envelhecer_caderno_Online_CristinaMadi.pdf

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Mesmo as coisas que têm capacidade de realizar e às quais estava acostumada vão ficando de lado. O medo da fragilidade muitas vezes é maior que a efetiva condição de fragilidade.

O fenômeno da longevidade indica uma possibilidade real de viver mais. É preciso olhar para isso de uma forma séria. Atualmente, é possível planejar o futuro enquanto envelhecemos. Pode-se sonhar mais, ter projetos e se preparar para essa etapa com qualidade de vida, desde que os preconceitos sejam enfrentados. O idadismo reforça o preconceito de que a pessoa idosa é incapaz e deve ser tratada de modo infantilizado. Tratar assim uma pessoa adulta que já viveu muitas décadas e que tem pelo menos uma competência, a de se administrar (afinal, conseguiu chegar a essa fase), diz respeito à dificuldade que se tem de encarar o próprio processo de envelhecimento.

A preparação para o envelhecimento passa pela aceitação da passagem do tempo e pelo entendimento de que o tempo de realizar as atividades de interesse, de sonhar e fazer projetos é aquele que se destina a isso e não está pautado numa determinada faixa etária. A capacidade de aprender não acaba. Esse é um dos pilares do envelhecimento ativo. Os outros pilares se baseiam nas questões cognitivas, na interação social e no cuidado com o corpo, com a saúde.

Tendo em vista os índices demográficos que apontam para o envelhecimento da população de maneira geral, a Organização Mundial da Saúde (OMS) instituiu a Década do Envelhecimento Saudável (2021 a 2030) como a principal estratégia na construção de uma sociedade mais equânime para todas as idades. Reconhecer o envelhecimento como um fator de sucesso da vida traz maior consciência da preparação necessária para que a qualidade de vida seja uma realidade. Nesse sentido, o documento apresentado pela OMS na ONU sugere que saúde, educação, segurança e participação são os principais vetores que demandam políticas públicas dedicadas a ações de melhoria. A promoção de saúde, a possibilidade de maior instrução e desafios intelectuais, a proteção dos direitos e igualdade de condições da população e uma maior participação social formam o conjunto de pontos de partida para a instalação de boas políticas em prol de um envelhecimento saudável.

Nada acontece só pela iniciativa individual. Tudo passa pelo coletivo. Mas quando há mudanças de pensamento, de paradigmas, nos microssistemas, o cenário começa a mudar. A capacidade de escolha pode ser mais interessante, com menos interferência dos preconceitos que regulam o senso comum. A partir de uma análise crítica mais individualizada, é possível fortalecer uma mentalidade de enfrentamento, para que as políticas públicas sejam atualizadas e implementadas.

As barreiras existem, mas o sistema de sustentação está mais organizado, e a participação da pessoa idosa em conselhos municipais, estaduais e federais é um canal efetivo de transformação e acesso. Os serviços públicos devem estar prontos para atender a população com profissionais qualificados, preparados para receber a população idosa nas suas necessidades específicas.

A importância da participação vai além das questões de serviço. Estar envolvido nos problemas e discussões da comunidade diz respeito à referência e ao pertencimento. A identidade da pessoa idosa pode ser um fator de grande sofrimento, uma vez que nessa etapa da vida os papéis sociais se modificam e muitas pessoas se deprimem por não saber mais seu papel, a sua função no desenho da família, do trabalho, das relações sociais e de amizade.

Nesse ponto, as ações entre pares são muito importantes e funcionais, pois, através de uma rede de sustentação, a pessoa pode ressignificar sua trajetória e reencontrar sua posição.

Os comportamentos de homens e mulheres tendem a ser um pouco diferentes, uma vez que o homem geralmente tem sua identidade vinculada ao mundo do trabalho, e a mulher, na maioria dos casos, faz dupla jornada, se dividindo desde o início da vida profissional entre as funções de um emprego e as tarefas da casa. Pela cultura, os homens desenvolvem menos relações sociais que as mulheres, e quando chega a velhice, eles têm mais dificuldade em se integrar em novos grupos ou atividades.

Nas questões corporais, para além da saúde, é preciso entender o fluxo da energia libidinal que, com as tensões e limitações vividas na história individual, podem estar mais bloqueadas e impedindo que as situações prazerosas sejam vividas em plenitude. A atividade física auxilia no restauro da energia e amplia a capacidade de expressão. Com o envelhecimento, a tendência é que se sinta maior complicação na desenvoltura dos movimentos, e o medo de quedas e contusões leva a pessoa idosa a se movimentar cada vez menos, fazendo com que o corpo perca a prontidão de resposta aos desafios motores. Como a recuperação de lesões é mais lenta, a pessoa tende a limitar sua movimentação para não se arriscar. Isso vai tornando seu corpo menos preparado ainda para enfrentar desafios. A pessoa evita sair, se expor. A vida vai ficando mais limitada e com menos oportunidades de prazer.

Na pandemia, pôde-se observar uma diminuição muito grande da atividade física entre as pessoas idosas, aumentando a incidência de uma síndrome chamada sarcopenia. Essa síndrome provoca uma alteração muscular que reduz força e massa. Com isso, após a pandemia, as quedas por fraqueza muscular aumentaram, e a insegurança em se expor ao risco deixou muita gente mais recolhida em casa, com menos interação social e mais sentimentos de exclusão e abandono.

Mesmo quem não tem condições financeiras de fazer diversas atividades, academia, clube etc., precisa de mais atividades físicas no dia a dia. Com pequenas adaptações, a pessoa consegue alterar um estado de sedentarismo para uma rotina mais ativa. Com o tempo as famílias tendem a “poupar” a pessoa idosa de suas atribuições rotineiras, e com isso ela vai ficando cada vez mais limitada. O ideal é que ela continue fazendo suas atividades, mesmo que tenha que adaptar o ritmo ou os movimentos. É preciso continuar ativo. Isso traz foco, ajuda na motricidade e no senso de pertencimento.

Outro preconceito muito difundido é o de que quem envelhece fica mais sábio. Não existe uma iluminação automática conforme envelhecemos, ninguém fica mais sábio só porque envelhece. Sabe mais coisas porque viveu mais, tem mais experiência, mas os aspectos de personalidade de alguém mudam muito pouco. Se a pessoa foi um jovem rancoroso, exigente, provavelmente será um idoso com essas características. Porém, muitas coisas acontecem na fase do envelhecimento. Se a pessoa idosa tem a possibilidade de fazer uma reflexão, de rever quem é e como age, será capaz de mudar de rota e se reposicionar. Psicoterapia, grupos sociais, redes de apoio, tudo isso ajuda a se reconectar com o mundo.

Envelhecer não é mais considerado uma sentença de morte, mas uma possibilidade de viver mais tempo, com muitas oportunidades e realizações.

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