vista a contribuir decisivamente para uma mudança significativa e sustentada, a médio e longo prazo, do teatro amador no Concelho de Paredes”, tal como consta do preâmbulo ao protocolo de adesão. A fim de cumprir aquela missão foram definidos um conjunto de linhas orientadoras que sustentavam a operacionalização do programa: 1.

Colocar, junto dos grupos aderentes, jovens artistas com formação superior em teatro e prática profissional para a dinamização do grupo nas diferentes vertentes: formação e encenação;

2.

Contratualizar com os grupos aderentes, mediante um protocolo anual, a compra de espetáculos pelo Município, definindo um número mínimo de apresentações a realizar no Programa Itinerâncias pelo concelho.


3.

Criar um órgão de gestão para coordenar o Programa;

4.

Definir e inscrever, anualmente, um orçamento próprio para o Programa.

Estas linhas orientadoras que sustentavam a arquitetura do PT pretendiam: qualificar as práticas teatrais amadoras (colocar profissionais com formação superior para dinamização dos grupos); criar um novo modelo de financiamento público no contexto das práticas associativas afastado da tradicional atribuição de subsídios (contratualização de espetáculos); introduzir a co-responsabilização na coordenação do programa (gestão do programa partilhada entre o Município e os Grupos); a sustentabilidade, a médio e longo prazo, do programa de modo a atingir os objetivos traçados (orçamento próprio).

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A operacionalização do Programa O preâmbulo do Regulamento do PT esclarecia o entendimento do programa quer quanto ao teatro quer quanto à realização de projetos de espetáculos como se transcreve de seguida: “Embora a área artística a promover seja o teatro, […] entende esta manifestação artística como uma grande pluralidade de práticas, quer quanto à forma, ao repertório ou ao modo de apresentação […] teatro de rua, de marionetas, de formas animadas, o teatro clássico, o teatro contemporâneo, à italiana, em arena, teatro-fórum […]. incentivará […] a produção de espetáculos que integrem outras formas de cultura popular e associativa do concelho, nomeadamente os Grupos Etnográficos e as Bandas de Música”. A operacionalização do Programa PT estipulou um número de horas para o trabalho do encenador profissional contratado – 65h por edição do Programa PT – junto de cada grupo, a obrigatoriedade de cada grupo realizar 8 apresentações por edição do Programa PT itinerantes pelos espaços de acolhimento nas freguesias do concelho, a participação de elementos dos grupos nos cursos de formação técnica a realizar consoante as necessidades e as disponibilidades orçamentais em cada edição. O Programa estipulou ainda um Prémio de Participação no PT (monetário), a compra dos espetáculos obrigatórios nas itinerâncias (monetário) em que parte era destinado a custear os custos de produção e parte (fixo) para custear os custo de deslocação. Na 2ª edição do programa PT estipulou ainda um prémio monetário adicional aos grupos que incluíssem nos seus espetáculos a participação de outras formas de cultura popular existentes na sua comunidade e ainda um prémio monetário aos grupos que realizassem espetáculos noutros concelhos. Estes dois últimos prémios estavam limitados, em cada edição, a um montante


pré-definido. Por último foi introduzido um fator de controle da venda de bilhetes, estando contratualizado que os grupos só podem, caso o queiram, cobrar entradas nos espetáculos realizados nas suas comunidades, tradição existente em algumas associações. Ao longo das seis edições realizadas (a apresentação pública deste livro coincide com o lançamento da 7ª edição do Programa – 2013-2014), foram introduzidas algumas alterações e melhorias fruto da avaliação realizada no final de cada edição. De entre todas destacam-se as mais significativas: »»

A criação do PT Júnior. Criado na 3ª edição do PT em consequência de dois factos: a) Nalguns grupos os participantes apresentavam uma amplitude etária muito grande, o que causava dificuldades na produção de espetáculos; b) A vontade manifestada por algumas associações em criar grupos de teatro com crianças aumentando a oferta de atividades para a comunidade. Assim, o PT Júnior incluiu grupos constituídos por crianças ou jovens, muito embora se verifique, por vezes, a participação de alguns dos jovens de um grupo nos espetáculos dos adultos da mesma associação.

»»

A diminuição do número mínimo de espetáculos obrigatórios a realizar pelos grupos na itinerância, de oito na 1ª edição, para quatro a partir da 3ª edição. Esta mudança foi resultado da conjugação de três factos: aumento significativo do número de grupos; escassez de salas no concelho para apresentação das produções teatrais; insuficiência dos equipamentos técnicos disponíveis no concelho. No entanto o número total de espetáculos realizados tem-se mantido estável.

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»»

As apresentações noutros concelhos. Embora não tenha sido uma alteração provocada deliberadamente, ela foi acontecendo naturalmente. Se nas duas primeiras edições os grupos não realizaram apresentações fora do concelho de Paredes, elas têm vindo a aumentar, contando-se já por algumas dezenas. Esta mudança deve-se sobretudo à melhoria significativa nas produções apresentadas pelos grupos.

O PT conta ainda com um mecanismo de avaliação anual de cada edição, processo simples mas fundamental para assegurar a qualidade e a concretização dos objetivos do Programa. É realizada por três intervenientes : encenadores (os profissionais que dinamizam cada grupo), os responsáveis por cada grupo participante e o coordenador do Programa PT que tem a seu cargo a articulação com a vereação da cultura e a gestão do programa, a escolha dos encenadores e a assistir às apresentações dos espetáculos. É avaliado um conjunto de parâmetros, maioritariamente qualitativos, pontos positivos e negativos e ações de melhoria.


Os resultados do Programa Num programa desta natureza os resultados obtidos são de ordem quantitativa, tangíveis, como os apresentados no Quadro I, e os intangíveis, mais difíceis de medir dada a sua subjetividade. Comecemos pelos resultados quantitativos. No lançamento do programa, em 2006, traçaram-se objetivos para a 1ª edição: cinco grupos participantes e quarenta espetáculos a realizar na itinerância. Fruto da boa aceitação do Programa PT, ambos os objetivos foram largamente ultrapassados nessa mesma edição, com a adesão de 8 grupos e a realização de 56 espetáculos em 8 freguesias do concelho. Nessa 1ª edição realizaram-se ainda dois cursos de formação técnica, operador de luz e operador de som com a presença de, respetivamente, 7 e 9 participantes. No final dessa edição aconteceu o 1º Encontro PT e a aquisição de material técnico de luz e som para os espetáculos da itinerância. Na 4ª edição, 2010, fruto de uma parceria com a companhia francesa Image Aigue no âmbito do programa “Cultural Ambassador of Europe 2010”, realizaram-se em Paredes dois workshops de teatro dirigidos pela encenadora Christiane Véricel e atores daquela Companhia, com a participação de 28 elementos dos diversos grupos do PT. No âmbito daquela cooperação foram selecionados três elementos de grupos do PT para integrarem uma produção da mesma companhia, com estágio de três semanas em Lyon, e realização do espetáculo “Les Ogres” com apresentações ainda nesse ano em Lyon e Paredes.

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O Quadro I apresenta os resultados quantitativos referentes às seis edições, distinguindo-se, a partir da 3ª edição, os grupos do PT Júnior.

Quadro I. Resultados quantitativos por edição do Programa PT

Edição

Nota 1: O número de espetadores refere-se apenas aos espetáculos realizados no concelho de Paredes. Nota 2: Para a 6ª edição o número de espetáculos e de espetadores é uma previsão.

Grupos (n.º) PT

PT Júnior

Participantes

Espetáculos (n.º)

Espetadores

(n.º)

Concelho de Paredes

Outros Concelhos

n.º

Média

(2006-2007)

8

105

56

0

5532

84

(2007-2008)

13

178

66

0

6285

112

(2008-2009)

13

4

195

63

8

6587

105

(2009-2010)

15

7

210

68

12

7624

112

(2010-2011)

14

5

176

65

22

7846

121

(2011-2012)

13

4

165

64

35

8000

125

Totais

382

77

41874

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Num concelho com cerca de 87 000 habitantes os resultados do PT são notáveis, quer quanto ao número de grupos quer quanto ao número de participantes e de públicos. É de referir que a ligeira diminuição de grupos que se verificou está bem caraterizada. É o caso de grupos exclusivamente constituídos por jovens logo na 1ª edição que, por terem concluído os seus estudos secundários e continuado estudos superiores, viram inviabilizada a sua continuação a partir da 3ª edição. Ou o caso de grupos que, devido a insuficiências de gestão nas associações a que pertenciam, não encontraram suficiente motivação para continuar.


Quanto aos resultados intangíveis, subjetivos e de difícil formulação e avaliação como já se afirmou, apresentamos uma lista não exaustiva inferida dos textos apresentados no capítulo II: »»

No domínio artístico e da prática teatral: »»

promoveu o teatro enquanto uma arte performativa exigente e de múltiplas valências e múltiplos protagonistas;

»»

promoveu a literacia teatral, quer no conhecimento de dramaturgos quer da história do teatro;

»»

promoveu a formação de públicos;

»»

promoveu, ainda que em menor escala, a descoberta de talentos e vocações para a prática teatral, facto comprovado pelo prosseguimento de estudos superiores em teatro por alguns participantes;

»»

No domínio educativo e pedagógico: »»

reforçou os valores da perseverança, do trabalho em equipa e da interdependência dos membros de um grupo para atingir determinado fim;

»»

promoveu os valores do trabalho enquanto atividade social e cultural;

»»

No domínio pessoal: »»

promoveu a autoconfiança;

»»

promoveu os valores da amizade, da confraternização e da convivialidade;

»»

No domínio da comunidade; envolveu os cidadãos na cultura enquanto prática da cidadania.

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Chegava como um intruso. Ficava em silêncio até ser possível falar. Via. Escutava. E nos diferentes momentos dos grupos do PT Paredes com Teatro, juntei histórias, palavras, sentimentos, sensações. Os textos que se seguem não têm uma ordem pensada. Têm a ordem do trabalho desenvolvido ao longo de vários meses e a junção de pormenores que criam um mundo de arte, de sonhos, de amizades e de pessoas com o dom de fazer encantar o espaço.

Eugénio Mendes Pinto


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Grupo de Teatro da Associação para o Desenvolvimento de Bustelo – Recarei As primeiras horas da tarde marcam o início dos ensaios. Em Bustelo, Recarei, no salão da sede da Associação para o Desenvolvimento de Bustelo, um grupo de pessoas têm no coração uma arte, uma imaginação que nasceu há cerca de cinco anos e que hoje sentem como enraizada no corpo, nos movimentos, nas palavras, nos olhares cúmplices que traçam em silêncio enquanto se inicia o ensaio da tarde. A peça ainda não tem nome, ou será qualquer coisa como Mundo ao Contrário, mas o nome não parece fundamental para ensaios tão avançados. Tudo nasceu em 2007, no início com um conjunto de perto de trinta pessoas. Hoje, o grupo, constituído por 14 pessoas, tem os corpos de quem se move numa arte aprendida e que aperfeiçoam, que repetem palavras e gestos, que sorriem e questionam o mundo. Joaquim Marinho, a quem todos os atores chamam somente Marinho, para por momentos o ensaio para explicar pormenores e aperfeiçoar todos os gestos e palavras. A arte do teatro tem este encanto da imaginação, de tudo o que se pode recriar para aproximar o que se diz do público. “Nenhum destes atores tinha noção do que era representar, de teatro, alguns nunca tinham assistido a uma peça. Começamos devagar, passo a passo, palavra a palavra, e hoje podemos afirmar que, embora amador, temos arte no trabalho que desenvolvemos e a capacidade de, em cada peça que fazemos, esta é a quinta, de melhorar todos os processos do teatro”.

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O objetivo nunca será criar teatro profissional, nem é esta a filosofia de base de todo o projeto que criou o Paredes com Teatro. Está patente em todas as palavras que o desejo é que as pessoas se envolvam no teatro, conheçam a arte de representar, que formem um grupo de pessoas, de amigos, que criem. O salão da sede da Associação para o Desenvolvimento de Bustelo não tem as condições ideais para a representação. Mas o que existe é o ideal, o parco palco do salão, o cenário a negro, pequenas peças de cores arco-íris que transformam o palco em luz num curto espaço. A luz exterior deixa entrar o som do sino da capela que ali ao lado não houve a representação. Talvez o segredo deste amor pelo teatro, desta dedicação desinteressada, esteja na paixão que Marinho transmite aos atores e na paixão que tem pelo teatro. “O nosso papel, a nossa função neste trabalho concreto, passa pela dedicação e amor que temos pela arte. E esse amor pela arte vai ser transmitido aos meus atores e isso, sem dúvida alguma, contagia-os”. Por isso, há no grupo a amizade e um espírito de entreajuda salutar. Quando, em 2007, o grupo inicia, várias pessoas perceberam que para fazer teatro é preciso trabalho, dedicação, que é necessário despender um pouco do tempo da vida para o dedicar ao teatro. Perceberam alguns que não teriam esse tempo. E os que ficaram, mais do que tempo, deram essa dedicação que se agarra e todos os dias se aperfeiçoa, que se interessa, que se dedica com sonho. Na terra, Bustelo, não haverá outro espaço de cariz cultural tão forte. “Tenho a sensação de que o grupo representa tudo para Bustelo. As pessoas aderem em massa às estreias, pois sentem que alguém está a fazer muito pela terra, pelo meio, por um espírito comum de um grupo que deixa de ser de quem é ator ou encenador, mas que começa a pertencer à comunidade, deixa de ser nosso, e esse sentimento cria o alento para continuarmos”. No palco continuam os ensaios. Marinho explica, levanta os braços, move-se, parece ele ser o próprio movimento da paixão pelo teatro. Embora o cenário esteja minimamente adequado à peça, as roupas são as que cada um veste no seu dia a dia. Mas cada ator já imaginou como vestir a personagem que representa.

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“Nenhum destes atores tinha noção do que era representar, de teatro, alguns nunca tinham assistido a uma peça. Começamos devagar, passo a passo, palavra a palavra, e hoje podemos afirmar que, embora amador, temos arte no trabalho que desenvolvemos e a capacidade de, em cada peça que fazemos, esta é a quinta, de melhorar todos os processos do teatro”


Maria José, uma das atrizes, a mais velha do grupo, não que a idade seja muita, está desde o início no grupo. Veio, em 2007, trazer a filha Margarida para o teatro, tinha a filha sete anos, e ficou. “Gostei e aqui estou para continuar. Nestes cinco anos guardo imensas histórias, a viagem a França. Nunca tinha representado e, hoje, parece a representação fazer parte da minha vida. Não me assusta o público, despendo o meu tempo com carinho e gosto, adoro representar”. Com Maria José está Patrícia e Miguel, os mais novos do grupo. Ambos têm esse olhar de criança, de uma forma muito terna de olhar, de falar. Ambos vieram com alguém e, por gosto, ficaram e sentem-se, ainda tão novos, ligados de forma irremediável ao grupo, como fosse “para sempre”. Hoje, no ensaio, Vítor não pode estar. Mas Vítor tem sonhos que quer realizar. Realizou agora um. “Sem literatura não haveria peças de teatro a menos que fossem construídas sobre a base do improviso. Tenho-me dedicado às duas áreas nestes últimos anos: literatura e teatro. Na escrita, há já alguns anos que espontaneamente escrevo de forma livre poemas, pequenas histórias, pensamentos e algumas prosas”, escrita consumada agora com a edição do seu primeiro livro Devaneios. Está a ficar tarde e, em Sobreira, os ensaios vão avançados no grupo de teatro que nos aguarda. Bustelo tem casas dispersas, ruas de paralelos, o verde em redor que parece nesta tarde suavizar o calor do tempo. Marinho a gesticular, a dizer como é, como fazer, a dar arte, vida, imaginação, a unir a música à peça, os sons e as palavras à tarde quente que envolve Bustelo. Neste salão o mundo tem outra cor e luz. No fim do ensaio dirá Marinho que “as pessoas que se sentem inseguras, no teatro conseguem descobrir qualquer coisa diferente e ganhar segurança. E o ser ator ou atriz ajuda as pessoas a ser melhores, ter mais iniciativa, mais confiança. É uma arte que aprendem, uma capacidade crítica de ver o meio e a arte faz parte do mundo e cria experiências diferentes. Sinto que houve uma evolução imensa desde a primeira peça até hoje. Acho que as pessoas começaram a perceber o que é esta arte, o que é o teatro”. O relógio da capela volta a dar horas. É tarde. Está quente e abafado o tempo e, enquanto seguimos para Sobreira, vemos um concelho de contrastes na cor, nas ruas, no verde e nos ruídos de fim de tarde.

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Grupo de Teatro Juvenil de Sobreira

Decorria o ensaio para o fim quando entramos no auditório onde ensaiava o Grupo de Teatro Juvenil da Sobreira. Tivemos de recuar no tempo e imaginar todo o ensaio, as cadeiras, as máscaras, as palavras. Claro que aqui as condições são outras, mas não é isso que difere o empenho dos atores e encenadores. Em todos, seja nas condições que forem, a dedicação à arte do teatro tem as mesmas palavras e o mesmo encanto. Mas vamos entrar no auditório, repousar um pouco a ouvir as últimas palavras de uma das atrizes sentados nas confortáveis cadeiras. No palco, cadeiras, legos, uma atriz de máscara branca, personagem rouca e velha. Ana Machado é responsável pelo Grupo de Jovens Nova Esperança da Sobreira desde 2008, ano que iniciou o teatro. Mas como o grupo estava extenso, com a dificuldade de adaptação de textos, foi criado, em 2012, o Grupo de Teatro Juvenil da Sobreira. No fundo, de um grupo, foram criados dois e os seis atores que vemos a movimentar-se no auditório são a génese deste grupo. E neste grupo tudo se inicia com uma cadeira. A encenadora Susana Paiva pediu que eles trouxessem de casa uma cadeira e, são essas histórias que ainda vamos ler pelas palavras deles, com essa cadeira, com a personalidade do assento, criaram-se as personagens e, depois da cadeira, uniram-se as máscaras.


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Ana Machado sabe que “para a Sobreira o teatro tem sido das poucas manifestações que temos em termos culturais”. Com uma sala “fantástica, é evidente que aproveitamos ao máximo o espaço que temos. Há cada vez mais pessoas a assistir ao teatro e cada vez mais pessoas a querer entrar para o teatro. Algumas, depois, veem que é preciso disponibilidade, mas há os que resistem, que ganham disponibilidade e permanecem. Vemos cada vez mais jovens a assistirem às peças”. O ensaio terminou. Susana Paiva, encenadora, chega radiante. “Está a ser um processo muito interessante. Conhecia estes jovens do grupo dos adultos e, agora, fazem parte de uma seleção natural”. No início, pensou Susana Paiva fazer teatro de rua para aproveitar os espaços na Sobreira. A ideia inicial era criar uma peça para estrear na escadaria da igreja que fica do outro lado da rua, em frente ao auditório. No alto, a igreja que parece dominar o espaço. Ora, nestes meses de outono e inverno, com a incerteza do tempo e a certeza do frio, a ideia foi posta de lado. Manteve-se a ideia das cadeiras. Susana Paiva pediu a cada um dos atores para trazer um poiso de casa. Da cadeira nasceu uma ação, uma música, uma personagem que surge com uma idade, profissão, atividade e entrada em cena. Com este cenário humano construído, havia a necessidade da palavra. “Lembreime do texto A Tabacaria, de Fernando Pessoa, e dividimos o texto entre todos eles. Estamos a introduzir o texto, não estamos a fazer poesia declamada”. Por isso, no palco, ficam cadeiras, pequenos objetos que definem personagens, como um telefone, legos e outros silêncios que parecem significar pouco quando ali pousados na luz amarelecida de um foco que ilumina o espaço. Ganha forma quando Susana pede aos atores para representarem um momento. E cada cadeira assume um corpo pálido, uma forma que se une ao assento e deixa transparecer cada personagem. Mas o momento não fica por aqui. Há as máscaras. Cada rosto é uma máscara, um refúgio num olhar, nas sobrancelhas, numa palidez alva que transforma o cenário, o palco, num momento de beleza na forma que se vai recriar logo de seguida nas palavras.

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“São pessoas sensíveis, têm alguma coisa a dizer, são empenhadas, entusiastas. Complicado é serená-las depois de surgir uma coisa nova. Trazem público, trazem mais jovens para o teatro”

“Gosto de utilizar a máscara porque amplia os movimentos. A máscara tem as sobrancelhas, as pestanas, o nariz, define-nos logo como personagens”


Susana Paiva, que desenvolveu tese de mestrado no ensino e aplicação do trabalho com máscara em Portugal, tinha máscaras em casa e “achei que isto precisava de qualquer coisa nova. Acho que resulta na perfeição e acaba por acelerar o processo criativo. Em vez de estarmos a trabalhar o corpo lentamente, a máscara quase que implica isso, a voz é quase imediata e cada personagem está mais segura a partir da máscara”. A voz de Susana Paiva transporta o que sente pelo teatro e por esse trabalho. Tem ânimo, transpira força. “Estes jovens têm muita energia, são extremamente inteligentes. É muito fácil trabalhar e é imediato o trabalho. São pessoas sensíveis, têm alguma coisa a dizer, são empenhadas, entusiastas. Complicado é serená-las depois de surgir uma coisa nova. Trazem público, trazem mais jovens para o teatro”. Mais palavras não seriam necessárias para perceber o papel do teatro em Sobreira. Educa, une, cria valor humano, transforma pessoas, recria o mundo em arte. Por isso tem arte as máscaras, as cadeiras unidas aos corpos, as palavras e os movimentos ensaiados que recortam a branco o palco. “Não vale a pena virem para o teatro para chorar ou falarem de coisas tristes”. Tem as máscaras e tem Diana, a mais tímida do grupo, que trouxe a cadeira de casa para o palco, às costas, “as pessoas a olharem para mim. Quando vierem aqui vão perceber”. Catarina sempre teve uma paixão por representar. “Com a máscara é como se fossemos uma pessoa completamente diferente. A máscara é a personagem, acho divertido e sei que o público vai gostar”. A Rita teve a sorte de o pai lhe trazer a cadeira no carro. Mas acha inovador as máscaras que “ajudou logo a criar a personagem, a ser o que quisermos”. Ana Rita tem no palco a cadeira mais velha mas, com a máscara “a personagem torna-se muito mais fácil de fazer, divertida. E como o texto não é de comédia fácil, a máscara ajuda a dar comédia”. Conta que, como o meio é pequeno, as pessoas lembram-se de personagens que fizeram. “Depois da estreia fui a uma mercearia e a mulher da mercearia disse-me: então Mila, estás boa? Somos mais conhecidos um bocadinho, somos os atores aqui da terra”.

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Lá fora anoitece. Neste momento deve estar Marinho a deslocarse para Duas Igrejas para começar o ensaio do Grupo de Teatro de Duas Igrejas. Temos de seguir. Está no palco a movimentar-se de lado para lado Diogo, o único rapaz do grupo, que adora teatro e sabe que “estamos todos no início de um novo grupo”. Que trabalha com máscaras, que inova e cria, com toda a certeza, algo novo na Sobreira. “Gosto de utilizar a máscara porque amplia os movimentos. A máscara tem as sobrancelhas, as pestanas, o nariz, define-nos logo como personagens”. Ficam no palco. Nós saímos. Sabemos que os ensaios vão continuar. As estreias aproximam-se e os atores sentem a necessidade de acertar pormenores, recriar a vida das personagens e aperfeiçoá-las num desejo magistral de criar teatro e arte. À espera de Marinho em Duas Igrejas está Lisete. A segurar num cão…



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Grupo de Teatro de Duas Igrejas

Marinho ainda não tinha chegado. Onde seria o espaço de ensaios? Com a missa vespertina na igreja de Duas Igrejas a decorrer não seria fácil encontrar pessoas para perguntar. No fundo do adro, do lado esquerdo de quem olha o local de culto, uma casa com ar antigo, de pedra, térrea, estores velhos, empoeirados, porta de alumínio com vidro martelado. Ali, somente uma pessoa com um pinscher ao colo. Olhou, o cão arreganhou os dentes, e percebemos pelo sorriso da pessoa que tínhamos encontrado o local de ensaio do Grupo de Teatro de Duas Igrejas. Marinho chegou no mesmo momento, com ele chegaram mais jovens. Abriu a porta e entramos no espaço cedido pela paróquia para os ensaios do grupo. Uma sala não muito ampla, um palco que não é utilizado, pois tem tralhas do grupo de jovens da paróquia, e o soalho, que servirá na estreia da peça Amigos da Onça para organizar as filas das cadeiras azuis, que agora repousam em redor das paredes do salão, serve hoje para os ensaios. Marinho tem a seu cargo a encenação de dois grupos. O de Bustelo e o de Duas Igrejas. Natural de Duas Igrejas, foi Marinho que criou a Associação e o Grupo de Teatro de Duas Igrejas em 2007. “Havia a vontade de criar aqui um grupo de teatro. Fundei a associação, contactei um grupo de pessoas e desse grupo inicial fizemos a primeira peça. Até hoje já estreamos seis espetáculos


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e, hoje, o que ensaiamos, será a sétima peça”, que está em fase adiantada de aperfeiçoamento. O ator mais novo do grupo é Luís que está a gostar imenso do teatro. A seu lado, Fernanda que veio ver, “como uma experiência, era inédito aqui na freguesia”. Agora, a amizade, os laços que criou no grupo “falam alto, gostamos de estar uns com os outros e aproveitamos para fazer teatro, que é algo de que gostamos. As pessoas aqui da terra sabem que fazemos teatro, pois nas estreias aparece sempre muita gente”. Estão a decorrer os ensaios e Marinho interrompe várias vezes os atores para exemplificar pormenores, aperfeiçoar palavras e momentos; ou o ensaio para quando os atores se esquecem de alguma fala e sorriem como o sorriso lhes trouxesse à memória as palavras esquecidas. De viola na mão, a ensaiar, Marcelo cria uma personagem de traços femininos. “O que nos une é a amizade”. No grupo desde a sua génese, Marcelo sabe que hoje o grupo está diferente. Mais unido, mais forte. “No início chegávamos aqui e ficávamos intimidados, tínhamos medo de ir para cima do palco representar. Deste tempo, fica uma grande lição de vida, aprendemos com as peças, com as pessoas, saímos enriquecidos”. O pinscher está no colo de Fernanda. Afinal, Lisete não é a dona do cão que entra na peça pela mão de António que chegará hoje aos ensaios um pouco mais tarde, pois percebeu mal a hora de início. Lisete é dona da gata que também entrará na peça, mas que hoje não veio aos ensaios. Afinal um gato não precisa de ensaiar, “basta que se porte bem no dia. Sempre quis ser atriz para criar bases, melhorar. Confesso que no primeiro dia o Marinho estava a exigir muito de mim e pensei logo em sair. Mas a minha mãe aconselhou-me a continuar. E voltei e estive outra vez para não voltar. Vim novamente e isto hoje é tudo para mim”. Lisete aprende, recria uma arte de quimeras e deixa que o seu sonho ali se realize enquanto imagina outros palcos e outros públicos. “As pessoas sabem que na freguesia existe este grupo. Deveriam ajudar a construir um auditório”, de raiz. Embora as palavras sejam as de Lisete, todos os atores referem o mesmo,

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“No início chegávamos aqui e ficávamos intimidados, tínhamos medo de ir para cima do palco representar. Deste tempo, fica uma grande lição de vida, aprendemos com as peças, com as pessoas, saímos enriquecidos”

“O que nos une é a amizade” “É mais fácil representar o que escrevo, pois tenho a construção da personagem desenvolvida na minha mente. Quando estou a escrever estou a construir as personagens. Se fosse um personagem de um outro texto, teria de interiorizar esses elementos para a poder recriar”


mas o espaço não limita a representação e Pedro movimenta-se nos ensaios com mestria. Desde o início no grupo, para Pedro não há um momento para destacar, “há momentos e o que nos marca também são as pessoas que aqui estão. É uma responsabilidade representar e se estamos aqui, a melhorar a nossa arte diariamente, é para construir algo e aperfeiçoar o que estamos a fazer. Somos outras pessoas a representar. No início, lembro-me, queríamos sair logo do palco, hoje, queremos permanecer”. Diana será estreante como atriz. “Estava com medo quando entrei, mas agora estou de coração no grupo. Desde pequena que gosto de representar. Mas só agora tive oportunidade de participar num grupo de teatro real e estou a adorar”. Marisa Cruz Lopes, quando era pequena, e por influências televisivas e de alguns atores de quem gostava muito, queria ser atriz. “Adoro andar no teatro. Foram laços afetivos que se criaram, mais do que uma responsabilidade é uma forma de descontrair, de rir, de nos enriquecer. Passámos muitos bons e agradáveis momentos. No ano anterior entrei para a faculdade e comecei a trabalhar numa cabeleireira aos sábados em part-time e estava a ser difícil conciliar tudo. Pensei em desistir, mas continuei. Ainda bem. Foi uma questão de me organizar. Agora percebo que seria impossível viver sem este grupo de amigos”. Tânia Ferreira começou no teatro assim que foi fundado em Duas Igrejas. Este ano foi colocada na Universidade de Coimbra, por isso não pode participar. “A distância, o tempo de viagem, tudo isso e entre outras coisas encurtava o fim de semana de tal maneira que não passava tempo nenhum com a família. Mas nunca deixei realmente o teatro. Era bom, tinha melhor efeito do que um SPA, dava simplesmente para relaxar e esquecer o que estava lá fora. Eu gosto e pretendo voltar assim que possível”. António entrou e, com ele, quando a porta que parece pouco segura do salão se abriu, veio o som do adro, da missa que terminava, o ruído de carros e motas, de palavras, de passos. Com ele entrou a luz da noite na pouca claridade do salão e, com ele, entrava um outro

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sorriso cúmplice de alguém que no grupo está desde início e cria uma amizade e forma de estar que une e acolhe as pessoas. E António escreve. É ator e argumentista. A peça que ensaiam foi escrita por António. “Sempre fui criativo e como é difícil encontrar textos para o que idealizamos, decidi escrever o texto”. Os processos criativos nem sempre são fáceis de explicar. António tenta: “Defino o início, depois começo a imaginar o que se seguirá, mas nunca defini qual seria o meio ou o final da peça. Vou imaginando como as coisas vão correndo, de forma aleatória, nunca imaginei as coisas numa sequência lógica, utilizo pequenas ideias que se encaixam naturalmente e criam uma peça”, onde António é ator. “É mais fácil representar o que escrevo, pois tenho a construção da personagem desenvolvida na minha mente. Quando estou a escrever estou a construir as personagens. Se fosse um personagem de um outro texto, teria de interiorizar esses elementos para a poder recriar”. O ensaio está a acabar. Os atores estão cansados, é tarde. António sabe que ainda tem muito para aprender, “é um processo evolutivo. Enquanto tiver inspiração vou continuar a escrever e, um dia, quem sabe, continuar os estudos”. António também sabe que a inspiração nasce do trabalho, de livros, de procuras, de uma dedicação séria e real ao teatro. Tem nesse desejo, enquanto se desligam as luzes fracas e adormecidas do salão paroquial de Duas Igrejas, de continuar a aperfeiçoar as palavras e a dar liberdade à imaginação para o teatro, a partir dele e com quem o acredita como suave momento de prazer, continuar a abrir palcos, luares e estrelas. O pinscher saiu ao colo de Fernanda. Rosnou mais uma vez. A gata virá na estreia. E esperemos que os bichos não troquem os seus papéis. O tempo arrefeceu.



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Grupo de Teatro de Cête – Cêteatro

Hoje é tarde de ensaio geral. Nota-se um certo nervosismo e a nossa chegada, que parece que foi um pouco tardia, era aguardada com ansiedade para não existirem atrasos no último ensaio. No palco da sede do Grupo de Teatro de Cête, Cêteatro, somente quatro cadeiras de cada lado, de um lado os homens, do outro as mulheres, e um ator numa escada a compor as luzes. O Teatro Possível, nome da peça, é um texto maravilhoso de Pedro Estorninho sobre o teatro e como ele atravessa a humanidade até aos nossos dias. Os atores levam-nos nessa viagem de encantos, de imaginação, enquanto uma criança brinca entre as pouco mais de cem cadeiras do auditório que vão encher à noite na estreia, apesar do frio e da chuva. Ariana, a atriz mais nova, não parece nervosa e, para ela, o teatro é um entretimento. Como não gostava de tocar viola e não tinha tempo para tudo, optou pelo teatro e pelo ballet, mas o teatro é algo que a faz sorrir muito, assim um sorriso do tamanho do mundo, como o sorriso de todas as crianças dos outros grupos que vamos ver e ouvir. Não lhe retira tempo o teatro para os estudos e sabe que quer continuar a representar. A seu lado, Aníbal Barbosa, que, com perto de 70 anos, todas as recordações que refere estão ligadas ao teatro. “Quando era mais jovem fazíamos teatro ali nos bombeiros. Eram grupos espontâneos e o teatro desde sempre esteve nos meus gostos e as histórias deste tempo são tantas que não é fácil referir nenhuma em particular”.


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Aníbal, durante o ensaio, coisa que não sucederá na estreia, esqueceu-se de uma das suas falas. “É normal”, como é normal a alegria que transmite quando fala. Como fará à noite, com a casa cheia, sorrir a plateia com as suas palavras. Também quem os fará sorrir é Joaquim Rodrigues, ator e responsável do Grupo Cêteatro. “Tenho sempre uma responsabilidade acrescida. Tenho de ter tudo em ordem, as cadeiras, os adereços para a estreia, pequenas coisas que têm de ser tratados que tenho de ser eu a realizar”. Pormenores que são fundamentais para que os ensaios e as estreias aconteçam. “Quando, em 2006, vim assistir a um ensaio, fiquei a gostar… até hoje”. Joaquim Rodrigues, embora não pareça, é um pouco introvertido e o teatro ajudou a ultrapassar um pouco essa timidez. “Algumas pessoas não conheciam esta minha faceta e algumas ficam admiradas, mas para mim é normal ser ator e, hoje, faz parte de mim estar num palco e representar”. A sala, hoje de tarde, está vazia. Encherá daqui a algumas horas; encherá de pessoas que vêm para ver teatro. Depois da estreia, Joaquim e outros atores do grupo, arrumam a sala, desmontam cenários e deixam tudo em ordem. É sempre assim. O cenário move-se com eles para onde quer que vão. Quem faz teatro por amor tem a capacidade de tudo fazer para o teatro ser possível, como o próprio nome da peça sugere. De histórias, recorda Joaquim uma que, num teatro que nem era comédia, fez sorrir a plateia. “Foi na Sobreira. Estava apertado, e com a peça a decorrer, fui à casa de banho. Não fechei a porta e, como ela era ao lado do palco, no momento que urinava tudo estava em silêncio, imagine o ruído que fiz. Foi riso geral”. Inês Leite, a encenadora, no fim do ensaio geral vai dar notas aos atores, mas essas não sei nem tenho direito a assistir. “O que se passa no teatro fica no teatro. Este trabalho é muito interessante porque lidamos com material humano. Eles, como amadores, amam o teatro e, para além desse lado que pode ser profissional, há uma ligação de amizade com as pessoas, o reconhecimento mútuo do que cada um de nós é, e isso é que é fundamental. E com estes atores, que têm menos técnica, que estão menos formatadas do ponto de vista formal da arte

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“Quando era mais jovem fazíamos teatro ali nos bombeiros. Eram grupos espontâneos e o teatro desde sempre esteve nos meus gostos e as histórias deste tempo são tantas que não é fácil referir nenhuma em particular”

“Lembro-me de uma senhora que passou pelo grupo, mas teve de sair, veio falar comigo a chorar, pois tinha deixado o que era mais importante na vida dela. É preciso ver estas pessoas que se levantam às cinco da manhã, para irem trabalhar e chegam à noite, depois de um dia de rotinas e de corridas constantes, cansativo, e virem para aqui trabalhar numa arte, é algo fantástico, que deve merecer o reconhecimento de todos”


teatral, acontece que, por vezes, criam coisas ou fazem gestos que são totalmente novos, frescos e me colocam a olhar para o teatro de forma diferente”. Por isso sabe Inês que o trabalho de encenadora, mais do que formatar, é um terceiro olho, de olhar de público, embora “a encenação seja dar-lhes formação técnica, estimular do ponto de vista artístico, de novos horizontes, e de acompanhar e proteger os atores nas suas capacidades artísticas, exigindo sempre mais deles”. Por isso Inês Leite faz avaliações, diz o que podem melhorar, como têm de agir para melhorar, como podem crescer na arte teatral. Em Cête, este grupo cria públicos, cria a necessidade da arte do teatro, faz serviço público. Mais, faz pensar, cria afetos, transforma o mundo, une este espaço a centros tidos como cosmopolitas. Serve para as pessoas se recriarem. “Lembro-me de uma senhora que passou pelo grupo, mas teve de sair, veio falar comigo a chorar, pois tinha deixado o que era mais importante na vida dela. É preciso ver estas pessoas que se levantam às cinco da manhã, para irem trabalhar e chegam à noite, depois de um dia de rotinas e de corridas constantes, cansativo, e virem para aqui trabalhar numa arte, é algo fantástico, que deve merecer o reconhecimento de todos”. Já faltam menos de três horas para a estreia. Temos de os deixar. Vão jantar, alguns juntam-se, outros jantam com a família, outros com amigos e, uma hora e meia antes da estreia, reúnem-se novamente para repousarem e se concentrarem na arte, no Teatro Possível. A sede do grupo fica por momentos calma, sem atores. Quando, na noite fria chegamos, e uma chuva miudinha cairia no fim da peça, já um grupo de pessoas esperava pela estreia. Começaria na porta, com um certo ruído inicial, alguns atrasos, numa plateia que encheu. “O teatro são estes momentos, são todos. Não falto a nenhuma estreia”. Não podemos atrasar. As crianças esperam-nos, não nesta noite, noutra, no dia a seguir, mas com os mesmos sorrisos da criança que no ensaio geral imaginava uma máquina fotográfica nas suas mãos e, a brincar, continuava a tirar fotografias e encantos que só ela conseguia ver.

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Grupo Teatro Infanto-Juvenil de Baltar – Associação Clube Jazz de Baltar São as crianças que conseguem sempre criar o inesperado, reinventar o teatro nos movimentos. No Grupo de Teatro Infanto-Juvenil de Baltar, num espaço nobre, novo, onde iniciam os ensaios, crianças e jovens falam muito, mexem nos vestidos que alguém trouxe, experimentamnos, algumas vestem os fatos ao contrário e vão novamente trocálos, enquanto Ana Perfeito, a encenadora, diz que está na altura de começar o ensaio e que o podem fazer já com as novas roupas. A Margarida vai trocar o vestido verde pelo azul da Inês. Agora sim, está tudo pronto para começar o ensaio e as notas musicais que cobrem os fatos coloridos já estão viradas para o sítio certo, na parte da frente, e parece assim que as crianças são música, são pautas e arco-íris que encantam no palco. O espaço do BaltarArte é novo, ainda cheira a verniz, a novo, e há um certo pó no ar. Já é noite, as crianças amanhã têm aulas, e não podem estar até muito tarde no ensaio. Sentada num dos cantos da bancada, a mãe da Beatriz e da Margarida espera pelas filhas. “Temos de coordenar os horários, trazê-las e esperar por elas. Elas adoram”. Vamos lá então ao ensaio, primeiro às músicas que cantam com entusiasmo, depois à peça que se desenrola num reino que se escreve assim: lagutroP. A peça intitula-se O Pequeno Conselheiro do Rei, é de Paulo Sacaldassy, uma peça infantil, que nos leva pela música e pela liberdade, pelos sonhos das crianças que querem ser livres, por

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sorrisos e muita cor. “É muito gratificante ensaiar crianças. Mais do que um projeto teatral, é um projeto de crescimento humano. Vejoos a crescer não só a nível físico, mas também a nível de relações. Ficam completamente diferentes”. Ana Perfeito tem um sorriso também de criança, vivo, que transmite alegria ao grupo. “Vejo-os a perder o medo do palco, as evoluções individuais e as que acontecem em conjunto. Estão muito motivados e têm uma capacidade de memorização enorme”. Ensaiam uma vez por semana e é admirável que, com tão poucos ensaios, tudo pareça tão coordenado. “Não posso prejudicar a vida escolar deles, embora os pais colaborem em tudo, mesmo nas roupas, nas maquilhagens, estão sempre disponíveis. As crianças estão motivadas e é daqui que podem nascer talentos. O objetivo não é esse, mas se acontecer… fantástico”. Todas levantam a mão quando se pergunta se querem seguir teatro. Começam a chegar outras pessoas. A noite já teve o seu início há mais de uma hora. Talvez seja este o momento em que Cidália pegue na caixa de chocolates e saia de casa para o espaço do BaltarArte. O ensaio decorre, acertam-se pormenores, Ana faz os gestos amplos com eles, para eles verem como se faz; eles repetem os movimentos, sempre mais pequenos, os braços não chegam tão longe, mas com esse sorriso do tamanho do mundo, e livre. Cantam e falam, as vozes estão quentes. Joana, a mais nova do grupo, com uns pequenos cinco anos, sorrirá sempre enquanto abana a cabeça e afirma, com gestos, que gosta de fazer teatro. Nenhum deles está habituado a falar de teatro. Há perguntas que nunca lhes tinham sido feitas e a resposta não parece ser fácil. Gostam de representar e isso é o mais importante. Filipe, o mais velho do grupo, com 14 anos, sabe que o “teatro o ajudou a falar melhor”. Beatriz adora representar e o tempo que passa nos ensaios nada afeta os estudos, ajuda a ter regras, a decorar, a aprender formas diferentes de estar com outros. Tiago, que é o menino que foge na peça, que quer a liberdade, também tem essa liberdade no que diz, no que o teatro ajuda na escola. As 14 crianças ali reunidas, 10 meninas, quatro

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“É muito gratificante ensaiar crianças. Mais do que um projeto teatral, é um projeto de crescimento humano. Vejo-os a crescer não só a nível físico, mas também a nível de relações. Ficam completamente diferentes”


meninos, todas têm um nome que não interessa escrever, interessa sim deixar que sorriam e que o teatro desenvolva esse ânimo livre que o Tiago representa na peça. Na Joana, o rosto é de sono e os olhinhos ficam pequeninos. Os pais já todos chegaram para levar os filhos. Amanhã o dia é de aulas, mas a noite e os sonhos será de teatro, de músicas, de palavras e muita cor. As histórias que não contam, guardam-nas nas quimeras e nos desejos que ficam gravados no brilho do olhar. No espaço do BaltarArte, atores do grupo de teatro de adultos esperam. Junto à saída há uma placa com a data de inauguração do edifício. Vinte e três de julho de 2011. Novo, nobre, espaçoso, luminoso. Está frio lá fora. As crianças vestem agasalhos quentes e começam a sair. Talvez seja este o momento que Cidália sai de casa com a caixa de chocolates, que as crianças já não vão ver, numa das mãos. É esta doçura que Cidália transporta na noite que as crianças levam para o sono e para os sonhos. É esta doçura que o teatro lhes dá e permanece…

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Grupo de Teatro de Baltar – Associação Clube Jazz de Baltar Cidália Pereira ainda não chegou. Por isso ainda ninguém tem chocolates. Entrará quando as crianças adormecerem. Agora é tarde e os atores do Grupo de Teatro de Baltar, que são 16, estão preparados para iniciar o ensaio. Ana Perfeito também é a encenadora deste grupo e, embora os métodos de ensaio sejam diferentes, Ana mantém o rosto que transporta de criança e das crianças. Está com o grupo desde o início e alguns dos atores vieram do grupo infantil. Filipe é o único que ensaia nos dois grupos. Claro que ensaiar adultos é mais difícil do que crianças. “São mais teimosos e como em Baltar têm muitas atividades, envolvem-se em tudo e não é possível fazer tudo ao mesmo tempo”. Talvez seja por isso que este ano ensaiam uma comédia e como no ano passado apresentaram uma tragédia, e para tragédia já basta a vida, a comédia foi a opção. “As crianças decoram mais facilmente as canções e os textos”. Ana Perfeito vive intensamente e de forma emotiva com os grupos que ensaia, que são três. Do outro falaremos mais à frente e ela nesse não estará presente. “Sinto-os como uma família. Já chorei por causa deles, como me ri muito por causa deles. Cada espetáculo é um mar de emoções, de ansiedade, que parece que nunca é possível, mas depois é e vive-se uma experiência de vida constante, como se estivesse sempre em renovação”.


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Tudo neste grupo passa por uma grande amizade. Miguel Silva entrou para o grupo há três anos. “Sempre gostei de teatro e como andava aqui um bichinho a moer, cá estou… só se a vida não permitir”. Serralheiro, os ensaios noturnos não interferem na árdua profissão. “Chego a casa, tomo uma chuveirada, arranjo-me e venho. É uma forma de me descontrair um pouco, esquecer os problemas da vida. Divirto-me, ensaio, converso”. O grupo tem 16 pessoas. Ana sabe que têm adoração “por isto. Aqui não é só o trabalho de ator, são todos os trabalhos, os cenários, as roupas, tudo, e isso é o que torna estes grupos famílias, pelas ligações e afetos que criam uns com os outros”. Para todos o grupo representa a vida, representa “muito”, diz Maria da Glória. “Muitas vezes estamos chateados da vida e aqui esquecemo-nos de tudo”. É no Grupo de Teatro de Baltar que está a pessoa mais idosa de todos os grupos do Paredes com Teatro. Maria Inocência tem mais uns anitos acima dos setenta e “enquanto puder e tiver a capacidade de decorar, não vou deixar o teatro. Gosto disto, faz parte de uma cultura que temos de ter, que aprendemos, divertimo-nos juntos, sinto o grupo como uma família. De noite, quando acordo, recordo o texto e as falas. Sou sempre a primeira a decorar tudo. Aqui aprendemos a falar, arranjamos amigos e é espetacular”. São estas palavras que traçam de forma muito clara e sentida o sentimento global dos grupos. O ensaio ainda não começou. Cidália entra agora com a caixa de chocolates, não traz com ela a noite, traz doçura que percorre todos os elementos do grupo. “Aqui o trabalho é muito significativo porque é cultura e leva-me a outros horizontes. Trabalho com crianças no dia a dia, e muitas das atitudes que a nossa encenadora nos transmite podem ser levadas para os outros. Aproveito isso no meu trabalho. Estamos sempre a aprender, a Ana torna tudo simples, sinto-me lindamente e viver com ela e com estas pessoas o teatro é maravilhoso”. O sabor do chocolate silenciou por parcos momentos o espaço. Há um sabor que permanece nas palavras e nas atitudes de todos. Há linhas comuns

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“Trabalho com crianças no dia a dia, e muitas das atitudes que a nossa encenadora nos transmite podem ser levadas para os outros. Aproveito isso no meu trabalho. Estamos sempre a aprender, a Ana torna tudo simples, sinto-me lindamente e viver com ela e com estas pessoas o teatro é maravilhoso”

“Este grupo é basicamente uma família. Para nós o ensaio ao domingo é o início de uma semana fresca”

“Sinto-os como uma família. Já chorei por causa deles, como me ri muito por causa deles. Cada espetáculo é um mar de emoções, de ansiedade, que parece que nunca é possível, mas depois é e vive-se uma experiência de vida constante, como se estivesse sempre em renovação”


de pensamento. “O teatro não interfere na minha vida. Muito pelo contrário, o teatro enriquece a vida profissional, porque aprendemos a trabalhar uns com os outros, a darmo-nos, a deixar que os outros também se deem e levar isso para o nosso trabalho é algo muito bom. O teatro é a vida e é a vida que nos enriquece”. Posso estar a ser injusto, mas neste grupo Cidália, e não será pelos chocolates, tem o dom da palavra, de um olhar azul que contagia a noite. Histórias? “São tantas… mas houve uma que me marcou. Fizemos uma formação de teatro e, quando estávamos a fazer um jogo onde tínhamos de morrer e representar a morte, uma das nossas colegas morreu e nós pegamos nela e colocámo-la num canto. Lá ficou ali de barriga para o ar, morta. Tínhamos de arrumar mais cadáveres e pegamos mais num e lá o atiramos para o lado. Caiu em cima dela. E ainda recordo as palavras que disse: era preciso morrer para ter um homem em cima de mim!”. São histórias que marcam todos os momentos do teatro. As deixas que se esquecem, passar a peça três páginas à frente, alguém que se esquece de entrar em palco, algum objeto que se parte, o cenário que se move quando não deve, entre muitos outros momentos que fazem sorrir atores e, raramente, o público, pois não se apercebem. Ana Perfeito sabe que quando essas coisas acontecem, como encenadora, não pode interferir. “Mas eles resolvem sempre de forma muito criativa, surpreendente”. Os chocolates terminaram. O ensaio vai começar. Ana Perfeito pede um esforço e uma dedicação extra, pois a estreia aproxima-se. Os ensaios começam agora a ser aos domingos e às segundas à noite. Definem o dia para irem comprar as roupas a uma dessas cadeias de lojas conhecidas e baratuchas. Luís Cruz, que veio do grupo infantil, está disponível, embora estude no Porto. Está no primeiro ano da faculdade. “Este grupo é basicamente uma família. Para nós o ensaio ao domingo é o início de uma semana fresca”. Imagino que com ensaios aos domingos e segundas a semana seja duplamente refrescante. “Para quem tira um curso superior, o teatro favorece-nos. Além de uma pessoa se divertir,

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modifica as pessoas, mesmo nas relações com os outros. O teatro não interfere na minha vida nem nos meus estudos. Faz parte da minha vida e do que estudo. Temos este compromisso e temos de pensar em todas as pessoas que aqui estão. Com uma organização responsável tudo se consegue”. Luís, no seu décimo oitavo aniversário, esteve com o grupo em Mondim de Basto numa representação, “e foi um grande dia, o melhor dia de anos que podia ter”. O ensaio a decorrer, Ana Luísa, que está no 12.º de escolaridade, diz que quer seguir Psicologia. “Estou aqui abstraída do mundo exterior e dedico todo o tempo que tenho ao teatro”. Mas Ana Perfeito agora está a ensaiar, todos têm de estar concentrados, pois a peça ainda precisa de um trabalho “dantesco” para estrear na data prevista. A noite entrou nela e vai daqui a algumas horas dar lugar ao dia. O ensaio prossegue, quase todos ainda com os papéis da peça na mão. Cidália trouxe um bigode e barba, fará de homem, e o ensaio decorre com Ana a marcar os pontos que se devem alterar, a definir espaços e todos os pormenores. Vamos sair. O ensaio continuará. Está muito frio. Mas o sabor é de chocolate, de amizade e da boa disposição contagiante.



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Grupo de Teatro da Associação Social e Cultural de Louredo — Rui, o que fazes quando entras? — Ah! Esqueci-me… — Não te podes esquecer. — Era a vénia. — Não adormeçam em cena, concentrem-se. Não sejam trapalhões. Virem-se para a frente. Joana Morais já vai com o ensaio adiantado quando dá estas indicações. No espaço da Associação Social e Cultural de Louredo, sete atores movem-se sob as palavras constantes de Joana, a encenadora. “É o primeiro ano que estão comigo. Este grupo tem mudado muito de encenador. Começamos os ensaios há seis meses, e ainda há muito para fazer. Eles são muito novos”. São sete atores que sorriem constantemente das próprias deixas, que se esquecem do que têm para dizer, mesmo com o guião nas mãos. “A questão é convencê-los a decorar o texto, pois só depois de decorar o texto é que se consegue trabalhar. Temos de os libertar do papel para as personagens evoluírem. E, apesar de serem todos muito novos, conseguem ter uma criatividade imensa. Mas acho que estamos a trabalhar bem e no sentido correto”. Claro que num sábado de tarde ter todos os atores disponíveis para o ensaio não deve ser tarefa fácil. O sol ameno e quente convida a outros momentos, e eles têm de estar ali concentrados num trabalho que sabem que é, depois da peça decorada, de imaginação e criatividade.

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Numa breve pausa, reunidos à volta de uma curta mesa, todos deixam palavras. Sofia é a grande dinamizadora do projeto e é por causa dela e devido ao seu irmão, Rafael, que todos estão ali. Está no grupo desde o início. Hoje, desempregada, gosta “muito de representar. O teatro representa um desafio, a possibilidade de ter futuro”. Ao lado de Sofia, Cátia. Está a tirar o curso de enfermagem e não tem sido fácil, neste início de licenciatura, conciliar estudos e teatro. O grupo realiza os ensaios conforme a disponibilidade de Cátia. “O grupo é uma forma de sair da minha personalidade, do que sou, para representar outro tipo de pessoas, e talvez ganhar novas experiências e melhorar a minha própria personalidade. Depois são os amigos que fazemos e conhecemos novas facetas dessas pessoas”. Embora Cátia ainda não tenha pensado que pode ligar enfermagem ao teatro, pensa que representar a pode ajudar a ser mais desinibida, a ter uma relação diferente, no futuro, com os utentes. “Mas não sei, ainda falta muito tempo para acabar o curso e a certeza, neste momento, é que o teatro também é para continuar”. Ao lado de Cátia permanece Rui, sempre num olhar muito maroto, distraído, como se fosse esquecer novamente da sua vénia quando entra em cena. Rui não fala muito e simples monossílabos respondem às perguntas. É a primeira vez que representa, gosta, estuda e o teatro não interfere nos estudos, não gosta muito de falar e, como é fácil perceber, ainda vai ter de decorar o texto. O grupo é de jovens, todos com olhares misteriosos, de teatro, de atores que querem aprender. Dos sete elementos do grupo, quatro estão pela primeira vez no papel de atores. Catarina está nesse papel e gosta “de conviver com os amigos e representar. Quem insistiu para eu vir para aqui foi a Sofia. Pedi aos meus pais, a minha mãe não queria que eu viesse por causa da escola, mas o meu pai deixou, fui vindo, e depois ela concordou. Queria muito vir para o grupo”. Separada da mesa, está a mãe de Bibiana. Assiste aos ensaios e ouve a filha que diz que a experiência tem sido fantástica. “É a primeira vez, mas quero continuar e o teatro não interfere nos estudos”. Ao lado, Pedro: “Queria fazer teatro e estou a gostar muito. Pensei que fosse um pouco diferente, o texto é um pouco difícil de

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“Olhe, podia estar a arrumar a casa e tenho de vir atrás dela, tenho de a trazer. É sempre um transtorno. Mas é muito interessante e, para ela, como é muito trapalhona a falar, não se explica muito bem, o teatro tem-na ajudado a melhorar. Tem de ter métodos, de estudar, decorar. Tem os amigos”


decorar, mas já está quase e não sinto que o teatro interfira nos estudos”. Rafael, no grupo há três anos, acha que “todos representam muito bem e, sinceramente, gosto muito”. Os ensaios vão continuar. Rui tem de estar atento enquanto Bibiana entra em palco. — Zaca, zaca, dirá Rui várias vezes e voltará a repetir enquanto Joana indica a entoação, a forma como tem de se colocar em palco. — Têm de decorar o texto. E, enquanto os ensaios decorrem, Helena, mãe de Bibiana, fala dos pequenos atores. “Olhe, podia estar a arrumar a casa e tenho de vir atrás dela, tenho de a trazer. É sempre um transtorno. Mas é muito interessante e, para ela, como é muito trapalhona a falar, não se explica muito bem, o teatro tem-na ajudado a melhorar. Tem de ter métodos, de estudar, decorar. Tem os amigos”. Claro que Helena, já que vem acompanhar a filha, coloca a possibilidade de um dia também poder vir a fazer teatro. Mas mais importante é acompanhar a decisão da filha e apoiá-la. “O que lhe digo é quando se toma uma decisão, temos de ter responsabilidade, não faltar porque dependem uns dos outros e depois tem de se esforçar ao máximo para que tudo saia minimamente bem. Por causa de um não pode sofrer o grupo todo”. Helena trabalha e sabe que todos estão um pouco dependentes dos horários da Cátia. “Mas tento estar sempre disponível. Gosto imenso de teatro, das peças que aqui se têm feito e das que outros grupos vêm aqui representar. Há pessoas aqui em Louredo que estão sempre a perguntar quando é que é a estreia. As pessoas gostam destas atividades e empenham-se. Aqui estes pequenos atores têm tudo para se desenvolverem”. Helena sorrirá novamente quando Joana Morais se levanta para novamente dar indicações. Em cena Catarina faz de macaco e o sorriso dos atores é contagiante. Sabem todos que não poderá ser assim, que a concentração tem de ser diferente, que o texto tem de ser decorado. Mas, como dirá Joana, “eles são talentosos”. — Decorem o texto…

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Grupo de Teatro os Expansivos – Lordelo Estes são adultos, mas também ainda não têm o texto decorado. — Concentrem-se, então? Mas eles sorriem na mesma. — Ó menina respira fundo. Sorriem. — É para hoje? Sorriem. — Gente, qual é a dificuldade? Respirem fundo. Eles sabem que têm de respirar fundo, mas a peça tem essa magia e, por vezes, nalguns momentos, o riso torna-se contagiante. — Vejam o texto. O texto é independente da ação. Prosseguem os ensaios. — Atenção, em câmara lenta. Outra vez, é a última vez. Tu estás muito em cima deles. Inês Leite, a encenadora, explica tudo de novo. — É divertido, eu sei. Façam cara de maus, não sorriam, está a doer para caraças. Pega na vassoura André e põe-te de pé. Última vez. Concentrem-se. Inês Leite move-se entre eles, faz gestos, repete as deixas, exemplifica, deixa que a liberdade deles crie personagens, fala continuamente e deixa no ar linhas de palavras que se parecem repetir na sede do Grupo Cultural e Recreativo de Lordelo Os Expansivos, conhecidos em Lordelo pelos Os Expansivos. É noite e,


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na sede, junto ao parque da cidade, somente as vozes dos atores e o silêncio da noite quebrado pelo mutismo das luzes amarelecidas do exterior. No interior, o espaço é alvo, e algumas vitrines guardam a história desta associação. Conta Sérgio Machado, ator e responsável pelo Grupo de Teatro Os Expansivos que o grupo de teatro nasce quando, em 1980, é formado o Grupo Cultural e Recreativo de Lordelo Os Expansivos. “Quando foi formada a associação, existia um grupo de jovens que se unia para ensaiar teatro. Foram eles que resolveram criar a associação para formalizarem o que faziam”. Durante quatro anos o teatro teve vida. Mas, tendo a associação também folclore, que requer muito tempo e muito trabalho, decidiu-se parar com o teatro. “Seria para parar pouco tempo, mas foram 20 anos. Em 2006, com uma nova direção recém-eleita, resolve-se reavivar o teatro. A Câmara Municipal de Paredes fez-nos o convite, nós aceitamos e, desde 2006, tem sido sempre a crescer”. Sérgio não fala alto. Tem duas meninas, uma de nove anos e outra de nove meses. Sabe que ambas já dormem e, talvez por isso, não fale muito alto, não vá acordar a sua bebé. O teatro para Sérgio, mesmo quando assume em 2006 a direção do grupo, era somente para gerir, “nem sequer me passava pela cabeça ser ator. Fui convidado pela Inês e decidi experimentar e, hoje, é uma das minhas grandes paixões”. Constituído por 11 atores, e por outras pessoas que ajudam para que o teatro seja possível, o grupo veio cobrir uma lacuna que existia em Lordelo. Sérgio, como outros dos atores, trabalha. É operário numa empresa de móveis e o teatro não interfere na sua vida profissional. “Interfere na minha vida familiar. Devia estar lá…”, mas elas dormem em silêncio. “A vida real também é um bocado de teatro. No dia a dia muitas vezes representamos. E aqui em Lordelo todas as pessoas nos conhecem. Alguns dos atores são novos, todos os anos há renovações, a própria vida profissional e familiar interfere e o elenco é diferente todos os anos. Mas tudo tem corrido muito bem e queremos todos continuar”.

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“A vida real também é um bocado de teatro. No dia a dia muitas vezes representamos. E aqui em Lordelo todas as pessoas nos conhecem. Alguns dos atores são novos, todos os anos há renovações, a própria vida profissional e familiar interfere e o elenco é diferente todos os anos. Mas tudo tem corrido muito bem e queremos todos continuar”

“Sei que os atores têm responsabilidade pelo que fazem, pelo teatro. E sentem depois prazer do teatro. Sei que é cansativo e exigente, as pessoas têm os seus trabalhos e isto exige muito deles. É incrível a força destas pessoas”


A Sérgio, em palco, já aconteceu um pouco de tudo. Já ficou sem luzes e improvisou durante dois minutos sem que o público se apercebesse que aquilo não fazia parte da peça. “No ano passado, em Cête, tive uma branca terrível. Desatei a rir no palco, as pessoas aperceberam-se e todos se começaram a rir”. Claro que para Inês Leite, que encena, se vê estas situações, poderemos dizer que está explicada a frase que afirma: “Um encenador sofre três vezes mais do que os atores”. Mas, agora que ainda decorrem os ensaios, o riso do momento passou, Inês sabe que alguns atores ainda estão a decorar o texto, os atores ainda estão a aprender técnicas úteis ao próprio espetáculo. “Alguns sentem mais a pressão, outros estão mais relaxados, mas no dia da estreia o meu trabalho está feito. Depois o trabalho e a responsabilidade é deles. Tento que os grupos sejam um bocadinho independentes, que aprendam a estar sozinhos. Os grupos têm uma vida ativa para além do próprio espetáculo e as pessoas que aqui estão sabem o que têm de fazer e sabem que têm de continuar, que têm de trabalhar. Se não tivessem passado por esta experiência seria diferente”. Há rotinas que se aprendem e que vão ficar no grupo: os aquecimentos, as dinâmicas próprias de um grupo de teatro, o criar relações. “Há empenho deles para que o grupo funcione e a ideia é que sejam independentes. Digo-lhes sempre que a parte mais fácil do teatro é decorar o texto. A parte mais difícil é, depois de saber o texto, estar em palco e agir como personagem que tem de conhecer todas as outras. E quando as pessoas já sabem o texto de cor, têm mais prazer, ganham mais energia, a peça ganha outro ritmo”. Enquanto a bebé dorme, Sérgio continua a ensaiar. — Isto ainda não acabou… Para Inês, este tempo, ser encenadora destes grupos, deste e do de Cête, tem trazido uma experiência de vida diferente. Conheceu uma nova região, uma realidade diferente do país, os contrastes. “Aqui aprendo a ser encenadora pela prática, aprendo sobre as pessoas, a conhecer, a humanidade, avalio alguém pela observação, vejo as pessoas a desenvolverem-se ao longo do tempo. Sei que os

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atores têm responsabilidade pelo que fazem, pelo teatro. E sentem depois prazer do teatro. Sei que é cansativo e exigente, as pessoas têm os seus trabalhos e isto exige muito deles. É incrível a força destas pessoas”. É noite profunda e continuam os ensaios. Sabem que o tempo da estreia aproxima-se. Andreia, que é nova no grupo, uma substituição de última hora, “porque uma colega teve de sair porque entrou na universidade e eu, como saí, entrei no teatro”. Licenciada em ciências da nutrição, sem trabalho, Andreia dedica-se ao teatro. “Sempre gostei de teatro, embora nunca tenha feito parte de nenhum grupo. Podemos fugir um pouco da realidade e fingir que somos outras pessoas, que não estamos desempregados… e existe depois o convívio do grupo”. Andreia está rouca, mas tem um olhar muito livre. Embora tenha aparecido “por acidente, estou a gostar imenso desta experiência”. Como também faz parte da vida de André o teatro. Técnico de gestão industrial, a trabalhar em Paços de Ferreira, “gostaria imenso de deixar a profissão para se dedicar somente ao teatro”. Teve já em França, depois de um casting em Paredes, onde foi escolhido, a trabalhar com um grupo de teatro francês. “Para mim o teatro é uma filosofia de vida. O meu objetivo é seguir teatro, ser ator, ser encenador”. Com estas palavras é fácil perceber o que significa este grupo para André. “Sinto-me mais completo com eles”. Histórias? “Na minha primeira peça, embora tímido, decidi durante um espetáculo fazer umas caras que normalmente não fazia nos ensaios. Todos começaram a sorrir em cena e o público começou a perceber que aquilo não estava programado”. Agora, na noite, que os ensaios terminaram, fica o silêncio, a voz de Andreia, a paixão de André e Inês pelo teatro, e Sérgio, já em casa, a olhar a filha adormecida.



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Grupo de Teatro da Associação Juvenil Xisto – Aguiar de Sousa Anoitece e com a noite chega o frio. E nunca pensei que tivesse a mesma sensação de Emílio Gomes, encenador do grupo de Teatro da Associação Juvenil Xisto. Quando, na estrada, “vinha de noite, sempre com os máximos ligados, cada vez mais no meio do mato, a tabuleta a dizer Aguiar, sempre a subir, parecia mesmo quase no fim do mundo”. Não imaginava que Aguiar de Sousa ficasse entre serras, entre árvores e árvores, aldeia quase escondida, entre Porto e Paredes, assim encantada numa rusticidade pouco habitual mas que guarda a simplicidade do tempo e das palavras, mesmo quando pergunto onde fica a sede do grupo num café ruidoso e me indicam que é perto, “depois de uma casa branca vira à esquerda”. A indicação era precisa, mas encontrar a sede levou as suas voltas pelas árvores que rodeiam Aguiar de Sousa que parece ficar esquecida entre montes. A sede da Associação Juvenil Xisto fica arrecadada numa antiga escola. É velha, acanhada, escondida numa encosta fria, rodeada de plátanos dourados de outono, um dos vidros está partido, um espaço que parece esquecido. Lá dentro Emílio Gomes ensaia. A voz de Emílio afaga a noite e a imagem de desolação da sede. Há matraquilhos, uma espécie de balcão, dois sofás amarelos empoeirados, um espelho que não esconde as persianas estragadas, cadeiras e uma mesa de pingue-pongue ordenada num canto, dois aquecedores frios, placares de cortiça. Se fosse somente pela sede da Associação Juvenil de Aguiar de Sousa Emílio Gomes não ficaria de certeza a encenar o grupo. Mas os

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espaços ganham vida com as pessoas, com as palavras e gestos que percutem a noite e dão outro colorido ao baço da sede. “Estou com este grupo há quatro anos e todos os anos há alterações nos atores”, o que mostra que o grupo se renova. Bastante jovem, constituído por 11 meninas, conta Emílio que quando chegou eram todas “muito verdes. Tentei cada ano dar um passinho maior para melhorar a capacidade de interpretação das pessoas, não para criar atores, mas criar teatro para a comunidade”. Como esta experiência corria bem, Emílio tentou este ano fazer um espetáculo diferente, ligado ao teatro do absurdo. Contudo, o texto era bastante complicado e viu que o trabalho não corria nos moldes pretendidos e que os atores não estavam a gostar. Então, deitou mãos à obra e escreveu uma peça que vai de “encontro ao que elas vivem”. Escrita por Emílio, sobre a adolescência, como sátira às novas gerações, o grupo ganhou outra vida e são as próprias atrizes que, de certa forma, também dão colorido à peça, às frases, pois existe essa liberdade para apresentação de ideias e de transformação de texto que se encontra aberto. Chegam mais três atrizes e a sede deixa de ter pó, deixa de ter vidros partidos e ganha a vida das pessoas. Por isso os espaços não são fundamentais quando se quer criar, inventar. Ali, em Aguiar, um grupo que consegue fazer teatro, dança, folclore e outras atividades, não precisa de uma grande sede, pois mostra no que desenvolve uma paixão única para manter tradições e criar, entre serras, um trabalho louvável. Emílio sabe que os quatro anos ligado ao grupo de Aguiar têm sido de aprendizagem, do que se fez, do que podemos fazer, encontrar processos de melhorar e ensinar. “Fui-me afeiçoando às pessoas, existe uma boa relação entre nós. Não estou aqui para formar atores, mas talvez para formar pessoas”. Todas as atrizes do grupo trabalham ou estudam no Porto. Mas mais importante do que a vida de cada um, é o espírito que se cria. “Todas deram um salto tremendo. É um projeto criado para a comunidade e interessa que as pessoas se divirtam. Temos de nos adaptar ao que existe. E a função da associação está também

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“Não temos espaço para atuar, mas mesmo sem espaço, o trabalho que desenvolvemos é reconhecido e as pessoas aderem muito mais do que pensávamos no início”

Escrita por Emílio, sobre a adolescência, como sátira às novas gerações, o grupo ganhou outra vida e são as próprias atrizes que, de certa forma, também dão colorido à peça, às frases, pois existe essa liberdade para apresentação de ideias e de transformação de texto que se encontra aberto.


relacionada com as regras que as próprias pessoas de Aguiar respeitam quando assistem aos espetáculos”. A presidente da Associação de Xisto, Ana Sousa, sabe que a associação nasceu para oferecer aos jovens formas de ocupar os tempos livres. Mesmo com pouco tempo livre, “pois dou aulas e estou a tirar outro curso”, Ana Sousa não desiste. “Não temos espaço para atuar, mas mesmo sem espaço, o trabalho que desenvolvemos é reconhecido e as pessoas aderem muito mais do que pensávamos no início”. Ana adora representar papéis diferentes daquilo que é, “outras personagens. Representa uma fuga para outra realidade. Gosto muito de ler para me colocar no papel das personagens e o teatro é projetarme numa outra vida, numa outra personagem. É por à prova as minhas capacidades porque são sempre desafios completamente diferentes de ano para ano e é um desafio que me atrai”. Depois, o teatro ajuda na vida profissional. “Sou muito expressiva e os meus alunos dizem que eu falo de pessoas como se as conhecesse. Estou muito à vontade, sei projetar a voz, cativar a atenção dos alunos para determinados aspetos. Noto uma grande diferença entre nós, o que eramos quando começamos e o que somos hoje”. E um dia, quem sabe, pode ser que escreva uma peça, pois “se tivesse descoberto o teatro mais nova talvez tivesse seguido o teatro”. Interessa que o segue hoje, não de forma profissional, mas com paixão e profissionalismo amador de quem encanta enquanto faz de rapaz reguila na peça que ensaiam nos sofás empoeirados. Com ela, Daniela, irmã de Ana, que sente que o teatro a ajudou no desenvolvimento pessoal, “na interação com outras pessoas, na dicção. E existe o convívio, encontramo-nos com amigas. Todas trabalham fora e é uma maneira de nos encontrarmos”, e de colocar as conversas em dia. Andreia também ali está e “está a gostar da experiência”. O encenador que, apesar de ter feito outras experiências, é a primeira vez que desenvolve um texto de raiz para ser representado, sabe que estes projetos são essenciais e “deviam existir em todo o país”. Está noite, muito frio. Quem imagina que em Aguiar de Sousa, à noite, em amizade, num espaço frio que se esquece entre palavras, entre montanhas, se cria teatro?

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Tru’peça – Associação de Teatro de Rebordosa E poucos também conseguem imaginar que ao mesmo tempo que o grupo de Aguiar de Sousa ensaia, em Paredes, na nobre Casa da Cultura, se inicia a representação da peça Casa, não casa?. A história é simples: Júlio, apaixonado e sonhador, tem o coração dividido entre duas paixões: Isabel e Luísa. Um dia as paixões e indecisões de Júlio revelam-se num suceder de histórias rocambolescas e de sorrir. Em cima do palco, uma mesa, um candelabro, cinco velas acesas, quatro cadeiras e… uma urna. No auditório da Casa da Cultura de Paredes as pessoas esperam o início da peça. Depois da estreia em Rebordosa, é a segunda vez que sobem ao palco para a representação. Atrás do palco há ansiedade. “Estamos ali atrás todos quase enlatados, mas temos aquela energia que é difícil explicar. Estamos todos em silêncio, sentimos a energia do público, porque ouvimos o murmúrio, e queremos entrar, que a peça comece”. Pedro, que representa Júlio, está calmo no fim da peça. Representar paixões, dúvidas, amores, não é fácil, mas o papel encantou o público, como encantou a representação de todos os outros atores. Num outro palco, Ana Perfeito, a encenadora, representa em Viana do Castelo. Não está presente, mas todos a sentem como parte de um grupo que se assume como família. Pedro é reservado, é estudante universitário e o teatro trouxe-lhe outra forma de encarar a vida, “outra forma de ver, interação com outras pessoas. Pensei

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seguir a vocação pelo teatro, mas acabei por desistir”, situação que parece acompanhar quase todas as decisões dos atores amadores. Pedro usa bigode curto. “Ando diariamente com a barba grande, no dia da peça faço-a e deixo o bigode. Não gostei muito da ideia do bigode, mas agora não me importo”. No fim da representação, enquanto alguns atores começam a desmontar o cenário, outros falam com pessoas conhecidas do público, cumprimentam-se. Entre os atores está Ana Isabel. “Antes de entrar em palco sente-se muita ansiedade, nervosismo, pensamos que vai correr tudo bem. As pessoas, o público, estão ansiosas por saber o que vai sair dali e nós estamos ansiosas para ver se vamos agradar ao público. E, no fim, sinto muita alegria, felicidade, emoção, ficamos satisfeitas pelo trabalho que realizamos”. Aluna universitária como Pedro, Ana Isabel queria seguir teatro, não seguiu “porque sabemos que isto não dá futuro. Vou-me formar noutra área, mas mais tarde é um sonho que quero prosseguir. É o meu futuro e hei de tirar um curso de teatro”. A Tru´peça, Associação de Teatro de Rebordosa, são 15 atores. Há alguns técnicos e pessoas que colaboram com o grupo e ajudam em diferentes tarefas. Para Ana Isabel “é uma família, é uma amizade que se cria, posso dizer que tenho aqui pessoas como se fossem meus pais ou irmãos. Estou aqui desde os 12 anos”. E sempre a acompanhar Ana Isabel, Fernando, o pai, que também está no grupo desde o seu início. “Adoro isto. O grupo ajuda-me a aliviar aquilo que trago de outros lados, alivio a mente, ocupa um espaço que tinha vago. E sinto como os mais jovens, antes das peças, aquele moidinho, aquela comichão na barriga, um formigueiro. E no fim, quando sentimos que as pessoas ficaram satisfeitas, que não abandonaram o espetáculo, que reagiram nos pontos que era para reagir, ficamos completamente satisfeitos com o nosso trabalho”. Mas, silêncio, o espetáculo vai começar. Bárbara, que faz de Luísa, está atrás das cortinas e sente um nervosismo enorme, “uma dor na barriga. Mas o apoio de todos, a calma que transmitimos uns aos outros, o estarmos juntos, a energia, sossega a nossa alma”. Dará

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“Estamos ali atrás todos quase enlatados, mas temos aquela energia que é difícil explicar. Estamos todos em silêncio, sentimos a energia do público, porque ouvimos o murmúrio, e queremos entrar, que a peça comece”

“O que me mantém hoje viva é o teatro. Aprendo técnicas para gerir emoções, o nervosismo, a ansiedade. Temos segredos nossos antes de entrar em palco que nos fazem agir com naturalidade. Tenho na alma o teatro”


as mãos no fim da peça a Ana Isabel. A Bárbara “só apetece gritar, dizer estou feliz, estou bem, acabou, correu tudo bem. É uma paixão”. Também a estudar na universidade, Bárbara gostava de seguir teatro. Nos três atores principais da peça, Pedro, Ana Isabel e Bárbara, sente-se que o desejo, os sonhos de futuro, muito mais do que o curso superior ao qual se dedicam, passa pelo teatro, por uma paixão que lhes percorre as veias e o querer, que lhes dá uma presença em palco que os anos aperfeiçoou e Ana Perfeito ajudou a amadurecer. No teatro ambos cresceram, como se recriaram todos os elementos do grupo. Todos passaram por alegrias, tristezas, mágoa, conflitos e, sobretudo, vida, a vida de um gosto que perdura e permanece no coração. O espetáculo prossegue. A urna que transportam em palco será no fim desmontada pelos mesmos elementos que agora a levam. Todos colaboram e todas as palavras que ficam são as histórias que todos guardam. Fernanda, enquanto representa, não pensa que está constipada nem que se encontra medicada para poder estar a representar o seu papel. E o teatro, em Fernanda, representa a vida, um caminho muito próprio que já vem da mãe quando também ela fazia teatro. “Na segunda peça tive uma doença rara. E chorava muito, não por estar doente; chorava por não poder fazer teatro. Aprendi a ultrapassar o dia a dia, a realidade, pelo teatro. Consigo enganar-me a mim própria, sou uma boa atriz”. Fernanda anda “sempre a sorrir. O teatro é 90% de trabalho e 10% de talento. E ver hoje estas crianças, eram crianças, a representar, vemos que o futuro é delas”. Para Fernanda, o que a vida tem de complicado o teatro simplifica. “O que me mantém hoje viva é o teatro. Aprendo técnicas para gerir emoções, o nervosismo, a ansiedade. Temos segredos nossos antes de entrar em palco que nos fazem agir com naturalidade. Tenho na alma o teatro”. Está a ficar tarde. O público saiu, o palco está quase arrumado, a urna desmontada. Somente falta levar a mesa e as quatro cadeiras. Faustino Alves, responsável pelo grupo, pede a todos para se despacharem. Foi Faustino Alves que, desafiado, fundou o grupo de teatro. “Não fui eu, fomos todos que fundamos o grupo. Tem

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sido um grupo bastante estável, as pessoas gostam de teatro e em Rebordosa faltava este grupo. E fazemos todos os possíveis para manter equilíbrio no grupo. Fico muito mais satisfeito pelo grupo fazer do que por aquilo que faço. As minhas preocupações passam por saber se tudo está bem, tudo em ordem”. Por isso Faustino Alves pede novamente para serem ágeis na arrumação do que falta e quer que o cenário seja rapidamente colocado na carrinha, que alguém teve a gentileza de emprestar, com cuidado, pois há horas para cumprir compromissos. O palco está arrumado. Levam agora as cadeiras e a mesa, o auditório da Casa da Cultura de Paredes está vazio e, o último a sair do auditório será Fernando Leão. Emociona-se a falar. “Quando gostamos daquilo que fazemos enquadramo-nos em qualquer papel. E se estamos aqui é porque há algo dentro de nós que nos faz aqui estar”. No trabalho diário retira os momentos que, um dia, pode trazer para os palcos. Sabe que do equilíbrio nasce a sabedoria. “O teatro não é só palco. E digo com lágrimas que é gratificante ter um ambiente familiar por detrás do palco. Eu posso brilhar, mas sem os meus colegas não faço uma peça de teatro. Somos todos importantes e todos juntos brilhamos”. E é esse brilho que levam do palco para o brilho desta noite de estrelas.



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Grupo de Teatro Amador de Cristelo

Estão as estrelas a chegar quando chegamos ao Centro Social e Paroquial de Cristelo. A luz amarelecida de alguns candeeiros do adro da igreja da aldeia esconde a noite. Começa a chover. À porta do centro, Manuel espera os restantes elementos do Grupo de Teatro Amador de Cristelo para se iniciarem os ensaios. Acaba a celebração na igreja e, apesar da hora adiantada, teremos tempo para ver todas as pessoas a saírem apressadas da igreja enquanto as gotas ganham forma mais consistente. Chega Liliana, depois Fernando Soares, o encenador, e entramos para o espaço onde o grupo ensaia e representa. Liliana veio para o grupo porque Rosália a convidou. “É um libertar do stress do dia a dia. Recordo que em 2006, quando iniciamos, e o nosso encenador nos queria motivar, ele fazia os nossos jantares. Eu trazia o fogão industrial e as panelas, a Rosália levava a loiça e o Fernando cozinhava. E, em Lordelo, como não havia espaço na sala, o Fernando fez arroz de marisco na casa de banho dos homens e a mesa da peça serviu para a jantarada. E quando foi a chouriça com arroz de feijão…”. O Centro Social e Paroquial de Cristelo é um espaço médio, nem muito grande nem muito pequeno. Do lado direito espaço para arrumos, do lado esquerdo janelas sobre o espaço verde de Cristelo pontuado com não muitas casas dispersas, as cortinas pretas que tudo encobrem, o palco negro, as luzes, o frio do espaço e fica o lugar


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descrito nessa simplicidade que não é muito mais do que as palavras descrevem. Cheira a pó, a madeira. Também é neste espaço que ensaiam e representam os outros dois grupos de teatro de Cristelo, o infantil e o juvenil, mas esses ficam para mais tarde, são mais barulhentos, e ficam agarrados aos telemóveis a marcar jantares entre eles para prosseguirem, julgo, os ensaios pela noite. Chega por fim Rosália. Hoje ainda faltam dois atores. Manuel, que tem uma filha de cinco anos, está com o grupo desde início. Mas começou muito “novinho, com apenas 15 anos, no grupo de jovens. Depois uns casaram, cada um foi à sua vida, e o grupo terminou”. Mas a paixão pelo teatro, por representar, levou a que se juntassem grande parte dos elementos em 1999, sabe Manuel que foi no dia 26 de dezembro, “datas nunca me esqueço”. Em 2006, com a entrada do encenador, o grupo ganha outra dinâmica. “Há coisas que aprendemos e continuamos a aprender. O encenador, além de um amigo, é um professor. Hoje faltam o Arlindo e o Albano, mas depois há outras pessoas que fazem parte do grupo, que nos acompanham”, que prosseguem um gosto e ainda os sonhos que a idade permite ter. No Grupo de Teatro Amador de Cristelo todos têm mais de 30 anos. Manuel ainda não sabe o papel de cor, “mais ou menos metade, neste momento ainda não estou preparado”. E claro que Manuel continuará, “só se partir uma perna…”, mas como na peça tem de andar a coxear… Ao lado de Manuel, também em cima do palco, como já estivessem a representar, Carla, que também é a responsável pelo grupo, estava “gravidíssima da minha filha mais nova quando, em 2006, iniciaram o projeto Paredes com Teatro. Sou presidente do grupo e, apesar de nem sempre ter representado, pois depois nasceu a segunda filha, estive sempre perto e a acompanhar”. Desde de 2006, quando criaram a Associação do Grupo de Teatro Amador de Cristelo, o “trabalho foi exigente e sempre distribuímos tarefas”. Por isso, hoje, no palco, Carla volta a representar. “Tenho de encarnar a minha personagem e tenho sempre muitas outras coisas. Somos um grupo de amigos. Quando precisamos de roupas pedimos ajuda à Liliana,

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“É um grupo bem antigo, construído na amizade, no trabalho. Tenho dois filhos e, como mãe, este grupo interfere diretamente na minha vida. Por isso sou a única que chego sempre atrasada. Mas não consigo deixar, está dentro de mim, faz parte de mim. Posso deixar tudo, o teatro não. Quando começamos em 2006 estava grávida e até uma semana antes da criança nascer representei. A Liliana representou na véspera do casamento à noite”

“O projeto é muito deles e uma das condições que lhes coloquei é que teriam de ver espetáculos de outros grupos para terem a noção de que o teatro é muito mais do que se passa aqui. O balanço é muito positivo, de aprendizagem lenta, mas com a satisfação que eles se divertem intelectualmente e isso também é nossa função”


pois conhece pessoas ligadas à costura. Temos de nos ajudar uns aos outros, pois não temos ninguém que trate das burocracias”. As estreias do grupo são feitas no espaço onde estamos. Geralmente, dado a afluência de pessoas, fazem três espetáculos. “E a casa enche sempre. O público habituou-se a ver o grupo de Teatro de Cristelo e, mesmo os mais céticos, que por vezes dizem que já não é a mesma coisa, que gostavam mais da revista, continuam a querer ver aquilo que fazemos. É agradável que diferentes pessoas venham ter connosco e percebam a nossa evolução”. Carla repete o que Manuel disse: “O Fernando é um professor. E as pessoas daqui associam-nos às personagens e, quando vamos às escolas, os miúdos ficam encantados”. Para Carla, para além das representações habituais, o ir às escolas tem um papel didático que todos salientam no grupo. “Para nós é uma aprendizagem” e sabe que encantar crianças com histórias, como encanta as que tem em casa, deixa o corpo muito leve, “muito suave”. Rosália esteve quase sempre em silêncio no frio da sala. Na plateia, sentado, com uma mesa à frente, Fernando sabe que é tarde e que o ensaio está atrasado irremediavelmente. Parece o único espetador desta pequena peça de conversas, de palavras e pequenas histórias. Rosália está a “interiorizar a minha personagem. É um grupo bem antigo, construído na amizade, no trabalho. Tenho dois filhos e, como mãe, este grupo interfere diretamente na minha vida. Por isso sou a única que chego sempre atrasada. Mas não consigo deixar, está dentro de mim, faz parte de mim. Posso deixar tudo, o teatro não. Quando começamos em 2006 estava grávida e até uma semana antes da criança nascer representei. A Liliana representou na véspera do casamento à noite”. Fernando Soares intervém. “Ide, por favor, arranjar as cenas”. Talvez Fernando não precise de muitas apresentações. A sua presença, as palavras, o modo de estar, o rosto, marcam uma vida e uma história. “Tenho o privilégio de trabalhar com jovens do primeiro ano do primeiro ciclo até finalistas de cursos superiores, pessoas com deficiência física ou mental, reclusos. E é mais uma etapa do meu percurso trabalhar com este projeto. Por vezes, um pouco desolador pois nós, que estamos ligados à profissão, colocamos a fasquia um

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bocadinho acima e depois temos dificuldades para que exista uma correspondência prática por parte de recursos humanos e técnicos. Mas, fundamental, é que este projeto tenha esta presença no concelho e marque de forma decisiva o teatro. Há o levantamento de tradições teatrais e o nosso papel é o de chegar aqui, pegar nas tradições teatrais, introduzir elementos de caráter técnico e criar uma ideia de teatro que os mova noutra procura”. Claro “que há coisas que eles começam a assimilar, se assim não fosse não estava aqui a perder tempo. Há um partir de pedra constante e tenho tido o privilégio de ter estas pessoas neste grupo. Mas… olhe, já devíamos estar a trabalhar há uma hora e ainda não estão aqui os atores todos”. Nem vão chegar. E já estamos quase no início de outro dia. “O projeto é muito deles e uma das condições que lhes coloquei é que teriam de ver espetáculos de outros grupos para terem a noção de que o teatro é muito mais do que se passa aqui. O balanço é muito positivo, de aprendizagem lenta, mas com a satisfação que eles se divertem intelectualmente e isso também é nossa função”. Continuará Fernando no centro da plateia a dar indicações e a marcar as palavras dos dois atores que faltam. “Eles já se aperceberam das diferenças. O teatro tem regras que devemos observar e cumprir. O que estamos hoje a fazer é completamente diferente e eles usufruem dessas diferenças. E hoje querem fazer melhor do que os outros. Somos um grupo de amigos que gostaria de ter o projeto mais avançado, mas também sabemos que todos trabalham e o tempo que eles têm não é muito. As pessoas que assistem às peças de teatro veem um produto acabado. Não se conseguem aperceber das centenas de horas de trabalho, de angústias, de tensão, de algum sofrimento e imensas risadas”. Fernando Soares prossegue as suas indicações no centro da plateia. “A muleta?”. As palavras vão prosseguir já no outro dia, nesse que jovens do mesmo grupo marcam jantares enquanto ensaiam a peça em sorrisos e num murmúrio, quase ruído, difícil de controlar e silenciar. Os jovens têm essa energia e o tempo é deles.



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Tic-tac – Grupo de Teatro Infantil de Cristelo Era uma vez uma jovem de nome Vanessa… E assim começou, mais uma tarde de teatro, no Centro Social e Paroquial de Cristelo A Vanessa recebe a resposta que esperava: — Sofia, eu vou. A minha mãe deixa. — Por favor, silêncio! Rita Campos, a encenadora, nem sempre consegue colocar sossego naquele aglomerado de onze jovens que, para além de serem promessas de atores, parecem ter energia suficiente para mover o mundo. Rita está com eles desde o início e agora, os jovens a rondar os 15/16 anos, têm de ter espaço para saltar, falar, deixar que o mundo não lhes passe ao lado. “Conheço-os desde os 10/11 anos. Faço parte do percurso infantil deles, conto um pouco as suas histórias, as suas brincadeiras, os namoros, as vontades, os desejos, os objetivos enquanto estudantes e acabamos por partilhar a amizade. Sou uma espécie de irmã mais velha para eles e existe uma certa confraternização. Para além do teatro, da arte, existe aqui uma questão relacional, uma relação de amizade que se cria e permanece”. O espaço, embora seja o mesmo onde os outros dois grupos ensaiam, difere em pormenores. Tem a claridade do dia e as janelas abertas deixam entrar essa luz diluída de uma tarde fria. Rita Campos desempenha, também, um papel de educadora. “Já se encontram mais autónomos e durante este tempo evoluíram como pessoas,

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como seres humanos, como indivíduos e, claro, também como atores. Começaram por ser crianças que se esforçavam para dizer frases bem ditas e hoje sabem interpretar textos, sabem criar uma personagem com princípio, meio e fim, sabem brincar ao faz de conta”. A tarde continua calma e fria…. A Vanessa continua a dar a novidade aos colegas. A mãe permitiu que vá, com alguns dos amigos, jantar a um qualquer local que para eles é deslumbrante. Enquanto Vanessa sorri de alegria, outros dão ordem ao cenário no palco para começar o ensaio, que será, quase sempre, com conversas paralelas, tal a energia do grupo. Todos estudam, todos ambicionam ir para a universidade, todos têm boas médias, são alunos preocupados e o teatro ajudo-as nesse processo de memorização, de definição de regras, de divisão do tempo para o estudo, para o teatro, para a diversão, criandolhes responsabilidades diferentes. “Este grupo conhece-se desde o primeiro ciclo e agora alguns acabam por se encontrar só no teatro”, daí esta agitação positiva na tarde, as conversas paralelas e a energia deles é, sempre, parte integrante dos ensaios. Rita Campos dá-lhes liberdade para eles criarem as próprias personagens. “Representaram já textos completamente diferentes e assim evoluem”. E é essa capacidade criativa que lhes permite estar a ensaiar e a questionar constantemente o que fazem. Há enganos, palavras confusas, pequenas coisas que Rita Campos sabe que tem de aperfeiçoar neles. Depois dos ensaios há sempre tempo para o convívio, marca-se um jantar, define-se uma ida ao cinema… Falam, entre eles, para saber quem pode, como o vão fazer e o murmúrio quase chega ao palco. Assim, de forma simples, para os sossegar, Rita pede-lhes para fazer uma roda. Sentam-se em círculo nas cadeiras de madeira e representam pequenas frases para criar uma certa unidade: Cristiana – É um grupo de amigos, faz-me abstrair da escola e gosto muito de fazer parte deste grupo. Ana Luísa – Não tem interferido nos estudos. É fácil decorar os textos e já está tudo decorado. Beatriz – Agora, tudo é mais fácil, estamos preparados, aprendemos a estar unidos, como ajudar-nos uns aos

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“Conheço-os desde os 10/11 anos. Faço parte do percurso infantil deles, conto um pouco as suas histórias, as suas brincadeiras, os namoros, as vontades, os desejos, os objetivos enquanto estudantes e acabamos por partilhar a amizade. Sou uma espécie de irmã mais velha para eles e existe uma certa confraternização. Para além do teatro, da arte, existe aqui uma questão relacional, uma relação de amizade que se cria e permanece”


outros, a cooperação. José – Estou aqui desde o início e toda a gente fica impressionado com as peças que fazemos. Vanessa – Representa a união de grupo, um trabalho de equipa. Também existem os momentos lúdicos, que nos divertimos muito, a ansiedade das estreias. Sofia – Tinha outras atividades e os meus pais lá acabaram, depois, por apoiar a minha entrada. Representamos, divertimonos e é uma maneira diferente de estar, é um passatempo, um entretimento. Manuel – Entrei em setembro e estou a gostar muito. Requer trabalho da nossa parte e requer diversão de todos. Entrei pelos meus amigos e por mim, porque o teatro foi sempre algo que gostei de fazer. Dalila – Gostei da ideia de ser atriz, de experimentar novos papéis. Ana Catarina – Gosto de representar e gosto do grupo. É simpático, muito divertido, e gosto de representar e quando é para trabalhar é para trabalhar. Daniela – Entrei este ano. Por vezes, não nos portamos bem, mas a encenadora é compreensiva e paciente, muito paciente. Gosto de representar e aqui sinto-me bem. Rui – As pessoas de Cristelo vêm ver o teatro, tem sempre muita gente e é uma forma de divertir as pessoas da freguesia. Vai continuar o ensaio, a Vanessa continuará feliz, porque vai jantar fora e depois irá ao cinema, continuará o murmúrio e chegou o Rafael. Já não falta muito para que comece a anoitecer… O frio na sala é cada vez maior… há cada vez menos luz…

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Tic-tac – Grupo de Teatro Juvenil de Cristelo A entrada de Rafael marca o fim de um ensaio e o início de outro. Rafael pertence ao Grupo de Teatro Juvenil de Cristelo. Está no grupo desde 2006 e a estudar tecnologias, para além do teatro assume que o som e as luzes também o fascinam. E como as tardes são curtas e a luz que entra pelas amplas janelas está a criar uma penumbra mais fria na sala, Rafael liga os projetores da sala. Para Rafael o teatro nunca atrapalhou os estudos e sente “que ajuda a socialização com as pessoas”. A primeira vez que cheguei aqui não conhecia ninguém e começamos a fazer exercícios vocais e a representar pequenos papéis, gostei e a minha vontade é continuar”. O Grupo de Teatro Juvenil de Cristelo é mais pequeno que o infantil. Os atores são cinco e alguns deles, como existe ligação entre os grupos, representam por vezes com o grupo sénior. Este grupo não é preciso mandar calar e apesar de serem pouco mais velhos do que os outros, já têm outra maturidade. Os que ali estão sabem que o teatro faz parte da vida deles e é um processo que não se pode afastar da vida diária. Para Andreia, que trabalha em Felgueiras, deslocar-se a Cristelo para os ensaios é algo que faz parte da vida normal dela e talvez não pudesse ser de outra forma. Quem a traz é o namorado que ali fica a assistir aos ensaios. “O teatro faz-me bastante feliz, porque sempre gostei de teatro e foi sempre algo que me completou. Claro que agora, com a encenadora, tudo tem sido diferente ao nível das técnicas, da aprendizagem em si. É mesmo começar do zero e sinto que todos tivemos um crescimento enorme. Agora temos regras, o que nos ajuda a crescer. Sei que é teatro amador, mas é uma


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forma de aprender e crescer. Faço teatro simplesmente por gosto”. Ao lado da Andreia, está a Adriana. Adriana já pensou seguir teatro, mas quando pensa nas dificuldades que podem estar associadas a esta profissão, coloca a ideia logo de lado. “E aconselharam-me a não seguir”. Mas, um dia, quem sabe, pois “gosto de representar diferentes personagens, de fazer de pessoas que não sou. Na estreia fico sempre nervosa, mas depois sou outra pessoa, não sou eu”. É assim a Adriana. Sempre a sorrir, como sorriu Andreia, como sorriu Rafael que se levanta e vai ligar mais uma luz que, para ele, a iluminação não estaria no ponto de luminosidade adequado. “A minha mãe e uma tia minha participavam no teatro de revista e eu continuei. Com a Rita aprendi muita coisa, ela é uma referência para todos nós, tudo o que fez, o que faz, tem métodos para nos cativar e nos fazer prosseguir”. Adriana enquanto fala parece estar quase a representar uma peça. Faz uma voz coloquial, os gestos são abertos, as palavras pensadas como textos, brinca com a Andreia, com o Rafael e com a encenadora. “Tudo o que faço é novo para mim. Claro que há coisas de que gostamos mais do que de outras e houve uma personagem que fiz que não falava, era um mimo, e eu tive de fazer esse papel. Enrolei-me em papel higiénico e isso ficou para a história do teatro de Cristelo”. Enquanto os três pegam nas roupas para irem representar um trecho da peça, Rita Campos fala deles. “Comecei com ambos os grupos ao mesmo tempo e são pessoas que fazem parte da minha vida e fizeram parte do meu crescimento. Acabo por ser uma espécie de irmã mais velha para eles”. Eles falam enquanto se vestem, brincam, pedem à Rita para não dizer muito mal deles, que se disser já não representam mais. Brincam e o teatro está neles como momento de vida. “Do meu ponto de vista, em termos artísticos, estes elementos atingem um certo nível de qualidade, por isso trabalham e colaboram muitas vezes com o grupo dos adultos. Conseguem atingir um certo grau satisfatório, relativamente à parte artística, que pode ser sempre melhor, dependendo da vontade e do trabalho deles”. São cinco e, hoje, faltam dois. Por isso representar alguns trechos é hilariante quando assumem que podem fazer vários papéis ao mesmo tempo. “Quero que façam coisas novas para não aprenderem sempre o mesmo, alternativas para experimentarem tudo. E se estão aqui com esta idade é porque querem mesmo continuar e

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“se as pessoas gostam disto, então devem realizar os seus sonhos. Mas, as pessoas podem ter uma vida bonita numa outra profissão e continuarem a representar e a fazer teatro. Nós podemos ser qualquer coisa na vida e fazer teatro a vida toda. Podemos ser excecionais no teatro, mesmo não sendo profissionais” “O teatro faz-me bastante feliz, porque sempre gostei de teatro e foi sempre algo que me completou. Claro que agora, com a encenadora, tudo tem sido diferente ao nível das técnicas, da aprendizagem em si. É mesmo começar do zero e sinto que todos tivemos um crescimento enorme. Agora temos regras, o que nos ajuda a crescer. Sei que é teatro amador, mas é uma forma de aprender e crescer. Faço teatro simplesmente por gosto”


é porque o teatro lhes diz mais do que à maioria das pessoas. Gostam mesmo de teatro”. Como amadores podem ser profissionais? “Claro que sim. Comecei assim. Fazíamos teatro por amor à camisola”. Para Rita Campos “se as pessoas gostam disto, então devem realizar os seus sonhos. Mas, as pessoas podem ter uma vida bonita numa outra profissão e continuarem a representar e a fazer teatro. Nós podemos ser qualquer coisa na vida e fazer teatro a vida toda. Podemos ser excecionais no teatro, mesmo não sendo profissionais”. Para Rita Campos estes atores, os que permanecem, têm no sangue este desejo, é algo que lhes bate no coração e, por isso, devem prosseguir, pois vão criar sempre personagens que vão encantar diferentes públicos. Agora, que representam pequenos momentos de uma peça, há suavidade nos gestos, nas palavras, na forma de estar em palco, a vontade de transferir a vida para uma outra personagem. Claro que encantado com a representação de Andreia está Carlos, o namorado que a espera, sentado, em silêncio, numa cadeira iluminada pela luz que o Rafael ligou. “Quando a conheci falou-me sempre muito do teatro. E ela pelo que gosta o mínimo que posso fazer é trazê-la aqui. De a trazer aqui, ver os ensaios e, sinceramente, também começo a achar isto do teatro engraçado e, quem sabe, se não tentarei representar um papel na próxima peça, se tiver jeito e se me aceitarem”. Carlos não conheceu a Andreia no teatro nem em nenhuma peça que Andreia tenha representado. Simplesmente conheceram-se e quando Carlos diz que o “mínimo que posso fazer é trazê-la aqui” está a transportar esse amor pelo teatro e a manter em cena uma vida, um sonho, para quem o teatro representa as “próprias mãos”. Rafael vai desligar as luzes, Adriana move-se em gestos que só ela conhece e transporta como forma de se exprimir e Andreia, com Carlos, esperam o próximo ensaio para voltarem ao que pode ser a vida deles. Escureceu… Apagaram-se as luzes… Já não há atores na sala, só escuridão, silêncio e um desejo… que o teatro volte…

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Grupo de Teatro Infantil de Mouriz Em Mouriz, numa sala da Junta de Freguesia, um grupo de jovens está entretido e distraído a ver um filme. Mas não é um filme qualquer. É o filme da próxima peça que vão representar. Estão sossegados, debruçados sobre o monitor do computador, em círculo. Imaginam as personagens que vão recriar e é isso que vão dizer a Stela Brasil, a encenadora. Stela veio a Portugal fazer um mestrado há cerca de 12 anos e, depois do mestrado, foram surgindo oportunidades e aqui permanece desde 2000. Na Junta de Freguesia de Mouriz o trabalho começou por ser voluntário, “ofereci duas horas por semana para encenar um grupo de jovens. Sempre tive muita sede de conhecimento, mas nunca gostei de ensinar o que sei para ninguém. Não gosto de ensinar”. Mas em Mouriz foi diferente. Stela vivia no Porto e, quando veio para Mouriz, sentiuse enraizada na terra com o grupo de teatro. “Falei com o presidente da junta quando decidi ceder duas horas por semana para estar como encenadora no Grupo de Teatro de Mouriz. Ele disse que sim e levou-me a falar com a pessoa responsável. Chamou-me e no dia seguinte, quando me desloquei à igreja para falar com ela, tinha cerca de 50 crianças. Era imensa gente. Apresentei-me e assim tudo começou”. Continuam atentos a ver o filme. O Grupo de Teatro Infantil de Mouriz tem seis atores: Rafael, Ana Catarina, Catarina, Daniela, Rita e Ritinha. Mas em redor do computador estão mais, pois os dois grupos de Mouriz trabalham em conjunto, como se de um grupo se tratasse mas desenvolvesse dois espetáculos, um para crianças e outro para toda a família. “O trabalho é todo em conjunto”.


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Hoje, “estamos a trabalhar com os pequenos, claro que estão aqui sempre elementos do outro grupo, também são pequenos” e esta divisão prática não os separa das amizades, convívio e trabalho que existe entre ambos os grupos. “Estamos a apresentar o vídeo da peça que vão representar, vamos fazer a distribuição de personagens. É como se fosse um trabalho de laboratório: vêm o filme, definem personagens, fazem pesquisa. Para dominarem a história têm de ter intimidade com o próprio texto, conhecer tudo sobre o tema. Não basta apenas decorar o texto, mas sim o pretexto e o contexto” e, desta forma, conseguem ter uma noção do que vão representar, do perfil das personagens, do tempo em que a história decorre, da cultura própria dessa época, do vestuário próprio do tempo do texto, e tudo o que os envolve leva-os a criar personagens reais, inseridas num espaço que têm de compreender, social, económica e culturalmente. E como se escolhem as personagens? “É tudo muito democrático. A última palavra é sempre minha, quando a tenho. Trabalho muito com a liberdade de expressão e de criação, a liberdade de imaginação. Não digo é assim nem imponho. Eles apresentam a ideia e eu oriento e tem resultado, porque eles são muito competentes”. Stela trabalhou com formação “e quando paro para ver alguns miúdos com quem comecei, completamente verdes, vejo que mudaram completamente. Voz, expressão corporal, interpretação, tudo, a maneira como se expressam. Amadureceram, não só pela idade, mas evoluíram nos comportamentos. Tinha aqui atores que não tinham talento nem vocação. Mas através do trabalho, da procura do talento, têm amor pelo teatro”. O grupo de teatro de Mouriz tem 40 anos. Stela está nele há quatro anos. E em quatro anos tudo mudou. Mudou o espaço, onde ensaiam hoje era uma creche. E o trabalho, as mudanças, todas as transformações, foram “fruto do trabalho deles”. Iluminação, palco, espelhos, cortinas, pinturas, tetos, tudo é “fruto não só de um ator, mas da parte cívica do trabalho que desenvolvem para além do teatro. Este espaço serve a comunidade e todos se envolvem nas tarefas que desenvolvemos. Procuram patrocínios, fazem aulas de dança e ginástica, recebem as companhias de teatro de outras localidades, fazem feiras, torneios de futebol para angariar fundos, dão aulas a outras pessoas de francês, inglês e espanhol, atividades de tempos livres nas férias”. Tudo gira em

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“Trabalho muito com a liberdade de expressão e de criação, a liberdade de imaginação. Não digo é assim nem imponho. Eles apresentam a ideia e eu oriento e tem resultado, porque eles são muito competentes”

“Não é uma escola somente de teatro, é uma escola de vida. Não é só representar, é o saber o porquê da peça, a história que a criou, desenvolver os figurinos, fazer cartazes, colocá-los, angariar patrocínios. É uma escola de tudo”


redor do teatro e o movimento cria jovens empenhados e dedicados. O espaço é cedido pela junta e tudo o que se vê é empenho e trabalho de todo o grupo. “Tudo é feito na base da entreajuda”. Agora já falam entre eles. O filme deve ter acabado e talvez discutam como vão ser as personagens, quem as vai representar, como se podem vestir, como será o cenário. E isso tudo vão transmitir a Stela que os orientará neste processo criativo, de imaginação e de arte. Claro que todos os anos saem pessoas: saem umas, entram outras. Existe uma renovação natural constante no grupo. “Fica sempre a união e a boa vontade. Podem não estar presentes, mas não estão ausentes, existe sempre um vínculo que une as pessoas ao grupo”. Stela vive em Mouriz há cerca de cinco anos. “Tive uma doença muito grave. Há altos e baixos na minha vida, mas o teatro permanece sempre. Quando soube que tinha cancro, ninguém soube, e o grupo sempre funcionou como uma fortaleza. O teatro fica sempre e é importante que estas crianças que um dia vão ser adultas passem para os filhos, para os netos e que continuem a criar histórias e vida no teatro”. E o teatro aqui em Mouriz parece ser o início de tudo. “Pego nas aptidões de cada um e fazemos diferentes atividades tendo sempre como fundo o teatro. O projeto que pensei e criei, eles têm-no executado com arte, melhoram-no todos os dias e criam essa riqueza que também a mim me dá vida e me enriquece, me leva a espaços que nunca imaginei, cresço com todos. Não é uma escola somente de teatro, é uma escola de vida. Não é só representar, é o saber o porquê da peça, a história que a criou, desenvolver os figurinos, fazer cartazes, colocá-los, angariar patrocínios. É uma escola de tudo. Fazem produção, pós-produção. Da mesma forma que a minha faculdade me preparou para fazer o projeto desde o seu esboço ao final, eles aqui têm essa preparação como atores, atrizes, produtores, quem sabe, de teatro”. Vamos deixá-los agora, enquanto falam, escolher as suas personagens, desenvolver os sonhos normais de crianças e jovens que já imaginam a nova peça, como se podem vestir e colorir cada parte do texto com a liberdade que eles podem recriar no olhar, nas mãos e em cada movimento que atravessa a vontade de cada um.

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Girassol – Grupo de Teatro de Mouriz

Imaginadas as personagens pelos jovens atores, vamos imaginar as personagens dos outros atores, ainda jovens, mas que hoje aqui não estão. Só alguns. Pequenos trechos de momentos de teatro que alguns representam, fazem o espaço encher-se de risos. Na plateia, não sei de onde, estão muitos jovens. Como na sede da junta de Mouriz ao sábado também decorre a catequese, parece ser normal passarem por ali para ver o que está a acontecer. É normal esta curiosidade nos jovens. Victor Hugo, Dara, Filipa, Joana Sousa, Joana Neto, André Moreira, Anabela, Cátia, Raquel, Ana Maria, Ana Sofia, Sofia, Joana Barbosa e Bruna são os nomes dos atores que dão vida ao Grupo de Teatro Girassol, Mouriz. Moreira é o técnico de som, e faz parte do Grupo TEO, grupo esse que colabora com o teatro Girassol. “O grupo dos adultos não são adultos, são jovens, a faixa etária de idades é dos 14 aos 19”. Margarida Coelho é a produtora do grupo. Começou como atriz, pois havia uma personagem que ninguém queria fazer. “Comecei a fazer essa personagem por brincadeira e acabei por ter de a fazer. Mas o trabalho agora é de bastidores, montagem, preparação, preparação. É isto que gosto de fazer”. O teatro é importante para Mouriz. A arte faz parte da vida e faz parte da educação e qualquer jovem ter a oportunidade “de estar num grupo de teatro é muito importante. Criou-se um grupo de união.


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Podiam estar a fazer outras atividades, mas estão aqui e para as vivências deles, a convivência com a arte, a entreajuda. É um grupo forte e coeso”. Margarida sente que o que fez mover os jovens, foi Stela, a encenadora. “Põe todos aqui a mexer e, na verdade, ela acaba por ser para nós uma pessoa da nossa família. E como família, ela é uma peça fundamental”. Margarida, no grupo, permanece com a sua presença, ajuda, organização. Ora, fazer teatro… para já não”. De todos os momentos, tudo é guardado na memória com carinho. Os bons e maus momentos, “aprendemos com tudo. O teatro é uma lição de vida”. Na plateia, enquanto os jovens falam e outros representam pequenos excertos de peças que já levaram a palco, Joaquim Coelho, presidente da Junta de Freguesia de Mouriz, é presença assídua. “O teatro representa muito para a freguesia. Estava esquecido e o retomar a tradição, a recordação que tínhamos do teatro, foi fundamental. As pessoas aderiram, os jovens estão aqui presentes, mesmo algumas pessoas de mais idade ajudam, o que significa que vale a pena fazer alguma coisa nestes poucos tempos livres que temos”. Joaquim já representou e, quem sabe, volte a representar. “Com a encenadora abraçamos este projeto que ela apresentou à freguesia com imensa dedicação. Espero estar sempre ligado a este projeto, pois foi a junta que tudo novamente iniciou”. Joaquim, Margarida e tantos outros nomes vão continuar a dar colorido e vida ao teatro. A encenar, Stela Brasil que se sente mais portuguesa do que brasileira. “Passei há pouco tempo no Brasil seis meses e, sinceramente, não via a hora de voltar. Até o clima me incomodava, me sufocava. Recebi propostas para ficar, propostas muito interessantes, mas em mim tudo tinha de voltar, não só pelos meus filhos, mas por este projeto de teatro que não podia deixar”. Foi criado de raiz por Stela e foi este o país que Stela escolheu para viver e permanecer. “Adoro o teatro, Mouriz, estar neste país que tem estas pessoas maravilhosas, que me receberam de braços abertos e abraçaram o projeto como fosse deles. E isso nunca esquecerei e permanecerá sempre comigo”.

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“O teatro representa muito para a freguesia. Estava esquecido e o retomar a tradição, a recordação que tínhamos do teatro, foi fundamental. As pessoas aderiram, os jovens estão aqui presentes, mesmo algumas pessoas de mais idade ajudam, o que significa que vale a pena fazer alguma coisa nestes poucos tempos livres que temos”


Apesar das diferenças de idades dos atores do grupo Girassol, que vai dos 7 aos 19 anos, tudo decorre com a harmonia e união para se fazer teatro e projetos que envolvam a imaginação. Claro que “com crianças é mais fácil encenar, crianças ou jovens, pois a sede deles aprenderem é maior, vestem mais os seus desejos. E tudo o que dizemos eles absorvem, é lei. Os mais crescidos têm o poder de dizer que não concordam, que não é bem assim e isso impede o crescimento normal e desenvolvimento deles como atores. Um ator tem de se esvaziar. Quando vou construir uma personagem, esvazio a Stela. E a pior coisa no mundo do teatro é quando um ator acha ou sente que a personagem dele chegou onde queria, que não evolui mais. Mas com muita diplomacia tudo cresce”. Sabe Stela que o grupo tem pessoas que se quisessem fazer carreira no teatro teriam vocação e talento. “Há aqui essas pessoas”. E Stela afirma-o com convicção, com energia. “Digo mais: se qualquer um deles quiser fazer um casting para ingressar em qualquer curso superior de interpretação e de teatro, fazem isso muito facilmente, pois levam toda a experiência daqui. Fazem teatro com naturalidade”. É esta naturalidade que agora representam no palco, que brincam, que levam as pessoas ali a sorrir como momento que eles criam para se divertirem e evoluírem na representação em todos os pequenos momentos que desenvolvem. São estas minudências, estas pequenas situações, que fazem crescer os atores e atrizes, este gosto intenso e verdadeiro pelo teatro. Neste momento, a dormirem, já escolheram as personagens da próxima peça e, em sonhos, já se vestem e representam a vida na Arca de Noé. Como meninos é só um no grupo infantil, imagino que seja Rafael a fazer de Noé. Não se esqueçam de ir à estreia.

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Grupo de Teatro os Mindinhos – Rebordosa

“Estão sempre a falar, têm a mania que são atores”, diz Fernando Soares, o encenador, enquanto sorri e lhes pede silêncio. No centro da plateia, enquanto o ensaio decorre, Fernando mostra como deve ser feito, exemplifica as falas, os movimentos, gestos. “Este texto que hoje ensaiamos é um texto que fazemos muitas vezes, pois a sua história tem uma frase chave: as coisas só pertencem a quem delas trata bem. Trabalhamos esta mensagem com os jovens, que têm de tratar bem toda a gente. Não me preocupa se eles vão ser atores ou não, preocupa-me a formação interior, cívica, intelectual, social e cultural deles”. Por isso lhes volta a pedir silêncio. Na sede da Junta de Freguesia da Rebordosa, o espaço gentilmente cedido para o ensaio, um palco construído numa larga sala que também serve para as estreias dos espetáculos, o ruído das crianças e jovens dá um colorido mais quente ao espaço. No palco, os atores. Na plateia, para além de Fernando a movimentar-se livre nas explicações e exemplificações, mais três crianças que não integram esta peça. Já é tarde e um deles, quase adormecido em cimo da cadeira, resolve sentar-se no chão. Fernando Pessoa escreveu que temos de ser tudo no mínimo que fazemos. “O teatro é um vínculo” que os une a uma formação interior. “A nossa preocupação é contar uma história, mesmo numa linguagem que eles nem sempre gostam muito, para que possam perceber que existem pontos concretos da história com a vida quotidiana deles. Temos de os municiar de ferramentas muito


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concretas para a vida deles. Este espaço tem de ser uma escola de cidadania, claro que a componente artística bem definida”. Mais: “Eles têm um espaço de trabalho e um tempo para trabalhar. Os jovens têm de perceber que há tempo para tudo e que em cada tempo há que fazer a coisa mais importante que esse tempo implica. Para eles perceber isto é complicado”. Por isso Fernando fala, move-se, chama a atenção dos jovens que andam em média pelos 12 anos. Diz a Tânia como deve fazer, a Joel como se deve movimentar. Todos adoram o teatro e dizem que não lhes afeta os estudos. Para Juliana “Pequena” tem sido uma experiência de sonho, para Inês, que está no grupo desde os sete anos, tudo é diferente “evoluímos muito e representamos cada vez melhor”. Ricardo, com o mesmo sentimento, diz “que há sempre um tempinho para o que gostamos. As peças são bastantes instrutivas e sou conhecido pelo rapaz que anda n’Os Mindinhos”. A Juliana “Grande”, também desde 2007 no grupo, sabe que o processo tem sido enriquecedor. “Quando há uma estreia esta casa enche, todos nos vêm ver. Há muito nervosismo, atrapalhamo-nos um bocadinho. Lembro-me que nas primeiras peças fazíamos tudo muito rápido, queríamos deixar o palco. Agora, com o encenador, tem sido diferente. Do nosso grupo, hoje faltam a Rita, a Brígida, a Liliana e a Catarina”. A Ariana lamenta não integrar a presente peça, mas evoluiu surpreendentemente desde que aqui chegou. Para Fernando Soares, que também é encenador do grupo de Cristelo, encenar os dois grupos é quase idêntico, as diferenças são poucas. Diz a sorrir que são “todos muito barulhentos, estão sempre ansiosos por pegar no telemóvel, assistem a poucos espetáculos, nem sempre percebem muito bem que têm de dar ao teatro, não podem somente receber”. Claro que há diferenças que distinguem os grupos: “Artisticamente posso exigir aos adultos coisas que não exijo a estes. Aqui temos a responsabilidade acrescida da pedagogia, da educação. Os adultos só os podemos educar artisticamente. Aqui o trabalho é mais alargado, multidisciplinar, que exige uma dose de paciência muito maior”. Que é fácil reparar nas vezes que é necessário pedir silêncio, concentração, tempo. Em cima do palco, continuam os ensaios. Na plateia, Fernando Soares. Nas cadeiras, duas crianças sentadas, e uma que parece

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“Este texto que hoje ensaiamos é um texto que fazemos muitas vezes, pois a sua história tem uma frase chave: as coisas só pertencem a quem delas trata bem. Trabalhamos esta mensagem com os jovens, que têm de tratar bem toda a gente. Não me preocupa se eles vão ser atores ou não, preocupa-me a formação interior, cívica, intelectual, social e cultural deles”

“E ele tem a capacidade de lhes mostrar não só novos textos e a arte de representar, mas também o valor das palavras. Não se nota imediatamente, mas o tempo deixa essas marcas aqui em Rebordosa”


adormecida no chão, encostada às pernas da cadeira. Pede Fernando concentração, sempre tempo, que tudo tem um tempo, para não apressarem a peça, que respirem, que se movimentem com arte, que as palavras tenham tempo no tempo. Eles repetem trechos, tentam repousar no palco, ter calma e o que Fernando lhes diz é uma ordem suave que tentam absorver e colocar em palco. Lúcia Machado, diretora do Grupo de Teatro Os Mindinhos, da Associação Rebord’arte, conta que o grupo foi formado em 2007. “Éramos cerca de 25 elementos com uma vontade enorme de representar, de fingir, de fazer de conta. Era um grupo coeso e familiar”. Com os anos, saíram alguns, entraram outros atores. Uma renovação que é normal em todos os grupos e representa a vitalidade própria de cada um. Lúcia, no grupo, tem feito um pouco de tudo, até ensaiar uma peça, embora somente dizer que tenha sido encenadora lhe causa sorrisos e diga logo que “o nome não pode ser esse, não sou encenadora nem o sei ser. O Fernando é alguém que eles já conheciam do palco e que saiu do palco para estar com eles. Tem um estatuto diferente; eles ficam admirados, é uma admiração profunda que eles têm por ele. E ele tem a capacidade de lhes mostrar não só novos textos e a arte de representar, mas também o valor das palavras. Não se nota imediatamente, mas o tempo deixa essas marcas aqui em Rebordosa”. Hoje, o grupo tem menos crianças. Mudou. Lúcia sabe que a ideia que esteve por detrás da criação do grupo continua. A necessidade “de mudar mentalidades e que as peças façam pensar é fundamental. Não é fácil e a cultura do teatro nesta região não é ampla. Queremos transmitir mensagens que consideramos importantes e, por vezes, as pessoas têm alguma dificuldade em perceber. Mas fica uma postura, uma responsabilidade, o respeito pela diferença, estamos a formar pessoas e constatamos que aos poucos há alterações”. No palco, em cena, ou antes, em ensaio, A História da Boneca Abandonada. Uma história simples: a boneca era velha, é deitada fora e, depois de cuidada, todos a querem. Tentam ter calma a contar a história, dão tempo às frases, aos movimentos. Está quase pronta a peça. Todos a sorrir, a encantar com pequenos movimentos que só as crianças e jovens têm a capacidade de reinventar.

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Grupo de Jovens Nova Esperança – Sobreira

À mesma hora que as crianças ensaiam em Rebordosa, em Paredes, no auditório da Casa da Cultura, inicia a peça o Grupo de Jovens Nova Esperança, de Sobreira. Pela quinta vez sobem a palco com a peça Os Mártires do Mosteiro. No palco, duas camas, uma poltrona, a secretária da médica, o local da oração e, no centro, uma televisão. Está tudo pronto para o início. Pedro Ribeiro, que somente entrará no fim da peça, já ajudou João Silva a preparar as luzes, “direcionar os projetores, intensidade de luz, som, volume e está tudo pronto para começar. Isto não cria stresse. Fui sempre ator, mas como sempre dei uma ajuda nesta parte mais técnica, tenho uma noção de como as coisas funcionam: luz cruzada para não criar sombras, individualizar personagens com focos apontados para eles, nunca trabalhamos com muito brilho”. Som e desenho de luz foi tudo escolhido pela encenadora que hoje não está presente. Susana Paiva toca gaita de foles e, em tempo de magustos, está presente num desses eventos. Mas ninguém a esquece e todos sabem que o que ela encenou está enraizado neles. João Silva, que já foi ator, hoje está somente dedicado à parte técnica e à logística. “Transportar materiais, não temos uma carrinha própria. Temos sempre de trazer e levar tudo”. Olha para o palco como a confirmar que o trabalho é árduo. Hoje foi necessário transportar o cenário de Sobreira para Paredes. “Sempre à chuva, sempre a


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correr”, pois, para além do frio, chove, e o trabalho agendado é para cumprir. “Levamos a tenda para onde vamos e montamos a barraca”. Bem-disposto, João Silva, verá a peça na cabine do som e da imagem, atrás da plateia. “Tudo tem corrido sempre muito bem, histórias maravilhosas que temos todos aqui vivido. Há pessoas que saíram, outras que entram, cada um tem o seu trabalho e, como um hobbie, sinto que todos vivemos isto com paixão”. Temos de ficar em silêncio. A peça está a decorrer e, numa plateia quase cheia, os sorrisos são muitos. E, enquanto aqui decorre a apresentação de um trabalho que foi sendo criado com muita dedicação e ao longo de vários meses, em Vandoma, um grupo de jovens reúnese para dar início a um mesmo processo. Escolher a peça e começar os ensaios para a peça subir a palco. Talvez esteja nesse momento o Grupo de Jovens Nova Esperança a começar os ensaios de um novo espetáculo. Nuno Coelho, um dos atores, refere que no início de cada espetáculo é diferente. Há uma ansiedade inicial, públicos diferentes e não sentem de todos os públicos a mesma energia. “Estamos aqui a divertirmo-nos. Nós em cima do palco tentamos trazer um pouco de alegria às pessoas, o que é muito bom”. No grupo desde o início, licenciado, Nuno sempre trabalhou, estudava à noite, e todo “o tempinho que sobra é para os ensaios. Ando sempre com os textos e os papéis atrás de mim para decorar a peça. Mas, se gostamos, temos de nos dedicar. Deste grupo ficam todos os bons momentos passados em cima do palco, os que são passados nos ensaios e noutras situações e as diversas reações do público que mostram que as pessoas percebem e veem qualidade no nosso trabalho, o que chega para alimentar o nosso trabalho e dar força para continuar”. Nuno continuará em cena a fazer sorrir o público. Desce do palco Ricardo Sousa. Com ele, e agarrada à sua perna, Fátima, a filha que nada dirá, de um olhar azul muito intenso, com olhos de sono, pois a noite é longa. Ricardo começou no grupo como técnico de som. Depois ganhou coragem para participar como ator e, hoje, “é uma paixão. A minha namorada já participava, através dela comecei a conviver com as pessoas do grupo e a conviver com o teatro”. Por talvez não

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papéis atrás de mim para decorar a peça. Mas, se gostamos, temos de nos dedicar. Deste grupo ficam todos os bons momentos passados em cima do palco, os que são passados nos ensaios e noutras situações e as diversas reações do público que mostram que as pessoas percebem e veem qualidade no nosso trabalho”

“Por isso sinto que a minha vida é um palco, gosto do palco, do aplauso. Já em miúdo, na escola, quando havia teatro ou música, era sempre o primeiro a levantar o dedo para ir para a frente e atuar. Gostei sempre disto e ainda bem que surgiu a oportunidade de estar neste grupo”


ter coragem para subir logo aos palcos, se tenha refugiado na cabine como técnico de som. Hoje, sobe aos palcos com uma naturalidade que nunca pensou e sabe que o teatro “fica para sempre, que não largamos mais. Lembro-me que quando comecei nunca tinha ido ao teatro, pensava que era algo muito aborrecido”. Agora, é diferente. Antes do início da representação sente-se sempre um pouco nervoso, “mas no fim corre sempre tudo bem. Há sempre falhas, algumas o público não se apercebe. O stresse existe enquanto a peça não começa, depois de começar tudo parece muito normal e calmo. Na fase dos ensaios sentimos que as coisas nunca vão correr bem, mas depois tudo corre naturalmente”, como está a decorrer hoje, com encantamento, com sorrisos. Ricardo está em cena e já não tem agarrada à sua perna Fátima. Vamos chamar Fernando Machado. Desliga a televisão e desce do palco. O noticiário iniciará mais tarde. No grupo desde o início, “estes anos têm sido maravilhosos. No primeiro ano parece que andávamos na lua, chegávamos ao palco e ríamo-nos todos uns dos outros, das figuras que fazíamos”. Na plateia, a assistir à peça, está um amigo do trabalho. “Quando chega aqui e me vê naquela figura, com ceroulas e camisola interior, claro que ele terá de dizer qualquer coisa depois”. Mas Fernando não esconde a ninguém esta sua paixão. No seu trabalho contacta com muitas pessoas diariamente e a todas tem tido o prazer de falar deste projeto do teatro, do Paredes com Teatro. “As pessoas não acreditam e quando nos conhecemos melhor e nos vêm ver, ficam admiradas. Nos primeiros dias brincam, falam do nome da personagem, mas é normal que assim seja”. Difícil de gerir, talvez pelo trabalho diário, é a vida de trabalho e tudo o que é necessário fazer para que o teatro aconteça. Fernando levanta-se às cinco e meia da manhã e, quando os ensaios são durante a semana, “é difícil, custa um pouco. Mas temos de conseguir gerir tudo da melhor maneira. Por isso sinto que a minha vida é um palco, gosto do palco, do aplauso. Já em miúdo, na escola, quando havia teatro ou música, era sempre o primeiro a levantar o dedo para ir para a frente e atuar. Gostei sempre disto e ainda bem que surgiu a oportunidade de estar neste grupo”.

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Fernando tem também outro papel no grupo: a organização. Como forma de intervir socialmente, afinal é uma das linhas de orientação do grupo, já foram convidados para representarem uma peça para angariar fundos “para uma causa social. Fomos e nós próprios, todos os atores, pagamos o bilhete. A minha vida é um palco”. São estes palcos que criam harmonia e sorrisos nos espaços. Fernando sabe que, apesar de algumas dificuldades, próprias do teatro, tudo será para aperfeiçoar. Já passou por múltiplas situações e a todos diz, mesmo nas mais difíceis, que até aos melhores para chegar ao estrelato tiveram de passar por tudo um pouco. “É o que nos está a acontecer a nós”. Fernando não pensa em ser estrela. Pensa na vida que lhe dá o teatro e nessa forma transparente e livre de rosto que consegue levar aos outros. Está na hora do noticiário e Fernando está em palco a dar as últimas novidades. Desce Ana Machado, assistente da encenadora, que diz que a peça correu muito bem. “Este grupo, para além do teatro, tem muitas outras atividades. Pediram-me para ser responsável pelo grupo e, com a ajuda de todos, o trabalho tem sido fácil. Habituei-me a coordenar e a trabalhar com a Susana Paiva nos textos. Tem corrido tudo muito bem e sei que cada vez será melhor. Queremos que o público pense, esteja atento ao texto, temos de educar o público que, desta forma, vai conhecendo obras diferentes”. Para Ana, o que a deixa mais nervosa “são os bastidores. O que acontece antes das peças, pois tenho de pensar em todos e só quando entro em palco é que só penso em mim”. Na plateia, o público sorri. “Sabemos que o público está ali, mas não o vemos, geralmente por causa das luzes. E quando tudo termina, a vontade era chegar a casa das pessoas e perguntar se gostaram, pois a adrenalina continua”. Vamos agradecer a todos a representação, ouvir a plateia a ovacionar o trabalho dos atores. Vamos para Vandoma ver como tudo inicia. Vamos ver Pedro e João a desmontar o cenário. Vamos deixar Fátima adormecer agarrada ao pai.



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Companhia de Teatro de Vandoma – Grupo de Jovens de Vandoma

Hoje, que Fátima dorme agarrada ao pai, voltamos ao início. É tarde, chove torrencialmente, e na pequena sala da antiga escola primária de Vandoma, Joana Moraes, a encenadora da Companhia de Teatro de Vandoma, guarda por momentos um segredo. A Companhia de Teatro de Vandoma iniciou em 2006, na altura o nome era Grupo de Jovens de Vandoma. No início eram mais de 20 e hoje os que se encontram na sala, quatro, dois não puderam estar presentes, são aqueles para quem o teatro corre no corpo e na imaginação. Entre eles, enquanto falam, há cumplicidade, há amizade, há amor, afinal está ali um casal que chegou há alguns dias da lua de mel, e de certeza que foi o teatro que os uniu. Sorriem e dizem que todos os anos pensam terminar, mas ali estão para dar início a mais um trabalho, a mais uma peça, pois em Vandoma as atividades culturais são poucas e sabem que muitas pessoas já esperam ansiosas pelo novo trabalho cénico. Estão todos no grupo desde o início. As palavras e as ideias misturam-se enquanto falam. Filinto, ator e responsável pela Companhia, diz que as peças nunca se esquecem. “Nos primeiros tempos, as pessoas que nos conhecem brincam connosco, fazem comentários agradáveis, sinal que guardaram alguma coisa da peça que viram”. Sabem todos que o trabalho foi sendo aperfeiçoado ao longo destes seis anos. Aperfeiçoaram métodos, formas, simplificaram os processos, mesmo os cenários.

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Recorda Filinto que “nas primeiras peças íamos com uma carrinha de transporte de móveis para montar o cenário. Na primeira montamos um café, na segunda eram imensas caixas. Com tudo atrás de nós era muito complicado. Agora os cenários são mais reduzidos, mas as peças melhores”. No grupo todos exercem atividade profissional. E o teatro não altera nem implica uma mudança na vida para, semanalmente, se reunirem. Muito pelo contrário, pois o teatro representa uma forma de estar, um desenvolvimento pessoal rico, amplo, que permite de certa forma a vida do quotidiana. Fundamental, nos dias que se reúnem, é a pontualidade e a necessidade de todos cumprirem o que está estipulado. “Assim, estamos aqui, ensaiamos, divertimo-nos, rimo-nos e vamos passar este nosso prazer para o público”. Manuela, atriz, está ali “porque já me esqueci daquilo por que passei na última peça. Estou pronta para outra”. Hoje estão todos lá para o início de um novo trabalho e Joana guarda para eles uma pequena surpresa, o tal segredo. Faltam Joel e Bebiana, que não podem estar, facto que não altera nada no grupo. Manuela sente mais facilidade em decorar textos, os ensaios são diferentes. “Hoje é o dia mais simples, vamos decidir no que vamos trabalhar e não temos noção nenhuma do que Joana nos tem para dizer. Acima de tudo somos um grupo de amigos, estamos juntos há muito tempo, damonos todos muito bem e vir aqui uma vez por semana ensaiar vale mesmo a pena, recompensa”. Fernanda, conhecida pela Nani, embora diga que tem sempre um pequeno papel como atriz, tem um trabalho fulcral do grupo. “Trato de toda a logística, estou sempre presente, trato do som, das luzes, da imagem, ajudo a ensaiar, a decorar os textos, substituo aqueles que, por vezes, têm de faltar”. Nani é a alma do grupo e, todos juntos, criam um grupo de amigos. E Nani tem esse papel de organizar, de responsabilizar, de permanecer e estar onde algo pode ser necessário resolver. Histórias, em seis anos, são imensas e sorriem quando as começam a enumerar. Todos se recordam de episódios diferentes, mas um parece estar guardado em todos. Numa estreia, Celso, um

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“Fiz com eles coisas fantásticas. Todos os grupos valem a pena, mas este tem tido uma evolução enorme, a capacidade que têm neste momento de estar em palco e enfrentar desafios como atores é algo que merece esta nossa admiração. São amadores, mas na última peça que fizeram quebraram preconceitos e sei que se vão sentir mais à vontade em muitas outras situações”

“Hoje é o dia mais simples, vamos decidir no que vamos trabalhar e não temos noção nenhuma do que Joana nos tem para dizer. Acima de tudo somos um grupo de amigos, estamos juntos há muito tempo, damo-nos todos muito bem e vir aqui uma vez por semana ensaiar vale mesmo a pena, recompensa”


dos atores, que tinha de fazer vários papéis, resolveu num deles levar um bigode. Tudo seria normal se, durante a cena, o bigode não tivesse descolado. Para o segurar, Celso colocou dois dedos no bigode e continuava a falar. E o bigode, com os movimentos novos e sem nexo no rosto do ator, criaram uma cena hilariante que a todos fez e faz sorrir quando a recordam. “Continuou a representar, mas depois da cena do bigode nunca mais fui o mesmo… acontece e são improvisos que temos de resolver na altura. Até acho que correu bem”. Parece que somente Celso acha que correu bem. “Fundamental é saber que temos de continuar para dinamizar o meio, não só por nós. As pessoas gostam do nosso trabalho. Neste grupo o nosso enriquecimento foi enorme. É um grupo de amigos e não fazemos teatro como algo obrigatório, temos prazer e temos amigos, e é esta marca que fica. Claro que exige disponibilidade e quem deixou o grupo, por diferentes razões, não deixou de estar próximo e estão sempre prontos a ajudar no que necessitamos. E sabemos que alguns, mal acabem a universidade, vão voltar”. E o segredo? Joana Moraes só o revelará no fim. É assim que tudo começa. “Fiz com eles coisas fantásticas. Todos os grupos valem a pena, mas este tem tido uma evolução enorme, a capacidade que têm neste momento de estar em palco e enfrentar desafios como atores é algo que merece esta nossa admiração. São amadores, mas na última peça que fizeram quebraram preconceitos e sei que se vão sentir mais à vontade em muitas outras situações. Estes atores já têm a capacidade de ir ao teatro, ver outros trabalhos, de profissionais, e fazerem críticas sobre o que viram e como podem fazer. Educam, formam pessoas, transmitem mensagens através do teatro que, de certa forma, vão influenciar sempre alguém”. Joana não compara este trabalho com o do grupo de Louredo. Lá são crianças, jovens, e o trabalho obrigatoriamente tem de ser diferente. Ambos recompensam. E o segredo? Em qualquer início, mesmo no teatro, é preciso definir por onde se vai começar. É esse o segredo. Eles pensam que Joana lhes vai apresentar uma ou duas peças já definidas para iniciarem o processo. Não vai. “Trago uma

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ou duas peças mais ou menos pensadas, mas a proposta que lhes vou fazer é diferente”. E diz-lhes: “Concordam, têm vontade de criarmos um texto de raiz? Sei que tenho de apresentar um desafio maior, porque a resposta vai ser muito interessante”. Até hoje sempre trabalharam com textos bem definidos. Até hoje, no primeiro dia, definiam o texto e começam logo a trabalhar, a ensaiar, a criar as personagens, a decidir o que pode funcionar melhor em determinada situação. Até hoje, o teatro tinha um texto bem definido. Mas hoje, o teatro pode ser deles, com base numa ideia, ou num curto texto, definirem uma peça e recriarem o próprio teatro. Olham Joana, não respondem, sorriem e ficam em silêncio. É possível só agora ouvir a chuva forte que parece ter acalmado com o entrar da noite. O teatro vai começar…


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Os encenadores do pt Paredes com teatro Nas seis edições do PT foram contratados dezasseis encenadores dos quais seis se mantêm desde a primeira edição que teve início em 2006. Aos atuais foi pedido um testemunho e uma curta biografia. A todos os que participaram desde a primeira edição, com a sua competência, empenho e dedicação ao PT Paredes com Teatro são devidos os nossos agradecimentos.

Alexandra Miranda Ana Perfeito Ana Rita Campos Emílio Gomes Fernando Soares Inês Pereira Leite Joana Moraes Joaquim Marinho Neto Juan Fernandez Manuel Neiva Mariana Assunção Rita Burmester Sara Pinto Pereira Sílvia Correia Stela Figueiredo Susana Paiva

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A minha história no PT começa com os meus passos assustados de atriz e encenadora em início de carreira. E com os passos, ora confiantes dos elementos experientes do Grupo de Teatro da Associação Clube Jazz de Baltar, ora desconfiados dos jovens do grupo Xisto, de Aguiar de Sousa. É construída com as suas experiências, as suas histórias, com os seus risos e os seus choros. E os seus aplausos. Destes ingredientes, só uma de duas receitas poderia surgir: um grande amor ou uma grande aversão! Mas isso, só o tempo diria… O tempo fez também ver que afinal todos têm os mesmos risos, os mesmos choros e lutam pelos mesmos aplausos. Somos todos feitos da mesma matéria: a humanidade e a humildade, que todos – profissionais e amadores – deveriam ter… As estreias surgiram e abriram caminho para um projeto cultural e social já indispensável no município de Paredes. A partir de 2007, continuei com o Grupo de Teatro de Baltar e passei a encenar a Tru’peça (nome criado em conjunto com os elementos do grupo) – Associação de Teatro de Rebordosa. Decorrido pouco tempo, orientei também oficinas de Teatro para crianças e jovens de Baltar, que deram origem a mais dois grupos no PT – o grupo de Teatro de crianças e o grupo de Teatro de jovens da A. C. J. de Baltar (hoje fundidos no grupo Infanto-Juvenil). Muitas estreias, muitas emoções, muitos aplausos aconteceram ao longo destes anos, que, não me canso de dizer, mudaram a minha vida para muito melhor. Como profissional, mas acima de tudo como ser humano, já que posso afirmar que cada grupo é mais uma família que tenho. Não nego que existem dificuldades, obstáculos, uns mais fáceis de ultrapassar do que outros. Mas o brilho no olhar de quem faz, vê e de mim própria em cada espetáculo representado, faz-me não desistir!


O poema de Bertolt Brecht (de quem encenei a “Boda dos Pequenos Burgueses” em Baltar) exprime a luta daqueles que não desistem: «Há homens que lutam um dia, e são bons; Há outros que lutam um ano, e são melhores; Há aqueles que lutam muitos anos, e são muito bons; Porém há os que lutam toda a vida. Estes são os imprescindíveis.» Não tenho dúvidas que os seres humanos com quem tenho o privilégio de trabalhar no PT – Paredes com Teatro são imprescindíveis!...

Ana Perfeito

Ana Perfeito nasceu em 1982, no Porto. Completou a Licenciatura do Curso de Teatro (Interpretação e Estudos Teatrais) na Escola Superior de Música e das Artes do Espetáculo (ano letivo 2003/2004). Recebeu o Prémio Engenheiro António de Almeida, em 2005, por ter alcançado a melhor média na sua turma. Entre 2000 e 2013 (período da sua carreira artística a nível profissional) participou como atriz, produtora, diretora de cena e encenadora em várias companhias de Teatro do Norte, tendo feito internacionalizações no Brasil (São Paulo e Rio de Janeiro) e em Cabo Verde (Festival de Teatro MINDELACT). É encenadora no Projeto “PT – Paredes com Teatro”, desde 2006 e faz parte, desde 2008, do elenco dos espetáculos do Teatro do Noroeste – Centro Dramático de Viana. Frequentou o Curso de Língua Gestual Portuguesa, na Associação de Surdos do Porto, tendo um projeto de criação de Teatro em Língua Gestual e de uma Companhia de Teatro de Surdos. Concluiu o Curso de Formação de Formadores em 2007. Presentemente, exerce atividade como atriz, encenadora, diretora de cena e formadora de Teatro.

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Nos últimos cinco anos tenho monitorizado o grupo de Aguiar de Sousa – Xisto. Não é a minha primeira experiência como encenador de grupos de teatro amador. Sempre foi um caminho que vi, como natural, no meu percurso artístico. Sendo e tendo formação como ator, o lado da criação (encenação) foi um desejo que esteve sempre presente. Não havendo propriamente curso ou formação nesta área em Portugal, a oportunidade do PT Paredes com Teatro surgiu quase como uma escola prática de encenação. Encontrei em Aguiar de Sousa um grupo de adolescentes e jovens adultos recetivos ao “Teatro” com vontade de dinamizar a sua localidade. Aguiar de Sousa fica um pouco distante do resto do concelho de Paredes. É um local que fica no cimo de um monte, rural, e as primeiras impressões do mesmo podem ser um pouco preconceituosas. O mesmo aconteceu comigo; dei comigo a pensar – “O que é que eu estou aqui a fazer?”. No entanto, o preconceito desvaneceu ao fim de poucas sessões e o lado mágico de Aguiar seduznos e tornamo-nos amigos desta terra e deste grupo. Foi o que me aconteceu com a Xisto e com Aguiar. Comecei cético e até um pouco paternalista, mas depressa vi que este projeto era mesmo uma escola e que o processo de aprendizagem funcionava em ambas as direções. No lado humano, vejo esta experiência com algo de esclarecedor. Ver a disponibilidade de pessoas que depois de um dia de trabalho, ou escolar, estão dispostas (e com vontade!) de ensaiar uma ficção é gratificante. Estarem disponíveis para largar as suas vidas e representar outras, com outros problemas e dilemas é significativo. Nós, os do “Teatro” devemos ver este fenómeno como um caminho de esperança. Vejo este projeto (PT) como algo a seguir em todo o país.


É realmente esperançoso vermos que o Teatro tem uma função nas comunidades e que elas têm vontade de o receber, praticar e mostrar. Sem o apoio do município, tudo isto seria impossível. No campo criativo, o trabalho foi desenvolvido na perspetiva da evolução; tanto da pessoa como do ator. Não vejo o PT como um projeto puramente artístico, mas essencialmente comunitário. Encarei-o desde o princípio nessa perspetiva. É óbvio que nestes cinco anos o crescimento destes jovens atores é visível e reflete-se nos trabalhos apresentados no palco; no entanto, parece-me mais importante e reflexo do sucesso do projeto na comunidade, vermos as ferramentas teatrais terem utilidade no dia a dia dos seus membros. No caso da Xisto, em que grande parte do grupo estava no início da adolescência e agora, entra na idade adulta, os progressos são formidáveis. Vejo-o nas capacidades expressivas e sobretudo no desenvolvimento do discurso. No caso dos outros membros do grupo, que já estavam no início da fase adulta, assumem como natural serem elementos com mais responsabilidades e têm um atitude quase profissional na abordagem ao trabalho teatral; seja em ensaio, espetáculo, preparação do mesmo e respetivas digressões. É claro que nem sempre tudo corre bem, existem discussões e a unanimidade não está presente em todas as decisões. Como jovens que são ( e somos, também me incluo), cada um defende as suas posições com veemência e procura vitória para os seus argumentos. Digo isto apenas para demonstrar o verdadeiro sentimento de grupo que existe nesta nossa equipa. Não vejo a Xisto como somente um grupo de pessoas que dirijo no palco, são pessoas que já fazem parte da minha vida. Em qualquer ensaio, num qualquer momento, alguém

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vai contar uma situação por que passou recentemente. Eu não introduzi isto como fazendo parte do processo criativo, isto acontece espontaneamente. Mas acontece, sempre. Penso ser o reflexo da confiança adquirida com o tempo e da sala de ensaios ser também uma sala de partilhas. De ano para ano o grupo vai tendo algumas entradas e saídas, algo muito natural, mas o seu núcleo duro mantém-se fazendo sacrifícios tanto a nível familiar como social. Vendo esse caminho já referido da evolução, começámos por fazer textos de outros grupos amadores, passando por textos de Karl Valentim, Eugene Ionesco chegando à dramaturgia contemporânea de Dennis Kelly. Sem evolução interpretativa não podíamos ter dado estes pequenos saltos no que se refere à dificuldade dramatúrgica. Mantendo esse caminho, este ano optei por escrever uma peça para estes atores. Mais uma vez, utilizei o PT como escola; desta vez de escrita. Procurei uma área temática que fosse ao encontro dos problemas atuais da maioria dos membros do grupo, e inerentemente da sua faixa etária. Na nosso processo criativo, nunca fomos absolutamente puristas com o texto, procurando que este servisse o espetáculo e não o contrário. Sendo assim, criei uma pequena sátira novelística da adolescência de base para o nosso espetáculo. E é apenas isso que é, a base. O resto é feito pelo processo criativo dos atores e do encenador. Assim todos temos muito mais liberdade e chegamos ao ponto que eu tanto queria desde início: estamos a falar no palco sobre coisas que se passam connosco fora dele. Sendo uma experiência, como quase todas, com altos e baixos, sinceramente só me aparecem na memória os bons momentos e


quando assim é só pode ser positivo. Quando me refiro a alguém que terei ensaio nessa noite em Aguiar digo-o falando no “meu grupo”. Não o digo num sentido de posse mas de pertença; eu faço parte deste grupo. E tenho orgulho.

Emílio Gomes

Emílio Gomes nasceu a 1 de maio de 1981 em Vila Nova de Gaia e reside no Porto. Concluiu a licenciatura em Estudos Teatrais/Interpretação na ESMAE em 2003 com destaque para workshops e/ou produções com António Pires, Rogério de Carvalho, António Durães, Nuno Cardoso, Julio Castronuovo, Alan Richardson, Paula Simms e Jen Yates. Funda em 2001 com Nuno Loureiro a companhia Teatro Atípico com destaque para os espetáculos: “O público”, “Logo hoje”, “Tudo o que as mulheres querem…” Desde 2003 trabalha como ator na associação Usina dedicada a espetáculos de Debate teatral. Destacam-se os espetáculos . “Nem muito simples, nem demasiado complicado”, “Dependências”. É ator residente do Teatro Oficina, primeiro entre 2003 e 2005, e depois desde 2008 trabalhando com Marcos Barbosa, Alberto Villareal, Cristina Carvalhal, Nuno M. Cardoso, Denis Bernard, Nuno Pino Custódio, João Pedro Vaz, entre outros. Destacam-se os espetáculos: “O silenciador”, “Sonho de uma noite de verão”, “Macbeth”, “Rua Gagarin” e “O atraso de Gogot”. É encenador desde 2007 do grupo amador de Teatro Xisto, de Aguiar de Sousa. Tem também pequenos trabalhos em cinema e figurações especiais.

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… e o projeto PT desenvolveu-se e solidificou-se, sendo hoje “palco” de uma dinâmica teatral/associativa muito profícua e até surpreendente. Todavia, e concretizada a fase participativa, creio ser importante que o PT entre na fase qualificativa, para, designadamente, se constituir como referência artística e cultural para lá da geografia do concelho de Paredes, partilhando o trabalho desenvolvido com outros projetos regionais e nacionais. O Município de Paredes, ao investir no PT, demonstrou que, mesmo em conjunturas adversas, a cultura e as expressões artísticas, o teatro em particular, constituem um investimento de elevado valor, cada vez mais necessário, porque feito de um modo estruturado e sustentado, com os cidadãos e para os cidadãos. Por tudo o que foi feito e pelo que ainda virá no futuro, e a todos que estão neste palco PT os meus agradecimentos.

Fernando Soares

Fernando Soares é licenciado em Teatro - interpretação e encenação - e desenvolve a sua atividade artística (para além das artes plásticas e fotografia), trabalhando em projetos na área da poesia e do teatro, (como professor, ator, encenador e formador), nos contextos associativo e escolar (integrando e coordenando diversos projetos desde o primeiro ciclo ao universitário, e o projeto teatral no Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira). Como profissional, trabalhando, designadamente, no Centro Dramático de Viana, Seiva Trupe, A.C.E/Teatro do Bolhão e Teatro Nacional de São João.


O Programa PT tem sido uma viagem cheia. Com momentos de espanto, partidas e chegadas como uma aventura de livro. Começou por um desafio que me foi feito enquanto profissional do teatro. Encenar uma peça de Teatro, dar formação e dinamizar dois grupos de pessoas prontas a entrar no barco e a fazer uma travessia em direção ao desconhecido. Para tal é necessária uma planificação que exige conhecimento de mapas e da natureza humana, cálculos de navegação que nos apontem direções e mestres de letras a explorar, experiência na navegação “à vista” e diplomacia perante novas realidades. Através da minha formação e experiência anteriores tinha já tido a oportunidade de experimentar alguns dos desafios que eram agora inaugurados. Tomei em mãos a aventura e vim a descobrir Cête e Lordelo, cheia de costumes próprios, histórias de pessoas e de História. Eu que durante a maior parte da minha vida vivi no Porto e que mal conhecia Paredes aqui tão perto. Mudei-me de armas e bagagens (a dado momento literalmente) e tentei entrar no espaço dos que me acolhiam de braços abertos na sua terra, abrindo-me as suas casas e as suas vidas. Contra as correntes que vão perdendo a cultura e desperdiçando capital humano, o programa PT tomou uma rota que só poderia dar frutos. A sua força eram as pessoas. Começámos devagar mas com passos confiantes, procurando sempre um desafio mais arriscado, com uma exigência acrescida pelas vitórias conseguidas. Não apenas a vitória dos públicos e dos risos da plateia, mas sobretudo a vitória de arriscar o ridículo, a falha, para nos ultrapassarmos. O Teatro também foi sendo feito das experiências e saberes acumulados pelas associações e seus intervenientes: um que sabe de eletricidade, outra que faz magia com os tecidos, um que sabe da história do teatro feito em Portugal, uma que é depositária da sabedoria e das regras dos trajes tradicionais, uma que compõem imagens, amizades e

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adereços, um outro que toca guitarra. Vários que sem saber ler decoram papéis inteiros como se aprendessem uma nova língua. São muitos os exemplos de pessoas que dão um pouco do seu tempo para arriscar em conjunto. Recebem em troca amizade e companheirismo de outros, a partilha de uma aventura conjunta, algo que é difícil de explicar nestas palavras. Tenho vindo a aprender todos os anos a desafiar os limites que cada um acreditava serem os seus, até os meus próprios limites, alargando a minha paciência mas também a minha sabedoria. Para esta viagem outros aceitaram a aventura do desconhecido e dos afetos e entraram na embarcação Teatro. É este risco tomado que nos espanta, num tempo em que nos habituam a fazer viagens completamente sozinhos. E este é também um presente de vida que nos acompanha.

Inês Leite Inês Leite. Natural de Londres. Licenciatura em Estudos Teatrais (ESMAE 2005) e Biologia (FCUP 2001). Bacharelato em TeatroInterpretação (ESMAE 2004). Como atriz trabalhou com encenadores como António Durães, João Garcia Miguel, José Carretas, Lee Beagley e Pedro Estorninho e em companhias como TEatroensaio, Panmixia AC, Produções Suplementares, Teatro das Beiras. Em cinema trabalhou com Raquel Freire em “Veneno Cura” e Eduardo Morais em “Glória”, “Sotão” e “Caos”. Encenou “Pássaro de Papel” (TEatroensaio 2010 ), “ Morte e Vida Severina” (1º Prémio FTA Guimarães, CCVF 2010), “A Rua do Inferno” (TRIP-ESE 2006) e co-encenou os projetos Direitos e Desafios II (CM Sta. Maria Feira 2006) e “Se eu te quisesse beijar... tu deixavas? (FEP 2004). Assistente de Encenação de João Mota (Esmae-IPP, Projeto II), Pedro Estorninho e António Durães, sendo responsável pelos Projetos Independentes (ESMAE-IPP 2010). Realizou trabalhos de Tradução para Teatro (Samuel Beckett e Eduardo de Filippo) e trabalhou como produtora no Serralves em Festa 2007 e 2008. É formadora do Programa PT desde a sua formação em 2006, encenando um espetáculo anual junto de cada um dos Grupos: “CêTeatro” (Centro Social de Cête) e “Os Expansivos” (GRC Lordelo) e diretora (desde a sua formação) da companhia TEatroensaio, companhia profissional sediada no Porto.


Trabalho como monitora do PT – Paredes com teatro desde 2006, data de início do projeto, o que tem sido uma experiência muito compensadora. Comecei por trabalhar com dois grupos, os das freguesias de Vandoma e de Gandra. Na altura estes dois grupos, muito diferentes entre si, não tinham quaisquer referências sólidas sobre teatro. Curiosamente, ambos referiram que o que gostariam de fazer era teatro de revista. Desde logo decidi que seria interessante fazer propostas mais ousadas com as quais eles pudessem perceber o teatro de uma forma mais ampla, mas que ao mesmo tempo não lhes fossem tão estranhas que os desmotivasse. Nessa primeira edição decidi fazer com os dois grupos peças criadas de raiz, para que os intervenientes pudessem perceber que tinham uma palavra a dizer enquanto criadores. E o trabalho funcionou de forma muito positiva tanto por parte dos jovens atores, como por parte do público que recebeu muito bem os espetáculos. Desde então já trabalhei com vários grupos, de várias idades e de diferentes freguesias. Trabalhámos textos originais e trabalhamos grandes nomes do teatro nacional e internacional tão diversos como Shakespeare, Ionesco (celebramos os 100 anos sobre o seu nascimento em 2009), Steven Berkoff, Luísa Costa Gomes, Almada Negreiros, António Torrado, entre outros, sempre com uma ótima receção por parte do público. Mas mais importante que isso, penso que se destaca o facto de ter sido possível fazer um trabalho continuado com estes grupos e acompanhar a sua evolução enquanto atores, enquanto sujeitos artisticamente ativos com uma voz que tem algo a dizer. Observar que já perderam muitas das inibições iniciais, ganharam mais confiança em si mesmos e no grupo e aceitam desafios cada vez maiores. Observar que neste momento pensam em teatro, conhecem teatro e criticam teatro de forma construtiva e positiva. Seria utópico achar que o projeto funcionou de igual maneira para todos os grupos com quem trabalhei. É verdade que há grupos que tiveram que desistir, uns porque as vidas mudaram, outros porque não encontraram a motivação certa. Mas de qualquer forma, fiquei sempre com a sensação que foram lançadas sementes que hão de germinar.

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É de extrema importância a educação e este projeto é muito mais do que um projeto de entretenimento porque tem ajudado a levar outras mensagens e outras referências a pessoas que muitas vezes não as têm, pelo menos ali, no lugar onde moram. Este parece-me ser um dos pontos mais fortes do PT. Mas claro, também é muito importante a dinâmica que estes grupos criam nas suas freguesias, não só para os que fazem diretamente parte do projeto, como para todos os que se mobilizam para ajudar, para apoiar, e para seguir os amigos nas suas digressões. Para além disso, ficam todos os momentos divertidos vividos em conjunto e as amizades que de outra forma nunca aconteceriam.

Joana Morais Joana Moraes inicia em 1997 os estudos em teatro no ACARTE, com Lúcia Sigalho. Nesse mesmo ano frequenta as oficinas de teatro do Chapitô, em Lisboa. No ano letivo de 1999/2000 frequenta o Institut del Teatre de Barcelona como free-mover. Conclui a licenciatura em Estudos Teatrais- Interpretação, na ESMAE, no Porto, em 2003 onde trabalha com nomes como Polina Klimovitskaya, Denis Bernard, António Durães, Claire Bynion, Rogério de Carvalho, Nuno Cardoso, entre muitos outros. Como atriz profissional trabalhou com António Durães, Catarina Lacerda, Claire Bynion, José Topa, Lee Beagley, Lúcia Sigalho, Rodrigo Areias entre outros. É professora de Teatro e dirige o estúdio de Ópera no Conservatório de Música do Porto, desde 2005. Trabalha como monitora, desde 2006, no projeto PT Paredes com Teatro, da Câmara Municipal de Paredes. Em 2011 conclui, na ESMAE, o Mestrado em Encenação e Interpretação onde criou e dirigiu o espetáculo “Três em linha” (2010), apresentado no Teatro Helena Sá e Costa, Porto. É diretora artística do Musgo onde criou e dirigiu os espetáculos “Gostava de ter um periquito...” (2011) e “A casa de Georgienne” (2012). Em Setembro de 2012 lança, pela editora Eucleia, o livro de poesia “Um punhado de histórias mais ou menos lamechas”.


Gostaria, em primeiro lugar, de felicitar todos os intervenientes do programa “PT PAREDES COM TEATRO” pela excelente iniciativa que constitui em difundir o teatro dentro e fora do concelho de Paredes, que nos permitiu tomar contacto com dezenas de grupos de teatro, centenas de espetadores e compreender o que se faz de melhor no teatro amador. Trata-se de uma ação do maior interesse, à qual tenho o prazer de pertencer. De igual modo, quero agradecer a oportunidade de testemunhar a minha experiência enquanto encenador do Grupo de Teatro de Duas Igrejas e do Grupo de Teatro da Associação para o Desenvolvimento do Lugar de Bustelo, Recarei. Precisamente, no dia 25 de Maio do ano de 2007, iniciei-me como encenador em Bustelo e no ano seguinte, em Duas Igrejas. A experiência foi bastante enriquecedora ao mesmo nível nos dois grupos de teatro. A representação e a encenação de um espetáculo de teatro são atividades formadoras do indivíduo. Foi nesse sentido que eu, em conjunto com os atores, encontrámos no teatro uma maneira de estar única que nos ajudou no desenvolvimento pessoal e para um trabalho de aprendizagem em continuidade. O teatro, se me permitem a analogia, é como a prática desportiva que reside na fórmula: o bom atleta/ator é aquele que treina/ensaia todos os dias, que se põe à prova e procura melhorar os seus tempos/a sua performance. Mas no teatro amador, aqui em particular, a direção de atores é de extrema exigência, pois obriga-nos a ser bastante complacentes com as pessoas. O ator amador desenvolve a sua atividade ao fim do dia, não dedica todo o seu tempo e não obtém com a mesma, nenhum rendimento económico assinalável. Trata-se antes de mais, de uma atividade apaixonante, um momento para se encontrar com os outros, uma forma de ocupar os seus tempos livres.

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Mais do que a parte artística importa a formação deles como melhores pessoas, mais autónomos, responsáveis, com capacidade para trabalhar em equipa, com espírito de entreajuda e terem confiança neles próprios. Em suma, a minha experiência contribuiu para afirmar que o teatro amador neste contexto é considerado pelos atores de grande importância para a sua atividade futura. Habitualmente, estas experiências são descritas como gratificantes, com um importante caráter pedagógico e formador; um veículo de conhecimento dos meandros do meio teatral, do saber-fazer dos seus profissionais e de um passo para cada um encontrar-se a si próprio.

Joaquim Marinho Dias Neto Joaquim Marinho Dias Neto nasceu em Paredes, a 8 de julho de 1984, no seio de uma família humilde. Interessou-se desde muito novo pelo teatro, graças aos teatrinhos na escola. Estudou na escola EB2/3 de Cristelo e posteriormente inscreveu-se no curso de teatro na escola Balleteatro no Porto. O seu percurso profissional foi marcado por alguns artistas de renome como: José Wallenstain, Ricardo Pais, Lígia Roque, João Reis, João Grosso, António Durães, Jeff Cohen, Emília Silvestre, Jorge Pinto, Jorge Vasques, Luís Madureira, Né Barros, Jean Pierr Sarrazac, Roberto Merino, Nuno Nunes, Artur Guimarães, Paulo Ribeiro, João Paulo Seara Cardoso, Ana Perfeito e Fernando Soares. Atualmente encontra-se a acabar o Curso de Animação Sociocultural no Instituto Superior de Ciências Educativas de Felgueiras. Paralelamente aos seus estudos académicos, leciona a Atividade Extracurricular de Expressão Dramática no Agrupamento de Escolas de Frazão, Paços de Ferreira e encena o Grupo de Teatro de Duas Igrejas e o Grupo de Teatro da Associação para o Desenvolvimento do Lugar de Bustelo, Recarei.


O projeto PT nasceu, cresceu, amadureceu e ganhou raízes, transformando-se num “palco maior”, onde se combinam cidadãos, idades, costumes, escritas criativas, vontades e, sobretudo, Novos Hábitos de cultura e dinâmicas teatrais. Este projeto tem, agora, raízes fortes e saudáveis, os seus ramos já dão folhas viçosas, que se esperam, ainda, com mais qualidade nos anos vindouros, com o empenho de todos os que colaboram, de coração, neste projeto singular do panorama cultural português. O Município de Paredes, ao investir na continuidade do PT, demonstrou que, mesmo em tempos desavindos, a cultura e as expressões artísticas, o teatro em particular, constituem uma maisvalia para os cidadãos e a comunidade envolvente. Em jeito de balanço, congratulo todos aqueles que, de uma Ideia, fizeram a história deste livro, que se deseja presente e futura… O meu sincero agradecimento a todos os que partilharam e partilham este “palco maior”.

Rita Campos Rita Campos, licenciada em Teatro e Artes Performativas, desenvolve a sua atividade artística, como atriz, escritora e intérprete/soprano, desde o ano 2001. Trabalhou com encenadores nacionais e internacionais, como Breno Moroni, Filipe La Féria, entre outros. Reconhecida pelo seu trabalho como Contadora de Estórias em diversas escolas, feiras do livro e como diseur em várias exposições e lançamentos de livros. No âmbito da encenação tem colaborado em diferentes projetos: PT Paredes com Teatro, Oficina de Teatro do Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira e SALTO ALTO. Paralelamente ao seu percurso artístico é docente e formadora em diversos projetos, desde o primeiro ciclo ao universitário, no âmbito das áreas artísticas-Teatro, Expressão Dramática, Contadores de Estórias, Voz, Canto e Técnicas de Caraterização para Teatro e Cinema. Estando integrada no ensino regular e profissional desde 2005.

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O meu percurso no programa PT Paredes com Teatro sempre esteve ligado ao Grupo de Jovens Nova Esperança da Sobreira. Esse percurso iniciou-se em 2008/2009 com o espetáculo “Os Idiotas” que foi baseado em textos de Monty Python e outros textos cómicos. Fui a primeira encenadora e formadora deste grupo e também foi a minha primeira encenação. É com muito orgulho que vejo este grupo crescer em termos artísticos. Nesse primeiro projeto optei por trabalhar pequenos textos e apostar na formação teatral para poder dar técnicas de base em termos teatrais. No período de 2010/2011 realizámos o espetáculo “Há perigo no prédio” com base no texto “Se perguntarem por mim não estou” de Mário de Carvalho. Considerei que já podíamos trabalhar uma peça de teatro e foi isso que fizemos. O resultado foi um espetáculo divertido, bem realizado e muito bem recebido pelos espetadores. Em 2012 construímos o espetáculo “Os Mártires do Mosteiro” com base no texto “O Coronel Pássaro” de Hrysto Boytchev. Começámos com um período intenso de adaptação do texto dramático ao número de elementos do grupo e seguimos com ensaios que deram forma ao espetáculo final que teve boa receção por parte do público. O texto refere-se ao conflito Sérvio-Bósnio mas eu decidi adaptá-lo ao conflito da Síria por ser este atual. No mesmo ano foi criado o Grupo de Teatro Juvenil da Sobreira que realizou como primeiro espetáculo “Queres sentar?” com base no texto “A Tabacaria” de Fernando Pessoa e no trabalho com máscara. Utilizei o trabalho com máscara neste projeto por este ser o tema de análise da minha tese de Mestrado e o resultado foi muito positivo. Além da formação dada aos atores é importante referir a educação do público que tem sido crescente e isso reflete-se na sua intensa presença nos espetáculos que ocorrem no auditório do grupo.


Ser encenadora tem sido uma parte muito importante na minha realização pessoal e profissional. Tenho crescido como pessoa e como artista e muito devo ao PT Paredes com Teatro.

Susana Paiva Susana Paiva, Inicia o seu percurso no teatro em 1999 no TeatrUBI Teatro Universitário da Beira Interior. Ingressa na Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo (ESMAE) em 2003 no Curso de Teatro – Interpretação que termina em 2007. Paralelamente à sua formação na ESMAE, faz um Masterclass e um Estágio em Commedia dell’Arte com Filipe Crawford, Mário Gonzalez e Ferruccio Soleri inserido no Festival Internacional de Máscaras e Comediantes organizado pela Casa da Comédia. Em 2009, dá aulas de teatro na Escola E.B.2/3 Fernando Pessoa, de Santa Maria da Feira e inicia o Curso de Mestrado em Encenação/ Interpretação na ESMAE. Em 2010 dá aulas de Expressão Corporal e de Teatro na EB2/3 Ferreira de Castro, trabalha como atriz no grupo “Companhia do Jogo”, frequenta o 2º ano de Mestrado e encena o Grupo de Jovens Nova Esperança da Sobreira. Em 2011, frequenta o Estágio de Commedia dell’Arte ministrado por Fabio Gorgolini do Teatro Pícaro. No ano letivo de 2011/2012 continua a exercer funções como atriz na “Companhia do Jogo”, dá aulas de Expressão Dramática no Agrupamento de Escolas do Pinheiro da Bemposta e na EB2/3 Ferreira de Castro. Em 2011 conclui o Curso de Formadores “Desenvolvimento Curricular em ArtesMetodologias e Práticas” na área do teatro. Encena dois grupos de Teatro do Grupo de Jovens Nova Esperança da Sobreira, em Paredes, na vertente júnior e sénior. Defende a Tese de Mestrado que se centra no ensino e aplicação do trabalho com máscara em Portugal. E de momento é atriz no grupo de Teatro Experimental do Norte, no Porto.

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Grupos Participantes Grupo de Teatro da Associação para o Desenvolvimento de Bustelo – Recarei Grupo de Teatro Juvenil de Sobreira

Grupo de Teatro Amador de Cristelo Tic-Tac – Grupo de Teatro Infantil de Cristelo

Grupo de Teatro de Duas Igrejas

Tic-Tac – Grupo de Teatro Juvenil de Cristelo

Grupo de Teatro de Cête – Cêteatro

Grupo de Teatro Infantil de Mouriz

Grupo Teatro Infanto-Juvenil de Baltar – Associação Clube Jazz de Baltar

Girassol – Grupo de Teatro de Mouriz

Grupo de Teatro de Baltar – Associação Clube Jazz de Baltar Grupo de Teatro da Associação Social e Cultural de Louredo Grupo de Teatro Os Expansivos – Lordelo Grupo de Teatro da Associação Juvenil Xisto – Aguiar de Sousa Tru´peça – Associação de Teatro de Rebordosa

Grupo de Teatro Os Mindinhos – Rebordosa Grupo de Jovens Nova Esperança – Sobreira Companhia de Teatro de Vandoma – Grupo de Jovens de Vandoma

Grupos Participantes em edições anteriores do pt paredes com teatro Associação Damus Vida, Madalena Associação Recreativa de Vilarinho de Cima Grupo de Teatro Infantil da Fundação Alord Teatro Palco – Grupo de Teatro de Sobrosa



Ficha Técnica Título:

Textos:

PT Paredes com Teatro A cidadania em palco

Eugénio Pinto, Henrique Praça

Tiragem: 1000 ex.

Fotografias: Promotor:

Depósito legal:

Município de Paredes

Rafael Telmo Marco Pedrosa (Clube Jazz de Baltar)

Presidente:

Design:

ISBN:

Celso Ferreira

GSA Design

978-989-96388-1-5

Vereador da Cultura:

Gestão editorial:

Edição gratuita

Pedro Mendes

Setepés

Paredes, junho de 2013

Chefe de Divisão da Cultura:

Editor:

Margarida Cardoso

Câmara Municipal de Paredes

Gestão do Programa PT:

Impressão:

Fernando Salvador, Sónia Peixoto

Invulgar

Consultoria ao Programa:

Tipos:

Setepés

Bebas Neue (Dharma Type) Bitter (Sol Matas)

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