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Envelhecer em movimento

ARQUITETURA

O CORPO E OS ESPAÇOS DA CIDADE E DO SESC

Pensar no trabalho de Ivaldo Bertazzo e na relação do corpo com os espaços provocou uma série de reflexões sobre onde vivemos: as condições espaciais da cidade e como o corpo percorre e vivencia os espaços que criamos ao longo dos anos para algumas unidades do Sesc. São Paulo virou a cidade do desencontro e da segregação. Todos estão trancados dentro de casas com grades e muros, seja na periferia, seja nos condomínios de luxo ou nos edifícios cada vez mais altos, verdadeiros presídios, sem relação com o chão e com as pessoas.

Os espaços públicos têm sido privatizados e murados para gerar lucro. As áreas verdes, invadidas cada vez mais pelas construções, contribuindo para a aceleração do aquecimento global. Dessa forma, caminhamos na contramão das atuais e prementes necessidades ambientais, como a criação de parques e outros espaços públicos de convivência acolhedora, de integração e formação, para todas as camadas e faixas etárias da população.

Precisamos ampliar a relação entre a natureza e o espaço construído, como acontece na cidade colombiana de Medellín, onde o equilíbrio entre as áreas verdes e as áreas construídas tem contribuído para barrar ou amenizar as alterações climáticas em curso, colaborando para o encontro e a convivência dos cidadãos. Outros exemplos são os parques lineares e as ciclovias criadas há alguns anos e, em especial nas unidades do Sesc, os centros de convivência, de troca de experiências e informações, com aprimoramento social, crítico e inovador, voltados à cultura, ao lazer, ao esporte e à saúde, de forma integrada e para pessoas de todas as idades.

As unidades do Sesc abrigaram e apoiaram inúmeras produções, apresentações e pesquisas do artista Ivaldo Bertazzo (em dança, psicomotricidade, relação entre corpo e

CHRISTINA DE CASTRO MELLO

espaço), sendo recíproca a colaboração entre o artista e a entidade. Nós arquitetos, também tivemos a oportunidade de contribuir nesse tipo de ação do Sesc, com projetos arquitetônicos para algumas unidades, enfrentando o desafio de criar espaços que pudessem traduzir o programa físico funcional, rico e inovador desses locais.

Espaços integrados, generosos e instigantes para a realização de atividades criativas, formação e convívio dos cidadãos, sendo cada projeto único, apesar dos programas serem similares. Ao pensar esses espaços, alguns aspectos foram especialmente relevantes:

• Inserção da edificação na paisagem, no entorno, para que fosse respeitosa e estabelecesse um diálogo com o espaço pré-existente, marcando sua presença de forma convidativa.

• Abertura ao público, por meio de acessos permeáveis, sem barreiras ou segredos. No projeto do Sesc Jundiaí, retomamos algumas características da arquitetura moderna brasileira, tais como o contraponto entre volumes e linhas verticais e horizontais: um bloco horizontal curvo “solto do chão”, com grandes beirais e transparência, envolvendo parcialmente o cilindro vertical do ginásio de esportes e espetáculos com as circulações feitas por varandas externas.

• Permeabilidade entre os volumes e entre espaços externos e internos.

• Acessibilidade mais democrática possível, a exemplo da arquitetura moderna brasileira, através da praça/praia do rio Jundiaí, espaço público de eventos e acesso à unidade.

• No Sesc Birigui, buscamos mais uma vez a horizontalidade e as transparências. Dois volumes transparentes e ventilados naturalmente ladeiam o vazio da quadra de uso múltiplo, indicando a possibilidade de um futuro parque linear ao longo do córrego da piscina que atravessa o terreno.

• No projeto do Sesc Bertioga, nossa intervenção respeitou as características locais, preservando as diretrizes comuns dos programas funcionais, e foi feita a recuperação da restinga, proporcionando às pessoas que chegam de diferentes cidades e ali se hospedam a chance de experimentar um jeito diferente de viver, por meio de espaços não cúbicos e o resgate das características da casa de caiçaras, com varanda e ventilação cruzada e natural.

• A revisão urbanística minimizou o número de ruas para circulação de veículos e criou novas áreas de circulação para pedestres, desvinculadas da malha viária, para todos os espaços da unidade, percorrendo o parque de jardins recompostos com a vegetação original de restinga e compatibilizada com a rede de drenagem, feita por canais vegetados integrados no projeto paisagístico. Assim, há a promoção de equilíbrio e permeabilidade entre a natureza e o espaço construído, gerando experiências novas aos frequentadores, que poderão replicar esse modelo em suas cidades. O programa do Sesc é inovador ao integrar e fazer interagir as atividades culturais, esportivas, sociais e de saúde, possibilitando nessas diversas áreas novos olhares e novas visões de mundo, ao contrário das tradicionais edificações especializadas. No nosso corpo, os movimentos estão sempre fazendo interagir as ações da cultura e do conhecimento, as ações físicas e as ações voltadas para a saúde.

Nos projetos do Sesc Jundiaí, do Sesc Birigui e do Sesc Marília buscamos criar “vazios centrais” como espaços de vivência e encontro. A partir deles, portanto, é possível visualizar os outros espaços da unidade, com suas diversas atividades, seja nas dimensões horizontais ou nas verticais, de tal forma que olhar e caminhar já fazem parte das descobertas oferecidas ao usuário.

Podemos ver os ambientes de várias alturas e perspectivas e percorrer caminhos curvos que a cada passo alteram nosso ponto de vista, em espaços sem barreiras, sem grades, propiciando a enriquecedora convivência entre diferentes. Tivemos atenção com a escala humana, evitamos escadarias, pé-direito enorme e passagens estreitas que “informam” que ali só gente muito importante poderia entrar. As alturas são baixas e largas, criando um convite à entrada.

Optamos pelo espaço permeável, com a vantagem de que a arquitetura permite manter ventilação natural e cruzada através de aberturas permanentes, sem a necessidade de inúmeros equipamentos. Retomando soluções do saber popular, privilegiamos espaços fluídos, com varandas, espaços sombreados e de transição. São soluções que ainda contribuem para a flexibilidade do edifício ao longo do tempo e as facilidades de manutenção, além da redução de custos de obra. A arquitetura, como uma das artes, também tem a função de mudar o olhar e estimular as pessoas a descobrirem coisas novas, mudarem as referências.

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