Revista E - outubro/23

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Revista E | outubro de 2023 nº 4 | ano 30

Luís Melo Ator faz da sua arte uma experimentação de si mesmo

Wagner Celestino Fotógrafo preserva memória do samba e da cultura afro-brasileira

Gal Total O legado da artista que cantou o Brasil de seu tempo

14 Bis A mais nova unidade do Sesc São Paulo chega à Bela Vista

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DIREÇÃO ARTÍSTICA SOLANGE FARKAS

CURADORIA RAPHAEL FONSECA RENÉE AKITELEK MBOYA

SESC 24 DE MAIO RUA 24 DE MAIO, 109, CENTRO, SÃO PAULO TERÇA A SÁBADO, 9H ÀS 21H; DOMINGO E FERIADO, 9H ÀS 18H 18.10.23-25.2.24

ABDESSAMAD EL MONTASSIR MARROCOS ABDUL HALIK

AZEEZ SRI LANKA ABU BAKARR MANSARAY SERRA LEOA

ADRIAN PACI ALBÂNIA AGNES WARUGURU QUÊNIA AILTON

KRENAK BRASIL ALI CHERRI LÍBANO ALICJA ROGALSKA

POLÔNIA ANDRÉS DENEGRI ARGENTINA ANDRO ERADZE

GEÓRGIA ANNA HULAČOVÁ TCHÉQUIA ANTONIO PICHILLA

QUIACAIN GUATEMALA ARTURO KAMEYA PERU BO WANG

CHINA BROOK ANDREW AUSTRÁLIA CAMILA FREITAS BRASIL

CERCLE D'ART DES TRAVAILLEURS DE PLANTATION CONGOLAISE (CATPC) REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DO CONGO DOPLGENGER

SÉRVIA EDUARDO MONTELLI BRASIL EURIDICE ZAITUNA KALA

MOÇAMBIQUE FAFSWAG ARTS COLLECTIVE NOVA ZELÂNDIA

FROIID BRASIL GABRIELA PINILLA COLÔMBIA GUADALUPE

ROSALES ESTADOS UNIDOS HSU CHE-YU TAIWAN ISAAC

CHONG WAI CHINA IWANTJA ARTS AUSTRÁLIA JANAINA

WAGNER BRASIL JOSUÉ MEJÍA MÉXICO JULIA BAUMFELD

BRASIL KAREL KOPLIMETS, MAIDO JUSS ESTÔNIA KENT CHAN

SINGAPURA LA CHOLA POBLETE ARGENTINA LEILA DANZIGER

BRASIL LUCIANO FIGUEIREDO, ÓSCAR RAMOS, WALY SALOMÃO

BRASIL MAISHA MAENE REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DO

CONGO MAKSAENS DENIS HAITI MARIE-ROSE OSTA LÍBANO

MAURÍCIO CHADES BRASIL MAYANA REDIN BRASIL MELLA

JAARSMA HOLANDA MOOJIN BROTHERS COREIA DO SUL

NATALIA LASSALLE-MORILLO PORTO RICO NOLAN OSWALD

DENNIS ZÂMBIA PAMELA CEVALLOS EQUADOR PENG

ZUQIANG CHINA RODRIGO MARTINS BRASIL SADA

[REGROUP] IRAQUE SAMUEL FOSSO CAMARÕES SEBA

CALFUQUEO CHILE SOFIA BORGES PORTUGAL TANG HAN

CHINA THI MY LIEN NGUYEN SUÍÇA TIRZO MARTHA CURAÇAO

TROMARAMA INDONÉSIA UJJWAL KANISHKA UTKARSH

ÍNDIA VIRGÍLIO NETO BRASIL VITÓRIA CRIBB BRASIL

YOUQINE LEFÈVRE CHINA ZÉ CARLOS GARCIA BRASIL realização

CONFIRA OS PROGRAMAS PÚBLICOS

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CAPA: Obra da série Paranapiacaba (2008), do fotógrafo Wagner Celestino. Reconhecido pelo registro histórico da memória do samba e de outras expressões culturais afro-brasileiras em São Paulo, o artista é celebrado, a partir deste mês, na exposição inédita Constelação Celestina, em cartaz no Sesc 14 Bis. Confira mais fotos do artista na página 40.

Crédito: Wagner Celestino

Legendas Acessibilidade

O setor de comércio e serviços é protagonista na geração de empregos e no cenário econômico do Brasil. Cerca de 70% do PIB – Produto Interno Bruto brasileiro provêm desse segmento. São milhões de trabalhadores dedicados a diversas atividades profissionais, promovendo a oferta de produtos necessários ao bem-viver e prestando um fundamental suporte no contexto contemporâneo da vida nos centros urbanos.

Neste mês de outubro, em que se celebra, no próximo dia 30, o Dia do Comerciário, o Sesc reafirma a importância do setor e reitera a essencialidade de sua missão em promover o bem-estar desses trabalhadores, de seus familiares, bem como de toda a comunidade.

Criada em 1946, a partir da iniciativa do empresariado, a entidade realiza uma ação educativa permanente nos campos da cultura, dos esportes, do lazer, do turismo, da saúde e da alimentação, promovendo encontros, valorizando múltiplos saberes e estimulando o desenvolvimento interpessoal.

Em estabelecimentos de uso coletivo é assegurado o acompanhamento de cão-guia. As unidades do Sesc estão preparadas para receber todos os públicos.

Ao dedicar esforços e recursos nessa ação emancipadora e longeva, os empresários do comércio e serviços renovam o compromisso firmado há mais de sete décadas na promoção da qualidade de vida dos comerciários e contribuem, de modo ativo, para o crescimento da sociedade.

APP Sesc São Paulo para tablets e celulares
30 de outubro: Dia do Comerciário

Nas asas da Saracura, o Sesc 14 Bis

Impossível não pensar na analogia do voo ao se referir ao Sesc 14 Bis. O nome da mais nova unidade do Sesc, que inicia suas atividades a partir deste mês, reverencia uma criação de Santos Dumont, chamado pai da aviação, homenageado também na praça do bairro da Bela Vista, localizada na região central da capital paulista, e vizinha da nova unidade do Sesc. E nos remete à ousadia do voo humano, que hoje sabemos possível, mas que nasceu como imponderável, no âmbito do sonho, do desejo e da ambição, alcançado na base da persistência, dos aprendizados advindos da superação dos erros e do conhecimento acumulado e compartilhado pela ciência.

A menção ao voo se faz presente também pelo rio que corta esse território, batizado com nome de ave: Saracura. Suas águas hoje estão abafadas pelo concreto da cidade, idiossincrasia da urbanização paulistana, mas sua memória se faz presente em versos de sambas que seus habitantes ecoam pelas ruas do Bixiga, bem ali, e nas festas de Carnaval.

Neste território marcado pela diversidade e referenciado por sua multiplicidade cultural, pousa o Sesc 14 Bis para ser, acima de tudo, um espaço amplo e plural de promoção dos encontros, lugar de trocas e de encantamentos.

Convido-os, portanto, a fazerem esse sobrevoo pela Bela Vista, tema de reportagem desta edição da Revista E, e a construírem conosco a história do Sesc 14 Bis. Boa leitura, boas descobertas!

SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO – SESC

Administração Regional no Estado de São Paulo

Av. Álvaro Ramos, 991 – Belenzinho

CONSELHO REGIONAL DO SESC EM SÃO PAULO

Presidente: Abram Abe Szajman

Diretor Regional: Danilo Santos de Miranda

Efetivos: Arnaldo Odlevati Junior, Benedito Toso de Arruda, Dan Guinsburg, Jair Francisco Mafra, José de Sousa Lima, José Maria de Faria, José Roberto Pena, Manuel Henrique Farias Ramos, Marco Antonio Melchior, Milton Zamora, Paulo Cesar Garcia Lopes, Paulo João de Oliveira Alonso, Paulo Roberto Gullo, Rafik Hussein Saab, Reinaldo Pedro Correa, Rosana Aparecida da Silva, Valterli Martinez, Vanderlei Barbosa dos Santos

Suplentes: Aguinaldo Rodrigues da Silva, Aldo Minchillo, Antonio Cozzi Junior, Antonio Di Girolamo, Antonio Fojo Costa, Antonio Geraldo Giannini, Célio Simões Cerri, Cláudio Barnabé Cajado, Costabile Matarazzo Junior, Edison Severo Maltoni, Omar Abdul Assaf, Sérgio Vanderlei da Silva, Vilter Croqui Marcondes, Vitor Fernandes, William Pedro Luz

REPRESENTANTES JUNTO AO CONSELHO NACIONAL

Efetivos: Abram Abe Szajman, Ivo Dall’Acqua Júnior, Rubens Torres Medrano

Suplentes: Álvaro Luiz Bruzadin Furtado, Marcelo Braga, Vicente Amato Sobrinho

CONSELHO EDITORIAL | Revista E

Adauto Fernando Perin, Adriana de Souza Francisco, Adriano Ladeira Vannucchi, Alcimar Mendes Frazão, Alex Wagner Dias, Aline Ribenboim, Andréa De Araujo Nogueira, Andrea de Oliveira Rodrigues, Andreia Carvalho Beltrão Cavalcanti, Andreia do Vale Rufato, Anna Luisa de Souza, Beatriz de Oliveira Falasco Zerbini, Caio Nunes Gonçalves, Caio Wallerstein Ferreira Gomes, Camila Freitas Curaca, Carmen Lucia de Fatima Ferreira, Carolina Vidal Ferreira, Cinthia Renatta Merize Ventura, Clovis Ribeiro de Carvalho, Daniel Botelho Garcia, Debora Cravo Domingues Freitas, Debora Ramos Ribeiro, Eduardo Garcia de Almeida, Eduardo Santana Freitas, Elaine Barros Martins, Elmo Sellitti Rangel, Estevão Denis Silveira, Fabiola Larissa Tavares Milan, Felipe Abdala Lins de Santana, Fernanda Porta Nova Ferreira da Silva, Flavia Teixeira S Coelho, Geraldo Soares Ramos Junior, Giovanna Benjamin Togashi, Gislene Lopes Oliveira, Giulia Maria de Campos Manocchi, Giuliana Pereira Agnelli Estrella, Gustavo Nogueira de Paula, Ivy Granata Delalibera, Jacy Helena Almeida Silva, Jade Stella Martins, Jan Balanco, Jefferson de Almeida Santanielo, Joao Paulo Gabriel de Sena, Jose Mauricio Rodrigues Lima, Juci Fernandes de Oliveira, Juliana Grotti Vidal Torres, Kelly dos Santos, Leandro Alberto Correia, Lilian Vieira Ambar, Lucas Matos Santana, Marcos Martins Ribeiro Junior, Maria Lygia R. Marques de Oliveira, Marina Maria Magalhaes, Mirele Carolina Ribeiro Correa, Monique Mendonça dos Santos, Patricia Maciel da Silva, Priscila dos Santos Dias, Priscila Rahal Gutierrez, Rafaela Ometto Berto, Raphael Cutis Dias, Regiane Gomes da Conceição, Rejane Pereira da Silva, Renan Cantuario Pereira, Renata Barros da Silva, Ricardo Carrero da Costa, Ricardo Lemos Antunes Ribeiro, Roberta Lima Olimpio da Silva, Rodrigo Rodrigues Griggio, Romeu Marinho C. Ubeda, Sabrina Carla Tenguan, Sheila Mara Travain, Silvia Cristina Garcia, Sofia Calabria Y Carnero, Tamy de Souza Ferigatto, Tayna Guimaraes Vieira de Oliveira, Teresa Maria da Ponte Gutierrez, Thais Ferreira Rodrigues, Thais Rodrigues Silverio, Thiago da Silva Costa, Thiago de Oliveira Machado, Thiago Fabril de Oliveira, Valeria Mantovani de Andrade Alves, Valter Schreiber, Viviane Alves Ramos Lourenco, Wagner Linares Da Silva Junior, Yolanda Silva Reis.

Coordenação-Geral: Aurea Leszczynski Vieira Gonçalves

Coordenação-Executiva: Lígia Moreira Moreli e Silvio Basilio

Editora-Executiva: Adriana Reis Paulics • Projeto Gráfico e Diagramação:

Bruno Thofer e Larissa Ohori • Edição de Textos: Adriana Reis Paulics, Guilherme Barreto e Maria Júlia Lledó • Edição de Fotografia: Adriana Vichi •

Repórteres: Luna D’Alama, Manuela Ferreira e Maria Júlia Lledó • Coordenação

Editorial Revista E: Adriana Reis Paulics, Guilherme Barreto e Marina Pereira •

Propaganda: José Gonçalves Júnior • Arte de Anúncios: Alexandre do Amaral, Ariane Ramos de Azevedo, Gabriela Borsoi, Julia Contreiras e Pedro Menezes • Supervisão Gráfica: Rogerio Ianelli • Finalização: Bruno Thofer e Larissa Ohori

• Criação Digital Revista E: Lourdes Teixeira • Circulação e Distribuição: Nelson Soares da Fonseca

Jornalista Responsável: Adriana Reis Paulics (MTB 37.488)

A Revista E é uma publicação do Sesc São Paulo, sob coordenação da Superintendência de Comunicação Social Distribuição gratuita. Nenhuma pessoa está autorizada a vender anúncios Esta publicação está disponível para retirada gratuita nas unidades do Sesc São Paulo e também em versão digital, em sescsp.org.br/revistae e no aplicativo Sesc SP para tablets e celulares (Android e IOS).

Fale conosco: revistae@sescsp.org.br

Confira os destaques da programação do mês, como o Circuito Sesc de Artes, que ocupa 123 cidades paulistas com atividades para todos os públicos

Ator Luís Melo fala sobre desafios no teatro, parceria com Antunes Filho e criação de espaço cultural voltado a jovens artistas

Gal Costa trilhou caminho musical iluminada por uma voz que serviu de ferramenta de protesto e esperança para diferentes gerações Passeio pelas fotos de Wagner Celestino, guardião da memória da Velha Guarda do samba e de outras expressões da cultura afro-brasileira em São Paulo

O papel da alimentação para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da ONU

Sesc 14 Bis inicia atividades no centro de São Paulo, onde tradições culturais dialogam com o passado e o presente

dossiê entrevista expansão bio gráfica alimentação

p.11 p.16 p.24 p.34 p.40

p.54

SUMÁRIO
Matheus José Maria (Expansão); Ed Figueiredo (Bio); Paranapiacaba, 2008, Wagner Celestino (Gráfica)

Versatilidade nos palcos, cinema, TV e redes sociais acompanha a vocação curiosa e provocadora da atriz Vera Holtz

Conheça cinco mulheres que vêm se destacando na cena musical contemporânea – e que sobem aos palcos do Sesc Jazz 2023

a relação entre crianças e natureza

em pauta encontros inéditos depoimento almanaque P.S.

p.60

p.66 p.70 p.74 p.78 p.82

Pascoal da Conceição Aline Bei e Bianca Viani Artigos de Carla Roxo e Jaime Zaplatosch Ehrenberg abordam Andréa de Araujo Nogueira
Gustavo Isnard (Encontros); Ale Catan (Depoimento); Holy Whittaker (Almanaque)

Início das atividades 6 de outubro

A mais nova unidade do Sesc chega à Bela Vista!

São mais de 20 mil m² destinados à cultura, lazer, artes, educação e convivência para toda a comunidade.

Venha conhecer!

Central de Atendimento, Loja, Café, Espaço de Brincar, Teatro, Espaço Expositivo e muito mais.

R. Dr. Plínio Barreto, 285 Bela Vista, São Paulo – SP

Lia Rodrigues Companhia de Danças apresentou o premiado espetáculo Encantado na abertura da Bienal Sesc de Dança, em setembro, em Campinas (SP). A partir de cosmogonias afro-ameríndias, um grupo de intérpretes-criadores vasculha, com seus corpos diversos, embolados entre si e em tecidos estampados, possibilidades de encantar o que os cerca, buscando no fantástico das tradições ancestrais um caminho para o coletivo.

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Matheus José Maria
em cena

PASTORAS DO ROSÁRIO da nebulosa ao brilho

O álbum Da Nebulosa ao Brilho é uma celebração à musicalidade das Pastoras do Rosário através de suas vozes corais, batuques ancestrais e a herança viva de suas tradições. Com participações de Luedji Luna, Lia de Itamaracá, Izzy Gordon, Fabiana Cozza, Tita Reis, Carlos Casemiro e Sérgio Pererê.

DISPONÍVEL EM CD E

NAS PLATAFORMAS DE STREAMING

/selosesc

LANÇAMENTO SELO SESC
Visite a loja virtual e conheça o catálogo completo sescsp.org.br/loja

Tem arte na praça!

De 21 de outubro a 26 de novembro, Circuito Sesc de Artes ocupa 123 cidades paulistas com atividades para todos os públicos

Arotina das ruas, praças e parques de várias cidades do estado de São Paulo vai mudar nos dois próximos meses. O Circuito Sesc de Artes, projeto que percorre, de 21 de outubro a 26 de novembro, 123 cidades, apresenta 75 atividades gratuitas nas áreas de artes visuais e tecnologias, cinema, circo, dança, literatura, música e teatro para públicos de todas as idades. Realizado pelo Sesc São Paulo em parceria com prefeituras municipais e sindicatos do comércio, serviços e turismo locais, o Circuito ocupa espaços públicos nas cidades, proporcionando experiências e sensibilizando o encontro com a arte e a cultura.

Para a gerente da Gerência de Ação Cultural do Sesc São Paulo, Érika Mourão, “o Circuito Sesc de Artes reforça a contribuição do Sesc para comunidades culturalmente ativas e cidadãs, em um convite para participação das múltiplas programações realizadas nas praças”. Ao fortalecer

a presença da instituição em municípios onde não existem unidades permanentes do Sesc, continua Érika, “o Circuito valoriza o intercâmbio de experiências, o encontro e participação de pessoas com interesses diversos, por meio de ações com caráter educativo e sociocultural, com propostas que são fruto de um processo de pesquisa e curadoria coletiva, atenta à diversidade e representatividade de gênero e etnias”.

Serão diversas programações que contemplam desde apresentações artísticas até atividades formativas, como cursos, vivências e oficinas. Dentre os destaques, show das Pastoras do Rosário, grupo formado por mulheres negras que lança, pelo Selo Sesc, o álbum Da Nebulosa ao Brilho, com repertório de sambas das décadas de 1990 e 2000; Ballet Stagium, uma das mais tradicionais companhias de dança de São Paulo, que apresenta espetáculo em homenagem às raízes brasileiras e combina temas de Bach com música

caipira; mediações de leituras com indígenas e grupos originários do povo Guarani e Kariri-Xocó de Alagoas; e a oficina de artes visuais Xilogravuras e o grafismo indígena na fotografia, com Evna Moura e Ateliê Nômade, que convida o público a captar retratos no local e imprimir cartazes que serão decorados com grafismos indígenas.

Confira a programação completa: sescsp.org.br/circuitosescdeartes

Érika Mourão, gerente da Gerência de Ação Cultural do Sesc São Paulo

As Pastoras do Rosário, grupo composto por oito mulheres negras formadas a partir da Comunidade do Rosário dos Homens Pretos da Penha, fazem parte da programação do Circuito Sesc de Artes.
“O Circuito Sesc de Artes reforça a contribuição do Sesc para comunidades culturalmente ativas e cidadãs, em um convite para participação das múltiplas programações realizadas nas praças”.
Cassandra Mello
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Vai ser difícil escolher o que fazer no Sesc São Paulo durante o feriado do Dia das Crianças. Somente na capital paulista, as unidades oferecem, entre 12 e 15/10, mais de 100 atividades lúdicas e educativas, quase todas gratuitas e voltadas para crianças de várias idades. Quer ver? No Sesc 24 de maio, o show

Fanfarra no Colo!, com a Banda Paralela, reúne figurino típico e performances divertidas num repertório que passa pelo maxixe, samba, maracatu, baião, pop, funk e dance music. O Sesc Avenida Paulista recebe a ocupação Caça Fantasma, que convida as crianças a perseguirem histórias, lendas,

sons, jogos e imagens horripilantes de fantasminhas através de adesivos de QR code. Já no Sesc Belenzinho, o espetáculo Eduka, da Banda Mirim, propõe um mergulho sonoro e poético pelo universo da educação. Confira a programação completa e divirta-se: sescsp.org.br/semanadacrianca

Dez anos de nerdices

O maior evento de cultura pop, nerd e geek da zona sul da capital paulista chega à sua décima edição entre os dias 12 e 15 de outubro. O NerdCon ocupa o Sesc Interlagos com várias atividades gratuitas, como oficinas, bate-papos e experimentações. Entre os destaques, tem um encontro com dubladoras da animação Frozen (2013 e 2015) e do jogo The Last of Us (2013);

uma vivência de efeitos especiais de terror que ensina como “lutar contra um morto-vivo"; exibições de filmes como Akira (1988), X-Men (2000) e Wall-E (2008), com trilha sonora ao vivo; oficina de construção de bonecos; uma feira de artistas independentes e até mesmo um desfile de cosplay. Confira a programação completa: sescsp.org.br/interlagos

Georgia Branco
Banda Mirim, que apresenta o espetáculo Eduka, no Sesc Belenzinho, propõe uma viagem sonora e lúdica pelo mundo da educação.
UNI, DUNI, TÊ!
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Reflexos da pandemia Letra e música

Dois livros recentemente lançados pelas Edições Sesc São Paulo celebram a música brasileira. Em A incrível história de Leny Eversong ou a cantora que o Brasil esqueceu (2023), o pesquisador Rodrigo Faour celebra a memória apagada da santista Leny Eversong (1920-1984), que fez mais de 700 shows mundo afora, dividiu o palco de um programa de TV com Elvis Presley, lançou mais de 15 discos no Brasil, além de participar de filmes, festivais e novelas. Faour apresenta episódios dessa carreira profícua, além de refletir sobre os motivos que levaram a artista ao esquecimento do público. Outra publicação, Dori Caymmi songbook: 80 anos de um cantador (2023), marca as oito décadas de vida do violonista, compositor e arranjador carioca. O livro traz 26 partituras de canções compostas por Dori, um perfil biográfico escrito pelo jornalista Claudio Leal, além de depoimentos, imagens e link de acesso para o disco digital Dori Caymmi: 80 anos de um cantador (Selo Sesc), com o registro de violonistas interpretando 12 das canções do songbook. Saiba mais: sescsp.org.br/edicoes

ARTE UTÓPICA

A partir do dia 18/10, o Sesc 24 de Maio recebe a 22ª edição da Bienal Sesc_Videobrasil, exposição composta por obras de 60 artistas e coletivos que reimaginam o futuro apoiadas em preceitos decoloniais e epistemologias sul globais. O lema que orienta e intitula esta edição é A memória é uma ilha de edição, verso do poema Carta aberta a John Ashbery, de Waly Salomão (1943-2003). Sob direção artística de Solange Farkas e curadoria de Raphael Fonseca e Renée Mboya, a exposição reúne cerca de 140 obras que investigam memórias coletivas e constroem narrativas históricas e sociais, além de discutirem a noção de sobrevivência diante das adversidades sociais, das mudanças climáticas e dos rearranjos geopolíticos. Junto à Bienal, há ainda a mostra Especial 40 anos, curada por Alessandra Bergamaschi e Eduardo de Jesus, que celebra o 40º aniversário da Videobrasil e abarca toda a sua trajetória – um convite à reflexão sobre a importância do vídeo ao longo dessas décadas. Visite: sescsp.org.br/videobrasil.

Três anos depois, os impactos da pandemia de Covid-19 reverberam na saúde física, mental e social do país. Para investigar as consequências desse desafiador episódio histórico, a nova série documental do SescTV, Pandemia entre nós (2023), estreia neste mês, no site do canal, com exibição gratuita. Dirigida por Paulo Markun e Laura Artigas, a produção radiografa a vida pós-pandemia em diversos territórios e contextos sociais e econômicos – os episódios são divididos em temas: Trabalho, Sentimento, Solidariedade, Educação, Adolescência, Infância e Maternidade, Velhice, entre outros. O primeiro deles, Manaus, estreia dia 10/10, às 20h, e concentra-se na história de um fotógrafo que sobreviveu ao caos sanitário na capital do Amazonas. No mesmo dia, haverá um bate-papo de lançamento da série no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc, às 19h, com a presença da psicanalista Vera Iaconelli e da diretora da ONG Transparência Brasil, Marina Atoji. Assista à série: sesctv.org.br/pandemiaentrenos

A obra 53, da artista Sofia Borges, é um dos trabalhos que compõe a 22ª edição da Bienal Sesc_Videobrasil.
Divulgação Bienal Sesc_Videobrasil
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FAÇA SUA CREDENCIAL PLENA

Pessoas que trabalham ou se aposentaram em empresas do comércio de bens, serviços ou turismo podem fazer gratuitamente a Credencial Plena do Sesc e ter acesso a muitos benefícios. São aceitos registro em carteira profissional (com contrato de trabalho ativo ou suspenso), contrato de trabalho temporário, termo de estágio e de jovem aprendiz, e pessoas desempregadas dessas empresas até 24 meses.

Para fazer ou renovar a Credencial Plena de maneira online e de onde estiver, baixe o app Credencial Sesc SP ou acesse centralrelacionamento.sescsp. org.br. Se preferir, nesses mesmos locais é possível agendar horário para ir presencialmente a uma das Unidades (compareça com a documentação necessária).

A Credencial Plena é o acesso para trabalhadores e dependentes ao uso dos serviços e programações nas Unidades do Sesc.

Sobre a Credencial Plena:

• É gratuita

• Tem validade de até dois anos

• Pode ser utilizada nas Unidades do Sesc em todo o Brasil

• Prioriza os acessos às atividades do Sesc

• Oferece descontos nas atividades e serviços pagos

Acesse o texto Tudo o que você precisa saber sobre a Credencial Plena do Sesc

Faça a sua Credencial Plena online! Baixe o app Credencial Sesc SP ou acesse centralrelacionamento. sescsp.org.br

PARA FAZER OU RENOVAR A CREDENCIAL PLENA DO SESC SÃO PAULO
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Ricardo Ferreira

O ator interpreta o Ancião em Mutações, espetáculo que esteve em cartaz no Teatro Anchieta, do Sesc Consolação, entre julho e agosto deste ano.

Matheus José Maria

Ser mutável

Há mais de quatro décadas, Luís Melo dedica a vida às experimentações teatrais. Corpo, voz, respiração, fala, equilíbrio, desequilíbrio. Silêncio. Tudo é ferramenta de pesquisa e de trabalho para este ator consagrado no teatro, na televisão e no cinema. O jovem rapaz curitibano, que sonhava ser arquiteto, teve sua trajetória atravessada pelo teatro. Desde então, nunca mais se desviou do caminho. Formou-se pelo Curso Permanente de Teatro da Fundação Teatro Guaíra, em Curitiba, no ano de 1979, e, de lá para cá, conquistou o Brasil, a crítica internacional e os maiores prêmios como ator.

Tornou-se referência e sua fama faz jus à potência interpretativa e à dedicação que ele coloca em cena e em suas investigações nas artes cênicas. De 1985 a 1995, foi aluno e integrante do Centro de Pesquisa Teatral CPT_SESC, cenário do seu grande encontro com o diretor Antunes Filho (1929-2019). Luís Melo foi um dos primeiros atores do CPT, no qual, ao interpretar Macbeth, em Trono de Sangue (1992), recebeu os mais importantes prêmios da categoria. A parceria com Antunes só foi momentaneamente interrompida quando o artista aceitou o convite para trabalhar na novela Cara & Coroa (1995), da TV Globo, dirigida por Wolf Maya. A partir daquele momento, o ator ganhou ainda mais visibilidade, e emplacou um trabalho atrás do outro – entre novelas, minisséries e filmes –, sem nunca abandonar o teatro.

Do ano 2000 em diante, outros projetos de pesquisas teatrais vieram à tona. Primeiro, construiu o Ateliê de Criação Teatral (ACT), em Curitiba, que funcionou por oito anos. Depois, seu projeto de vida: o Campo das Artes, no

distrito de São Luiz do Purunã, do município Balsa Nova. O espaço, aberto ao público em 2017, é voltado ao encontro, pesquisa, produção e apresentação de ações artísticas e culturais. Neste ano, o retorno ao Teatro Anchieta, no Sesc Consolação, com a peça Mutações, de Gabriela Mellão e direção de André Guerreiro Lopes, marca também a volta de Luís Melo ao tablado, pós-pandemia de Covid-19. Nesta Entrevista, o artista fala sobre esse espetáculo inspirado na obra milenar chinesa I Ching, compartilha recordações sobre a parceria com o diretor Antunes Filho e revela seus novos projetos.

Como foi o seu encontro com o teatro?

Meu pai era militar, comandante do policiamento de Curitiba, e atuava na segurança dos espaços públicos, inclusive espaços culturais. Ele recebia ingressos, mas não os usava. Desde o primeiro espetáculo a que assisti, fiquei encantado e curioso. Queria saber o que acontecia por detrás das cortinas e como eu poderia fazer parte daquilo. Me indicaram o melhor caminho, o mesmo que eu indico a jovens aspirantes: a escola de teatro. Aos 18 anos, enquanto eu servia ao exército, fiz a minha matrícula para a formação de ator no Curso Permanente de Teatro da Fundação Teatro Guaíra – a melhor escola da época. Nunca me esqueço da dona Halina Marcinowski, professora que dava aula de expressão corporal clássica. Ao mesmo tempo, a professora Eva Schul propunha um tratamento diferente ao corpo, a partir de ensinamentos da dança moderna. Tínhamos também aulas de esgrima, francês e maquiagem. Todos diziam: “nunca vi uma escola de formação em teatro ser tão completa”. Eu concordo e agradeço por isso. Assim que formado, e investi na carreira de ator profissional e de professor de teatro.

POR
17 | e entrevista
Ator e pesquisador teatral Luís Melo faz de sua trajetória nos palcos a própria experimentação de si
LÍGIA SCALISE

entrevista

Você enfrentou dificuldades nesse caminho?

Me formei em 1979, se não me falha a memória. Depois, apresentei grandes espetáculos no palco do Teatro Guaíra. Tive a oportunidade de ser orientado por alguns dos mais importantes diretores no Teatro de Comédia do Paraná. Esses são passos já avançados da história, porque antes do meu nome ganhar fama em Curitiba, no comecinho mesmo, o teatro não me aceitou de cara. Os professores me adoravam, mas não sabiam o que fazer comigo, porque eu sempre fui muito gordinho. Naquela época, isso era uma questão. Tanto que passei muito tempo como assistente – de voz, de corpo e de direção. Meus colegas, formados na mesma turma, recebiam propostas de trabalho com facilidade. Até que surgiu o convite para atuar numa peça infantil e, a partir daí, o jogo virou. Meu corpo não era mais um problema, porque meu nome caiu no gosto dos diretores. Eles sacaram que eu tinha talento. Era “Melinho pra cá”, “Melinho pra lá”. Foi assim que Ademar Guerra (1933-1993), um dos mais mais importantes diretores da história do teatro no Brasil, me escalou para participar do espetáculo Colônia Sicília (1984), um texto que retrata a história dos anarquistas italianos no Paraná.

E esse foi um importante passo no começo da sua carreira?

Sim. Encarei um dos meus maiores desafios: aprender a representar com os olhos. Isso porque o Ademar me passou pouquíssimas falas, mas me ensinou a conduzir as cenas só com meu olhar. Foi a primeira vez que tive contato com um teatro experimental. Lembro o próprio Ademar me dizendo que fez isso para me salvar. Reforçou que aquilo era uma espécie de chacoalhão para me tirar da zona de conforto. Eu era um ator jovem com muita fama local e precisava sair da minha bolha, me arriscar. A própria Lala Schneider, grande atriz paranaense, também me aconselhou: “Melo, apesar de essa cidade ser como uma mãe acolhedora, faça o que eu não tive coragem de fazer e vá desbravar outros lugares. Saia de Curitiba, antes que você finque suas raízes e seu trabalho por aqui”.

Foi aí que você decidiu se mudar para São Paulo e conheceu o Centro de Pesquisa Teatral CPT_SESC?

Em 1985, viajei para São Paulo com uma peça e aproveitei para fazer um teste com Antunes Filho, no CPT, por intermédio do Ademar. Na época, Antunes precisava de um “ator de centro”, expressão para designar atores que interpretam diversos papéis e servem de apoio ao protagonista. “Você tem uma semana para ensaiar essas quatro cenas com um dos meus assistentes”, me disse Antunes. No dia do meu teste, mesmo com as falas decoradas, tudo aconteceu conforme eu não esperava. Antunes me dava a ordem para entrar em cena, eu entrava, mas, antes de abrir a boca, ele cortava e dizia: “tá ótimo, vamos para a próxima cena”. Isso se repetiu nas quatro cenas. Só depois descobri que, para o Antunes, só importava a minha determinação, a maneira como eu entrava em cena. Enfim, passei no teste e trabalhei no CPT pelos próximos dez anos. E sempre digo que Antunes, como diretor, foi muito generoso com a minha formação. Primeiro, ele me ensinou a coadjuvar – e mesmo com os questionamentos das pessoas sobre o porquê ele não me testava para protagonista, Antunes respondia: “a hora do Melo vai chegar”. E chegou. Meu primeiro papel principal foi na peça Paraíso Zona Norte (1989). Dois anos depois, atuei como Lobo Mau em Nova Velha História (1991), releitura de Antunes para a lenda de Chapeuzinho Vermelho. Em Trono de Sangue (1992), posso dizer que me consagrei diante dos críticos teatrais ao interpretar Macbeth, papel que me rendeu os prêmios Shell, Mambembe e da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). Em seguida, fiz Vereda da Salvação (1993) e Gilgamesh (1995). Sob a direção de Antunes, tudo exigia muito trabalho e disciplina. Cada espetáculo era como uma defesa de tese de doutorado. Antunes costumava dizer que os atores do sul tinham algo peculiar, porque pareciam pessoas comuns, tímidas e comportadas, mas que enlouqueciam no lugar certo, em cima do palco. Consigo concordar com ele, o palco é meu espaço para sentir, testar, provocar e experimentar.

Com o Antunes Filho aprendi a mostrar minha vulnerabilidade como artista

Ou seja, sua carreira foi construída em torno da experimentação?

Sempre. Eu entendo que a obrigação do ator é materializar a ideia, a intuição do diretor. O público precisa perceber no corpo, na voz e na atitude do ator a intenção do diretor. Ser ator é estar preparado para ser cobaia. Não há outro jeito de construir um personagem sem se colocar à prova. É preciso se arriscar, até mesmo para aprender sobre seus próprios limites físicos. Na carreira de ator não existe proibição quando se trata de processo de criação. Primeiro, você faz, inventa, experimenta e, depois, aprimora a técnica. É sobre ter essa inquietação e uma certa ansiedade em si. A gente nunca sabe qual vai ser a reação da plateia. Então, o ator tem que estar de poros abertos para perceber e receber. Também precisa estar atento para resolver qualquer problema surpresa – seja um erro técnico, uma falha de memória, uma luz fora da marcação. Aprendi muito no CPT e com o Antunes.

Quais outros aprendizados você guarda dessa parceria com o diretor Antunes Filho?

Antunes me ensinou a mostrar a minha precariedade. Ele dizia: “se você quer seduzir o público, mostre que você tem cárie, que você transpira, que tem odor, que cospe saliva ao falar. Mostre que você, às vezes, tem dúvida e que não é o super-homem. É a sua verdade como ator que vai seduzir e conquistar o público”. Eu acho isso fantástico. Foi com o Antunes que aprendi a mostrar minha vulnerabilidade como artista. Mas, faço uma ressalva importante: nunca fui o alter-ego de Antunes, sempre fui o Melo. O diretor precisa de alguém que o provoque, que desconfie e que o faça rever alguns conceitos e maneiras de passar seu conhecimento. Esse era o meu papel como ator. Os ensinamentos de Antunes marcaram a minha formação, eu os carrego e os aplico em tudo o que faço.

Na época do CPT, você também quis atuar na televisão? Como foi essa escolha? Durante todo o tempo em que estive com Antunes, neguei convites de trabalho para a TV. E foram vários. Isso porque era praticamente impossível conciliar qualquer outro trabalho com o CPT. Só no comecinho, trabalhei em um [programa] infantil na TV Cultura, chamado Catavento (1985). Foi uma exceção, porque eu tinha que priorizar o teatro, então, negava convites, mesmo levando uma vida de economias apertadas. O tempo foi passando e meu nome como “ator do Antunes” começou a ganhar certa notoriedade. Eu fui deixando a vida acontecer até que chegou uma hora em que me cansei da instabilidade financeira do teatro e aceitei um convite do diretor Wolf Maya para participar da

Evelson de Freitas
19 | e entrevista
O ator em Mutações, espetáculo concebido livremente a partir das simbologias do I Ching, texto clássico chinês: parábolas e poemas refletem sobre a condição humana.

novela Cara & Coroa, da TV Globo. O ano era 1995 e marcou a minha saída do CPT. Aos 38 anos, maduro e experiente no teatro, percebi que precisava me projetar no audiovisual. Tinha medo de acabar doente e depender de “vaquinha” de amigos para pagar algum tratamento. Eu via isso acontecendo com colegas da profissão. “Por mais que eu ame o teatro, só vou conseguir estabilidade financeira se eu tiver o reconhecimento que a televisão dá”, pensei. E não me arrependo, apesar de ter sido muito difícil romper com Antunes e sair do CPT. Tanto que Antunes e eu nunca nos despedimos oficialmente. A gente se afastou. Ele ficou muito contrariado com a minha saída, mas sei que ambos trocamos muito conhecimento enquanto trabalhamos juntos.

E como foi a sua adaptação à televisão? Um choque. Honestamente, não sei se me adaptei à televisão até hoje (risos). Wolf Maya, como diretor, me deixava muito livre e dizia que a câmera iria correr atrás de mim. Ele foi muito acolhedor e dizia que queria, justamente, a minha teatralidade. Também tive uma grande sorte por estar ao lado de um elenco com nomes de peso, como Christiane Torloni e Rosi Campos. Aí, com o passar do tempo, e mais experiências na TV, aprendi sobre posicionamento de câmera e como jogar com ela. A televisão é outro universo. O tempo e o ritmo ali são muito diferentes. Uma vez que o ator grava a cena, por exemplo, ele pode esquecê-la. Já no teatro, trabalhamos com o processo de repetição. E, se no teatro existe a

Paquito / Acervo Sesc Memórias
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Os atores Luís Melo e Rosane Bonaparte no espetáculo Gilgamesh (1995), realizado pelo Grupo de Teatro Macunaíma e CPT_SESC, com direção e texto de Antunes Filho, e baseado no poema épico babilônico Gilgamesh
entrevista

interação com o público, a televisão possibilita, de maneira indireta, um alcance ainda maior. Isso é fascinante! Muitas pessoas pisam no teatro pela primeira vez porque desejam assistir ao artista que está na novela. Sem contar no tanto de convites e de trabalhos por conta da sua imagem na TV. Fui muito bem recebido.

Com mais de quatro décadas de carreira dedicadas ao teatro, ao cinema e à televisão, você consegue listar os personagens que mais lhe marcaram? Acho que todos os personagens são importantes. Vou tentar citar alguns: o o Tuninho e o Noronha de Paraíso, Zona Norte (1989), baseado nas obras A Falecida e O Sete Gatinhos de Nelson Rodrigues (1912-1980), me lançou para o teatro em São Paulo. Foi a partir dessa peça que as pessoas passaram a me conhecer como protagonista. Depois fiz Macbeth, em uma adaptação de Antunes para essa obra de Shakespeare, em Trono de Sangue (1992). Em Vereda da salvação (1993), fiz parte da segunda montagem da peça de Jorge Andrade (1922-1984), sob a direção de Antunes, com o personagem Joaquim, ao lado da maravilhosa atriz Laura Cardoso. Já na TV, gostei muito do meu personagem de estreia, o Rubinho [de Cara & Coroa], assim como do banqueiro Batista, em O Cravo e a Rosa (2000). O personagem Diabo, do filme O Auto da Compadecida (2000), também foi muito especial. A verdade é que são muitos personagens marcantes, mas, confesso, que o processo de construção de personagem na TV não é tão intenso como o que se experimenta no teatro.

Mesmo interpretando personagens de destaque em novelas e no cinema, você nunca se afastou dos palcos. Como conseguia conciliar?

Entre uma novela e outra, entre um filme e outro, eu sempre mantive o teatro vivo em mim. A primeira e única vez que fiquei afastado dos palcos foi durante o isolamento da pandemia. Antes disso, eu estava em cena no espetáculo Ausência (2013). Esse foi o meu primeiro trabalho de teatro gestual, ao lado da companhia franco-brasileira Dos à Deux, dirigido por Artur

Ribeiro e André Curti. Foi um grande desafio estar sozinho em cena e sem falas. Fiquei em cartaz com esse espetáculo por alguns anos, viajando o Brasil até precisar me isolar em Curitiba durante a pandemia. Retornei aos palcos só agora, em 2023, com Mutações, estreando no Sesc Consolação. Confesso que senti uma espécie de pânico. Teatro é exercício, e brinco que ele se vinga de quem o abandona. Ninguém volta do ponto de onde parou. É preciso recuperar corpo, voz, sensibilidade. Eu tive que correr atrás do prejuízo.

Em Mutações, você interpreta o papel do Ancião, um personagem central no espetáculo, que trata da impermanência e da finitude. Como este papel se relaciona com o atual momento da sua vida?

Digo que Mutações foi quase um projeto de cura. Nele, eu fui saber como estava meu corpo, saúde, voz, inteligência cênica e meu raciocínio. Eu não sabia o que esperar de mim nem da recepção do público diante de um texto que mais parece um poema. Fiquei surpreso. As pessoas se emocionam e se sentem tocadas pelas reflexões e conselhos que a peça propõe. É um texto baseado no I-Ching, um jogo [e livro] da filosofia chinesa. Somos três figuras arquetípicas em cena: eu sou o Ancião, o Jovem é interpretado por Alex Bartelli, e a Mulher, por Andréia Nhur. As histórias são entrelaçadas e se complementam. Existe uma busca por encontrar sentido na vida e isso tudo se conecta muito comigo. Tem uma fala do meu personagem: “não espere que alguém irá te salvar, porque eu sei que ninguém me salvou”. Forte, né? Esse é um espetáculo muito bonito, com linguagem cinematográfica, e fico feliz por saber que, de alguma forma, está fazendo bem para as pessoas.

Você usou a palavra “pânico” quando se referiu ao seu retorno ao teatro. E qual foi a sensação de pisar, especificamente, no palco do Teatro Anchieta depois de duas décadas? É como se eu entrasse em casa depois de muitos anos. Minha vontade era de andar por todos os lados, olhar as coxias, ir até a varanda. Existe muito afeto por aqui. Tanto em relação ao CPT quanto ao Sesc São Paulo. Retornar a esse palco é um reencontro comigo, com a memória de Antunes e com tudo que vivemos por aqui. Senti pânico porque pensei que seria incapaz de atuar, mas, aí, existe um André Guerreiro como diretor. Ele, que é uma criatura maravilhosa, soube como me acolher e me acalmar. Foi curioso, inclusive, porque durante nosso processo de montagem, eu percebi o André um pouco assustado comigo. Uma vez até perguntei se ele

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Não há outro jeito de construir um personagem sem se colocar à prova

entrevista

estava preocupado com a minha insegurança como ator, ao que ele me respondeu: “você não me assusta, dirigir você é um deleite. Você me provoca”. De fato, a nossa troca foi ótima. O André é um diretor generoso, além de ser muito tranquilo. A calma dele foi me contaminando ao longo da montagem e me deu segurança.

Qual você acredita ser o grande aprendizado do teatro em sua vida?

Acho que são dois: a inquietação e o convívio. Eu sou um ator de grupo, gosto da troca. Aprendi que o teatro é isso, ele significa a união de pessoas. Tanto que fui fazer trabalhos solos bem mais tarde, porque eu tinha medo dessa proposta. O isolamento durante a pandemia foi realmente muito difícil. Por sorte, mesmo isolado em Curitiba, eu estava com a cabeça muito ocupada com a construção do meu projeto de vida: o Campo das Artes.

E qual a proposta do Campo das Artes? Seria uma espécie de legado que você quer deixar?

Tudo começou com o ACT – Ateliê de Criação Teatral, e que construí ao lado de Nena Inoue e Fernando Marés, que funcionou de 2001 a 2008. Eu voltei a morar em Curitiba por causa desse projeto. As pessoas falavam que era uma continuidade do CPT e, de alguma maneira, era mesmo. Foi o ateliê, inclusive, que fez Antunes reatar a relação comigo. O ateliê foi o meu primeiro passo em direção a essa vontade de criar espaços voltados para formação e pesquisa em teatro. Já o Campo das Artes, que considero meu projeto de vida, é um legado ainda maior. É um projeto de anos de estudos juntamente com o arquiteto teatral, cenógrafo e figurinista José Carlos Serroni –que também foi um grande parceiro de Antunes Filho. Depois, somou-se ao projeto arquiteto Renato Santoro. A ideia central do Campo das Artes é ser uma estrutura para artistas residentes, ao mesmo tempo que abriga 12

espaços para experimentação e pesquisa. Tudo em meio a uma natureza magnífica. Tem biblioteca, salas de criação de cenografia e de figurino, espaço de convivência, alojamentos, horta, estufa e espaço multiuso para ensaios e apresentações. O Campo das Artes está localizado nos Campos Gerais, região da Escarpa Devoniana, a 40 km de Curitiba. Claro que tem muita luta pela frente, mas estou cada dia mais feliz com o que estamos produzindo.

Você ainda se sente desafiado na sua carreira de ator? Tem sonhos a realizar? Me sinto desafiado o tempo inteiro. É como o tradicional e famoso exercício de desequilíbrio do Antunes Filho, onde é preciso confiar para se deixar levar pela respiração. Não sei o que vem antes, ou o que virá depois, porque deixo a vida acontecer, mas tenho essa coisa de me perguntar: “o que eu posso fazer agora?”. Tenho sentido vontade de dirigir um espetáculo. Talvez seja esse o meu próximo desafio. Gosto muito de compartilhar meus conhecimentos, do mesmo jeito que aprendo muito quando estou ensinando. Eu disse que deixo a vida acontecer, mas existem momentos em que é preciso assumir as rédeas também. O Campo das Artes é fruto e exemplo disso, porque decidi não esperar por ninguém para construir o meu sonho. O Campo das Artes é um sonho se realizando.

Assista ao vídeo com trechos da entrevista com o ator

Luís Melo, realizado no Teatro Anchieta, do Sesc Consolação.

Foi nos palcos que desenvolvi a coragem de questionar, provocar e experimentar
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DIVERSIDADE nas asas da

expansão
Um sobrevoo pela Bela Vista, distrito paulistano no qual o novo e o tradicional convivem e onde, neste mês, pousa o Sesc 14 Bis
POR MANUELA FERREIRA
Cravada na região central da capital paulista, a Bela Vista é um bairro que pulsa diversidade, onde o antigo e o moderno coexistem.
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Adriana Vichi

Saracura é uma ave que se caracteriza por pernas finas e que, segundo os saberes populares, vive solitária e sabe se esconder, bem como a seu ninho, mas cujo voo não alcança grandes altitudes. Saracura é também nome de rio que não se vê em terra de Bela Vista. Rio encoberto, rio esquecido. Saracura nomeia ainda um quilombo urbano no coração de São Paulo, redescoberto ao remexer da terra na construção do transporte-símbolo do progresso na grande metrópole, num processo que traz consigo histórias de apagamento, que finalmente podem ser revisitadas e celebradas. Assim pulsa a Bela Vista, bairro cravado na região central da capital paulista, onde moderno e antigo se encontram, a diversidade é marca e as contradições coexistem.

Resultado do processo de expansão urbana ocorrido no município a partir do século 18, o território possui, hoje, uma das facetas mais diversificadas da capital. Se por um lado a região concentra o Morro dos Ingleses e os arranha-céus da numeração par da Avenida Paulista, por outro, abriga o célebre Bixiga, permeado por ruas e casas que preservam seu traçado original, além de variados equipamentos culturais. Foi neste distrito paulistano que se instalou, no século 19, o Quilombo Saracura, primeiro a ser reconhecido na cidade.

“Todos esses espaços contribuem para a vocação natural do bairro, que sempre foi a de ser uma potência cultural, bem como de diversidades. A partir dessa pluralidade é que nascem os espaços culturais: notem que eles são bem diferentes entre si, mas sempre dialogam e, de certa forma, retroalimentam-se”, avalia Luiz Tim Ernani, produtor cultural e diretor executivo do Museu Memória do Bixiga (Mumbi), entidade fundada em 1981, com sede na Rua dos Ingleses.

Será no meio deste mosaico cultural chamado Bela Vista - que hoje abriga, aproximadamente, 73 mil moradores -, que a partir deste mês nasce o Sesc 14 Bis. A nova unidade do Sesc São Paulo ocupará o prédio que sediou a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomercio-SP). É lá também que fica o Teatro Raul Cortez, que agora passa a integrar a nova unidade do Sesc. No mesmo edifício encontra-se, ainda, o Sesc Memórias e o Centro de Pesquisa e Formação do Sesc.

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Adriana Vichi

Ao longo da Avenida Nove de Julho, prédios residenciais, comerciais, espaços culturais e hospitais conversam entre si e com os públicos diversos que os frequentam.

A Bela Vista é atravessada por corredores viários de grandes dimensões, como as avenidas 23 de Maio e Nove de Julho, e se constitui como um símbolo do imaginário cultural da cidade. A lista é extensa: fazem parte do território o Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp), o Museu dos Óculos Gioconda Giannini, o Teatro Sergio Cardoso, o Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona, o Teatro Ruth Escobar, a Igreja de Nossa Senhora da Achiropita, a Casa Mestre Ananias, o Centro Cultural Vila Itororó, entre outros espaços.

Importante área verde da região, as praças Gino Struffaldi (abaixo do viaduto) e 14 Bis (vizinha e mais à frente da obra do metrô) foram revitalizadas pela prefeitura em parceria com a Fecomercio-SP, e reinauguradas em 2018. Localizada sob o Viaduto Dr. Plínio de Queirós, a área que reúne as duas praças possui 7 mil e 500 metros quadrados e se tornou um respiro para moradores e turistas que usufruem de passeios por entre espécies de árvores nativas e fazem uso de equipamentos de lazer.

VISÃO DO ALTO

É de 1558 o primeiro registro do bairro, antes nomeado como Sítio do Capão e Chácara das Jabuticabeiras. No final do século 18, o território ganhou outro nome: Campos do Bexiga, em referência ao proprietário rural Antônio José Leite Braga, dono de uma hospedaria no Largo dos Piques, hoje Praça da Bandeira – ele fora acometido pela varíola, à época popularmente chamada de bexiga. “São Paulo sofreu vários surtos de varíola durante sua história (...) vem daí a hipótese de que o local tenha servido de refúgio aos bexigosos, dando o nome ao bairro”, escreveu a historiadora Nádia Marzola no livro Bela Vista (Prefeitura de São Paulo, 1985). “Já (o historiador) Afonso A. de Freitas traz outra versão. Bexiga viria de ‘bexiga de boi’, órgão bovino que o dono da chácara venderia e que era, na época, um negócio bastante lucrativo (...) e bem explorado em São Paulo”, descreveu a pesquisadora na publicação.

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Foi em 1910 que o distrito passou a ser denominado Bela Vista, abrigando os bairros do Morro dos Ingleses e o Bixiga – a grafia, com “i" na primeira sílaba, é uma convenção que respeita a pronúncia adotada por seus moradores provindos de distintos estados e nacionalidades. A partir da segunda metade do século passado se desenharam, também, os territórios limítrofes atuais – República, Liberdade, Consolação, Vila Mariana e Jardim Paulista. “A evolução da Bela Vista, ou Bixiga, (...) apresenta-nos um quadro muito mais complexo do que aquele das duas primeiras décadas, complexidade esta motivada pela multiplicação de usos, pela manifestação de uma vida noturna bastante original e pelo crescimento acentuado das habitações subnormais e cortiços”, relata Nádia Marzola em seu livro.

PASSADO PRESENTE

No final do século 19, o imperador Dom Pedro II (1825-1891) autorizou o loteamento da região a preços irrisórios, o que incentivou a chegada e a permanência dos imigrantes italianos, portugueses e espanhóis no local. Antes, no entanto, o território abrigou o Quilombo Saracura – onde refugiavam-se os escravizados que escapavam das feiras realizadas no Vale do Anhangabaú. Foi na região, ainda, que se instalaram, nas últimas cinco décadas, complexos hospitalares, estabelecimentos educacionais públicos e privados e a lendária sede da Escola de Samba Vai-Vai. Há dois anos, porém, a agremiação 15 vezes campeã do carnaval paulistano mudou de ares, deixando a esquina da Rua São Vicente com a Rua Doutor Lourenço Granato para dar lugar às obras da linha 6-Laranja do metrô.

Pelo alto valor histórico, o distrito reúne mais de 900 bens tombados pela prefeitura – a região é, portanto, um espaço significativo para a construção da cidade de São Paulo tal qual a conhecemos hoje, aponta o historiador, pesquisador e professor Petrônio Domingues, autor de Protagonismo Negro em São Paulo: história e historiografia (Edições Sesc São Paulo, 2019). “O bairro do Bixiga tem grande simbolismo na construção do imaginário da paulistanidade. Na maior parte das narrativas, o lugar é associado ao protagonismo dos italianos, mas diversas pesquisas apontam como o bairro, desde a chegada dos imigrantes italianos, já contava com a presença de pessoas negras, algumas das quais, descendentes de escravizados”, explica Domingues.

A tradicional Festa da Achiropita, que homenageia a padroeira do bairro do Bixiga, chegou à 97º edição em 2023, reunindo mais de 200 mil pessoas na Rua Treze de Maio.

TODOS ESSES ESPAÇOS CONTRIBUEM PARA A VOCAÇÃO

NATURAL DO BAIRRO, QUE SEMPRE FOI A DE SER UMA

POTÊNCIA CULTURAL, BEM COMO DE

DIVERSIDADES

Luiz Tim Ernani, diretor executivo do Museu Memória do Bixiga

Adriana Vichi
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HERANÇA NEGRA

A região passou por uma nova onda de migração em meados do século 20. “O lugar também passou a ser ocupado por nordestinos que migraram para São Paulo em busca de melhores condições de vida”, detalha Domingues. “No terceiro milênio, é possível afirmar que o Bixiga é um bairro multicultural, que continua acolhendo novos imigrantes, e se consolidou na vida dos antigos migrantes. Todas essas pessoas que convivem no bairro com suas histórias, identidades, costumes e repertórios multifacetados tornaram o lugar um mosaico de experiências étnicas e culturais”, complementa o pesquisador.

Para Domingues, regiões como a Bela Vista, mesmo com a forte herança negra, ainda são associadas, com maior frequência, à imigração italiana. Isso porque, quando pensamos na história destes territórios, o racismo foi um elemento estrutural na formação do imaginário da cidade, utilizado para minimizar, quando não apagar, a presença e o protagonismo de pessoas negras na história da capital paulista. “As narrativas históricas, a maior parte delas eurocentradas, geralmente celebravam a ‘saga’ dos imigrantes –pessoas associadas ao progresso, desenvolvimento e modernidade – e, por outro lado, não reconheciam a importância histórica dos negros – pessoas associadas ao atraso, ideia que precisa ser superada.

Phelipe Curti
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Bateria 013 em visita ao Sesc 14 Bis: projeto social no Bixiga ensina público de todas as idades a a tocar os instrumentos que compõem uma bateria de escola de samba.

TODAS ESSAS PESSOAS QUE CONVIVEM NO BAIRRO COM SUAS HISTÓRIAS, IDENTIDADES, COSTUMES E REPERTÓRIOS MULTIFACETADOS

TORNARAM O LUGAR UM MOSAICO DE EXPERIÊNCIAS ÉTNICAS E CULTURAIS

Petrônio Domingues, autor de Protagonismo Negro em São Paulo: história e historiografia (Edições Sesc São Paulo, 2019)

Tratou-se, portanto, e para usar uma expressão da (escritora) Chimamanda Ngozi Adichie, de uma história única sobre a identidade do bairro: narrativa que invisibilizou a herança negra”, analisa o historiador.

PATRIMÔNIO AFETIVO

Os espaços culturais desse distrito contribuem para trazer mais sentido de pertencimento a quem vive no território, na opinião de Luiz Tim Ernani. “Em nossas ações sociais e culturais, atividades recreativas e esportivas, de formação ou boemia, nos eventos gratuitos, todos esses espaços oferecem a possibilidade das pessoas se encaixarem no território que cabe a elas, com seus grupos de família e amigos, suas comunidades, suas idiossincrasias”, acredita o produtor cultural. “Todos esses contrastes cabem no Bixiga. Há o conforto de poder ser livre dentro do que cabe a cada um, e esses espaços culturais são os representantes disso: eu pertenço ao bairro porque este bairro me pertence também”.

E a cultura popular tem contribuído de forma decisiva na preservação dessa memória afro e nordestina local. “Durante muito tempo, o que foi considerado ‘atrativo’ é a idealização eurocêntrica do mundo. Mas, outra vez, essa pluralidade se impõe, e aos poucos o Bixiga passa a ser conhecido como um bairro afro-ítalo-nordestino, já que o Norte e o Nordeste brasileiros formam uma nação dentro do Bixiga. E essa nova/velha história do bairro está sendo contada exatamente dentro desses espaços culturais”, analisa Ernani. Ou seja, “não é que os espaços culturais ‘ajudam’: eles são os catalisadores, organizadores, arranjadores, criadores e divulgadores desse novo rumo’, complementa. “Moro na Rua Rocha, e me mudei para o Bixiga em 2010. Essa conexão se deu quando notei que era muito parecido com as periferias onde havia morado e também havia o forte laço de comunidade”, arremata o produtor, um apaixonado pela região. Entre asfaltos e construções, os versos de Geraldo Filme tantas vezes entoados pela Vai-Vai resumem esse lugar de encontros, marcado pela diversidade, de cultura pulsante e viva: “Quem nunca viu o samba amanhecer / Vai no Bixiga pra ver / Vai no Bixiga pra ver”.

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expansão / para ver no sesc

PRÓXIMA PARADA

Sesc 14 Bis abre as portas e proporciona novos encontros no reduto histórico do ecletismo cultural paulistano

Uma unidade situada na extensão da via pública e que se desenha a partir da vocação para o encontro e a convivência. É com essa proposta que o Sesc 14 Bis abre suas portas, a partir de 6 de outubro, na Rua Dr. Plínio Barreto 285, no coração da Bela Vista. Nesta primeira fase de funcionamento, a nova unidade do Sesc São Paulo ocupará três andares do edifício. Seu pavimento térreo – com uma área total de 1.995 metros quadrados e pédireito de 4,90 metros –, é o principal articulador entre o edifício e a rua. Nele haverá um espaço expositivo, biblioteca e área de leitura, espaço de brincar, Central de Atendimento, Loja Sesc e cafeteria.

Na entrada da unidade, uma ambientação dá vida à Praça Sesc 14 Bis. Neste espaço, o público poderá vivenciar intervenções artísticas, oficinas de tecnologia e artes, ações de educação em saúde, sustentabilidade e meio-ambiente. Outro foco da programação será a promoção de aulas abertas, oferecidas pelos programas de Ginástica

Integrado à nova unidade do Sesc São Paulo, o Teatro Raul Cortez abriga ações de música e artes cênicas.

Multifuncional, Práticas Corporais e Programa Sesc de Esportes. Um dos objetivos é que estas ações sejam articuladas, também, em espaços do entorno do Sesc 14 Bis –a exemplo do Clube da Corrida e de atividades pontuais dos programas socioeducativos para crianças e jovens. O Teatro Raul Cortez, por sua vez, abrigará, principalmente, ações de música e artes cênicas.

“Com o início das atividades do Sesc 14 Bis, a instituição reafirma seu compromisso na promoção do bem-estar de toda a população. A nova unidade tem como principal vocação ser um lugar de encontros,

num sentido amplo de ser essa grande praça pública, local por excelência para o exercício pleno da cidadania”, afirma Danilo Santos de Miranda, diretor do Sesc São Paulo.

Dentre os destaques da programação do Sesc 14 Bis, está a exposição Constelação Celestina, com curadoria de Claudinei Roberto. A mostra reúne fotografias do artista Wagner Celestino, que atua desde 1977 e se notabilizou pela qualidade de suas reportagens fotográficas com rara sensibilidade ao retratar a cena cultural afro-brasileira em São Paulo. [Leia mais na seção Gráfica, página 40].

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14 BIS

Início das atividades: 6 de outubro.

Rua Dr. Plínio Barreto, 285

- Bela Vista, São Paulo.

Terça a sábado, das 10h às 21h. Domingos e feriados, das 10h às 19h. sescsp.org.br/14bis

A partir deste mês, o Sesc 14 Bis ocupa o prédio que sediou a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomercio-SP).

para ver no sesc / expansão

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Fotos: Matheus José Maria

Os anos de autoexílio foram dolorosos para Caetano Veloso e Gilberto Gil. Entre 1969 e 1972, eles compartilharam uma pequena casa em Londres, na Inglaterra, onde se refugiaram após uma série de prisões arbitrárias, acusados de subversão por agentes da ditadura militar que se instalara no Brasil. O frio da capital inglesa, tão distante do calor da Bahia, terra natal dos dois, seria amenizado, de tempos em tempos, pela presença magnética e solar de uma visitante com quem, junto a outros nomes, já havia revolucionado a moderna música popular brasileira no disco-manifesto Tropicália Ou Panis et Circenses (1968). No endereço da Redesdale Street, número 16, a hóspede era a amiga Gracinha, a conterrânea que trazia notícias, cartas e recordações de longe – e uma estrela de brilho raro, em plena ascensão.

Enquanto Caetano e Gil não podiam retornar ao próprio país, coube à Gal Costa (1945-2022) permanecer em terras brasileiras defendendo o legado do Movimento Tropicalista, encabeçado pela dupla exilada. Diante da

repressão e censura vigentes nos anos de chumbo, Gal recusou o silêncio, usando o mais potente instrumento que dispunha para resistir: sua inigualável voz. “Eu fiquei aqui [no Brasil] fazendo tudo que eu fiz. Me lembro na [antiga boate carioca] Sucata, quando eu pegava a guitarra e cantava Se você pensa, do Roberto Carlos. Eu cantava com muita angústia. Gritando. Era como se fosse um grito, meio que de desespero. Não era fácil”, recordou a intérprete, em entrevista ao jornalista e crítico musical Tárik de Souza, para o Canal Brasil.

EU VIM DA BAHIA

Naquelas curtas passagens de Gal pelo Reino Unido, o trio mergulhava na atmosfera hippie – e estava, por exemplo, na plateia de uma das últimas apresentações do cantor e guitarrista norte-americano Jimi Hendrix (1942-1970), de quem era fã. Nas avenidas e parques londrinos, o laço fraterno entre os três alcançou patamares que permaneceram sólidos até o fim da

As muitas vozes de Gal Costa, artista magistral que cantou seu país e seu tempo
POR MANUELA FERREIRA
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Matheus José Maria Gal em apresentação do show Espelho d'Água, em janeiro de 2018, no Sesc Vila Mariana.

vida da cantora. Já na volta do autoexílio, Gil foi o responsável pela direção musical do icônico álbum Índia, lançado em 1973. No ano seguinte, Gal Costa gravou Cantar, outro clássico, dirigido por Caetano Veloso.

O título do trabalho, escolhido pelo compositor de Alegria, Alegria, refere-se ao que ele comprovara ser a missão da artista. “Gal tinha vindo da Bahia [para o Rio de Janeiro] como eu, na esteira de Bethânia e Gil, para tentar profissionalizar-se. Ela nunca tinha querido nada em sua vida a não ser cantar. Era-lhe inimaginável querer outra coisa que não cantar. Gil formara-se em administração e exercia a profissão; Bethânia sonhara em ser atriz e chegara a escrever contos e a fazer esculturas de madeira e cobre; eu já fora pintor, quisera ser professor e ainda queria ser cineasta; mas ela seria cantora ou nada mais”, escreveu Caetano Veloso na autobiografia Verdade Tropical (Companhia das Letras, 1997).

FORÇA ESTRANHA

O canto invadiu a vida de Gal antes mesmo de seu nascimento. A mãe tinha o ritual de ouvir músicas clássicas durante toda a gestação, acreditando que o hábito traria sensibilidade musical à filha. “Ela também me incentivou, me levou muito ao cinema, em tudo que era manifestação de arte, ela procurava me levar, me mostrar. Eu sempre gostei de música, essa era uma coisa natural e eu tinha intuição de que seria cantora, que esse era o meu caminho”, revelou ao jornalista Tárik de Souza. Mas, foi aos 14 anos, quando escutou Chega de Saudade (1959), de João Gilberto (1931-2019), que a adolescente Maria da Graça Penna Burgos passou a ter certezas sobre o futuro.

“Essa coisa [de cantar] se acendeu quando eu vi o João Gilberto. Eu comecei a perceber sua emissão [da voz], o vibrato. A coisa minimalista dele era algo que me atraía,

Publius Vergilius / Folhapress
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Reencontro da cantora com os músicos Caetano Veloso, Maria Bethânia e Gilberto Gil, que juntos já formaram o grupo Doces Bárbaros: registro em um estúdio no bairro da Gávea, no Rio de Janeiro (RJ), no ano de 2002.

a estranheza, o violão, o timbre, o jeito que ele cantava. Tudo isso me ensinou muito também, porque eu comecei a ficar atenta ao quanto ele segurava a respiração na canção. Tudo isso eu trabalhava sozinha, em casa”, rememorou na entrevista ao Canal Brasil. A partir da amizade com as irmãs Sandra e Andreia (Dedé) Gadelha – suas vizinhas e, à época, namoradas de Gilberto Gil e Caetano Veloso, respectivamente – Gal se aproximou da cena artística soteropolitana do início dos anos 1960.

A TODO VAPOR

A estreia nos palcos, em 1964, foi ao lado de Caetano, Gil, Maria Bethânia e Tom Zé, com o espetáculo Nós, por exemplo. Concebido para a inauguração do Teatro Vila Velha, em Salvador, a montagem reunia música e literatura, além de referências às questões políticas e sociais de então. O sucesso do grupo impulsionou a mudança daqueles

jovens talentos, pouco a pouco, para o sudeste, com Maria Bethânia à frente – ela chegou ao Rio de Janeiro em 1965 para protagonizar o histórico show Opinião. Gal Costa seguiu os passos da intérprete de Carcará e se instalou na capital fluminense no mesmo ano. “[A mudança] coincidiu com a estreia de Bethânia no Opinião. É a força que as coisas parecem ter quando elas precisam acontecer”, comentou a cantora no depoimento ao Canal Brasil.

Nas primeiras gravações em compactos e nas apresentações em festivais de música, ela ainda assinava com o nome de batismo. Gal, seu apelido de infância, foi escolhido após sugestão do produtor musical Guilherme Araújo (1937-2007) e incorporado oficialmente ao seu registro civil anos depois. “É seu nome verdadeiro, e é um nome baiano, profundamente autêntico e revelador da cultura particular do recôncavo da Bahia e da cidade de Salvador, além de ser bonito sonoramente e o modo mais carinhoso de se chamar. É, como queria Guilherme, internacional e pop, mas é pessoal e regional até a ponta da raiz”, contou Caetano Veloso em Verdade Tropical.

MINHA VOZ, MINHA VIDA

Com o primeiro trabalho solo, Gal Costa (1969), passou a ser reconhecida pelos sucessos radiofônicos Baby, Que pena (ele já não gosta mais de mim), Divino maravilhoso e Não identificado Nos anos 1970, uma coleção de trabalhos antológicos a consolidou como uma artista virtuosa, que aliava técnica e paixão, para além do rótulo de musa da contracultura. Entre eles estão: Fa-Tal – Gal a todo vapor (1971), Gal canta Caymmi (1976), Caras e Bocas (1977), Água Viva (1978), Tropical (1979) e Aquarela do Brasil (1980). A exuberante presença de palco e a beleza singular, simbolizada pelos volumosos cabelos negros, ganham bastante destaque nessa época, seja em capas de revistas ou em especiais para a televisão.

Na turnê Doces Bárbaros (1976), o quarteto formado com Caetano, Gil e Maria Bethânia chegou ao ápice da popularidade até então, lotando casas de shows em diversas capitais. Aberta a novas parcerias e atenta às mudanças na indústria fonográfica de seu tempo, Gal Costa permaneceria com altas vendagens também na década seguinte. Estouros como Festa do Interior, Profana, Balancê, Azul (escrita pelo cantor e compositor Djavan), Um dia de domingo, dueto com Tim Maia (1942-1998), Lua de Mel, na qual divide os vocais com Lulu Santos, Sorte e Brasil, esta última, uma composição de Cazuza (1958-1990), elevaram seu nome ao status de ícone de um país que comemorava o arrefecimento do regime militar e a volta da democracia.

Eu sempre gostei de música, essa era uma coisa natural e eu tinha intuição de que eu seria cantora, que esse era o meu caminho
Gal Costa, em entrevista ao jornalista Tárik de Souza para o Canal Brasil
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TODAS AS COISAS

Em quase seis décadas de carreira e aproximadamente 40 trabalhos lançados, Gal Costa via com muita alegria, nos últimos anos, a renovação de seu público – graças a inovações como o álbum Recanto (2011), obra experimental em que passeia com fluidez pelo rock, funk e batidas eletrônicas. Com Estratosférica (2015) e A pele do futuro (2018), a baiana deixava clara a intenção de mesclar-se, cada vez mais, às vozes das novas gerações, ao dar vida a canções escritas por nomes como Céu, Zeca Veloso, Silva, Tim Bernardes e Marília Mendonça (1995-2021), com quem dividiu os vocais em Cuidando de Longe

A partir do dia 12 de outubro, uma parte da história da artista chega às grandes telas com a estreia da cinebiografia Meu nome é Gal (2023), das diretoras Dandara Ferreira e Lô Politi. A produção retrata os primeiros anos de carreira da cantora e sua chegada

ao Rio de Janeiro, aos 20 anos. No papel da intérprete de Vapor Barato está a atriz Sophie Charlotte.

“Ela sempre esteve sobre os nossos ombros e cantando nos nossos ouvidos, seja nas rádios, no cinema…E então, eu cresci ouvindo a Gal Costa”, conta a cantora Assucena Assucena, que a homenageia no show Baby, te amo –Tributo à Gal Costa. É dela, ainda, outra releitura de uma obra fundamental, Índia, que esteve recentemente na programação do projeto 73/23 – Meio século de discos históricos, do Sesc 24 de Maio [Leia em O som do novo]. As trajetórias artísticas das duas, no entanto, já haviam se cruzado no ano passado, quando Assucena Assucena realizou o show Rio e Também Posso Chorar, em que dava nova roupagem ao Fa-Tal – álbum que conheceu em 2011 e que a impactou profundamente. “Eu não poderia começar minha carreira solo sem homenagear aquela artista e aquele disco que me pariram como a artista que eu sou hoje", arremata a ex-integrante do trio As Baías.

Adriana Vichi
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Em 2005, no teatro do Sesc Pinheiros, Gal Costa interpretou as canções do álbum Todas as coisas e eu, acompanhada pelos músicos Jurim Moreira (bateria), Zé Canuto (saxofone), Bororó (Contrabaixo) e Marcos Teixeira (violão).

VOZ IMORTAL

Gal Costa é homenageada em programações do Sesc São Paulo

O legado tropical e transgressor de Gal Costa segue vivo, ecoando em diversas programações do Sesc São Paulo. Neste mês, o SescTV exibe três programas que celebram a presença imortal de Gal. Em Belezas são coisas acesas por dentro: Catto canta Gal, Filipe Catto homenageia a artista baiana, em show que foi gravado em agosto deste ano no Teatro Pedro II, em Ribeirão Preto (SP). Completam essa homenagem do canal o programa Poesia Total - Waly Salomão, com

participação de Gal, e o Compacto – Gal Costa, que apresenta um depoimento da artista sobre momentos marcantes da carreira.

A voz viva de Gal Costa também foi celebrada pelo projeto 73/23 –Meio século de discos históricos, no Sesc 24 de Maio. Com programação que conecta diferentes gerações em homenagem ao aniversário de 50 anos de álbuns fundamentais da MPB, Gal subiu ao palco através da voz da artista Assucena, que interpretou o álbum Índia (1973), em show realizado em agosto. Neste mês, BNegão e a banda Black Mantra dão nova roupagem ao disco Tim Maia, nos dias 7 e 8/10; para recordar a sambista Beth Carvalho (1946-2019), Fabiana Cozza revisita Canto por um novo dia, nos dias 28 e 29/10; e o projeto se encerra, nos dias 16 e 17/12, com a versão de Linn da Quebrada e Giovani Cidreira para o disco Secos e Molhados

para ver no sesc / bio

SESC TV

Belezas são coisas acesas por dentro:

Catto canta Gal

Direção: Daniel Pereira

25/10, às 21h

Poesia Total - Waly Salomão

Direção: Daniela Lombardi

Cucchiarelli

27/10, às 22h

Compacto - Gal Costa

Direção: Max Alvim

Nos intervalos da programação do SescTV e sob demanda

Assista: sescstv.org.br

24 DE MAIO

73/23 – Meio século de discos históricos sescsp.org.br/24demaio

Vinícius Barros
Filipe Catto homenageia Gal Costa com clássicos da cantora baiana em versões carregadas de jazz, bolero, rock, tango e baião
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Menino na escada, da série Cortiços (1997).

DE SOMBRA E LUZ

A importância documental e artística de Wagner Celestino para a história da fotografia e a preservação da cultura afro-brasileira

POR MARIA JÚLIA LLEDÓ FOTOS WAGNER CELESTINO
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Sem título, da série Cortiços (1997).

Paulistano da zona leste, Wagner Celestino nasceu em 1952, e aos sete anos de idade, no auge do Carnaval da Vila Esperança, um dos festejos de rua mais populares da região, encantou-se pelos desfiles da Nenê de Vila Matilde. A partir daquele momento, seu olhar voltou-se para os desfiles de escolas de samba da cidade, como Vai-Vai, Camisa Verde e Branco, Mocidade Alegre, Rosas de Ouro, Peruche e outras agremiações. Da Ala das Baianas à Velha Guarda, o pequeno folião aprimorou um talento: registrar em fotografia e ser o guardião de imagens que aprenderia a captar para preservar a história de protagonistas e manifestações da cultura popular afro-brasileira.

Fotógrafo autodidata, Celestino desenvolveu aptidões necessárias para a revelação e ampliação de imagens, mas, principalmente, para a descoberta sobre a sua própria linguagem estética. Ao fazer um estágio no Museu Lasar Segall, na segunda metade da década de 1970, ele teve a oportunidade de usar o laboratório do espaço, o que lhe deu confiança e autonomia para se lançar no ofício. Aliás, também foi nesse ambiente que as obras expressionistas de Lasar Segall (1889-1957), artista lituano radicado no Brasil, inspiraram o olhar de Celestino, assim como a fotografia do brasileiro Walter Firmo e do estadunidense Gordon Parks (1912-2006). Somam-se, ainda, o fotojornalismo do Jornal da Tarde e da Revista Realidade. De lá para cá, a câmera analógica de Celestino vem focando diferentes manifestações culturais afro-brasileiras em comunidades da capital e do interior de São Paulo.

Na exposição Constelação Celestina – primeira exibição solo do artista –, que marca o início das atividades do Sesc 14 Bis [Leia mais em Estrelas urbanas], o público poderá apreciar alguns registros da trajetória desse artista notável por transitar entre o artístico e o documentário investigativo. Com curadoria de Claudinei Roberto, a exposição reúne obras que percorrem décadas de atuação de Celestino, propondo um passeio por grandes projetos organizados pelo fotógrafo. Um desses exemplos é o conjunto de imagens feitas no final da década de 1980 sobre a vida nos cortiços da cidade, resultando no livro Os Cortiços – A realidade que ninguém vê, com prefácio de dom Paulo Evaristo Arns (1921-2016). “Nessa ocasião, Celestino fez uma série de fotos do que eu chamo de ‘madonas negras’. São mães e seus filhos, que ele fez com uma sensibilidade muito aflorada e conseguiu trazer à tona a dignidade e a inteireza dessas famílias. Isso porque ele conhece a realidade que fotografa, ele participa dela, é um membro da comunidade que fotografa, por isso a gente percebe essa densidade política nessas fotos”, analisa Roberto.

Nas palavras do próprio fotógrafo, “atrás do visor da câmera existe uma pessoa com sua formação intelectual própria, com seus conhecimentos e posicionamentos ideológicos e culturais, consequentemente, estes ideais se refletem no fazer e ações fotográficas”. Ao que Celestino complementa: “espero que o meu trabalho fotográfico possa contribuir concreta e positivamente nesta luta constante contra o racismo e para ressaltar a relevância da nossa cultura popular afro-brasileira”.

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Dona Philomena, da Velha Guarda Flor da Zona Sul (2003).
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Seu Nenê, da Velha Guarda Nenê da Vila Matilde (2004).
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Carnaval (2008)
Silvio Modesto, Velha Guarda (sem data).
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Festa São Benedito Tietê (sem data).
Crédito
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Dona Maria Cândida, da Pastoral Afro da Achiropita (2023).
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Ensaio Bateria 013, Residência Bixiga (2023).
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Baianas, Carnaval (2008).
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para ver no sesc / gráfica

ESTRELAS URBANAS

Exposição Constelação Celestina marca início das atividades do Sesc 14 Bis, reunindo imagens de moradores do

Bixiga e da Velha Guarda do samba paulistano

A partir deste mês, a exposição Constelação Celestina recebe o público no início das atividades do Sesc 14 Bis, nova unidade do Sesc São Paulo, situada na Bela Vista, região central da cidade. A mostra reúne um acervo de 29 fotografias produzidas pelo veterano Wagner Celestino desde a década de 1980, além de novas imagens que ele captou recentemente, registrando moradores e espaços culturais do Bixiga, bem como da Velha Guarda do samba.

Sob curadoria de Claudinei Roberto, a mostra não pretende fazer uma retrospectiva, mas, sim, jogar luz ao trabalho de Wagner Celestino. Para isso, ela se divide em dois núcleos. “Um deles é dedicado à memória dos patriarcas e matriarcas da Velha Guarda do samba de São Paulo” [projeto realizado em 2003]. Já o segundo núcleo, descreve o curador, “dedica-se à salvaguarda da memória de tradições e festejos que acontecem pelo interior de São Paulo, a exemplo da Festa de São Benedito e de outros festejos onde a presença negra tenha se estabelecido, e que são, em certo sentido, resultado de uma organização que surge a partir de fraternidades e irmandades”, explica Claudinei.

Danilo Santos de Miranda, diretor do Sesc São Paulo, acredita que a exposição de Wagner Celestino “recorre a uma obra que, ao se voltar a personagens, melodias, cadências e enredos vinculados à negritude, permite o vislumbre da dignidade particular ao cruzamento de olhares, entre fotógrafo e pessoas retratadas, que perfaz a carreira do artista”. Tendo em vista o caráter educativo do Sesc, complementa Miranda, “incitar e desdobrar reflexões acerca dos vínculos entre o passado e o presente – sobretudo por meio das artes – trata-se de compromisso basilar de sua ação institucional, além de reconhecer as riquezas de nosso território, seus relevos, fluxos, rostos e timbres”.

14 BIS

Constelação Celestina

Exposição fotográfica de Wagner Celestino, com curadoria de Claudinei Roberto

De 6 de outubro de 2023

a 7 de abril de 2024. Terça a sábado, das 10h30 às 20h30. Domingos e feriados, das 10h30 às 18h30. GRÁTIS.

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cultivar a

MUDANÇA

Como podemos agir para que o alimento que produzimos e colocamos no prato contribua para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU

POR LUNA D’ALAMA Stephany Tiveron
alimentação

Apalavra cultura, do latim colere (colher, cuidar, cultivar), tem em sua raiz etimológica tanto um significado associado à agricultura quanto à rede de valores, ideias e tradições humanas. É essa dimensão do cuidado que também está na base do pensamento da Organização das Nações Unidas (ONU) na criação de um plano de ação global, proposto aos principais líderes mundiais, em 2015 e conhecido como Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Essa agenda de compromissos assumida por 193 países para melhorar a vida no planeta inclui desafios de grandes proporções, como o fim da pobreza extrema e a fome, a redução das desigualdades sociais e a promoção da saúde e bem-estar de todos. Além disso,

os ODS projetam o direito à educação de qualidade, igualdade entre os gêneros, trabalho digno, cidades sustentáveis, ações contra mudanças climáticas, um consumo e uma produção responsáveis, a paz e a justiça.

Ao todo, a ONU estabeleceu 17 ODS, com 169 metas associadas. E os sistemas agroalimentares –ou seja, o processo que envolve desde o acesso à terra e aos meios de produção até o transporte, comercialização, preparo, consumo e descarte dos alimentos – têm um papel fundamental para o alcance desse conjunto de propósitos firmados pelos países signatários, entre eles, o Brasil. À primeira vista, a alimentação parece estar mais intimamente ligada a objetivos como a erradicação da pobreza e da fome, preservação da vida terrestre

e da vida na água, e a um consumo e produção mais conscientes. No entanto, profissionais reforçam que os sistemas agroalimentares atravessam todos os ODS, como um tema transversal.

“Esses fenômenos já foram vistos de forma separada, mas hoje entendemos que está tudo interligado. A saúde humana, por exemplo, está conectada aos sistemas agroalimentares, a fatores socioeconômicos, políticos e à forma como as sociedades resolvem suas questões de sobrevivência”, explica a nutricionista Rosa Wanda Diez Garcia, doutora em psicologia social pela Universidade de São Paulo (USP) e professora aposentada do curso de Nutrição e Metabolismo da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP. Segundo

Renata Teixeira
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Os sistemas agroalimentares, que envolvem desde o acesso à terra até o consumo e descarte de alimentos, têm papel fundamental para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.

alimentação

NOSSO CORPO É NOSSA CASA, O PLANETA TAMBÉM.

PROMOVER UMA ALIMENTAÇÃO MAIS SAUDÁVEL É RESPONSABILIDADE DE TODOS, E SÃO NECESSÁRIAS

MUDANÇAS CULTURAIS E DE COMPORTAMENTO

ela, no contexto contemporâneo, os interesses econômicos relacionados aos alimentos se sobrepõem à valorização da saúde das pessoas e do planeta.

PENSAR A MUDANÇA

“Precisamos de uma mudança de paradigma que passe pela forma como cultivamos a terra, pelas políticas públicas e investimentos que sustentam os trabalhadores no campo, pela preservação e escoamento dos alimentos para as regiões urbanas, e por tudo aquilo que ingerimos”, aponta a professora. De acordo com Garcia, a dieta humana deveria ser baseada menos em carne e mais no consumo de frutas, legumes, verduras, oleaginosas e grãos integrais.

A professora reconhece que hoje existe um movimento crescente da agricultura familiar, agroecológica e orgânica, para combater o uso extensivo de agrotóxicos e diversificar os cultivos. Mas, na opinião dela, essas ainda são “células borbulhantes” que precisam ser reconhecidas e incentivadas pelos governos.

Garcia acrescenta que, para termos uma alimentação adequada e saudável, é preciso mexer na cadeia inteira, rever as macroestruturas. “Alimento não é só o que as pessoas colocam para dentro do corpo e obtêm em termos de nutrientes. Devemos repensar o tempo que dedicamos para cozinhar, comer e trabalhar. O macro afeta o micro, e vice-versa”, destaca.

SINDEMIA GLOBAL

Para o alcance, até 2030, dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, especialistas também trabalham com o conceito de “sindemia global”. Formulado pela primeira vez em 2019, num relatório da revista científica britânica The Lancet, esse termo significa que vivenciamos, ao mesmo tempo, três cenários decorrentes dos sistemas agroalimentares e de outros fatores sociais em comum: as pandemias de obesidade e de desnutrição e as mudanças climáticas. Pesquisadores apontam que, apesar de parecerem contraditórios, quadros extremos de obesidade e de desnutrição estão intimamente ligados à pobreza e podem

aparecer em um mesmo núcleo familiar, pois os fatores que os geram são semelhantes – apenas expressos de formas diferentes.

Segundo o cientista político italiano Fulvio Iermano, que vive no Brasil há 15 anos, um paradigma da agricultura convencional é garantir quantidade de alimentos, mas não qualidade e biodiversidade. Isso acaba gerando um cenário em que quase 10% da população mundial está desnutrida e aproximadamente 40% têm sobrepeso ou obesidade.

Todos os fatores citados pelo cientista político favorecem, segundo sua análise, o consumo de alimentos ultraprocessados, calóricos e pouco nutritivos, além de secas prolongadas, desertificação e recordes de calor. A situação se agrava com o bombardeio de propagandas que o mercado faz na mídia, alerta o especialista. “O resultado é o que vemos nas grandes metrópoles, principalmente nas áreas periféricas: altos índices de obesidade e desnutrição. Devemos rever os sistemas agroalimentares dominantes, que afetam nossos territórios e culturas alimentares, e

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Rosa Wanda Diez Garcia, professora

fazer uma transição agroecológica”. Isto contribuiria para ampliar a oferta de alimentos adequados e saudáveis desde a produção até o consumo e descarte.

MAPA DA FOME

Os relatórios mais recentes da ONU sobre os ODS apontam que o mundo progride de forma irregular e insuficiente para alcançar vários dos objetivos propostos, como a saúde (sobretudo materna e infantil), o acesso à eletricidade e a participação feminina nos governos. Além disso, por conta de fatores como a pandemia de Covid-19, houve um aumento da pobreza, da fome, da insegurança alimentar e das desigualdades sociais em todo o mundo. No Brasil, a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e

Nutricional (Penssan) identificou, ano passado, que 125,2 milhões de pessoas no país enfrentam algum tipo de insegurança alimentar, das quais 33,1 milhões passam fome.

A nutricionista Aline Martins de Carvalho, doutora em nutrição em saúde pública pela Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, defende que, para o planeta ter uma alimentação adequada e saudável, é preciso existir paz entre os países, instituições fortes, acordos multilaterais e soberania alimentar. “Os sistemas agroalimentares têm que produzir comida em quantidade e qualidade viável para toda a população.

Devemos valorizar sistemas que respeitem integralmente a cadeia de produção, além de incentivar ações individuais, coletivas e políticas”, ressalta Carvalho. Para o alcance dos 17 ODS nos

próximos sete anos, o cientista político Fulvio Iermano aposta em saídas como o investimento em conhecimentos ancestrais, indígenas e quilombolas, e o foco na saúde coletiva. “Também é papel do Estado garantir o direito humano à alimentação, está na nossa Constituição. E precisamos de uma maior biodiversidade, pois o mundo é mais belo e saudável quando incentivamos a diversidade na natureza e nas pessoas”, afirma.

Na visão da nutricionista Rosa Wanda Diez Garcia, por sua vez, necessitamos de uma cultura alimentar voltada para o autocuidado. “Nosso corpo é nossa casa, o planeta também. Promover uma alimentação mais saudável é responsabilidade de todos, e são necessárias mudanças culturais e de comportamento. Cada um tem que fazer a sua parte”, finaliza.

6 ÁGUA POTÁVEL E SANEAMENTO 5 IGUALDADE DE GÊNERO
EDUCAÇÃO DE QUALIDADE
SAÚDE E BEM-ESTAR
FOME ZERO E AGRICULTURA SUSTENTÁVEL
ERRADICAÇÃO DA POBREZA
CONSUMO E PRODUÇÃO RESPONSÁVEIS
CIDADES E COMUNIDADES SUSTENTÁVEIS
REDUÇÃO DAS DESIGUALDADES 9 INDÚSTRIA, INOVAÇÃO E INFRAESTRUTURA
TRABALHO DECENTE E CRESCIMENTO ECONÔMICO
ENERGIA LIMPA E ACESSÍVEL 17 PARCERIAS E MEIOS DE IMPLEMENTAÇÃO 16 PAZ, JUSTIÇA E INSTITUIÇÕES EFICAZES 15 VIDA TERRESTRE
VIDA NA ÁGUA
AÇÃO CONTRA A MUDANÇA GLOBAL DO CLIMA SUSTENTÁVEL OBJETIV S DE DESENVOLVIMENTO
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© United Nations 57 | e alimentação
Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável fazem parte da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), que foi assumida como um compromisso por 193 países, dentre esses o Brasil.

alimentação / para ver no sesc

SAÚDE À MESA

De 16 a 29 de outubro, unidades do Sesc São

Paulo promovem a sétima edição do Experimenta! –Comida, Saúde e Cultura, que incentiva alimentação adequada e saudável

Em 16 de outubro, é celebrado o Dia Mundial da Alimentação, data que há 42 anos busca conscientizar sobre a importância da segurança alimentar e de uma alimentação adequada, saudável e sustentável para todos. Esse também é o dia de fundação da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), criada em 1945 e ancorada em quatro pilares fundamentais: melhor nutrição, melhor produção, melhor ambiente e melhor qualidade de vida.

Nesse contexto, o Sesc São

Paulo realiza, de 16 a 29 de outubro, a sétima edição do Experimenta! – Comida, Saúde e Cultura, que discute os hábitos alimentares e a reflete sobre as suas consequências. Participam da programação chefs de cozinha, nutricionistas, biólogos, historiadores, produtores agrícolas e especialistas com diversas formações na área, que propõem mais de 120 atividades gratuitas, como oficinas, bate-papos, vivência em feiras, entre outras.

“O Experimenta! – Comida, Saúde e Cultura convida todas as pessoas

a refletirem sobre as múltiplas e transversais dimensões da alimentação, abordando aspectos culturais, sociais, econômicos, ambientais e de saúde ligados aos sistemas alimentares, com o objetivo de promover uma alimentação adequada e saudável e a autonomia dos indivíduos no momento de suas escolhas”, destaca Mariana Meirelles Ruocco, gerente da Gerência de Alimentação e Segurança Alimentar do Sesc São Paulo. Ruocco lembra, ainda, que para além do Experimenta! a instituição mantém ações educativas sobre alimentação ao longo do ano e para todos os públicos.

Confira destaques da programação:

AVENIDA PAULISTA

Comida política: agroecologia e orgânicos contra o domínio dos ultraprocessados

Conversa entre a Cooperativa Terra e Liberdade e o nutricionista José Carlos, sob mediação da equipe da iniciativa jornalística O Joio e o Trigo. Dia 18/10, quarta, às 19h. GRÁTIS.

24 DE MAIO

Fome de Brasil –Ruth Guimarães e os saberes originários Palestra e degustação com a nutricionista Rafaela Vianna,

o chef Vitor Pompeu e a jornalista Mariana Bastos. Dias 19 e 26/10, quintas, às 19h30. GRÁTIS (retirada de ingressos 30 minutos antes).

Mulheres e cozinhas potentes

Conversa sobre o uso de alimentos de origem orgânica e agroecológica com as chefs

Tia Nice e Marlene Pereira. Dia 21/10, sábado, às 15h. GRÁTIS.

CARMO

Experimenta cozinhar: memórias e cultura alimentar

O chef Rodrigo Oliveira e a historiadora Adriana Salay conduzem uma oficina seguida de degustação.

Dia 23/10, segunda, às 18h. GRÁTIS (retirada de ingressos 1 hora antes).

IPIRANGA

Os alimentos e a história da cozinha afrodiaspórica

Com a pesquisadora Patty Durães e o produtor em cultura alimentar Felipe Ribenboim.

Dia 29/10, domingo, às 15h. GRÁTIS.

Programação completa: sescsp.org.br/experimenta

CAMPO LIMPO
Renato Cirone
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Feiras de alimentos orgânicos também ocupam algumas unidades do Sesc durante a programação do projeto Experimenta!

EM TODAS AS UNIDADES DO SESC SÃO PAULO DE 16/10 A 29/10

DIÁLOGOS SOBRE A ALIMENTAÇÃO E SUAS

RELAÇÕES COM A CULTURA, A SAÚDE, O MEIO AMBIENTE, A ECONOMIA E A SOCIEDADE

Mais de 120 atividades, como bate-papos, palestras, oficinas culinárias, vivências e feiras

ATIVIDADES GRATUITAS E PARA TODAS AS IDADES!

sescsp.org.br/experimenta

NATUREZA criança e

Todos temos direito a um ambiente ecologicamente equilibrado, sendo responsabilidade do poder público e da coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, como prevê o artigo 225 da Constituição Federal Brasileira. No entanto, quanto maior a concentração populacional nas cidades – a estimativa da ONU (Organização das Nações Unidas) é de que, até 2050, quase 70% da população mundial seja urbana –, mais precisamos reivindicar esse direito fundamental, principalmente, às infâncias.

Tendo em vista esse contexto, cresce, no cenário internacional, o número de iniciativas que buscam a criação de mais áreas verdes nas metrópoles, em especial, nos ambientes escolares. Líder de inovação, parcerias e captação de recursos da Children & Nature Network, a pesquisadora estadunidense Jaime Zaplatosch Ehrenberg explica que a prática de agregar e desenvolver áreas verdes nos terrenos escolares é capaz de “melhorar o bem-estar, a aprendizagem e a diversão das crianças, ao mesmo tempo em que contribui para o envolvimento da comunidade e para a resiliência climática” nas cidades. Evidências científicas ainda mostram, de acordo com Ehrenberg, “que áreas verdes em escolas melhoram a saúde física e mental, as habilidades sociais e cognitivas, a criatividade e o desempenho acadêmico dos estudantes”. Nortearia

No Estado de São Paulo, um exemplo de iniciativa com esse objetivo é o Programa Ribeirão -3 Graus que, em parceria com a Secretaria Municipal de Educação de Ribeirão Preto, almeja tornar a área urbana 30% verde até 2030. Cofundadora e gestora deste programa, a arquiteta e urbanista Carla Roxo acredita que “se desejamos um futuro urbano resiliente e sustentável, precisamos repensar os espaços educativos e trazer a natureza de volta para a rotina das crianças”. Especialista em desenvolvimento urbano sustentável, Roxo conclui: “afinal, se a cidade não oferece esse contato, por que não começar pelos locais onde elas passam a maior parte do dia?”.

Ambas as especialistas participaram da 23ª edição da Conferência Internacional – Espaços Naturalizados para as Infâncias, realizada em setembro deste ano, pela primeira vez na América Latina, no Sesc Vila Mariana, na cidade de São Paulo. Parceria entre a Aliança Internacional de Espaços Escolares (International School Grounds Alliance – Isga), o programa Criança e Natureza, do Instituto Alana, e o Sesc, o encontro reuniu profissionais de diferentes campos – educação, arquitetura, saúde e artes – que acreditam que a natureza colabora na promoção de saúde física, mental e bem-estar de todos. Neste Em Pauta, leia os artigos de Jaime Zaplatosch Ehrenberg e Carla Roxo publicados para o evento.

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Meta global

Nós imaginamos um mundo onde cada criança, especialmente as mais vulneráveis, conecte-se de forma significativa com a natureza todos os dias. Isso acontece em um momento em que todo o mundo vê, cada vez mais, o crescimento dos espaços verdes nas escolas como uma abordagem estratégica, econômica e ponderada para aumentar a resiliência climática e melhorar os resultados de saúde e educação, especialmente para aqueles mais afetados por sistemas de desigualdade e injustiças ambientais.

Evidências científicas sugerem que transformar as escolas em ambientes ricos em natureza é um caminho poderoso para alcançar múltiplos benefícios. Os dados mostram que as áreas verdes em escolas melhoram a saúde física e mental, as habilidades sociais e cognitivas, a criatividade e o desempenho acadêmico dos alunos. Elas também contribuem com benefícios ambientais, como maior biodiversidade, redução do calor em locais de clima quente, economia de água e redução do uso de energia. Podem até atuar na retenção de carbono e ajudar a mitigar as mudanças climáticas.

O projeto Áreas Verdes em Escolas e Aprendizado ao Ar Livre reuniu centenas de organizações comprometidas com um mundo onde as escolas verdes são a norma, onde as crianças são educadas na natureza e para ela, onde as escolas se tornam centros ambientais para a comunidade. A implantação de áreas de natureza nas escolas é definida como a prática de agregar e desenvolver áreas verdes nos terrenos escolares para melhorar o bem-estar, a aprendizagem e a diversão das crianças, ao mesmo tempo em que contribui para o envolvimento da comunidade e a resiliência climática.

Embora a natureza e o escopo dos recursos em cada espaço variem significativamente entre as regiões geográficas, o contato direto das crianças com a natureza é um importante fator unificador. A Rede Play, Learn and Teach (PLaTO-Net) [na língua portuguesa, Brinque, Aprenda e Ensine] define a aprendizagem ao ar livre como qualquer aprendizado que ocorra nesse tipo de espaço. Seja por meio de várias atividades de lazer, recreativas, educacionais, ocupacionais e de melhoria da saúde em ambientes externos naturais ou construídos.

ABORDAGENS E RESULTADOS

Desde novembro de 2021, com o apoio financeiro da Robert Wood Johnson Foundation, Children & Nature Network, em parceria com o Salzburg Global Seminar, International School Grounds Alliance, International Union for Conservation of Nature, #NatureForAll e a National League of Cities, Institute for Youth, Education and Families, foi realizada uma avaliação global abrangente sobre o status das áreas verdes nos terrenos escolares e da aprendizagem ao ar livre. O processo identificou e disseminou abordagens bem-sucedidas em todo o mundo para influenciar e nos ajudar, como sociedade, a fazer progressos significativos na abordagem de problemas complexos e inter-relacionados, e lidar com desafios como infraestrutura escolar, bem-estar dos estudantes, perda de biodiversidade e mudança climática.

Os resultados incluem a Declaração de Salzburg, a Agenda de Ação Global, estudos de caso em todo o mundo e um grupo cada vez maior de parceiros para desenvolver e ampliar a implementação e uso desta intervenção. Desde o início do projeto, outros parceiros se juntaram às ações estruturantes do movimento: Unesco, Learning through Landscapes, Learning Planet Alliance e o Instituto Alana.

Para atender aos nossos objetivos, lançamos uma pesquisa online sobre a situação atual, a fim de compreender o estado e a escala das áreas verdes nas escolas e da aprendizagem ao ar livre em todo o mundo – incluindo equidade, políticas e alavancas

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de sustentabilidade. Desde novembro de 2021, recebemos 300 respostas de organizações de diferentes países. Antes desta avaliação global, não havia um entendimento completo do alcance dos terrenos escolares verdes e da aprendizagem ao ar livre. Pela primeira vez, existe um mapa para mostrar onde eles existem e onde há lacunas.

A coorte [grupo de pessoas], composta por 60 representantes globais dos respondentes da pesquisa, reuniu-se ao longo de 2022 para compartilhar experiências, pesquisas e práticas recomendadas, além de estabelecer as bases para uma agenda global de aprendizado ecológico e ao ar livre. Essa coorte escreveu a Declaração de Salzburg sobre Áreas Verdes em Escolas e o posicionamento sobre a importância da aprendizagem ao ar livre para demonstrar a necessidade dessas intervenções. Também categorizou os benefícios de acordo com suas perspectivas únicas em escala, equidade e sustentabilidade.

Os parceiros do programa trabalharam juntos para identificar, documentar e traduzir o impacto de 13 estudos de caso destacando cada um desses benefícios, para inspirar distritos escolares e cidades nos Estados Unidos e no exterior, demonstrando a simplicidade e a eficácia de tornar as áreas escolares mais verdes e o aprendizado ao ar livre. Estamos muito orgulhosos dos 13 estudos de caso que representam diversas geografias e abordagens para integrar o verde e a aprendizagem ao ar livre às áreas escolares.

O projeto Florescer do Movimento, que está na Fase III, fortalecerá e expandirá, até 2025, o movimen-

to internacional emergente pelo espaço escolar verde e o aprendizado ao ar livre, usando os novos recursos desenvolvidos na Fase II. O trabalho se concentrará na criação de ambientes propícios, ao mesmo tempo em que vai encorajar um movimento de baixo para cima, amplamente impulsionado por educadores e escolas. O Comitê Diretor orientará este trabalho com um pequeno secretariado. Estamos estruturando a Fase III com três áreas prioritárias inter-relacionadas: a Construção de Parcerias, o Desenvolvimento de Capacidades e a Atuação Onipresente.

Movimentos precisam de incentivo e cuidado, bem como de uma combinação de comunicações estratégicas, reuniões virtuais e presenciais, defesa de políticas, treinamento customizado e compartilhamento de programas. Juntas, essas atividades e outras ajudam a inspirar, engajar e apoiar o crescimento das escolas verdes. As abordagens estão enraizadas na escuta, no aprendizado e na abertura para colaborações. Isso exige a construção de relacionamentos e senso de comunidade.

Jaime Zaplatosch Ehrenberg é líder de inovação, parcerias e captação de recursos da Children & Nature Network e co-coordenadora do comitê de liderança sobre Espaços Escolares Naturalizados e Educação ao Ar Livre.

Evidências científicas sugerem que transformar as escolas em ambientes ricos em natureza é um caminho poderoso para alcançar múltiplos benefícios
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Escolas mais verdes

RESILIÊNCIA CLIMÁTICA

As cidades e seus habitantes estão adoecendo à medida em que os extremos climáticos se intensificam. No entanto, existem soluções urbanas e caminhos para a resiliência climática. Podemos reverter essa paisagem árida por meio do “verdejamento” das cidades, e as escolas desempenham um papel fundamental nessa transformação – a revolução verde. As escolas são espaços públicos educativos onde plantamos as sementes do futuro.

A cidade de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, assim como inúmeras outras cidades pelo Brasil e pelo mundo, já enfrenta os impactos das mudanças climáticas. As ilhas de calor estão mais intensas, os alagamentos se tornaram rotineiros, os índices de qualidade do ar atingem níveis alarmantes e os períodos de estiagem estão se prolongando. Nesse cenário, observamos os efeitos dos ventos, de terra e fogo.

O Relatório Mundial das Cidades, lançado pelo Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos (ONU-Habitat), aponta que o futuro da humanidade é “inegavelmente urbano” e estima que, até 2050, 68% da população mundial será urbana. Considerando essa previsão de crescimento e o atual padrão de urbanização caracterizado pelo concreto e pelo uso excessivo de automóveis, como ficará a saúde física e mental da população, especialmente das crianças inseridas nesse cenário insustentável?

Hoje são amplamente conhecidos na comunidade acadêmica os inúmeros impactos do ambiente urbano “desértico” na saúde pública. Sabe-se, por exemplo, que níveis mais altos de poluição do ar prejudicam a inteligência e o desenvolvimento infantil. Um estudo realizado pela Universidade de Hasselt, na Bélgica, indica que crianças que crescem em áreas mais verdes apresentam QI mais alto. O professor de epidemiologia ambiental da universidade, Tim Nawrot, destacou para o jornal The Guardian que “há cada vez mais evidências de que os ambientes verdes estão associados à nossa função cognitiva, como habilidades de memória e atenção”.

No entanto, esses locais acompanharam a lógica de desenvolvimento urbano cinza, com muros altos, áreas pavimentadas e jardins limitados. Isso significa que as sementes não estão germinando em seu potencial máximo, pois falta terra e sombra para seu crescimento adequado. Portanto, se desejamos um futuro urbano resiliente e sustentável, precisamos repensar os espaços educativos e trazer a natureza de volta para a rotina das crianças. Afinal, se a cidade não oferece esse contato, por que não começar pelos locais onde elas passam a maior parte do dia?

Foi assim que surgiu, em Ribeirão Preto, o projeto Verdejamento das Escolas, resultado de uma parceria entre o Programa Ribeirão -3 Graus e a Secretaria Municipal de Educação. O programa tem como objetivo tornar a área urbana 30% verde até 2030, visando melhorar a questão climática da cidade.

Sabe-se, por exemplo, que níveis mais altos de poluição do ar prejudicam a inteligência e o desenvolvimento infantil
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Ribeirão Preto, assim como diversas cidades brasileiras, apresenta uma cobertura vegetal urbana muito baixa, com média de apenas 12%. Poucas ações estão sendo tomadas para liderar pelo exemplo e expandir o esverdeamento urbano em áreas públicas e privadas. Nesse contexto, o programa propõe soluções para iniciar a transformação urbana, incluindo o verdejamento das escolas e a conscientização sobre as questões climáticas na comunidade escolar.

Em 21 de setembro de 2021, Dia da Árvore, a Prefeitura de Ribeirão Preto assumiu oficialmente o compromisso de verdejar as escolas. Em outubro do mesmo ano, foi anunciado um investimento de R$ 2 milhões para iniciar o projeto em 40 unidades escolares, seguido de um aporte de R$ 3,4 milhões em janeiro de 2022 para outras 68 escolas. Atualmente, a maioria das escolas públicas já implementou ou está em processo de implementação dos projetos de verdejamento.

Em entrevista à revista Painel, da AEAARP [Associação de Engenharia, Arquitetura e Agronomia de Ribeirão Preto], a diretora do CEI [Centro de Educação Infantil] de Ribeirão Preto, Sônia Eurípedes da Costa Castro, relata que o verdejamento do espaço físico trouxe benefícios tanto para os alunos quanto para os professores. “Quando a criança está confinada em um espaço fechado, o educador precisa, a

cada 20 minutos, criar situações lúdicas que a faça aprender, movimentar-se e não se sentir triste por estar confinada. A liberdade do espaço aberto, por si só, já proporciona isso. Então, conseguimos passar 50 minutos ou até mais com as crianças explorando a natureza”, disse a diretora.

Por meio da experiência do verdejamento das escolas municipais de Ribeirão Preto, podemos ter esperança na busca pela resiliência climática urbana e na promoção da saúde e bem-estar para a população e crianças. Iniciamos nas escolas a promoção de espaços mais frescos, com biodiversidade, incentivamos a mobilidade ativa e melhoramos a drenagem urbana. Assim, difundimos para o restante da cidade os impactos positivos e saudáveis da revolução verde!

Carla Roxo é arquiteta e urbanista, especialista em desenvolvimento urbano sustentável e em desenvolvimento e implementação de projetos/programas socioambientais. É cofundadora e gestora do Programa Ribeirão -3 Graus (@ribeiraomenos3graus).

Por meio da experiência do verdejamento das escolas municipais de Ribeirão Preto, podemos ter esperança na busca pela resiliência climática urbana e na promoção da saúde e bem-estar para a população e crianças
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ABOBRINHA um vilão

Pascoal da Conceição celebra 70 anos de vida e relembra personagens emblemáticos da sua carreira de ator, como o especulador imobiliário do Castelo Rá-Tim-Bum

Antes de abandonar a cadeira de bancário para subir aos palcos e encarnar a ficção, ele foi funcionário concursado por dez anos. Mais velho de seis irmãos, o ator Pascoal da Conceição cresceu na zona leste de São Paulo em meio a espetáculos de teatro, encenações de missas e experimentos lúdicos da mãe, costureira e lavadeira que tentava disfarçar dos filhos as dificuldades financeiras que atravessavam.

Na escola, o estudante se destacava nas aulas de leitura, virou mestre de cerimônias nas festas de formatura, e daí para os palcos foi questão de tempo. O primeiro curso formal de teatro foi no Sesc Carmo, há mais de 50 anos, com o dramaturgo e diretor Caetano Martins. Depois, entrou para a Escola de Arte Dramática (EAD) da Universidade de São Paulo (USP), na qual cursou dois anos. Foi lá que conheceu José Celso Martinez Corrêa (1937-2023) e seu Teatro Oficina. Desde os anos 1980, Pascoal da Conceição

atuou em vários espetáculos da companhia, como Ham-let (1993) As Bacantes (1996), Mistérios gozozos (1994), Pra dar um fim no juízo de Deus (1996) e Taniko, o Rito do Vale (1997). Também trabalhou com diretores como Bibi Ferreira (1922-2019) e Carlos Alberto Soffredini (1939-2001).

Num salto para as telas, integrou o elenco de novelas, minisséries e filmes. Na televisão, ficou muito conhecido pelo vilão do programa Castelo Rá-Tim-Bum, da TV Cultura: Dr. Abobrinha. Em 2024, o programa completará 30 anos, e Conceição continua sendo reconhecido pelo papel.

Outro personagem icônico é o escritor modernista Mário de Andrade (1893-1945). Ambos nasceram no mesmo dia, com um intervalo de seis décadas. E é neste 9 de outubro que Conceição completa 70 anos, preparando-se para novamente encarnar o poeta, dessa vez, sobre um dos

carros alegóricos da Mocidade Alegre, no Carnaval de 2024 –ano em que a escola de samba paulistana homenageia a obra Pauliceia Desvairada (1922). Neste Encontros , o artista fala sobre sua trajetória pessoal e profissional, o encontro com Zé Celso, relembra personagens marcantes e celebra sua participação na 19ª edição do Festival Internacional Teatro de Inverno [FITI], em Moçambique.

INFÂNCIA LÚDICA

Sempre fiz teatro, desde pequeno. Minha mãe brincava muito comigo e com meus irmãos, era muito lúdica. Eu gostava de encenar missas em casa, fazia o papel de padre, comia pão fingindo que era hóstia, era uma delícia. Não me recordo de ter passado fome, mas lembro de uma época em que comíamos em latas de sardinha, só feijão, como em filmes norte-americanos. A gente achava isso o máximo, lindo! Tudo era lúdico. Minha mãe se

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Nilton Silva 67 | e encontros

encontros

virava economicamente enquanto nos divertia. A gente adorava ir ao mercado uma vez por mês para comprar arroz e feijão. Era uma festa. A infância foi um período riquíssimo para mim. Hoje, construo meus personagens dentro de uma identificação espiritual, mágica, que aprendi quando criança.

TEATRO OFICINA

Entrei na Escola de Arte Dramática (EAD) da USP em 1981. Quando eu estava no segundo ano, minha professora de história do teatro brasileiro dividiu a classe em quatro grupos: o meu ficou com o Teatro Oficina. No percurso desse estudo,

a gente encontrou o José Celso Martinez Corrêa na rua. Abordamos ele, explicando que queríamos contar a história do Oficina, como se já não existisse mais. E ele nos disse que ainda estava atuante. Também nos contou a situação que começava a se configurar, da compra do teatro pelo Grupo Silvio Santos. Então, o convidamos para fazer um workshop na EAD, e ele fez uma oficina sobre [o espetáculo]

Mistérios Gozosos, inspirado na obra de Oswald de Andrade (1890-1954). Depois disso, o Zé nos contou que estava numa situação de emergência, sozinho, sem elenco. Era um tempo em que ele ainda era muito outsider, marginal, tinha acabado de voltar do exílio e estava

num ostracismo absoluto. Depois melhorou, e eu tenho a honra de ter ouvido o Zé Celso dizer que fui uma das pessoas responsáveis por isso. Em 1992, ele nos convidou para trabalhar no Oficina e defender o teatro. Trabalhei no tombamento, na desapropriação do terreno, conheci os arquitetos Lina Bo Bardi (1914-1992) e Edson Elito, responsáveis pela reforma do espaço. A areia que cobre o chão do Oficina e as madeiras foram eu que comprei.

EXPANSÃO DO SONHO

Zé Celso nos mostrava numa maquete como ficaria o Teatro

Vestido de Mário de Andrade em celebração ao ano do centenário da Semana de 1922, o ator apresentou o espetáculo Caleidoscópio Musical junto aos músicos Fabio Martino (piano) e Alejandro Aldana (violino), no Theatro Municipal de São Paulo. Stig de Lavor
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Oficina e eu, lá da Vila Prudente, não acreditava. Ele dizia que a expansão do sonho brasileiro tinha se reduzido muito, que a gente estava sonhando pequeno em relação à década de 1950, quando chamavam o Brasil de “país do futuro”. Ou seja, o sonho daquela geração era grande, e a gente se reduziu, adotou um orçamento mental cada vez menor. Naquela época, o Zé já falava em montar

As Bacantes (1996) e Os Sertões (2002), mas, sinceramente, era difícil acreditar. Até porque a gente passou pelo período da ditadura, e ela foi a grande responsável pela redução das nossas expectativas e dos nossos sonhos. Eu e Zé Celso tínhamos uma intimidade humana, corporal, muito grande. Sofri muito com a morte dele. Assim como Glauber Rocha, Zé Celso é um herói nacional. Ele teve que assumir esse papel por conta da difícil situação em que a gente vive, culturalmente.

VILÃO DO CASTELO

Trabalhar no Castelo Rá-Tim-Bum, da TV Cultura, foi uma maneira de retribuir tudo o que, na minha infância, ganhei de lúdico, da minha mãe. Eu já tinha quase 40 anos quando fui fazer o Dr. Abobrinha [apelido de Dr. Pompeu Pompílio Pomposo]. Na época, já tinha participado do tombamento e da desapropriação do Teatro Oficina, então conhecia bastante sobre a história da especulação imobiliária em São Paulo. Fiz, inicialmente, o teste para o Dr. Victor [personagem interpretado por Sérgio Mamberti, 1939-2021]. Mas o diretor, Cao Hamburger, disse que queria me avaliar em outro personagem, que eles ainda não sabiam exatamente como seria. Ele me contou que seria um especulador imobiliário

cujo maior desejo era derrubar o castelo para, no lugar dele, construir um prédio de 100 andares. Cao, então, me pediu para improvisar algo. E comecei a brincar com o que já sabia, dizendo que a cidade seria toda derrubada. Esse negócio de “meu, meu, meu” foi inventado depois que começaram as filmagens, porque a gente tinha muita liberdade de criação.

MÁRIO DE ANDRADE

Já tinha lido na escola sobre o movimento modernista e seus expoentes, como Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Manuel Bandeira. Um dia, na década de 1990, ao sair do meu prédio, o porteiro brincou que eu estava no jornal. Fui ver e era o anúncio sobre a nota de 500 mil cruzeiros que estava saindo com o rosto do Mário. Achei a gente parecido pra caramba! Hoje, no Google, aparecem mais fotos minhas vestido de Mário de Andrade do que as do escritor. Foi um homem que, como eu, tem uma parte da família branca e outra preta, é um tipo absolutamente brasileiro, misturado.

FESTIVAL MOÇAMBICANO

Representei o Brasil no Festival Internacional Teatro de Inverno (FITI), em Moçambique, entre maio e junho deste ano. Fiquei uma semana participando de oficinas de teatro, falando sobre métodos de trabalho, maneiras de pensar e de criação em transe, que é algo ancestral. Foi maravilhoso, com muitas trocas e relações. Hospedei-me em um bairro chamado Mafalala, onde começou a revolução anticolonialista na década de 1960, e que só terminou

em 1975. É uma comunidade negra, como se fosse uma Rocinha gigante, e eu experienciei a vida lá dentro, conheci poetas e muita gente das artes. Foi um aprendizado de luta, de resistência de guerra. No meu último encontro particular com o Zé Celso, no apartamento dele, conversamos bastante sobre Moçambique, sobre a experiência do Teatro Oficina naquele país. Foi uma experiência fantástica.

CULTURA VIVA

Mário de Andrade dizia com muita clareza: a cultura tem que ser útil, não utilitária. É uma noção de cultura ligada à vida. Quando foi votado e aprovado o Plano Diretor de São Paulo, em 2014, havia vários sem-teto acampados em frente à Câmara Municipal, e eu apareci caracterizado de Dr. Abobrinha. Falei no caminhão de som que, como Dr. Abobrinha, eu queria a minha parte nessa cidade, porque ela é minha. Brinquei um pouco com isso. Falei até no plenário da Câmara [dos Vereadores de São Paulo] vestido desse personagem, porque o vereador na época me conhecia como Dr. Abobrinha.

Ouça, em formato de podcast, a conversa com o ator Pascoal da Conceição, que esteve presente na reunião virtual do Conselho Editorial da Revista E, no dia 30 de agosto de 2023. A mediação do bate-papo é da jornalista Silvia Garcia, da equipe de programação do SescTV.

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MÃE,

há muitos anos tenho a impressão de que fiz uma coisa que preciso te contar. é provável que esta carta chegue às mãos do fogo antes de chegar às suas, mas o que importa é que eu escreva como se você pudesse – aí do quarto onde assiste seu velho programa, com seus velhos atores dizendo suas velhas opiniões, e mesmo que uma nota mais quente hora ou outra se instale no fundo de uma sílaba, ainda assim ninguém perceberá a dor de ninguém e a tarde se manterá com os seus 21 graus Celsius. é o que você deseja, mãe, e eu não quero atrapalhar a sua paz bravamente conquistada, não quero ser eu a trazer os tubarões para a nossa sala, ao mesmo tempo que uma parte de mim insiste em dizer a sombra do que eu jamais te disse, o fundo das coisas que fiz quando eu era criança, não sei se já pensou sobre isso, mas. há nas crianças. uma maldade tão pura que se torna incontrolável. e quando uma criança se sente ameaçada, bem, ela começa a fazer planos. se une com esse lado instintivo – quase musical – da destruição. há tantos anos, mãe. quando entrei no quarto do bebê que diziam ser o meu irmão, a luz estava apagada. todas as pessoas da casa dormiam: você, papai, nosso cão da época, lembra dele? um vira-lata esperto que depois de tudo foi morar na casa do tio Tecão. visitamos ele uma vez, depois não visitamos mais e eu fingi que chorava no meu quarto quando o papai entrou, fingi que sentia saudade dos nossos ausentes, mas era mentira, mãe, eu estava feliz ao ponto de uma dança quando entrei no quarto, me aproximei do berço e levei até

POR ALINE BEI ILUSTRAÇÕES BIANCA VIANI
inéditos 71 | e
inéditos e | 72

o bebê que você me dizia é teu irmão, você me dizia que a vida agora seria diferente, eu precisava cuidar dele, amá-lo, as horas já não eram minhas e o pior, você não era minha, você, que antes era um corpo todo voltado para a infância dos meus olhos, de repente se tornou alguém que eu via só de costas, eu poderia me transformar em uma árvore que você não notaria, se eu te aparecesse uma pedra você me colocaria na mesa e diria coma tudo, não por mim ou pela minha saúde, mas porque agora eu era um exemplo para o meu irmão. ah, como eu te odiava! eu gostaria de ter arrancado a tua pele, gostaria de ter feito um açougue de você. e nunca te amei tanto. nunca você me pareceu tão suave em seus traços, nunca seus banhos me foram tão oníricos. o pai me doía menos porque naquela época ele não gostava de mim, aprendeu a me amar só depois, como acontece com a maioria dos pais. mas você eu tive desde o começo. e depois de tê-la, eu não sabia mais como viver com você pela metade. por isso entrei no quarto do bebê com a minha febre. e abracei aquele intruso como eu nunca tinha feito. entreguei a ele meus sintomas, contei com a fragilidade de seu corpo. e quando o senti mudando de temperatura, quando percebi seus poros bem abertos. eu o amei, mãe. naquele momento, como se chovesse. eu o amei. e é claro que uma parte de mim não fazia ideia do que viria depois, eu não sabia que você sofreria tanto e que nunca mais voltaria desse lugar onde meu irmão – vivo ou morto – sempre te levava, um lugar que eu jamais alcancei. agora me diga, mãe. se tive mesmo febre um pouco antes do que nos aconteceu. ou se uma criança que sofre se coloca no centro de tudo até mesmo da perda monstruosa que vivemos, essa nossa perda contínua.

tua,

Cassandra.

Aline Bei é escritora e já publicou O peso do pássaro morto (Nós, 2017), romance de estreia que ganhou o prêmio São Paulo de Literatura e o prêmio Toca, além de ser finalista do Prêmio Rio de Literatura. Seu livro Pequena coreografia do adeus (Companhia das Letras, 2021), foi finalista do Prêmio Jabuti em 2022.

Bianca Viani é artista plástica e arteterapeuta. Para desenvolver seus projetos, geralmente inspirados pela natureza, usa técnicas digitais e analógicas, entre elas a aquarela.

ARTE À VERA

Seja no teatro, na televisão, no cinema ou nas redes sociais, atriz Vera Holtz desafia-se e provoca o público

Não há ponteiros no relógio de Vera Holtz. Para a atriz e diretora, cuja formação em música e artes plásticas complementam uma premiada trajetória no teatro, na televisão e no cinema, o tempo é apenas uma invenção. Talvez seja esse pensamento que a move constantemente, aos 71 anos, na escolha de personagens atemporais e nos projetos de site specific que cria junto a uma equipe no seu canal de Instagram (@veraholtz).

“Ela foi apelidada de Vera Viral”, gargalha a atriz, que faz das fotos dessa personagem uma provocação ao status quo na sociedade.

Continuamente provocada pela veia artística da família Holtz, e por mestres do teatro – como Luiz Antônio Martinez Corrêa (1950-1987), Gerald Thomas, Antônio Abujamra (1932-2015), Márcio Meirelles, Mauro Rasi (1949-2003) e os irmãos Adriano e Fernando Guimarães –, Vera acredita num fazer-se e refazer-se diário. No espetáculo Ficções, de Rodrigo Portella, ela interpreta uma ciranda de personagens ao

lado do violoncelista Federico Puppi, numa “jam session” – como ela chama – nessa adaptação para o teatro do best-seller Sapiens – Uma breve história da humanidade (Companhia das Letras, 2020), de Yuval Noah Harari.

A peça, que estreou ano passado e já esteve em cartaz no Sesc Guarulhos, em julho, rendeu os prêmios Shell de Melhor Atriz – Rio de Janeiro e o APTR (Associação dos Produtores de Teatro), também na categoria Melhor Atriz. Já no cinema - além da estreia, em agosto, no CineSesc, do documentário ficcional As Quatro Irmãs (2018), dirigido por Evaldo Mocarzel, outro papel recente coroou a atriz no Festival de Cinema de Gramado. Vera recebeu o kikito pela protagonista de Tia Virgínia (2023), de Fábio Meira. Na película, ela vive uma mulher de 70 anos que abdicou dos sonhos para cuidar da mãe doente, até receber, numa noite de Natal, a visita das irmãs Vanda e Valquíria, interpretadas por Arlete Salles e Louise Cardoso. “O kikito agora está sempre comigo, levo até para passear (risos). Ele saiu das

Serras Gaúchas e está passeando aqui comigo, nas areias do Rio de Janeiro”, brinca. Nesta Entrevista, Vera Holtz relembra os primeiros contatos com a arte, sua natureza buscadora, a contemplação da finitude e sua vocação para a ficção.

linguagens

Acho que [o interesse por diversas linguagens artísticas] eu devo aos meus padrinhos. Tia Rita Holtz, que era minha madrinha e professora de canto orfeônico, na época, me conduziu ao Conservatório de Tatuí para a música. E a minha prima Cidinha Holtz, professora de canto coral, também era do conservatório. Foi essa convivência familiar, através da tia Rita, Cidinha e, inclusive, do meu tio, marido da tia Rita, o tio Rolf, que era pintor. Ele pintava mais natureza morta, e tinha convivido, na primeira metade do século passado, com artistas paulistas e de fora. Então, esse convívio com o ateliê do tio Rolf, e com o piano na salinha da frente da casa da tia Rita, foram as minhas primeiras escolhas de arte. Eu estudei piano, me formei na Escola de Artes Plásticas, não sei como se chama

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hoje, acho que seria Educação Artística –, e em Geometria Descritiva. Depois eu fiz um curso de teatro, já em Piracicaba, quando eu dava aulas de desenho.

dramaturgia

Eu me encantei pelo teatro quando assisti à peça com a Myriam Muniz

– Se Correr o Bicho Pega, Se Ficar o Bicho Come – que, inclusive, eu vi no [Teatro] Anchieta, do Sesc Consolação. A primeira vez que eu vi uma peça de teatro senti um gongo, um negócio na minha cabeça. Não entendia absolutamente nada daquilo, eu só entendi a parte musical e a parte visual, mas não entendia a dramaturgia, que eu vim a aprender depois, a entender que o espetáculo não se faz somente de imagem e de som, mas também da palavra. Daí eu fui para a Escola de Arte Dramática (EAD) na USP. Depois fui morar no Rio de Janeiro e já estreei na peça Rasga Coração [de Oduvaldo Vianna Filho], em 1979. Então, depois dessa epifania que eu tive na primeira vez em que vi uma peça de teatro, pensei: eu quero seguir esse caminho. O dia em que a porteira se abriu para mim, eu falei: agora eu devo ao mundo e ele deve a mim. Então, vamos jogar esse grande “play” que é a vida.

expansão

A sensação que eu tenho é que quanto mais personagens você faz, mais você se amplia, mais você se torna uma pessoa tolerante, ganha conhecimento, aceita o outro, a diversidade, a diferença. Porque a nossa matéria-prima [como artista] é o comportamento do

No espetáculo Ficções, baseado no livro Homo Sapiens, de Yuval Noah Harari, a atriz Vera Holtz interpreta diferentes personagens que questionam sobre a "evolução" da humanidade.

Ale Catan
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a atriz conta que quanto mais personagens se faz, mais "você aceita o outro, a diversidade e a diferença".

homo sapiens, do “homo sapiens macho”, do “homo sapiens fêmea”. Essa é a nossa paixão. Como ele/ ela está se comportando? Quais são as narrativas que ele/ela está inventando? Qual o sistema de crenças que tem? Quais são essas ficções, essas criações da humanidade? Aquilo que foi inventado pelo homem, e não é uma área científica. A gente vive nessa área ficcional. Então, quanto mais você vive, mais você começa a descobrir: isso existe em mim. Esse tipo de interpretação mais orgânica que parte de um sentimento que você já tem é muito doido: você amplia aquela percepção, abre outro canal e, obviamente, vai se expandindo bastante com isso.

desafiar-se

Lembro que fiz uma peça, Ópera Joyce (1988), de Alcides Nogueira,

e ele me mandou o texto no mesmo dia em que eu estava indo a uma reunião na Globo para estrear na novela Que rei sou eu? (1989), então, foi um negócio doido. A vida sempre me colocou: “você tem dois caminhos”. Aí eu fiz os dois, óbvio, né? E eu não entendi nada de Ópera Joyce, era muito cheia de referências. Falei: “pô, não tô entendendo nada dessa peça”. Aí, [Alcides] me pergunta: “E aí, Vera, gostou?”. Na mesma hora eu falei: “adorei”. Não ia dizer que não tinha entendido nada [risos]. E quanto mais complexa para mim [a obra], quanto mais desconhecida para mim, mais ela me atrai. Eu sempre falo: “não precisa fazer o que você já sabe, porque o que você já sabe não vai te levar a nada [novo]. O desafiador e o provocador é o que realmente sempre me atraiu.

abujamra

Assista ao vídeo com trechos do Depoimento da atriz Vera Holtz.

O [Antônio] Abujamra é o meu mestre. Porque o Abu, mesmo ausente, nos atualiza. Ele sempre falava: “Vera, não seja doméstica. Preocupe-se em ser uma pessoa universal”, sabe? E essa questão da televisão [da novela Que Rei Sou Eu?], eu não entendia nada, e o Abujamra ficou do meu lado o tempo todo. Eu expansiva, solar, e o Abu: “Menos (em sussurro) Vera”. O Abujamra foi conduzindo aquela persona de televisão que

Durante ensaio no teatro do Sesc Guarulhos,
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estava se formando ali. Fizemos Um certo Hamlet (1991), com Cláudia Abreu. Eu também fiz uma leitura de Fedra com ele, no palco, e o Abu era cirúrgico: “Você vai falar: a, b, c, d, pausa, Vera. E eles vão rir”. Fazia exatamente isso e o público ria. Era de um conhecimento absoluto do nosso trabalho e do público. Foi uma convivência por muito tempo e de muito ensinamento. Reverencio o Abujamra até hoje: ele está vivo comigo.

viral

Quando descobri o Instagram, quando eu aterrizo ali, encontro esse lugar para falar sobre o zeitgeist [termo em alemão que significa ‘espírito da época’].

a Vera Viral fica brava comigo e simplesmente some. Deixar fluir, né?

finitude

O tempo é uma invenção, então você escolhe acreditar nele ou não. Eu acho que é uma invenção, mas como tudo o que o homem inventa, algumas coisas são ótimas. Eu venho de uma família que, desde muito cedo, convive com os longevos e com os bebês. Então, para mim, é clara a passagem da vida, esse é o ciclo da vida. Não tem como não respeitá-lo, conhecê-lo e entrar na roda. E a roda gira. Tenho mais de 70 anos, tudo pode acontecer. E a minha família tem uma questão lúdica com os que já se foram. Porque, às vezes, meu pai fala assim: “Chama Frederiquinho para almoçar”. Aí eu falo: “Mas, pai, o Fred já morreu”. Aí, ele cai na risada. Toda a família Holtz é brincalhona. E à medida que outros iam nos deixando, eles iam voltando, iam se reaproximando nas conversas nas mesas, nessa tradição oral. Nem falo “morte” (risos), falo “pós-produção”. E me preparo para isso.

emocional que ele sabe [onde quer chegar]. E o Fábio sabia perfeitamente. [Ganhar o Kikito de Melhor Atriz por esse filme] foi uma alegria juvenil. Este é um prêmio que povoa muito o imaginário dos atores. No dia da entrega, foi uma alegria, uma comemoração. Você percebe essa família do cinema brasileiro. O Kikito saiu das Serras Gaúchas e está passeando aqui comigo, nas areias do Rio de Janeiro.

conselho

virginia

O roteiro de Tia Virginia (2023) foi criado por Fábio Meira a partir das tias dele. Essa é uma história familiar. Eu acho que o cinema se faz mesmo é no dia a dia, na filmagem. O diretor vai, às vezes, repetindo a cena até afiná-la para realmente chegar àquele estágio

Se você escolheu o caminho da arte, fique com ele. Às vezes dá trabalho, mas siga em frente. Amplie seu conhecimento ao máximo que puder. E não só conhecimento em teatro, mas em várias questões da humanidade: história, geografia, política, filosofia, antropologia, artes. Estude o máximo que puder para entender essas narrativas [da humanidade] e, depois, você vai entender o que é a ficção. Você vai viver no mundo da ficção. E como o homem tem essa capacidade de criar e crer coletivamente, se interesse por todas as narrativas do homem. E então, persista. Assista ao máximo de espetáculos que puder e passe a conhecer as pessoas que estão fazendo esses trabalhos. Lembre-se de que teatro não é feito sozinho. Nenhuma arte é feita sozinha. O teatro é uma obra coletiva. Lembre-se de que você está no mundo para viver, para conhecê-lo e para representá-lo.

Falei: nossa, esse é o lugar onde vou conseguir criar e falar dessas questões todas [política, sexualidade, solidão etc], e foi espetacular. Eu consigo integrar a atriz na performance, nas artes visuais, trazer um conceito e falar sobre as coisas que me tocam, das coisas do meu tempo. Foi aí que cheguei nesse lugar de performance site specific [obras criadas de acordo com o ambiente e com um espaço determinado] no Instagram. Tem algumas imagens que vêm prontas, e outras eu jogo fora. Ela foi apelidada de “Vera Viral”, logo no começo. Vera Viral é uma identidade bem singular que só quer viver dentro daquele espaço. Se eu falar [para ela] que vai ter exposição, LEMBRE-SE DE QUE VOCÊ ESTÁ NO MUNDO PARA

VIVER, PARA CONHECÊ-LO E PARA REPRESENTÁ-LO Ale Catan
depoimento

ALMANAQUE

Tudo isso é jazz?

Conheça cinco mulheres que vêm se destacando na cena musical contemporânea – e que sobem aos palcos do Sesc Jazz neste mês

POR LUNA D’ALAMA

Ojazz é um dos gêneros resultantes da diáspora africana, assim como outros gêneros a surgirem nas Américas. Das comunidades negras, esse gênero musical ampliou sua liberdade rítmica e fundiu-se a outras tradições culturais. O jazz chega ao século 21 como sinônimo de música instrumental e improvisada, com repertório plural e inovador, consolidando-se como uma expressão transpassada por memórias, matrizes e experimentações.

A partir dessa noção expandida do gênero, o Sesc São Paulo realiza, entre os dias 18 de outubro e 5 de novembro, o Sesc Jazz. Com 22 atrações (14 internacionais, sete nacionais e uma híbrida) em 35 shows nas unidades paulistanas Pompeia e 14 Bis. Entre os nomes que sobem aos palcos do Sesc Jazz neste mês, estão mulheres que vêm se destacando na cena musical.

Neste Almanaque, conheça cinco dessas cantoras e instrumentistas que, para além do virtuosismo musical, expressam, por meio das criações, mensagens de equidade racial e de gênero.

Confira a programação completa e valores dos ingressos: sescsp.org.br/sescjazz

Ndumiso Sibanda Crédito
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ÁFRICA DO SUL THANDI NTULI

Expoente do novo jazz sulafricano, a pianista e cantora nasceu em 1987, na cidade de Soshanguve, a cerca de 30 quilômetros de Pretória. A artista vem de uma família de musicistas, incluindo uma tia que era cantora clássica, um tio que integrava uma banda de afro rock e um avô que incentivava seus descendentes a compor, tocar e cantar juntos. O primeiro álbum de Thandi, The Offers, foi lançado de forma independente em 2014, recebendo elogios e conquistado prêmios. Thandi é vista como uma artista que valoriza e reforça suas origens, ao representar toda a potência das mulheres negras de seu país.

POMPEIA

GÂMBIA SONA JABARTEH

Nascida em Londres, em 1983, a cantora, compositora e multiinstrumentista vem de uma família de griôs (contadores de histórias e guardiões da tradição oral) da África Ocidental. É a primeira mulher dentro dessa tradição ancestral a dominar a kora, instrumento de 21 cordas que

mescla características da harpa com as do alaúde. Há oito anos, ela fundou a Academia Gâmbia, instituição que oferece aulas de música e dança para jovens, com base em tradições, perspectivas e valores africanos.

Dias 26 e 27/10, quinta e sexta, às 19h30.

A pianista sul-africana Thandi Ntuli é uma das atrações do Sesc Jazz 2023. Rob O’Connor 14 BIS
79 | e
Dia 20/10, sexta, às 20h.

ALMANAQUE

BRASIL ROSA PASSOS

Aos 71 anos, a cantora, compositora e violonista baiana reinventa-se continuamente. Desde seu primeiro álbum, Recriação (1979), já lançou 17 discos e dedicou-se, além das faixas autorais, a interpretar clássicos da MPB e da bossa nova compostos por Tom Jobim, João Gilberto, Ary Barroso e Carlos Lyra, entre outros. Com vasta experiência no exterior, Rosa já se apresentou na América Latina, na Europa e nos Estados Unidos, ao lado de grandes nomes do jazz, como o estadunidense Ron Carter, o cubano Paquito D’Rivera e o franco-guienense Henri Salvador (1917-2008). Seu disco mais recente, Sem Compromisso, foi gravado à distância, em 2021, durante a pandemia, em parceria com Paulo Paulelli, responsável pelos arranjos e instrumentos.

14 BIS

Dias 4 e 5/11, sábado, às 19h30, e domingo, às 18h.

MAURITÂNIA NOURA SEYMALI

Vinda de uma família de músicos, Noura é cantora, compositora, instrumentista e griotte (guardiã da palavra e responsável por preservar a tradição oral de sua cultura). Começou a compor e a se apresentar aos 13 anos, como cantora acompanhante de sua madrasta, Dimi Mint Abba,

Marcelo Castelo Branco (Rosa Passos); Holly Whittaker (Oumou Sangaré)
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uma das cantoras mais famosas da Mauritâniaconhecida como “Diva do Deserto”. Noura também aprendeu a dominar o ardin (harpa de nove cordas) e entrou no universo da performance.

POMPEIA

Dia 2/11, quinta, às 17h.

MALI

OUMOU SANGARÉ

Artista de renome internacional, Oumou é considerada uma das mais importantes cantoras e compositoras africanas em atividade. É expoente do wassoulou, estilo musical tradicional do Mali, além de defensora dos direitos das mulheres e embaixadora da boa vontade da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). As músicas que ela canta e compõe estão fortemente ligadas às suas raízes. Em 2010, a artista recebeu o Grammy por melhor vocal pop colaborativo no disco Imagine. Em 2017, lançou o aclamado álbum Mogoya e, em 2022, foi a vez de lançar Timbuktu, gravado no Mali, na França e nos Estados Unidos.

POMPEIA

Dias 4 e 5/11, sábado, às 21h30, e domingo, às 18h30.

Malika Diagana (Noura Mint Seymali)
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A magia está ali

À Giulia e ao povo do Bixiga, que inventa diariamente suas primaveras

Onde vive a memória? Talvez, onde nos lançamos às descobertas das emoções. Como num filme. Das tensões e violências à cumplicidade da História. No salão de O Baile (1983), de Ettore Scola, o acaso da vida se apresenta. Um dos muitos filmes a que, em meados dos anos 1980, eu e uma amiga de faculdade assistimos, enlevadas, no Cineclube da Getúlio Vargas, encravado na sequência da descida do Masp, em direção ao Centro da cidade. Região que, para além de despertar a minha paixão pelo cinema, me abriria para as descobertas de tantas manifestações culturais condensadas num território.

Aliado ao cineclubismo no Brasil, que driblava a censura e exibia filmes de Scola, Fellini, Godard e Glauber Rocha – exibidos em salas como a do Carbono 14, do Bixiga e da Oscarito, ou nos cafés como o Soçaite, que reunia chorinho, jazz e MPB –, pude perceber a magia que a região do Bixiga representava e que até hoje fermenta o “fervo” da Treze de Maio. Anos mais tarde, foi a vez do Alkatraz, casa de show para “bater cabeça”, do punk rock dos 1990. E a Treze continuou a ser a rua das cantinas italianas, do Café Piu-Piu e do Madame Satã.

Os sentidos dilatados pela euforia pós-ditadura desenharam uma paisagem diversa que influenciou a perspectiva da minha geração sobre a vida e as experiências culturais urbanas. E no Bixiga amoroso tudo acontece, pois é um estado de espírito, segundo S. Candinho. Mas, este modo de existir, antes de tudo, foi um sinal de resistência dos excluídos. Enquanto a Bela Vista se instaurava no período de modernização da cidade, as relações da população marginalizada afluíram como os riachos Saracura, Bixiga, Itororó... Intensos em sua invisibilidade, transbordando desigualdades sociais.

A população mais pobre resiste às imposições, mesmo sendo historicamente empurrada para os terrenos

alagados, para cortiços e cubículos em condições insalubres. Contra toda a precariedade, esse povo transgrediu o destino imposto e, com muita resiliência, preserva suas práticas culturais. Mesmo diante da desenfreada urbanização, as identidades estão presentes nas casas, no comércio local, na várzea do futebol, na tradição da Escola de Samba Vai-Vai, no Museu Memória do Bixiga, na Casa Mestre Ananias e em toda a região.

E como já dizia o poeta, o acaso é importante. Desde 2014, o território do Bixiga passou a ser meu lugar de trabalho no Sesc, onde aprendo sobre as relações, tanto de conflitos, quanto de negociações locais. Seus moradores constroem um lugar no mundo solidário e generoso, na força da ação social da comunidade evangélica, do terreiro

Ilê Asé Ya Osun, da Casa 1, da Achiropita, do Abrace seu Bairro, da Rede Social Bela Vista, da Bateria 013, entre tantos. Convivem, em diálogo, grandes hospitais, grupos artísticos e históricos teatros paulistanos com as casas de cultura, que celebram a vida nos afetos e festejos.

Um espaço urbano que se reinventa constantemente, que floresce em cada um de nós sempre que o meio e as condições sociais nos exigem respostas e participação. Na dimensão dos movimentos que atuam pela política cultural e na memória de José Celso Martinez Corrêa. Evoé. Dançamos juntos o baile que a vida embala.

Licença, Bixiga.

Andréa de Araujo Nogueira é historiadora e doutora em ciências da comunicação. É gerente do Centro de Pesquisa e Formação e do Sesc 14 Bis.

Nortearia e | 82 P.S.

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OUTUBRO 2023

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