Ações restauram cidades, florestas e pessoas em São Paulo
Mestre Griô Cultura afro-brasileira em letras e livros de Nei Lopes
Jeferson De Diretor expande presença negra no audiovisual
Rainha do Xaxado O legado da cantora Marinês, precursora do forró
14 Bis | Campo Limpo | Casa Verde Consolação | Interlagos | Pompeia Santana | Vila Mariana sescsp.org.br/culturasnegras Artistas, coletivos, mestres e mestras tradicionais protagonizam apresentações e atividades que valorizam, reconhecem e difundem a cultura negra.
CAPA: Ave Tangará (Chiroxiphia caudata), macho, espécie endêmica da Mata Atlântica, encontrada do sul da Bahia ao Rio Grande do Sul. Vive no interior e na borda de mata úmida bem preservada, alimentando-se de pequenos frutos. No período reprodutivo, os machos se reúnem em grupos e, lado a lado, dançam e emitem sons para atrair uma fêmea, que irá eleger, após o espetáculo, com qual deles irá se reproduzir. Conheça outros pássaros na reportagem gráfica Revoada Atlântica desta edição e aprofunde-se no tema no livro Aves no Sesc Bertioga: do mar à serra, de Fabio Shunck (Edições Sesc São Paulo).
Crédito: Fabio Schunck
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Em estabelecimentos de uso coletivo é assegurado o acompanhamento de cão-guia. As unidades do Sesc estão preparadas para receber todos os públicos.
Ao longo de quase 80 anos de trajetória, o Sesc – Serviço Social do Comércio tem acompanhado de perto uma sociedade marcada por mudanças constantes e profundas. Quando foi fundado, em 1946, por iniciativa dos empresários do setor de comércio de bens, serviços e turismo, o Brasil vivia um processo acelerado de urbanização. Atualmente, a maior parte da população reside em áreas urbanas, impulsionada pela ampla e diversificada oferta de bens e serviços. Apesar das transformações, a missão central da instituição permanece a mesma: promover o bem-estar dos trabalhadores do comércio, de seus dependentes e da sociedade em geral.
Com unidades espalhadas por todo o estado de São Paulo, o Sesc mantém centros voltados ao lazer, à cultura e ao esporte, desenvolvendo continuamente ações com foco na melhoria da qualidade de vida e no fortalecimento das relações humanas. Suas atividades incluem apresentações artísticas, práticas esportivas, passeios do turismo social e ações educativas em alimentação. A instituição também investe fortemente em saúde, oferecendo, por exemplo, atendimento odontológico por meio de consultórios modernos e bem-equipados. Dessa forma, o Sesc segue atuante no cotidiano da população paulista, ajustando-se às transformações sociais e culturais para continuar sendo uma presença relevante na vida das pessoas.
Abram
Szajman Presidente do Conselho Regional do Sesc no Estado de São
Paulo
Por um amanhã mais verde
Não se luta contra a escuridão; acende-se uma vela. O pensamento, atribuído a um provérbio chinês, nos faz refletir sobre qual postura podemos adotar diante de uma dificuldade ou provação. Confrontados pelos desafios que se apresentam no âmbito socioambiental, cada vez mais cidadãos optam por se engajar coletivamente a fim de apontar caminhos, buscar alternativas e propor soluções para diminuir os impactos humanos sobre o meio ambiente. Se as evidências dos danos resultantes das mudanças climáticas, cada vez mais frequentes, nos assustam e nos inquietam, também cresce a conscientização de que virá da ação humana, organizada e sistematizada, a construção de uma mudança de rota.
Desse modo, pessoas se unem com o propósito de construir comunidades sustentáveis, atuando, com protagonismo, na restauração de ecossistemas degradados e na mitigação dos efeitos climáticos, que atingem a todos, ainda que em diferentes graus. Trata-se de uma nova sociedade que desperta para a urgência de promover a sustentabilidade, a erradicação da pobreza e a segurança alimentar, garantindo um futuro mais verde. Reportagem desta edição da Revista E traz as histórias de algumas dessas iniciativas presentes no estado de São Paulo, que engajam e impactam seu entorno, tornando-se foco de transformação, acendendo luzes na travessia para o amanhã.
Luiz Deoclecio Massaro Galina
Diretor do Sesc São Paulo
SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO – SESC
Administração Regional no Estado de São Paulo Av. Álvaro Ramos, 991 – Belenzinho
CONSELHO REGIONAL DO SESC EM SÃO PAULO
Presidente: Abram Abe Szajman
Diretor do Departamento Regional: Luiz Deoclecio Massaro Galina
Efetivos: Arnaldo Odlevati Junior, Benedito Toso de Arruda, Dan Guinsburg, Jair Francisco Mafra, José de Sousa Lima, José Maria de Faria, José Roberto Pena, Manuel Henrique Farias Ramos, Marcus Alves de Mello, Milton Zamora, Paulo Cesar Garcia Lopes, Paulo João de Oliveira Alonso, Paulo Roberto Gullo, Rafik Hussein Saab, Reinaldo Pedro Correa, Rosana Aparecida da Silva, Valterli Martinez, Vanderlei Barbosa dos Santos.
Suplentes: Aguinaldo Rodrigues da Silva, Antonio Cozzi Junior, Antonio Di Girolamo, Antônio Fojo Costa, Antonio Geraldo Giannini, Célio Simões Cerri, Cláudio Barnabé Cajado, Costabile Matarazzo Junior, Edison Severo Maltoni, Omar Abdul Assaf, Sérgio Vanderlei da Silva, Vilter Croqui Marcondes, Vitor Fernandes, William Pedro Luz.
REPRESENTANTES JUNTO AO CONSELHO NACIONAL
Efetivos: Abram Abe Szajman, Ivo Dall’Acqua Junior, Rubens Torres Medrano
Adriana Leal Oliveira, Adriana Martins Dias, Adriano Ladeira Vannucchi, Alessandra Gonçalves da Silva, Aline Ribenboim, Ana Claudia Barbosa Barros, Ana Ortigosa, Ana Paula Neves Cabral de Vasconcellos, Andrea de Oliveira Rodrigues, Andreia Pereira Lima, Antonio Carlos F Barbosa, Barbara Caroline da Silva Ramos de Freitas, Bruna Zarnoviec Daniel, Camila Santos Medeiros, Carina Silva Donaires Figueira, Carla Teixeira Namura Rennar, Cinthya de Rezende Martins, Claudia Dias Perez Machado, Clovis Ribeiro de Carvalho, Cristina Balland, Danilo Cymrot, Debora Cravo Domingues Freitas, Denise Minnicelli Marson, Diego Polezel Zebele, Edmar Rodrigues de Fátima Júnior, Elmo Sellitti Rangel, Felipe Dias Candido, Felipe Teixeira Mendes Torres, Felipe Veiga do Nascimento, Fernanda Almeida Monteiro, Fernanda Porta Nova Ferreira da Silva, Filipe Ferreira Gomes Luna, Flavia Teixeira S Coelho, Flavio Aquistapace Martins, Francine Sayuri Segawa, Francisca Meyre Martins Vitorino, Gabriela Grande Amorim, Geraldo Soares Ramos Junior, Giulia Maria de Campos Manocchi, Giuliano Jorge Magalhães da Silva, Glauco Gotardi, Gleiceane Conceição Nascimento, Gustavo Nogueira de Paula, Helton Henrique Cassiano, Henrique Vizeu Winkaler, Isadora Nascimento Soler Fernandes, Ivan Lucas Araujo Rolfsen, Ivy Granata Delalibera, José Mauricio Rodrigues Lima, Juliana Figueiredo Alves, Juliane Barbosa Braga, Kimberlly Caroline Brito da Silva, Laura Lopes de Freitas, Leandro Aparecido Pereira, Leonardo Thomaz Pereira da Silva, Marcelo Baradel, Marco Antonio Rosa Junior, Marcos Afonso Schiavon Falsier, Maria Rizoneide Pereira dos Santos, Marina Borges Barroso, Marina Reis, Michel Enrique dos Santos, Milena Ostan da Luz, Monica Machado, Monique Mendonça dos Santos, Natalia de Souza Freitas, Olga Balboni, Olivia Tamie Botosso Okasima, Pedro de Moura Souza, Rafael Lima Peixoto, Rejane Pereira da Silva, Renata Barros da Silva, Rosilea Pereira de Souza, Sara Maria da Silva, Stephany Tiveron Guerra, Talita Ferreira dos Santos, Thais Cristina Kruse, Thais Ferreira Rodrigues, Thamires Magalhaes Motta, Thiago da Silva Costa, Tiago Marchesano, Veronica de Lelis Alves, Viviane Ferreira Alves, William Galvão de Souza.
Coordenação-Geral: Ricardo Gentil
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Jornalista responsável: Adriana Reis Paulics (MTB 37.488)
A Revista E é uma publicação do Sesc São Paulo, sob coordenação da Superintendência de Comunicação Social
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Em oito unidades do Sesc São Paulo, Festival Sesc Culturas Negras celebra e difunde manifestações da cultura negra
Sambista, escritor, poeta e pesquisador, Nei Lopes fala sobre espiritualidade, parcerias musicais e cultura afro-brasileira
Iniciativas comunitárias geram transformações em seus territórios e restauram áreas e seres vivos em centros urbanos e florestas
dossiê entrevista sustentabilidade bio
Rainha do Xaxado, cantora e atriz, nascida no agreste pernambucano, Marinês foi uma das precursoras do forró e segue cativando novas gerações com mais de 40 discos gravados
Da orla à serra, as aves no Sesc Bertioga pousam (e cantam) nas páginas de livro escrito pelo biólogo e ornitólogo Fabio Schunck, lançado pelas Edições Sesc São Paulo
Raros, antigos e extremamente valiosos, livros colecionados por bibliófilos são conservados por bibliotecas, institutos e museus para alcance do público e preservação da memória
Artigos de Ítalo Karmann Aventurato e Isadora Cristina Ribeiro apresentam o que a ciência já comprovou em pesquisas sobre ações para um envelhecimento saudável
Com um pé no lirismo e outro na irreverência, o músico, compositor, cronista e produtor Zeca Baleiro compartilha seu encontro com a palavra, a canção e a pluralidade de expressões
Marcelo Ariel (textos e ilustração)
em pauta encontros inéditos
Diretor, roteirista e criador do manifesto Dogma Feijoada, Jeferson De conta sobre sua trajetória por uma maior representatividade no cinema e na televisão
Conheça cinco ruas da cidade de São Paulo com nomes de datas e o que elas contam sobre a memória local e nacional?
Mariano Ribeiro da Silva
RESILIÊNCIA E REGENERAÇÃO PARA CIDADES E COMUNIDADES SUSTENTÁVEIS
Ação em rede com mais de 150 atividades, em 31 unidades da capital, interior e litoral. Feiras, rodas de conversas, vivências, oficinas, encontros, cursos e passeios que valorizam organizações comunitárias e coletivas, promovem transformações nos territórios e fomentam modos de viver sustentáveis, economicamente justos e acessíveis.
ABERTURA
SESC AVENIDA PAULISTA
4 a 15 de junho de 2025
5/6. QUINTA, 11H ÀS 21H30. Mostra de Saberes, Roda de Conversa, Encontros dos Territórios e apresentação musical. sescsp.org.br/territoriosdocomum
Bolhas de sabão divertem o público de São Vicente (SP) na apresentação Suspiro e Burbujas, da Cia. Laguz Circo, atividade que integra o Circuito Sesc de Artes. Até 8 de junho, 132 cidades do interior, litoral e Grande São Paulo, além de São Miguel Paulista, bairro paulistano que integra o Plano de Expansão do Sesc, recebem programações gratuitas de teatro, música, dança, circo, cinema, literatura, artes visuais e tecnologias. Entre as novidades da edição desse ano do Circuito, estão ações de turismo social e Mostra de Saberes de artesãos locais. A iniciativa expande a atuação do Sesc para cidades paulistas onde não há uma unidade física, levando às suas populações a atmosfera de um festival de arte.
Matheus
José Maria
em cena
LANÇAMENTO
Este livro reúne ensaios e depoimentos de estudiosos da trajetória de Zé Celso Martinez Corrêa, além de textos de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Tom Zé, Jorge Mautner, Rogério Sganzerla, José Carlos Capinan, José Miguel Wisnik e Ignácio de Loyola Brandão, entre outros. Organizado pelo jornalista Claudio Leal, o título conta ainda com um generoso caderno de fotos e uma série de depoimentos do encenador.
DOSSIÊ
Apresentações, vivências, exibições e outras atividades compõem programação dedicada às manifestações da cultura negra.
Negros quintais
Realizado entre os dias 10 e 15 de junho, o Festival
Sesc Culturas Negras conta com uma programação focada na valorização e difusão da cultura negra
Por meio de apresentações, vivências, experimentações, rodas de conversa, passeios e exibições, o Festival Sesc Culturas Negras é realizado entre os dias 10 e 15/6, em oito unidades do Sesc São Paulo: 14 Bis, Campo Limpo, Casa Verde, Consolação, Interlagos, Pompeia, Santana e Vila Mariana. A programação é marcada pela participação de artistas, lideranças comunitárias, grupos e coletivos, mestres e mestras tradicionais e pessoas pesquisadoras das artes e das culturas negras.
Inspirada nos territórios de existência negra, a curadoria do festival transformou, simbolicamente, as
unidades do Sesc em oito quintais: das corporeidades, das ensinagens, dos Erês, dos festejos, da imagem, dos ofícios, do samba e das teatralidades. Todos serão ocupados por uma extensa programação.
“Partimos dos quintais como inspiração simbólica e concreta de história, cultura, existência, memória, espiritualidade, cuidado com a terra e transmissão de saberes ancestrais", explica Fabiano Maranhão, técnico do programa de Diversidade Cultural da Gerência de Estudos e Programas Sociais do Sesc São Paulo.
Na abertura do festival, dia 10/6, o escritor especializado nas áreas de estudos de mídia e cultura brasileira, Muniz Sodré, tem um
Partimos dos quintais como inspiração simbólica e concreta de história, cultura, existência, memória, espiritualidade, cuidado com a terra e transmissão de saberes ancestrais
Fabiano Maranhão, técnico da Gerência de Estudos e Programas Sociais do Sesc São Paulo
encontro com o público no Sesc Vila Mariana. Na sequência, a apresentação da Orquestra e Balé Afrikanse reúne artistas da música e dançarinos e dançarinas imigrantes, residentes no Brasil, para celebrar a arte e a cultura de seus países. No dia 12/6, no Sesc Santana, em Conversas Públicas, o compositor e pesquisador Tiganá Santana e a educadora Erica Malunguinho conversam com a escritora Mel Duarte sobre temas escolhidos pelo próprio público.
Em 14/6, no Sesc Campo Limpo, no show Raízes, o produtor e músico Walmir Borges apresenta um show vibrante e dançante, celebrando a cultura negra em sua diversidade de ritmos e tradições. A apresentação tem a participação de Mário Lucio. Já no Sesc Casa Verde, também no dia 14/6, o filme vencedor do Oscar de melhor trilha sonora original, Pantera Negra (2018), é exibido com música ao vivo pelo DJ KL Jay, com efeitos sonoros criados pelo músico e produtor musical Guilherme Chiappetta. Confira a programação completa em: sescsp.org.br/culturasnegras
Elton Aparecido
DOSSIÊ
DOS PALCOS AO STREAMING
Produzido pelo Selo Sesc, o projeto Relicário apresenta gravações em áudio de shows históricos realizados em unidades do Sesc em São Paulo nas décadas de 1970, 1980 e 1990, remasterizados e formatados como álbuns digitais. Seu último lançamento, Relicário: Arrigo Barnabé & Banda Sabor de Veneno (Ao vivo no Sesc 1980), é um registro do show realizado no Sesc Consolação, em 29 de junho de 1980. A gravação traz sete canções do álbum Clara Crocodilo (1980), um dos marcos da vanguarda paulistana, só lançado em disco em novembro do mesmo ano. Na ocasião, Arrigo é acompanhado pela Banda Sabor de Veneno que, à época, contava com nomes como o de Paulo Barnabé, na bateria, Suzana Salles e Vânia Bastos, nos vocais, e Regina Porto, no piano. Misturando música erudita, base do trabalho de Arrigo, com elementos da música popular, tanto o disco quanto o show trazem elementos urbanos e midiáticos, como símbolos radiofônicos, jornalísticos e quadrinescos. Ouça em relicario.sescsp.org.br
Último lançamento do projeto Relicário, produzido pelo Selo Sesc, o álbum Relicário: Arrigo Barnabé & Banda Sabor de Veneno é um registro de show realizado no Sesc Consolação, em 29 de junho de 1980.
Cavalo (1971), de Mário Agostinelli, é uma das obras da Coleção Museu de Arte Moderna de São Paulo, que integra a exposição O Jardim do MAM, em cartaz no Sesc Vila Mariana.
JARDIM DAS ARTES
O Sesc Vila Mariana abriga, desde o dia 14/5, a exposição O Jardim do MAM, uma correalização com o Museu de Arte Moderna de São Paulo. São exibidas 21 obras de 19 artistas, que compõem o Jardim das Esculturas, espaço a céu aberto do MAM, localizado no Parque Ibirapuera, na capital paulista. Sob curadoria de Cauê Alves e Gabriela Gotoda, a mostra propõe uma reflexão sobre a relação entre arte, espaço urbano e público a partir de esculturas icônicas, como as de Alfredo Ceschiatti, Amilcar de Castro
Viagens pelo audiovisual
e Emanoel Araújo. Além de trabalhos que exploram críticas sociais, como as obras de Regina Silveira, Luiz 83 e Marepe. A exposição no Sesc Vila Mariana recria a dinâmica do Jardim de Esculturas, utilizando elementos cenográficos que evocam a topografia sinuosa do Parque Ibirapuera, projetada pelo escritório do emblemático arquiteto paisagista Burle Marx, estimulando novas interações entre corpo, espaço e arte. A exposição fica em cartaz até 31/8. Saiba mais em sescsp.org,br/vilamariana
A série Itinerários da Resistência desembarca no SescTV no dia 12/6, quinta, às 21h, com 20 vídeo-passeios, sob direção e produção do historiador Cadu de Castro e do produtor audiovisual Junior de Castro. Os episódios apresentam histórias do turismo de base comunitária paulista, realizado por agricultores familiares, aldeias indígenas, assentamentos rurais, associações, coletivos urbanos, comunidades caiçaras e quilombos. Em cada vídeo, o espectador é recebido em um destino turístico por uma liderança local, que faz as vezes de anfitrião, e apresenta o que cada lugar oferece.
A produção integra o projeto Itinerários de Resistência, da área de Turismo Social do Sesc São Paulo. Assista em youtube.com/sesctv
Gal Oppido (Dos palcos ao streaming)
Bruna Damasceno (Jardim das artes)
DOSSIÊ
Velhices diversas
Em junho, o Sesc São Paulo realiza ações para a promoção da saúde e dos direitos da população idosa. A primeira é a Campanha de Conscientização da Violência Contra a Pessoa Idosa, que integra o Dia Mundial de Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa, data estabelecida como 15/6 pela Organização das Nações Unidas (ONU). Neste ano, o tema, “Envelhecer como direito para todas as pessoas” busca refletir sobre as características do envelhecimento da população negra no Brasil e aborda os dados mais atuais e as possíveis perspectivas de um futuro com mais equidade no processo de
envelhecimento. As atividades serão realizadas nos dias 14, 15 e 17/6, em diferentes horários, nas unidades de Campo Limpo, na capital paulista, e Piracicaba, no interior. Já no dia 24/6, o Sesc São Paulo se inspira no tema “Tecnologias para prevenção: avanços e desafios” para promover o Dia Mundial de Prevenção de Quedas de Pessoa Idosas, discutindo as contribuições das tecnologias para a conscientização e a prevenção de quedas de pessoas nessa faixa etária. A programação inclui bate-papos e vivências com aparelhos tecnológicos nas unidades Avenida Paulista e Bauru. Acesse a programação completa em sescsp.org.br
GIROS TEATRAIS
A 27ª edição do Palco Giratório, maior projeto de itinerância das artes cênicas do Brasil, chega a São Paulo no mês de junho. Em 2025, 16 grupos de 15 estados realizam espetáculos, bate-papos e oficinas, nas unidades do Sesc São Paulo na
capital e no interior. O circo será o grande homenageado desse ano por meio da Escola Pernambucana de Circo, projeto social na periferia do Recife, liderado por Fátima Pontes, há 27 anos. A abertura acontece em 5 e 6/6, no Sesc Santana, com
o espetáculo Circo Science – do mangue ao picadeiro, da Trupe Circus (da Escola Pernambucana de Circo), que homenageia o músico Chico Science. Conheça a programação completa em sescsp.org.br/palcogiratorio
Na estreia da 27ª edição do Palco Giratório, o Sesc Santana recebe o espetáculo Circo Science – do mangue ao picadeiro, da Trupe Circus (PE).
FAÇA SUA CREDENCIAL PLENA
A Credencial Plena do Sesc é um benefício gratuito para pessoas com registro em carteira, que são estagiárias, temporárias, se aposentaram ou estão desempregadas há até dois anos em empresas do comércio de bens, serviços e turismo e seus dependentes familiares. Com a Credencial Plena você tem acesso prioritário e descontos na programação e serviços pagos do Sesc.
Qual é a validade da Credencial Plena?
A Credencial Plena tem validade de até 2 anos - para estagiários a validade da Credencial corresponde ao período de vigência do estágio e para desempregados a validade é de até 24 meses após a baixa na carteira de trabalho.
Como fazer a Credencial Plena?
On-line pelo aplicativo
Credencial Sesc SP ou pelo site centralrelacionamento.sescsp.org.br Se preferir, nesses mesmos canais, é possível agendar horários para realização desses serviços presencialmente, nas Centrais de Atendimento das unidades.
Quem pode ser dependente na Credencial Plena?
• Cônjuge ou companheiro
• Filhos, enteados, irmãos e netos até 20 anos ou até 24 anos, se estudantes
• Pai e mãe
• Padrasto e madrasta
• Avôs e avós
Relacionamento com Empresas
É o programa que facilita o acesso ao credenciamento dos funcionários das empresas parceiras dos ramos do comércio de bens, serviços e turismo. Nessa parceria, além do credenciamento, os aproximamos de nossa vasta programação e serviços. Saiba mais em sescsp.org.br/empresas
Acesse o texto "Tudo o que você precisa saber sobre a Credencial Plena do Sesc"
Ricardo Ferreira
Fernanda Baldo
Oráculo da negritude
A maestria do sambista e pesquisador
Nei Lopes, que há mais de 50 anos se dedica a criar ferramentas de memória e resistência negra
POR ANA CRISTINA PINHO
Nei Lopes é um griô das palavras e dos sons, um mestre que samba com os pés no terreiro e a mente na filosofia. Cada letra, verso e livro que carregam a assinatura do sambista, escritor, poeta, pesquisador e ensaísta provam que a palavra tem axé, como ensina a tradição africana. O bamba foi reconhecido como doutor honoris causa por quatro instituições: Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), como um oráculo, que tem contribuído para resgatar epistemologias e apontar os caminhos do pensamento referentes às artes, história e literatura africana e afro-brasileira.
Nascido em 1942, no Irajá, subúrbio carioca, recebeu as primeiras influências musicais no ambiente familiar. Ainda jovem, em 1956, se encantou pelo Acadêmicos do Salgueiro, apenas três anos depois da fundação da escola, mas só em 1963 participou do histórico desfile com o enredo “Xica da Silva”, que define como uma das maiores “emoções estéticas” de sua vida. Mais tarde, integraria a ala de compositores e a velha guarda da agremiação. Participou também da diretoria da Unidos de Vila Isabel e da criação do Grêmio Recreativo de Arte Negra e Escola de Samba Quilombo, fundado por, entre outros, Antônio Candeia Filho (1935-1978), Mestre Darcy do Jongo (1932-2001) e Wilson Moreira (1936-2018).
Como compositor, teve mais de 350 canções gravadas por grandes nomes da música brasileira, como Alcione, João Nogueira (1941-2000) e Beth Carvalho (1946-2019).
Entre os diversos parceiros, como Moacyr Luz, Zeca Pagodinho e Sereno, destaca-se Wilson Moreira (1936-2018), com quem lançou o antológico álbum
A arte negra de Wilson Moreira e Nei Lopes (1980).
De acordo com Lopes, “parceria é quase sempre muito bom, ainda mais quando a gente encontra no parceiro qualidades e oportunidades que nos faltam”.
Graduado em direito e ciências sociais na Faculdade Nacional de Direito, da antiga Universidade do Brasil (atual UFRJ), dedicou-se a estudar temas relacionados à cultura e à história africana e afro-brasileira, impulsionado por inquietações para as quais não encontrava respostas no ensino formal. A trajetória como pesquisador rendeu obras fundamentais sobre a cultura africana e afrodiaspórica, como Bantos, malês e identidade negra (1988), O negro no Rio de Janeiro e sua tradição musical (1992), Enciclopédia brasileira da diáspora africana (2004) e Ifá Lucumí – O resgate da tradição (2020). Este último apresenta a redescoberta no Brasil e em Cuba do Culto de Ifá-Orunmilá, tradição religiosa iorubá em que Nei Lopes é iniciado e que também demarca a influência da cultura cubana em sua trajetória intelectual.
Ganhou duas vezes o prêmio Jabuti, com História e cultura africana e afro-brasileira (2008), em 2009, na categoria didático ou paradidático do ensino fundamental e médio, e com Dicionário da história social do samba (2015), escrito em parceria com Luiz Antônio Simas, como Livro do Ano de não ficção, em 2016. É também autor de romances, contos e poesias, como Nas águas desta baía há muito tempo (2017), A lua triste descamba (2012) e a coletânea de poemas Oitentáculos (reeditado em 2023), obras que remetem ao cotidiano do subúrbio do Rio de Janeiro, à compreensão da identidade negra e que evidenciam a cultura popular brasileira.
Nesta Entrevista, Nei Lopes nos convida a um mergulho em suas influências espirituais e terrenas, em sua visão sobre ancestralidade e filosofias africanas, e no legado intelectual que vem construindo.
No campo das filosofias africanas, você tem obras publicadas que o tornaram uma referência no assunto. O que motivou seu interesse por essa área do saber?
Desde muito cedo, o espiritualismo, digamos assim, me fascinava. Desde as manifestações dentro da família, que remontavam ao século 19. Minha mãe, nascida em 1900, e os irmãos dela “recebiam” entidades espirituais, coisa que vinha de longe. Eu, criança, embora temesse um pouco, tive interesse em saber quem eram aqueles seres que, certamente, nos aconselhavam e protegiam nossa família “católica” (todos batizados, casados, vivendo sob a égide da Igreja romana). Já quase adulto, resolvi pesquisar: da umbanda cheguei ao candomblé, atraído pelas danças teatralizadas, pelos atabaques, pelos cânticos... Aí, os vazios do entendimento foram sendo preenchidos, aos poucos. Até que a música me levou ao Caribe, para um festival... E lá vi que a santería (a forma mais conhecida da religiosidade afro-cubana) era “irmã” do candomblé, com entidades e rituais semelhantes ao que eu conhecia do Brasil. Isto não aconteceu de repente. Eu já não era mais criança e tive que ver isso como um universo que se abria para o meu conhecimento.
Como essa viagem a Cuba influenciou sua jornada? Cuba me deu “régua e compasso” como já escrevera o acadêmico e intérprete Gilberto Gil (que já gravou música minha). De volta ao Rio de Janeiro, acabei abrindo algumas portas para amigos que conheci em Cuba. E eles foram responsáveis por reavivar no Brasil a tradição do Oráculo Ifá, tida como desaparecida do Rio desde, mais ou menos, o falecimento da legendária Tia Ciata (1854-1924). Aí, estava a chave! E do candomblé, eu abracei Ifá. E nesse abraço, o destino e Orunmilá [orixá na cultura iorubá e tradição filosófica que se expressa no Culto ao Ifá] me devolveram a vida de um neto, nascido em 1999, com uma doença incurável, que quase não “vingava”; e hoje com 26 anos, reconhecido como um dos mais competentes sacerdotes (babalaôs) da nossa comunidade de culto. A história é longa e o espaço é pequeno. Mas o que quero e preciso dizer é que existe uma religiosidade tradicional africana, que é praticada por sábios africanos, na origem e na diáspora; e é nela que eu me revigoro, sem nenhuma dúvida ou curiosidade, por saber que todo o conhecimento humano está num “livro” (não escrito) que mora no Oráculo Ifá. Observem os leitores que só conheci Ifá no início da década de 1990. Mas lembrem-se de que a espiritualidade africana já me embalava desde criança. E o samba era um sonho meio distante.
Suas vivências no samba estimularam o interesse por culturas e filosofias africanas?
Ainda na pré-adolescência, no antigo curso ginasial, tive colegas ligados ao mundo do samba e isso foi determinante, sobretudo, do ponto de vista musical, como um todo, me aproximando da música caribenha e afro-estadunidense.
Daí veio o fascínio. Mas a consciência da importância desse universo só veio mais tarde, na década de 1970, com os livros a que tive acesso.
As escolas de samba são formas sociais de existência, de modos de viver. O que só uma escola de samba pode ensinar?
Desde a década de 1980, quando comecei a escrever e a publicar livros (o primeiro foi um libelo contra as transformações das escolas de samba, à época), eu aprendi
A ancestralidade é a transmissão, de pai para filhos, de experiências positivas, conhecimentos. E nela parte-se do princípio de que são experiências naturalmente boas.
a distinguir escola de samba e “samba”, enquanto gênero de música popular. E isso porque as escolas de samba, na década de 1970, entraram de cabeça na era do consumo e do mercado. Até me afastei um pouco, ao mesmo tempo em que gravava discos e DVDs com Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Fundo de Quintal etc., porque vi ali uma grande possibilidade de fazer sambas críticos e bonitos ao mesmo tempo – de denúncia e de amor, de falar quase tudo o que eu queria. Ao mesmo tempo publiquei romances, dicionários, livros sobre a história da África, tendo a ideia da importância desses trabalhos para o meu povo negro. Agora, tenho visto as escolas de samba com enredos corajosamente combativos – numa combatividade que está pondo os “falsos profetas” de cabelo em pé. Hoje eu vejo as escolas encenarem enredos de grande importância no que diz respeito à preservação da nossa religiosidade afro. E isto é muito bom, e me dá mais vontade de voltar ao meu Salgueiro. Tenho admirado muito os enredos comprometidos com a nossa religiosidade, mas esse trabalho não deve ficar restrito ao Carnaval. Tem que gerar filmes, peças teatrais. Mas aí, infelizmente, a gente vê que os lugares já estão tomados por outras expressões artísticas que não nos dizem respeito.
A questão do momento é a busca pelo poder, e resistir sem emprego, saúde, educação, segurança pública é difícil.
Como você define ancestralidade e qual é a importância desse conceito na formação da identidade afro-brasileira?
A palavra ancestralidade virou moda. Já vi até, na TV, homens negros, cariocas, já idosos, dançando “charme” (moda black carioca de alguns anos atrás), dizendo que a dança remete às suas ancestralidades. Ora... O ritmo é estadunidense, da família da soul music, do rap. Então, eles dançam é por saudade da juventude, o que nem sempre tem a ver com ancestralidade. Além disso, acho que ancestralidade é a transmissão, de pai para filhos, de experiências positivas, conhecimentos. E nela parte-se do princípio de que são experiências naturalmente boas. Um patriarca desonesto, egoísta, malfeitor, não tramite coisas boas aos netos, bisnetos, tetranetos. Outra coisa: a difusão de bons conselhos e boas filosofias não se transmite apenas por frequentar certos ambientes; as boas vivências jamais se transmitem em cadeias de televisão, em mídias semelhantes, porque não são produtos.
Apesar de todo o histórico de opressão e genocídio, a população negra segue resistindo, criando e mantendo sua vitalidade cultural. A que você atribui essa resiliência e como percebe o interesse crescente pelas culturas africanas e afro-brasileiras?
A população negra é muitas vezes dita como “resistente”, mas o que eu vejo mais mesmo é “resiliência”, ou, melhor: teimosia. E cada um “teima” do jeito que acha melhor.
A população negra é muitas vezes dita como “resistente”, mas o que eu vejo mais mesmo é “resiliência”, ou, melhor: teimosia. E cada um “teima” do jeito que acha melhor. O que eu percebo é uma mobilização maior. Mas continuo vendo mais “animação” do que ações efetivas. Mais modismo do que resultados. No entanto, a culpa não é dos negros e sim do enfraquecimento global de nossas iniciativas. Não se esqueça de que eu já estou próximo dos 83 anos de vida terrena e meu desencanto talvez seja “coisa de velho”.
Por muito tempo, houve uma tentativa de separar o Egito do restante da África, inclusive nos livros didáticos, que apresentavam essa separação de forma literal. A que você atribui essa tentativa de descolamento?
Por trás dessa questão está a ideologia do supremacismo branco, que tem no tráfico negreiro [do século 15 ao 19, aproximadamente] o seu momento mais forte. Além de pauperizar violentamente a África, fez nascer e crescer o poder monetário do chamado Mundo Ocidental e do capitalismo. Comprovado pelo estrago levado a efeito pelas grandes potências europeias em todas as estruturas africanas de poder, faltava, então, derrubar todas as estruturas africanas de poder, sobretudo as do tipo Gana, Mali e Songhai [grandes reinos medievais, magistrais, num tempo em que a pobreza era o estigma da Europa]. Faltava derrubar o impedimento final,
que era tirar do caminho a superioridade do saber africano, expressa na indiscutível superioridade do Egito na filosofia e nas ciências. Então, a estratégia foi demonstrar que o avanço do Egito-Cuxita (aliado a Cuxe, um reino indiscutivelmente desenvolvido e parte do atual Sudão) não tinha vivenciado um passado realmente africano, porque “africano não tem estruturas de cognição”, como até hoje tem gente falando...
E quais foram as contribuições do Egito para o pensamento filosófico mundial?
Pelo que eu sei, quando cientistas africanos, como Cheikh Anta Diop (1923-1986) e outros de sua linha de pensamento divulgaram o saber descomunal dos egípcios antigos (em todas as áreas do conhecimento humano), o Mundo Ocidental reagiu. E isso por causa do tal supremacismo branco. Como? Pretos cientistas? Os que negavam
desconheciam o fato de que diversos filósofos gregos, segundo relatam os livros, teriam ido “aprender” no Egito. Até mesmo nos relatos bíblicos, eu sempre li que Jesus Cristo quando esteve “fora de cena”, esteve no Egito, aprendendo. E isto, porque, inclusive grandes mestres, nos primeiros anos do cristianismo, não eram “brancos”, e, sim, nativos de lugares hoje conhecidos como Etiópia, Eritreia, Cuxe etc., de pele escura. Da mesma maneira,
Tenho admirado muito os enredos comprometidos com nossa religiosidade, mas esse trabalho não deve ficar restrito ao Carnaval
li, alhures, que quando da inauguração do Canal de Suez, já no século 19, se não me engano, o governante árabe do Egito disse que dali em diante, o país deveria ser visto como um país europeu. Segundo ele, os pretos não tinham inteligência para realizar o que os antigos egípcios realizaram. Esta ideia era uma obsessão.
Diante de desafios globais, como guerras, fome, mudanças climáticas e migrações forçadas, de que forma as filosofias africanas podem contribuir para a construção de novos modos de vida e convivência?
Não acho que possam e sim que “poderiam”. A brabeza da escravização de africanos nas Américas; a colonização europeia na África (entre os séculos 17 e 19, sobretudo); e as vantagens que o chamado Mundo Ocidental ganhou com tudo isso, reforçado pela ideologia da “superioridade” desse mundo sobre o nosso, não me permitem imaginar nada de bom para o futuro. As perspectivas que vejo não são nada promissoras.
Existe um ramo da filosofia africana que valoriza o aprendizado com as pessoas mais sábias da comunidade. Quem são essas pessoas que influenciaram seu pensamento?
Meus votos vão para o saudoso historiador
Joel Rufino dos Santos (1941-2015), o artista e produtor Haroldo Costa e o pensador Muniz Sodré, ambos ainda entre nós. Os sambistas Geraldo Pereira (1918-1955) e Padeirinho da Mangueira (1927-1987) e o chefe religioso Mestre Didi [Deoscóredes Maximiliano dos Santos] (1917-2013)], todos três já falecidos. Ainda tenho outras referências, mas essas são as que nunca deixo de citar.
Por fim, no que você está trabalhando atualmente?
No momento, tenho no prelo um Dicionário de Direitos Humanos , pela editora Record, para lançamento em outubro, e escrevo uma autobiografia para um pequeno grupo de amigos editores, a ser lançada no segundo semestre de 2026. Se os Deuses quiserem!
para ver no sesc / entrevista
EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA
Curso no Sesc Digital apresenta introdução à literatura e à música popular a partir da trajetória e da obra de Nei Lopes
O Sesc Digital, plataforma de cursos online do Sesc São Paulo, lançou neste ano o curso gratuito Literatura e Tradições Afro-brasileiras , ministrado pelo escritor e compositor Nei Lopes, voltado a todos que se interessam por literatura, cultura popular e afro-brasileira. Ao longo de 15 encontros, Lopes percorre diversos gêneros literários, compartilhando referências e experiências de sua trajetória como autor de mais de 40 livros, ao longo de mais de 80 anos de vida. A cada aula, o artista destaca um gênero
literário e suas influências, explicando seu método de trabalho e os bastidores da produção de suas obras.
Educadores, líderes comunitários, professores, profissionais de recursos humanos e grupos de estudo também podem utilizar o curso para fomentar discussões sobre representatividade e educação antirracista. A proposta é ampliar a visão de mundo sobre literatura e artes, inserindo temas ligados à história e à produção cultural africana e
afro-brasileira. Dessa forma, o curso busca apresentar uma dimensão plural, e de reconhecimento, da diversidade que funda e compõe a história brasileira, em diálogo com a obra diversa de Nei Lopes, apresentada ao longo dos encontros.
As aulas contam com a participação especial da cantora Fabiana Cozza. Não é necessário ter conhecimento prévio para acompanhar as videoaulas e materiais complementares.
Inscreva-se em: sescsp.org.br/ead
Fernanda Baldo
Autor de mais de 40 livros, o escritor e compositor Nei Lopes ministra curso sobre literatura, cultura popular e afro-brasileira na plataforma de cursos online do Sesc Digital.
Ministério da Cultura, Sesc - Serviço Social do Comércio e Museu de Arte Moderna de São Paulo apresentam curadoria
Alfredo Ceschiatti
Amilcar de Castro
Bruno Giorgi
Eliane Prolik
Emanoel Araujo
Felícia Leirner
Haroldo Barroso
Hisao Ohara
Ivens Machado
Luiz 83
Marcia Pastore
Marepe
Mari Yoshimoto
Mário Agostinelli
Nicolas Vlavianos
Ottone Zorlini
Regina Silveira
Roberto Moriconi
Rubens Mano
Cauê Alves e Gabriela Gotoda exposição
15 de maio a 31 de agosto 2025
local
Sesc Vila Mariana
Rua Pelotas, 141
Terça a Sexta, 10h às 21h30 Sábado, 10h às 20h30 Domingo e feriado, 10h às 18h
Na aldeia Tekoa Yvy Porã, uma das sete da Terra Indígena Jaraguá, região norte da cidade de São Paulo, a comunidade reintroduziu abelhas nativas, como uruçus amarelas e as manduris, que por séculos desempenham um papel essencial na produção de mel, cera e medicamentos.
amanhã RESTAURAR O
Em cidades e florestas, iniciativas comunitárias mitigam os impactos da ação humana sobre o meio ambiente e restauram os territórios e seres vivos
POR MARCEL VERRUMO
Nilton
sustentabilidade
Iniciativa de recuperação das florestas, o Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ) conta com uma equipe de mais de 300 funcionários que atuam na pesquisa, conservação e restauração da sociobiodiversidade da Mata Atlântica, bem como na educação ambiental e desenvolvimento comunitário. A comunidade cultiva mudas de árvores para a criação de corredores ecológicos, interligações físicas para a preservação de espécies da fauna e da flora.
Fotos Diego Bresani
Quatorze anos se passaram desde que os moradores do Jardim Pantanal, em São Miguel Paulista, na zona Leste de São Paulo, começaram a promover uma mudança na realidade local. Instalados na várzea do Tietê, os moradores sofriam com enchentes que, ano após ano, invadiam suas casas, desabrigando famílias e provocando perdas materiais. Diante desse cenário de vulnerabilidade, agravado por problemas de infraestrutura e altos índices de criminalidade, decidiram se organizar. Em 2011, pelas mãos dessas pessoas, a maioria mulheres negras e nordestinas, a região passou a se transformar.
Primeiro, os moradores do Fundão do Pantanal retiraram lixos e pedras de um terreno da região que era pouco iluminado e usado como ponto de descarte irregular, e passaram a plantar mudas de árvores frutíferas e ervas. “Semeamos uma agrofloresta. As ervas eram vendidas ou doadas para pessoas da comunidade”, lembra Vilma Martins, uma das fundadoras da iniciativa, que cresceu e se estruturou como um coletivo, recebendo o nome de Mulheres do GAU (Grupo de Agricultura Urbana).
Após seis anos, quando o solo já estava menos poluído, o grupo construiu uma horta urbana, plantando também legumes e verduras, além de expandir a produção de ervas e frutas. A colheita sem agrotóxicos passou a ser vendida a um preço justo a moradores locais, comercializada em feiras e distribuída a escolas de São Paulo. Também foi criado um espaço de educação ambiental para compartilhar saberes e experiências cultivados no projeto. Hoje, o Mulheres do GAU ocupa duas áreas de mais de dois mil metros quadrados cada: um Polo de Alimentação Saudável (horta urbana e cozinha coletiva) e um Polo de Educação Ambiental (espaço de produção e atividades educativas a grupos de visitantes).
Em menos de duas décadas, o violento depósito de entulhos transformou-se em um local iluminado e verde, onde são cultivados alimentos saudáveis. “A região passou a ser mais habitável, com casa
e comércio. Outras pessoas se inspiraram e replicaram a ideia em suas comunidades. Nossa população tem acesso a uma alimentação saudável e nós, mulheres participantes, encontramos um lugar de trabalho e cura”, orgulha-se Martins.
Na periferia de São Paulo, o trabalho desenvolvido pelas Mulheres do GAU recuperou um espaço urbano e ajudou a reconstruir a vida de quem o habitava, alinhando-se às propostas da Organização das Nações Unidas (ONU) para a promoção da sustentabilidade até 2030, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Promoveu, sobretudo, o ODS 11: cidades e comunidades sustentáveis, cujo propósito é tornar essas áreas “mais inclusivas, seguras, resilientes e sustentáveis”. Também dialoga com outra ação fomentada pelas Nações Unidas para alcançar as suas metas: a restauração.
DÉCADA PARA RECUPERAR
Os seres humanos e as catástrofes naturais (tempestades, deslizamentos de terra, terremotos etc.) são agentes que podem causar a destruição de ecossistemas. Diante do impacto, alguns desses espaços têm a capacidade natural de suportar pressões e se regenerar, característica denominada resiliência. “Um sistema resiliente tem o potencial de voltar à sua condição inicial ou de se aproximar dela”, diz Laury Cullen Júnior, engenheiro florestal e pesquisador associado do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ). Como exemplo, o profissional cita áreas da região da Serra do Mar, no estado de São Paulo, que ficaram isoladas após um longo período de desmatamento e, sem a ação humana, começaram a recuperar seus traços originais.
Se podem destruir o ambiente, as pessoas também podem contribuir para a recuperação de áreas degradadas, seja no espaço urbano ou fora dele. Quando há resultado de contribuições humanas, essa recuperação é chamada de restauração. O tema é tão relevante nas discussões de sustentabilidade que, em 2021, a ONU batizou o período até 2030 como a Década de Restauração dos Ecossistemas, ou seja, como uma fase para a sociedade se engajar na recuperação do meio ambiente, passo fundamental para o alcance dos ODS.
sustentabilidade
Liderança indígena, Marcio Verá Mirim, no Território Indígena Jaraguá, realiza junto à comunidade da aldeia Tekoa Yvy Porã um trabalho de restauração da biodiversidade a partir da reintrodução de abelhas nativas, algumas das quais produtoras de mel e cera usados em cerimônias culturais e tratamentos medicinais.
Nilton
Na ocasião do lançamento, cientistas ligados às Nações Unidas informaram que cerca de um milhão de espécies da fauna e da flora do planeta correm o risco de extinção, muitas delas nas próximas décadas. Aproximadamente 60% dessas extinções poderiam ser evitadas se as comunidades restaurassem apenas 15% dos ecossistemas em regiões estratégicas.
Além da preservação da biodiversidade, a medida também resultaria em impactos positivos no acesso à água potável e a alimentos, auxiliando no combate à fome e às desigualdades sociais.
Na aldeia Tekoa Yvy Porã, uma das sete da Terra Indígena Jaraguá, na região norte da capital paulista, a atuação da comunidade indígena foi essencial para a restauração da floresta e da sua biodiversidade. Há mais de uma década, seus moradores identificaram a extinção de espécies de abelhas nativas presentes nas histórias contadas por anciões, algumas das quais pelo uso medicinal e relevância em cerimônias culturais. “Em 2014, iniciamos uma busca em outras áreas por espécies extintas e passamos a reintroduzi-las no território. Eram abelhas essenciais para nós, da etnia Guarani, como as uruçus amarelas, as mandaçaias, as borás e as manduris”, conta o cacique Márcio Verá Mirim.
De acordo com a liderança indígena, a reintrodução do inseto no ecossistema foi um processo gradual e contínuo. “Ao longo desses anos, a gente foi estudando as nossas espécies, que são muitas, e foi introduzindo aos poucos, sempre consultando os anciões para não forçar o território. Como algumas áreas não têm muita vegetação, a gente precisou reflorestar para ajudar na recuperação do espaço e reintroduzir as espécies”, relata.
As abelhas contribuíram com a produção de mel, cera e medicamentos usados na aldeia. Práticas culturais também foram impactadas. Antes difíceis de serem produzidas, velas feitas a partir da cera e utilizadas no batismo de crianças Guarani voltaram a ser confeccionadas. “A gente vê tanta destruição da Mata Atlântica. Precisamos proteger o que restou, a biodiversidade dos nossos biomas, as nossas espécies da fauna e da flora. Assim, a floresta continua em pé e a gente tem mais qualidade de vida, tem um futuro melhor”, finaliza Mirim.
negócio de impacto socioambiental que recolhe resíduos de origem animal e vegetal de casas e empresas e os leva a um pátio de compostagem em um sítio em Parelheiros, extremo sul da cidade de São Paulo. Lá, geram o adubo utilizado em uma agrofloresta e comercializado.
Marina Goulart
Adriano Sgarbi e Marina Sierra de Camargo criaram o Planta Feliz – Adubo Orgânico,
AÇÕES REGENERADORAS
Embora o tema da restauração tenha ganhado destaque na agenda pública nos últimos anos, graças, entre outros fatores, à atuação da ONU, ele está há décadas presente nos instrumentos que orientam as políticas públicas brasileiras. Desde o Código Florestal de 1934, foi instituído o replantio imediato de vegetação da mesma espécie ou similar, adequada às condições locais, no caso de morte ou seca das árvores de florestas. A Constituição Federal de 1988, por sua vez, determina que cabe ao poder público preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e promover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas.
Em 2017, outro avanço importante foi dado com a instituição da Política Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Proveg), principal instrumento brasileiro para a construção de políticas públicas de restauração no país. Mais do que um documento descritivo, a Proveg definiu que a restauração deve ser implementada por meio do Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg), que articula e promove ações de recuperação de florestas e outras formas de vegetação.
No estado de São Paulo, uma iniciativa de recuperação das florestas é o Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), organização não governamental fundada em 1982, que hoje conta com uma equipe de mais de 300 funcionários. A ONG atua na pesquisa, conservação e restauração da sociobiodiversidade, educação ambiental e desenvolvimento comunitário.
O IPÊ recupera, especialmente, áreas da Mata Atlântica, bioma característico da maior parte do território paulista. Quando se analisa o que ainda resta da Mata, observam-se pontos isolados, separados por longos trechos desmatados – sem possibilidade de contato e cruzamento, suas espécies correm o risco de extinção. “Há 25 anos, por meio do projeto Corredores Ecológicos, trabalhamos no plantio de mudas entre as áreas que sobraram da Mata Atlântica, criando corredores de mata, interligações físicas entre esses espaços, e possibilitando o contato entre suas espécies”, conta o engenheiro florestal Laury Cullen Júnior, pesquisador associado da ONG.
A organização articula investimentos de grandes empresas (que recebem créditos de carbono por investirem no reflorestamento) e
a experiência da comunidade. “O nosso futuro precisa ser calcado em Soluções Baseadas na Natureza e nas Pessoas. Precisamos envolver a comunidade local no enfrentamento dos nossos problemas ambientais, na busca por soluções para nossos territórios”, defende Cullen Júnior.
ADUBAR BOAS IDEIAS
Além de promover a recuperação dos ecossistemas naturais, como os terrestres (florestas, desertos, savanas, dentre outros) e os aquáticos (rios, lagos, oceanos, por exemplo), órgãos nacionais e internacionais também estão atentos à restauração dos chamados ecossistemas artificiais, como as cidades. Segundo relatório das Nações Unidas, embora a taxa de pessoas que moram em espaços urbanos seja pouco acima de 50%, esses ambientes são responsáveis por mais de 70% do consumo dos recursos naturais. No Brasil, 87% da população brasileira já vive em áreas urbanas segundo o Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Com o crescimento estimado da população vivendo em centros urbanos, os recursos naturais consumidos tendem a crescer, se for mantido o atual padrão de consumo. A recuperação das cidades passa, então, por iniciativas que transformem essa lógica.
Na capital paulista, uma das ações para recuperação dos espaços – e mitigação do impacto humano – dedica-se a outro destino para o resíduo produzido. Na cidade, são geradas cerca de 20 mil toneladas de resíduos todos os dias, das quais 12 mil são oriundas da coleta domiciliar e oito mil, de varrição. O destino principal do material coletado são aterros sanitários – uma solução considerada por muitos como menos poluente do que os antigos lixões, mas que ainda oferece risco de contaminação do solo e de lençóis freáticos.
Uma ação que contribui para minimizar a quantidade de resíduos destinada a esses locais é a iniciativa socioambiental Planta Feliz – Adubo Orgânico, criada pelo casal Marina Sierra de Camargo e Adriano Sgarbi.. O negócio recolhe resíduos de origem animal e vegetal de casas e empresas que contratam o serviço e os leva a um sítio em Parelheiros, extremo sul da cidade. Lá, eles passam por um processo de compostagem termofílica, ou seja, o resíduo é depositado em leiras e decomposto pelas próprias
sustentabilidade
bactérias, em um processo que gera calor. Ao final, é gerado adubo líquido e sólido, também sobram cerca de 5% de resíduos destinados a aterro (índice bem inferior ao inicial). O adubo gerado é utilizado em uma agrofloresta da empresa, que se tornou o primeiro pátio privado de compostagem da cidade de São Paulo.
Ciente da contribuição desse processo ao meio ambiente, a cidade de São Paulo também possui cinco pátios públicos de compostagem, geridos pela prefeitura e estruturados pelo Projeto Feiras e Jardins Sustentáveis, localizados nos bairros da Sé, Lapa, Mooca, Ermelino Matarazzo e São Mateus.
POTÊNCIA DA PERIFERIA
A restauração do ambiente urbano também pode ser vislumbrada no Jardim Ângela, distrito na zona Sul de São Paulo que, em 1996, foi considerado o lugar mais violento do mundo pela ONU. Na época, a região registrava, anualmente, 116 assassinatos a cada 100 mil habitantes. Com a articulação entre o trabalho do poder público, de empresas privadas e da comunidade, a população presenciou o índice reduzir para 64 homicídios por 100 mil habitantes em menos de uma década, no ano de 2004. De lá para cá, ações são realizadas para restaurar o espaço, desenvolvendo a região e oferecendo mais qualidade de vida aos moradores.
Uma das iniciativas é o Instituto Favela da Paz, organização sem fins lucrativos criada em 2010 por moradores para fomentar o local por meio de projeto sociais. “Uma das nossas ações é o Periferia Sustentável, um laboratório de tecnologias sociais no meio da quebrada, que oferece soluções sustentáveis como gerenciamento de resíduos sólidos, energia renovável, captação de água de chuva, dentre outras”, conta o empreendedor social Fábio Miranda, conhecido como Professor Pardal da Quebrada [referência ao personagem inventor, presente nas animações dos estúdios Disney].
Para recuperar áreas da cidade e desenvolver pessoas, o Periferia Sustentável já desenvolveu trabalhos em diferentes frentes: implantou um sistema de iluminação movido a energia solar em um espaço comum, promovendo a segurança pública; criou um totem que iluminou e disponibilizou internet livre a jovens em uma praça, democratizando ferramentas
Comunidade desenvolve tecnologias sustentáveis para enfrentamento de problemas sociais no projeto Periferia Sustentável, uma ação do Instituto Favela da Paz no Jardim Ângela, zona Sul de São Paulo.
de informação e comunicação; desenvolveu um sistema automatizado de captação de água de chuva para irrigação de hortas cultivadas por pequenos produtores, fomentando a agricultura familiar; implantou mais de cem painéis solares em residências periféricas, promovendo uma fonte de energia limpa e zerando o gasto com eletricidade.
Ao refletir sobre a sua contribuição ao Jardim Ângela, Miranda sintetiza o impacto da restauração promovida pelo projeto comunitário no território: “Moro onde já foi o lugar mais violento do mundo, onde às vezes é mais fácil reclamar dos problemas. O que tentamos fazer aqui é, em vez de focar na escuridão, acender velas e iluminar outros caminhos”.
para ver no sesc / sustentabilidade
CASA COMUM
Iniciativas comunitárias que restauram espaços e inspiram pessoas assumem protagonismo na programação do Sesc São Paulo
De 4 a 15 de junho, o Sesc São Paulo realiza o projeto Territórios do Comum em 31 unidades da capital e grande São Paulo, interior e litoral, mapeando iniciativas que fomentam articulações comunitárias e transformações em seus territórios. A ação promove modos de viver sustentáveis, economicamente justos e acessíveis, bem como o fortalecimento da cidadania.
Essa edição é composta por mais de 150 atividades, como bate-papos, feiras e palestras, que discutem o tema Resiliência e Regeneração Para Cidades e Comunidades
Sustentáveis, dialogando com os Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU), sobretudo com o ODS 11 (Cidades
e Comunidades Sustentáveis), e com os desafios decorrentes das mudanças climáticas.
“Em sua atuação permanente e em projetos, como o Territórios do Comum, o Sesc São Paulo realiza ações que promovem a construção de cidades e comunidades sustentáveis e resilientes, e a restauração de ecossistemas degradados. São iniciativas que contribuem para promover a sustentabilidade, a justiça social, a segurança alimentar e a cidadania, bem como erradicar a pobreza e mitigar as mudanças climáticas”, explica Alessandra Gonçalves da Silva, que integra a equipe da Gerência de Educação para Sustentabilidade e Cidadania do Sesc São Paulo.
Nessa edição do projeto Territórios do Comum, mais de 150 atividades, entre bate-papos, feiras e palestras, discutem o tema “Resiliência e Regeneração Para Cidades e Comunidades Sustentáveis”, dialogando com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) definidos pela ONU.
Confira destaques da programação:
AVENIDA PAULISTA
Mostra Territórios de Saberes
A feira reúne iniciativas com práticas e tecnologias sustentáveis. Seus produtos contribuem para a regeneração e a restauração das cidades e comunidades. Dia 5/6. Quinta, das 11h às 17h30. GRÁTIS.
CARMO
Visita a Mulheres do GAU - Grupo de Agricultura Urbana
O público é convidado a conhecer o Grupo de Agricultura Urbana em São Miguel Paulista, que atua para manutenção do espaço por meio do plantio, cultivo, colheita e manejo agroflorestal. Dia 9/6. Segunda, às 9h. GRÁTIS.
CONSOLAÇÃO
Confluência: Feira Agroecológica
Apresenta expositores e agricultores que protegem nascentes em seus territórios, além de oficina de permacultura e debates relacionados à água, estratégias de conservação e desafios. Dias 7/6 e 8/6. Sábado e domingo, das 12h às 17h. GRÁTIS.
REGISTRO
II Seminário sobre Mudanças Climáticas no Vale do Ribeira
Em parceria com o Comitê da Bacia Hidrográfica do Ribeira de Iguape e Litoral Sul, a unidade fomenta reflexões sobre as mudanças climáticas e os impactos na região. Dia 11/6. Quarta, às 9h. GRÁTIS.
Nascida no agreste pernambucano, em 1934, mas criada em Campina Grande (PB), a cantora Marinês fez da música um estandarte da rica e diversa cultura nordestina.
Rainha do XAXADO
Considerada por Gilberto Gil a “mãe da música nordestina”, cantora Marinês fez sucesso com Luiz Gonzaga até despontar em carreira solo e tornar-se símbolo da cultura regional
POR LUNA D’ALAMA
Apalavra xaxado vem do barulho que as sandálias dos dançarinos fazem ao serem arrastadas no chão durante a performance. Denomina também um subgênero musical do forró (assim como o baião, xote, arrasta-pé, coco, piseiro, embolada, rojão etc.), com raízes no sertão nordestino. Popularizou-se com o cantor, compositor e multi-instrumentista Luiz Gonzaga (1912-1989), o “Rei do Baião”, que apresentou o forró e vários de seus subtipos a todo o Brasil. Foi Gonzagão, inclusive, quem nomeou a cantora, atriz e apresentadora Marinês (1934-2007) como a “Rainha do Xaxado”.
Nascida Inês Caetano de Oliveira, na cidade de São Vicente Férrer (PE), em novembro de 1934, Marinês mudou-se ainda criança para Campina Grande (PB), onde iniciou sua trajetória musical em concursos de calouros. Segunda filha de nove irmãos que chegaram à vida adulta – entre 22 gestados por sua mãe, Josefa Maria de Oliveira, mais conhecida como Dona Donzinha –, a menina teve uma infância dedicada a cuidar dos irmãos mais novos, e suas bonecas eram feitas de sabugos de milho seco. De acordo com o filho mais velho de Marinês, o maestro, multi-instrumentista, compositor
e produtor Marcos Farias, o primeiro programa de calouros de que sua mãe participou foi aos oito anos de idade, com crianças e adolescentes do bairro. “Ela ganhou uma caixa de sabonetes. Foi um luxo para a época e para a vida humilde que a família levava”, conta.
Aos 14 anos, a garota Inês se inscreveu em outro concurso de calouros, mas resolveu trocar seu nome para Maria Inês (que o locutor da Rádio Borborema pronunciou Marinês – e assim ficou). A mudança se deu porque seu pai, o torneiro mecânico Manoel Caetano de Oliveira, que ganhava a vida fabricando armas e munições, ouvia muito o rádio e não aceitaria a filha nesse meio, por preconceito. O irmão mais velho, Ademar, disse ao patriarca, então, que levaria a irmã ao cinema, e os dois seguiram para a competição. Marinês cantou “Dez anos”, música composta por Lourival Faissal, e empatou em primeiro lugar com Genival Lacerda (1931-2021). Ambos dividiram o prêmio de 100 mil réis, e Marinês ainda virou cantora oficial da emissora. “Era uma moça pequena, magrela e com um vozeirão, afinadíssima. Quando o diretor da rádio levou todo aquele dinheiro para o meu avô, ele viu que havia sido ganho honestamente, e liberou a filha para trabalhar. Naquela época, ela cantava mais músicas românticas”, revela Marcos Farias.
Esse foi o início de uma carreira de meio século, na qual Marinês gravou mais de 40 discos, atuou em filmes musicais (como as comédias Rico ri à toa, de 1957, e No mundo da lua, de 1958, ambas dirigidas por Roberto Farias) e apresentou o programa Marinês e sua gente, na TV Tupi. Além disso, foi a primeira mulher a liderar um grupo de forró e a ser considerada, pelo público e pela crítica, o “Luiz Gonzaga de saia”. “Ela aprendeu todo o repertório do Gonzagão, começou a usar chapéu de couro, a se vestir de Maria Bonita e a tocar triângulo. Formou a dupla Marinês e Abdias – O casal da alegria, ao lado do meu pai, músico e empresário dela, José Abdias de Farias (1932-1994). Mais tarde, eles viraram a Patrulha de Choque do Rei do Baião, antes mesmo de Gonzagão conhecê-los”, detalha Marcos Farias.
O GRANDE ENCONTRO
A Patrulha de Choque rodou o interior do Nordeste no início dos anos 1950, tocando e cantando (em praças, cinemas e outros espaços) os forrós de Gonzagão – que, ao chegar aos lugares, encontrava plateias com suas letras já na ponta da língua. Certo dia, um prefeito teve a ideia de apresentá-los a Gonzagão, sem aviso prévio. “Hospedaram o grupo em um hotel, e foi marcado um jantar, para o qual deveriam levar a sanfona. Ao chegarem, depararam-se com o Rei do Baião. Marinês se tremeu toda, teve até dor de barriga. Gonzagão perguntou: ‘Quer dizer que você é a Maria Bonita? A ideia de vocês é muito inteligente, toquem um pouco para mim’. E assim ele foi à loucura, achou excelente, e os convidou para trabalhar com ele no Rio de Janeiro, onde eu nasci. Meus pais chegaram a morar nos fundos da casa do Gonzagão, em Miguel Pereira (RJ)”, relata o primogênito de Marinês, afilhado de batismo de Luiz Gonzaga, que já foi pianista, sanfoneiro e diretor musical de Elba Ramalho.
O ingresso na banda de Luiz Gonzaga ocorreu em 1954 e, dois anos depois, Marinês e o Rei do Baião gravaram o dueto “Mané e Zabé”, que entrou no disco dele intitulado São João na Roça (1962). O entrosamento entre os dois foi tanto, que Marinês fazia os vocais de apoio e abria os shows de Luiz Gonzaga e Seus Cabras da Peste, ao lado do então marido Abdias do Acordeon (também conhecido como Abdias dos Oito Baixos). Juntos, fizeram muitos shows no rádio e na TV. E o primeiro disco solo de Marinês (e Sua Gente) veio em 1957: Vamos xaxar. “Esse LP reuniu três grandes sucessos: ‘Pisa na fulô’, ‘Peba na pimenta’ e ‘Quadrilha é bom’. Foi um marco na música popular nordestina. São canções que tocam até hoje”, celebra Marcos Farias.
Em entrevista ao jornalista Antonio Carlos da Fonseca Barbosa, para a revista Ritmo e Melodia, em novembro de 2005, Marinês declarou: “Sou uma profissional, onde for o show. (...) O importante não é o trono de rainha, mas subir no palco e abrir o gogó. É um orgulho e honra cantar as belezas, costumes e necessidades do nordestino.” A cantora definia-se como uma pessoa comum e singular, que gostava de receber elogios sinceros. “Se alguém diz isso ou aquilo de mim, eu acho é bom. Se as pessoas não cultivarem dúvidas e expectativas sobre o artista, ele perde a graça e o encanto. Comigo é fogo ou água”, resumiu.
O filho mais velho, que trabalhou com Marinês desde pequeno (primeiro, fazendo participações especiais, tocando zabumba ou triângulo, e na vida adulta, como seu produtor e arranjador), emociona-se ao falar da matriarca, “uma mulher de coragem, à frente do seu tempo”, define. “Gilberto Gil disse que ela é a grande mãe da música nordestina. Era uma pessoa pontual, sincera, falava tudo na cara, mas sempre com amor e carinho. Generosa, comia ao lado de todos da banda, era mãe de todo mundo”, elogia Marcos Farias. Ele completa: “Foi uma mulher honesta, guerreira, consciente de seus direitos como mulher. Tinha a originalidade, a autenticidade e a ousadia dos grandes nomes da música nordestina”.
PIONEIRA E INCANSÁVEL
Quando Marinês estava com 50 anos, já separada, adotou um bebê recém-nascido: Celso Othon de Oliveira, hoje com 41 anos e pai da menina Maria Inês (cujo apelido, Inezinha, é o mesmo da avó famosa). Morador de Campina Grande (PB), Celso Othon foi atleta profissional de voleibol, formou-se em fisioterapia e hoje é coordenador patrimonial em uma fábrica de garrafões PET. “Aos quatro anos, ouvi falatórios de que eu era adotado, e perguntei isso a ela, que me respondeu: ‘Você é meu filho, sim, só não nasceu da minha barriga’”, recorda Celso Othon, que viveu com a mãe até os 23 anos, quando Marinês faleceu.
“Marinês foi pioneira ao cantar forró em um mundo masculino, machista, enfrentou barreiras e abriu portas para muitas mulheres de gerações mais recentes, como Elba Ramalho, Lucy Alves e tantas outras. Mamãe foi minha ‘pãe’ (pai e mãe), era braba com seu 1,52 m de altura, e eu parecia o segurança dela, com 1,95 m”, relembra Celso Othon. O filho caçula da cantora a acompanhou em shows – chegou a tocar triângulo e agogô, mas não zabumba, como Marinês queria. “Ela me chamava de ‘zoiúdo’, ‘zoiudinho’, era noveleira (adorava O cravo e a rosa e senhora do destino), tinha um ótimo senso de humor”, lembra.
Ainda segundo Celso Othon, Marinês trabalhou até o São João de 2006, e já tinha o de 2007 agendado. No ano de sua morte, Marcos Farias cantou nas festas juninas contratadas, e o projeto recebeu o nome de Gente de Marinês. “Mamãe era uma pessoa simples, ativa, que ajudava todo mundo. Muitos brasileiros, sobretudo os mais jovens, não têm consciência do tamanho, da grandeza dela”, diz o filho mais novo.
INSPIRANDO GERAÇÕES
A cantora e compositora Anastácia, de 84 anos, viu Marinês pela primeira vez quando cantava na Rádio Jornal, de Pernambuco, em meados dos anos 1950. Tímida, não teve coragem de chegar perto da diva. Já na década de 1960, Anastácia foi ao Rio de Janeiro para participar
Marinês ingressou na banda de Luiz Gonzaga em 1954 e, dois anos depois, a Rainha do Xaxado e o Rei do Baião gravaram o dueto “Mané e Zabé”, que entrou no disco de Gonzagão intitulado São João na Roça (1962).
do programa Noite impecável, na TV Continental, e lá conheceu, finalmente, sua conterrânea. “Marinês tinha uma personalidade muito forte, era escorpiana, mas sempre nos demos bem, eu era uma boa ouvinte. Não havia rivalidade entre nós, aliás, ela serviu de espelho e referência para todas as forrozeiras”, avalia.
Segundo Anastácia, a amiga tinha uma voz forte, firme e muito bem articulada. “As mulheres, naquela época, geralmente cantavam baiões, falavam de amor. Ela, não. Marinês veio com garra, pisando o pé, xaxando. Foi uma das molas-mestras da cultura nordestina quando o assunto é o forró”, analisa. Marinês gravou mais de uma dezena de composições do casal Anastácia e Dominguinhos (1941-2013),, como “De amor eu morrerei” (1974) e “Um mundo de amor” (1981). “Todo disco dela tinha alguma canção nossa, o que me deixou muito feliz”, comenta.
Sou uma profissional, onde for o show, eu chego lá, seja de carro, avião ou em cima de um jumento. Adoro estar no palco, foi uma dádiva
que Deus me deu. (...) É um orgulho e honra cantar as belezas,
costumes e necessidades do nordestino. Marinês (1935-2007), em entrevista publicada pela revista Ritmo e Melodia, em 2005
“Conheci-a por causa do repertório de Anastácia, do qual Marinês foi uma grande intérprete. Marinês gravou ‘Eu só quero um xodó’ (1962), de Anastácia e Dominguinhos, antes de Gilberto Gil. Tinha um timbre de voz agudo, anasalado, metalizado. Cantava com voz de peito e tinha uma dicção incrível. Era um jeito de cantar fincado na terra, uma característica que, mais tarde, virou escola”, explica Marques. A cantora do Bando de Régia coleciona dez discos de vinil de Marinês e destaca que, em 2021, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) reconheceu as “matrizes tradicionais do forró” como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil.
DA UNIVERSIDADE AO CINEMA
A vasta obra de Marinês extrapolou o âmbito musical e chegou também à academia. Em 2009, a jornalista Claudeci Ribeiro, doutora em literatura e interculturalidade pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e professora do Instituto Federal da Paraíba (IFPB), defendeu a dissertação de mestrado A representação do Nordeste nas letras das músicas da cantora Marinês, na UEPB. “Queria descobrir que Nordeste era esse que Marinês cantava, e concluí que é uma identidade regional baseada na tradição, no orgulho de ser nordestina.
As músicas de Marinês abordam temas como práticas culturais, festas juninas, danças, culinária, seca/chuva e o modo de falar nordestino”, detalha Ribeiro.
Expoente da nova geração de forrozeiras, a cantora, compositora, multi-instrumentista e atriz paraibana Lucy Alves cresceu ouvindo e se inspirando em Marinês e em outros artistas desse universo. Lucy e Marinês chegaram a se conhecer nos anos 2000, quando Marinês participou de um DVD gravado com a família da cantora paraibana, o Clã Brasil, em João Pessoa (PB). “Cantamos juntas ‘Bate coração’, do grande compositor Antônio Barros (1930-2025). Nesse dia, Marinês se emocionou muito, pois viu ali um monte de jovens talentosas tocando e cantando juntas. Fomos ao delírio! Aquele vozeirão veio como um trovão, foi lindo”, rememora Lucy. Para a artista, Marinês tinha um jeito único de cantar, uma emissão potente, uma voz afinada, de “fibra e raiz tuberosa”, assim como a música nordestina. “Ela foi – e ainda é – uma escola para todas nós, cantoras. Deixou um legado incrível”, considera.
A cantora, compositora e professora universitária Kelly Marques, que fundou em 2017 o grupo de forró Bando de Régia, em São Paulo, reforça o coro ao falar de Marinês.
Na visão da jornalista, Marinês é um ícone da cultura nordestina, com uma discografia riquíssima para se conhecer o Nordeste de meados do século 20 e do início do 21. “Ela ajudou a construir a visão simbólica de quem nós somos, sem os estereótipos da fome e da pobreza, mas cantando um Nordeste rico e vasto – aliás, os múltiplos Nordestes. Além disso, Marinês rompeu fronteiras e levou sua obra para fora da região, alcançando muitos lugares do país”, ressalta Ribeiro.
Em fase de finalização, o curta-metragem Marinês: O estopim da bomba, dos diretores Ezter Liu, Kleber Camelo e Mery Lemos, presta homenagem à artista, a partir de depoimentos de mulheres importantes da música nordestina, como Anastácia, Terezinha do Acordeon e Cristina Amaral. “Não se trata de uma biografia, mas de uma abordagem sobre o papel precursor de Marinês enquanto mulher pioneira na música nordestina e brasileira, alguém que rompeu preconceitos e abriu caminhos para outras artistas num ambiente até então dominado por homens”, sintetiza Camelo.
para ver no sesc / bio
FESTEJOS JUNINOS
Apresentações musicais, bailes, quadrilhas e programação especial do SescTV dedicam-se à diversidade cultural deste mês festivo
As tradicionais festividades do mês de junho ganham destaque na programação das unidades do Sesc São Paulo. Bailes, quadrilhas e outras ações musicais são algumas das atividades oferecidas para públicos de todas as idades. O SescTV também preparou uma grade de produções audiovisuais dedicada ao tema, com programações do Instrumental Sesc Brasil, além de especiais musicais.
SESCTV
Especial Forró
Programação comemora os festejos juninos com shows que trazem o forró como símbolo da alegria nordestina. Entre os episódios, estão: Oswaldinho do Acordeon (Instrumental Sesc Brasil), no dia 6/6 (sexta), às 12h; Gonzaga Rei, no dia 20/6 (sexta), às 21h; e Toada improvisada – 100 anos de Jackson do Pandeiro, no dia 27/6 (sexta), às 21h.
24 DE MAIO
Show Night Club
Forró Latino
Cantor e compositor Marcelo Jeneci apresenta EP realizado com participações dos mestres do pífano de Caruaru, Zé Gago e Bastos. O show mistura pagode, sertanejo, pop e reggae em versões forrozeiras, conduzidas por sua emblemática sanfona. Dias 7 e 8/6. Sábado, às 20h; domingo, às 18h. Teatro.
No Sesc Pinheiros, o Trio Mana Flor convida o público a conhecer e dançar com a arte e o protagonismo femininos.
PINHEIROS
Show Baile Junino, com Trio Mana Flor
Atividade faz parte do projeto A Roda Delas, que conecta arte e protagonismo feminino,
estimulando trocas entre artistas e público, ativando a praça como lugar de encontro e fortalecendo conexões com a comunidade.
Dia 21/6. Sábado, 17h. Praça. GRÁTIS.
FOTOS FABIO SCHUNCK gráfica
REVOADA
Imagens e cantos entremeados por histórias e dados científicos sobre aves observadas no Sesc Bertioga pousam em livro lançado pelas Edições Sesc São Paulo
POR MARIA JÚLIA LLEDÓ
ATLÂNTICA
Lavadeira-mascarada: costuma fazer uma apresentação individual ou em grupo e tem um canto típico que ajuda a encontrá-la em campo.
Um dia, todas as aves foram brancas. Pelo menos é o que diz a lenda. Até que, em um determinado momento, inspiradas pelas cores de outros seres da natureza, cada uma encontrou sua paleta. “Assim, algumas delas ficaram verdes por se esfregarem nas folhas das árvores; outras fizeram o mesmo nos troncos e passaram a ser marrons; e teve aquelas que, ao se atritarem nos liquens, ficaram com cores diversas. Além dessas, houve as que se expuseram ao luar para obter penas azuis, e outras que exageraram na exposição ao sol, ficando escuras, do cinza ao preto”, descreve o biólogo e ornitólogo Fabio Schunck no livro Aves no Sesc Bertioga: do mar à serra (Edições Sesc São Paulo, 2024). Nutrido pela poesia e sabedoria que habitam histórias transmitidas de geração a geração por comunidades tradicionais, povos indígenas e quilombolas, o especialista convida os leitores a observar mais de perto as revoadas de macucos, juruvas, mariquitas e tantos outros pássaros pelo céu do Parque Estadual Serra do Mar no litoral do estado paulista.
Entre lendas e histórias, registros em imagens e sons – os cantos dos pássaros podem ser apreciados por meio de QR Codes –, cerca de 300 espécies que habitam a maior área contínua de Mata Atlântica preservada do Brasil. A publicação é resultado da expedição do ornitólogo, junto à sua equipe, pelas áreas do Sesc Bertioga – como o Centro de Férias e a Reserva Natural –, para o mapeamento e identificação das aves. “Os momentos mais marcantes foram aqueles em que ficamos acampados no interior da mata por semanas, em busca das aves, com sol, chuva e frio”. Além disso, Schunck destaca que a imersão na mata permitiu uma maior concentração e conexão com a natureza. “Todos os encontros que tivemos com as aves também foram especiais, desde uma espécie comum até uma espécie rara. Essa é a magia da ornitologia”, afirma.
No livro, o autor ainda revela curiosidades sobre as espécies, como a motivação por trás do canto e da dança, comportamento biológico natural das aves. “O canto é utilizado para defesa do território, comunicação e atração das fêmeas, que acontece no período de reprodução. Já a dança é exclusiva do período reprodutivo, no qual, em geral, os machos fazem um tipo de exibição corporal, sozinhos ou em grupos, para atrair as fêmeas”, explica. Os tangarás machos, por exemplo, “se reúnem em um local chamado de arena, onde ficam dançando insistentemente para atrair a atenção de uma única fêmea, que vai escolher o melhor dançarino para se reproduzir”, complementa.
Borboletinha-do-mato: costuma ser encontrada solitária ou em casais no estrato alto da mata, muitas vezes logo abaixo da copa das árvores.
Cada página amplia o olhar para as cores das plumagens, os diferentes formatos de bico, as miudezas desses seres alados, que encantaram músicos, como o maestro Tom Jobim (1927-1994), que também foi um observador de pássaros, ou o poeta Manoel de Barros (1916-2014), reconhecido por sua conexão com o Pantanal. “Eu espero que os leitores gostem dessa terceira edição do livro, feita de maneira especial por muitas pessoas, e convido todos a nos acompanharem nessa fascinante caminhada do mar à serra, conhecendo os ambientes e as aves da Mata Atlântica no Sesc Bertioga, uma das regiões com a maior biodiversidade do planeta”, arremata.
João-de-barro: espécie presente em ambientes abertos, como campo natural, cerrado, pastagem, ambientes rurais e urbanos, onde é muito comum.
Coruja-buraqueira: esse nome é em função de seu ninho ser construído no fundo de um longo túnel subterrâneo, cuja entrada é um buraco que sempre tem uma coruja de sentinela.
gráfica
Curicaca: explora buracos do solo com seu bico longo e habilidoso em busca de invertebrados.
Tucano-de-bico-preto: no período reprodutivo, caça pequenos vertebrados, como morcegos, anfíbios e filhotes de aves para alimentar seus filhotes com proteína animal.
Andorinhas-grandes:
diz a lenda que os pássaros brancos que se expuseram ao luar ficaram com as penas azuladas.
Fragata: conhecida como "pirata do mar", essa espécie está presente em todo o litoral brasileiro, e pode ser encontrada sozinha, em pares ou em grupos de até centenas de indivíduos.
Savacu-de-coroa: alimenta-se principalmente de caranguejos que captura com seu bico robusto e afiado; seu comportamento é crepuscular e noturno.
para ver no sesc / gráfica
OUTROS VOOS
Terceira edição do livro Aves no Sesc Bertioga: do mar à serra reúne maior número de espécies identificadas e busca engajar o público na proteção da biodiversidade
Saíra-militar: reúne-se com outras formando grupos numerosos e coloridos, cantando ao longo do dia, principalmente em voo, o que contribui para identificá-las em campo.
Situado no litoral paulista e em funcionamento desde 1948, o Sesc Bertioga possui uma área total de mais de quatro milhões e oitocentos mil metros quadrados, e incentiva, a partir de um projeto de educação permanente, o contato e o engajamento com o meio ambiente para preservação e conservação da biodiversidade local. A criação da Reserva Natural Sesc Bertioga, uma unidade de conservação que conta com 60 hectares de floresta alta de restinga na Mata Atlântica, em meio ao território urbano da cidade de Bertioga, faz parte dessa iniciativa. Outro exemplo é o Projeto Avifauna, que mobiliza, desde 1993, o conhecimento
sobre as aves como ferramenta de educação para a sustentabilidade somada a estudos das espécies presentes nas áreas dessa unidade do Sesc e em seus arredores.
Lançada pelas Edições Sesc São Paulo, a terceira edição do livro
Aves no Sesc Bertioga: do mar à serra (2024) traz uma atualização do Projeto Avifauna, dado a um aumento expressivo do número de registros de aves identificadas –de 100 espécies que compõem a primeira edição para cerca de 300. Para isso, o biólogo e ornitólogo Fabio Schunck percorreu um caminho que parte do limite da orla (em frente ao portão
principal do Centro de Férias e chega ao topo da Serra do Mar, a mais de 900 metros de altitude. A partir do mapeamento das aves visitantes, o ornitólogo descreve comportamentos e características marcantes das espécies. Ainda na publicação, há textos de Marcelo Bokermann, supervisor de Educação para a Sustentabilidade do Sesc Bertioga, sobre o Projeto Avifauna, e da bióloga Martha Argel, sobre a arte da observação de aves.
“Iniciativas direcionadas à conservação dos espaços naturais, como a edição de Aves no Sesc Bertioga: do mar à serra, constituem uma trama de dispositivos educativos aptos a colaborar para a proteção da biodiversidade local, ao mesmo tempo em que engajam a comunidade em um senso de dever e cuidado compartilhados. Espera-se que ações desse tipo possam promover um aumento da consciência crítica, fruto de um trabalho de educação permanente, que tem como premissa enxergar mundos possíveis, onde a interconexão entre seres humanos e meio ambiente seja a substância vital de uma coexistência harmoniosa e sustentável”, afirma Luiz Deoclecio Massaro Galina, diretor do Sesc São Paulo, em texto da publicação.
EDIÇÕES SESC SÃO PAULO
Aves no Sesc Bertioga: do mar à serra 2024. 332 páginas. sescsp.org.br/edicoessesc
Ouça a playlist com o canto de aves de Bertioga.
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sescsp.org.br/prevencaodequedas
MEMÓRIA Páginas da
Como a bibliofilia fundou coleções
importantes de livros e deu origem a bibliotecas e outras instituições que preservam obras raras e históricas para acesso ao público
POR MATHEUS LOPES QUIRINO
FOTOS NILTON FUKUDA
Por definição, um livro é considerado raro quando ele sobrevive ao tempo, resiste às intempéries e não desaparece entre as trocas de mãos dos donos. Primeiras edições, tiragem pequena, circunstâncias extraordinárias, importância social e histórica e excepcionalidades são levadas em consideração na hora de classificar uma obra como raridade. Livros renegados por escritores ou considerados perdidos reluzem aos olhos dos chamados bibliófilos – aqueles que amam e colecionam livros singulares. Por isso, é importante frisar um lugar-comum nesse universo: nem todo livro antigo é raro.
Em O bibliófilo aprendiz (1965), Rubens Borba de Moraes (1899-1986) escreve que é graças ao colecionismo e aos colecionadores que grandes bibliotecas públicas formaram acervos respeitáveis. Ele credita aos bibliófilos, teimosos e pacientes, a gênese de importantes instituições, como a Biblioteca Folger Shakespeare, em Washington D.C., nos Estados Unidos, que abriga a obra completa de William Shakespeare (1564-1616), dramaturgo inglês autor de Romeu e Julieta (1597). Foi graças a Moraes
que a Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM, da Universidade de São Paulo), na capital paulista, pôde existir como hoje se encontra.
“Ele [Moraes] é grande, porque formou a principal coleção Brasiliana, que é a biblioteca que temos hoje [na BBM]. Escrevia sobre bibliofilia, construiu uma relação de prazer em ter os livros, e de mostrá-los. Era um daqueles bibliófilos que tinham paixão pelo conhecimento, por estudar a fundo os livros”, conta Plínio Martins Filho, professor do departamento de editoração da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), e coordenador da coleção Bibliofilia, que reúne clássicos do ofício, publicados pelas Edições Sesc São Paulo e Ateliê Editorial.
Rubens Borba de Moraes, que dirigiu a então Biblioteca Municipal de São Paulo, hoje Mário de Andrade, era um colecionador ávido. Antes de falecer, em 1986, o bibliófilo destinou a José Mindlin toda a sua coleção Brasiliana Nesse conjunto, estão livros sobre o Brasil, impressos desde o século 16 até fins do século 19, além de obras de autores brasileiros impressas no exterior até 1808. Esses exemplares foram doados à USP em 2006, junto
a outras coleções que passaram a integrar a biblioteca pessoal do casal José Mindlin (1914-2010) e Guita (1917-2006).
Entre as coleções que formam a BBM, estão também o acervo do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP) e a coleção Brasiliense, de livros impressos no Brasil desde o início do século 19 até os dias atuais. Ao todo, há cerca de 60 mil livros dispostos nos três andares do prédio localizado na cidade universitária e na reserva técnica. É um conjunto que vem sendo atualizado constantemente.
Em 2024, a BBM recebeu livros da coleção particular do escritor curitibano Dalton Trevisan (1924-2024), cujo acervo ficou com o Instituto Moreira Salles (IMS), que possui um vasto e importante repositório online, abrigando, inclusive, o Portal da Crônica Brasileira, com fac-símiles anotados por figurões do gênero, como Fernando Sabino (1923-2004), Rubem Braga (1913-1990) e Otto Lara Resende (1922-1992).
A atitude de Trevisan de destinar seu acervo a instituições, ainda em vida, foi celebrada dentro e fora do circuito literário. Transitando pelo meio há décadas, Martins Filho reconhece uma dificuldade de muitos bibliófilos: pensar suas bibliotecas para a posteridade. “Os bibliófilos, geralmente, são pessoas fechadas, que montam um acervo para o próprio prazer. Quem é amigo de bibliófilo pode ter a oportunidade de ver joias escondidas. É um ofício de devoção. Há vários casos de pessoas que, quando morrem, o acervo se perde, se dispersa em sebos. São raros os bibliófilos que dão destino para suas coleções em vida”, adverte.
RARIDADES DIGITALIZADAS
Ter em mãos um livro antigo é entrar em contato com a história. Mas folhear um exemplar de séculos atrás não é algo rotineiro. Nas instituições que possuem títulos raros, como a Fundação Biblioteca Nacional (FBN), a BBM e a Biblioteca Mário de Andrade, é possível consultar no local obras históricas por meio de agendamento. “Como apenas uma parte do acervo está digitalizada, oferecemos o serviço de consulta ao público e pesquisadores. Quando temos apenas um exemplar de um livro considerado histórico, é preciso seguir protocolos criados para proteger materiais frágeis”, conta Joana Moreno de Andrade, coordenadora da seção de obras raras e especiais da Biblioteca Mário de Andrade.
A coordenadora revela que a biblioteca está em meio a um processo de digitalização. Nas últimas semanas, a instituição teve aprovados projetos que vão receber investimento da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) para a implantação de um novo laboratório de preservação, além da criação de um repositório digital e da digitalização do acervo. “Temos essa demanda há mais de 20 anos, por isso considero essa etapa uma verdadeira virada de chave na vida digital da biblioteca”, ressalta. Serão mais de duas mil e quinhentas obras digitalizadas, como livros, gravuras, manuscritos e periódicos.
Para facilitar o trabalho de pesquisadores e democratizar o acesso à informação, instituições públicas e privadas criaram acervos virtuais para disponibilizar verdadeiros tesouros. Segundo Maria José Fernandes, coordenadora-geral
do Centro de Coleções e Serviços aos Leitores da Biblioteca Nacional, essa conexão do público com o acervo é um dos pilares da fundação. “Na Biblioteca Nacional, o próprio BNDigital e a Hemeroteca Digital são exemplos fortes desse trabalho, na medida em que permitem a consulta à distância, atingindo um patamar de cerca de sete milhões de consultas por mês”, informa. Entre o vasto material disponibilizado online, estão raridades como o “Evangeliário”, os pergaminhos mais antigos da América Latina, manuscritos por João Pandiá Calógeras, que datam do século 11.
Alguns dos títulos mais raros do país estão na FBN, que guarda as primeiras edições do épico
português Os Lusíadas (1572), escrito por Luís Vaz de Camões (1524-1580). Ali, também está um exemplar do primeiro livro impresso no Brasil, em 1812, Marília de Dirceu (1792), do português Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810). Já na BBM, há uma coleção completa com as primeiras edições de Machado de Assis (1839-1908); e livros sobre o Brasil, escritos por aventureiros, pintores viajantes e naturalistas desde o século 16. Como um itinerário do cartógrafo italiano Fracanzano da Montalboddo, que data de 1508, o incunábulo [livro impresso que data dos primeiros tempos da imprensa] mais antigo da biblioteca universitária.
Professor da USP e coordenador da coleção Bibliofilia (Edições Sesc São Paulo e Ateliê Editorial), Plínio Martins Filho alerta para a importância de bibliófilos pensarem no destino de suas coleções.
“Desde sua inauguração, em 2013, a biblioteca [Brasiliana Guita e José Mindlin] nasceu também como uma biblioteca digital. Semanalmente, um conjunto de livros desce para o laboratório de conservação e digitalização”, conta o professor Alexandre Macchione Saes, atual diretor da BBM. A disseminação do acervo também é feita por meio das digitalizações, além de exposições de livros, seminários e cursos oferecidos por pesquisadores, professores e bibliófilos ligados à instituição.
O diretor da BBM explica que o fluxo de digitalização de uma obra passa por várias etapas o que acarreta uma demora de até dois meses para o livro ficar disponível online, a depender da complexidade. “Toda semana, entre cinco e dez exemplares são digitalizados pela biblioteca. Em um ano muito bom, conseguimos digitalizar até 400 livros”, revela.
ARTE DE COLECIONAR
Para o colecionador Rômulo Pinheiro, existem dois tipos de bibliófilos. “Os que não abrem os acervos são os bibliófilos intransitivos. Já a bibliofilia transitiva é, justamente, mostrar os livros, criar um desejo de leitura, conhecer mais o autor e as obras. Por isso, aqui estou”, conta Pinheiro que, ao lado da esposa, a advogada e colecionadora Patrícia Peck, mantêm a Biblioteca Peck Pinheiro, fruto do acervo pessoal do casal, com mais de 25 mil livros.
“A biblioteca existe há 22 anos, mas começamos a levar mais a sério o ofício e a incorporar livros de maior raridade há cerca de dez anos. Hoje,
Diretor da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM), na capital paulista, o professor Alexandre Macchione Saes conta que a BBM fomenta o acesso ao seu acervo por meio de digitalizações de raridades, seminários, cursos, entre outras atividades.
A conservadora Mylena Bortolo trabalha na preservação de livros e documentos no Museu do Livro Esquecido, aberto em 2024, no Centro de São Paulo, em palacete histórico da década de 1920.
são aproximadamente cinco mil obras de literatura brasileira e 20 mil de interesse geral. Em nosso acervo, estão volumes completos com todos os principais autores do século 18”, conta Pinheiro. Entre as excepcionalidades, um exemplar de Espectros (1919), de Cecília Meireles (1901-1964), considerado um dos livros mais raros do século 20, e Memorial de Aires (1908), com a provável última dedicatória de Machado de Assis.
A criação da página da biblioteca no Instagram, hoje com mais de 30 mil seguidores, nasceu para despertar o apetite do leitor por grandes obras da literatura brasileira. “Nosso objetivo é explicar por que o livro é raro. As postagens contam histórias por trás dos livros, pois queremos incentivar quem consome esse
conteúdo à leitura”, explica o colecionador. Embora perceba que o interesse por livros raros esteja em alta, haja vista a popularidade de seu trabalho crescente nas redes, Pinheiro define a bibliofilia como um ofício em extinção.
Fatores como a falta de acesso à cultura e à educação, além de certo “esnobismo” cultivado pelo meio, contribuem para esse cenário. O colecionismo de livros é considerado uma atividade cara e, nesse meio, há colecionadores que entram em leilões de obras e compram de sebos especializados, que comercializam exemplares a cifras carregadas de zeros. No entanto, para o criador da Biblioteca Peck Pinheiro, o valor de uma boa coleção está na diversidade de autores e nas boas
ideias. “Para formar uma coleção, não é preciso ter muito dinheiro, mas sim ter critério”, resume.
NOVAS INICIATIVAS
Com intenção de fundar o Museu da Literatura Brasileira, com sede em Ouro Preto (MG), o colecionador Rômulo Pinheiro criou, em 2023, o Instituto Peck Pinheiro, para facilitar os trâmites da abertura do futuro museu. “A gente salva os livros para os livros nos salvarem”, diz ele, que tem oferecido cursos mensais e visitas guiadas para interessados em visitar sua coleção.
Cada vez mais, bibliotecas públicas ou privadas têm ampliado o número de visitantes com exposições itinerantes que trabalham
recortes do acervo. O Instituto Peck Pinheiro abriu, em 2024, uma mostra sobre o protagonismo de escritoras brasileiras na Academia Mineira de Letras, trazendo obras importantes restauradas. Já o Arquivo Histórico Municipal de São Paulo, onde ficam obras de referência sobre os primórdios da cidade, tem participado de eventos de difusão do acervo. “Recebemos grupos escolares e, também, participamos do Festival do Arquivo Aberto, que foi criado em 2023 para discutir não só o acervo, mas a metrópole por diversos ângulos”, conta a bibliotecária Carla Santos.
Outra iniciativa parte da criação, em 2024, do Museu do Livro Esquecido, localizado em um palacete histórico da década de 1920, no Centro de São Paulo. O espaço sedia exposições permanentes nas quais expõe um rico acervo com aproximadamente sete mil obras. Trata-se de uma instituição privada, voltada à conservação, segundo Pedro Zimmermann, coordenador. “Aqui, o leitor vai encontrar livros sobre história do livro e das bibliotecas, sobre tipografia, encadernação e coleções. A ideia é trazer obras que reúnam histórias contidas na materialidade”, explica.
O lugar já recebeu milhares de visitantes estimulados pelas redes sociais e aposta na proposta de percursos autônomos feitos com audioguia. “Esse sistema foi pensado como uma forma de conectar o leitor com o universo do livro, para que ele não divida atenção entre os textos explicativos e as obras em si. Enquanto ouve o nosso material gravado, o visitante pode olhar os detalhes das exposições”, convida Zimmermann.
PATRIMÔNIO PRESERVADO
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Sesc Memórias dedica-se à organização, conservação e divulgação ao público de registros históricos do Sesc São Paulo
Espaço de exercício da memória institucional e afetiva, o Sesc Memórias reúne em sua coleção documental registros que contam o caminho percorrido pelo Sesc São Paulo, de 1946 até os dias de hoje. Projeto dedicado à coleta, conservação, organização, guarda e divulgação desses registros, o Sesc Memórias preserva e compartilha a memória institucional, garantindo que sua trajetória seja conhecida e valorizada. Sua atuação não só estimula a reflexão sobre o trabalho do Sesc, mas também fomenta a produção de conhecimento, tornando-se uma fonte acessível tanto para funcionários, quanto ao público externo.
Seu acervo reúne documentos gerados desde a fundação do Sesc São Paulo, abrangendo diversos formatos e suportes, como materiais textuais, fotográficos, digitais, audiovisuais, objetos tridimensionais, banco de entrevistas e figurinos teatrais – incluindo parte do acervo do Centro de Pesquisa Teatral (CPT). Um repositório que reflete as diferentes áreas
de atuação da instituição, servindo para divulgação e preservação histórica.
Além disso, o Sesc Memórias realiza pesquisas sobre projetos e iniciativas do Sesc São Paulo, produz conteúdos relacionados à sua história e desenvolve atividades nas áreas de memória, arquivo e patrimônio. Localizado no terceiro andar do prédio onde também funcionam o Sesc 14 Bis e o Centro de Pesquisa e Formação, no bairro Bela Vista, região central de São Paulo, ainda recebe pesquisadores – mediante agendamento –e tem seu acervo reunido em salas de guarda. Possui em seu espaço, sala técnica para tratamento e digitalização da documentação e uma de trabalho com acervo audiovisual.
SESC MEMÓRIAS
Pesquisas no acervo, visitas técnicas e atendimentos à imprensa podem ser realizados com agendamento prévio, pelo e-mail: sescmemorias@sescsp. org.br, ou pelo telefone: (11) 3016-1685, com atendimento de segunda a sexta, das 10h às 19h. Saiba mais em: sescsp.org.br/sescmemorias
EXERCITAR A LONGEVIDADE
Avida, traduzida pelo escritor Guimarães Rosa (1908-1967), esquenta, esfria, aperta e daí afrouxa… é algo que oscila entre o ir e vir de emoções e de situações que pedem – conclui o autor de Grande Sertão: Veredas (1956) – coragem. Porém, a vida ainda requer outro importante aliado: o exercício integrado de corpo e mente. Se hoje a expectativa de vida da população brasileira é de 76,4 anos, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2070, ela deve chegar aos 83,9 anos – e o número de pessoas com mais de 60 anos pode ultrapassar 37% da população. Mas o que esse prolongamento da vida representa na prática?
“No último século, a humanidade viu um progresso inédito na medicina – desde o desenvolvimento de antibióticos ao melhor controle das doenças cardiovasculares e o tratamento mais efetivo do câncer, os frutos da ciência médica têm nos permitido superar doenças e viver por mais anos”, contextualiza o médico neurologista Ítalo Karmann Aventurato. No entanto, complementa o especialista, “viver mais significa maior chance de ser acometido pelas doenças da terceira idade – entre elas, a demência”. Erroneamente traduzido, o conceito de demência, ou transtorno cognitivo maior, segundo Aventurato, “é um termo médico que abarca qualquer perda da capacidade mental que tenha impacto na funcionalidade e independência do indivíduo”. Esse mesmo termo inclui não só aqueles com doença
de Alzheimer, por exemplo, mas quem sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) ou que tenha atingido a cabeça e teve o raciocínio, a linguagem ou a memória afetados.
Enquanto não há uma cura para a demência, pesquisadores já comprovaram que a prática de exercícios físicos contribui para prevenir o surgimento desse quadro, além de beneficiar aqueles que já sofrem com esse transtorno cognitivo. “O simples fato de aumentar o nível de atividade física está relacionado à diminuição do risco de demência em idosos saudáveis e em idosos que já apresentam perda cognitiva (como redução de memória) e risco aumentado para desenvolver demência. Atividades físicas são quaisquer movimentos físicos que fazemos no dia a dia, como subir e descer escadas, varrer a casa e fazer compras a pé”, recomenda a doutora em neurociência Isadora Cristina Ribeiro, especialista em exercício físico para pessoas idosas. A musculação, inclusive, tem demonstrado ser um estímulo à plasticidade cerebral, agindo contra a neurodegeneração. “Quando olhamos para a saúde dos neurônios, observamos que, após a musculação, os neurônios apresentaram melhor estrutura anatômica, sugerindo preservação e bom funcionamento”, compartilha a especialista.
Neste Em Pauta, Aventurato e Ribeiro apresentam o que foi comprovado e o que está sendo discutido pela ciência para um envelhecimento saudável.
Além das palavras cruzadas: prevenindo a demência no decorrer da vida
POR ÍTALO KARMANN AVENTURATO
Todo neurologista já ouviu esta pergunta em seu consultório: “E fazer palavras cruzadas, doutor? Evita o Alzheimer?”. Sem dúvida, manter o dicionário mental afiado de sinônimos e antônimos, além de se lembrar de cantores da década 1970, pode contribuir para nossa atividade cerebral. Mas a questão da prevenção das demências vai muito além de letrinhas e “letrões”.
Primeiramente, cabe o esclarecimento de alguns conceitos. “Demência”, ou transtorno cognitivo maior, é um termo médico que abarca qualquer perda da capacidade mental que tenha impacto na funcionalidade e independência do indivíduo. Dessa forma, “demência” é um termo guarda-chuva que inclui não só aqueles com Alzheimer, mas também pessoas que, por exemplo, tenham perda do raciocínio, da linguagem ou da memória como resultado de um AVC ou um acidente que atinja a cabeça.
No último século, a humanidade viu um progresso inédito na medicina – desde o desenvolvimento de antibióticos ao melhor controle das doenças cardiovasculares e o tratamento mais efetivo do câncer. Os frutos da ciência médica têm nos permitido superar doenças e viver por mais anos. Porém a maldição lançada por Zeus sobre Asclépio, deus grego da medicina, ainda paira sobre os médicos de hoje – a cada doença curada, outras tantas emergem sobre nós. Viver mais significa maior chance de ser acometido pelas doenças da terceira idade – entre elas, a demência.
O Relatório Nacional sobre a Demência, publicado em 2024 pelo Ministério da Saúde, estima que 8,5% das pessoas com mais de 60 anos sofram com alguma forma de demência. Esta prevalência aumenta com a idade, chegando a 21,2% para aqueles entre 80 e 84 anos de vida e 43,8% para aqueles com mais de 90 anos. A partir dessas estimativas, o relatório
conclui que cerca de 2,46 milhões de pessoas viviam com demência em 2019. Porém, devido ao envelhecimento populacional, esse número deve saltar para 5,05 milhões em 2039 e para 8,74 milhões em 2059.
Apesar da doença de Alzheimer ser individualmente a maior causadora de demência no mundo e no Brasil, estudos recentes têm reconhecido que sua presença raramente é isolada. Ela é frequentemente acompanhada ou mesmo desencadeada por comorbidades cardiovasculares – pressão alta, diabetes, sedentarismo – que no decorrer de anos de vida impactam o funcionamento cerebral. Além disso, fatores psicossociais, como o isolamento social, o abandono pela família e a depressão no idoso podem acelerar o desenvolvimento e a evolução das demências.
Esse complexo cenário, aliado à ausência de tratamento curativo para a demência, levou a prestigiada revista britânica The Lancet a produzir, em 2020, um extenso relatório detalhando os fatores de risco modificáveis – isto é, com potencial de intervenção – que, no decorrer de toda nossa vida, podem afetar nosso risco de desenvolver demência. Neste relatório, estimou-se que, globalmente, 40% das demências poderiam ser prevenidas. No entanto, ao aplicar a mesma metodologia à população brasileira, o relatório do Ministério da Saúde de 2024 concluiu que, em nosso país, este número chegaria a 49,2% em regiões ricas ou mesmo a 54% – ou seja, mais da metade – em regiões pobres.
Olhando em detalhes o relatório da revista The Lancet, vemos que os fatores podem ser atribuídos a três fases ou ciclos de vida: aqueles do início da vida (até os 45 anos), da vida adulta (45 a 60 anos) e da velhice (mais de 60 anos). No início da vida, destaca-se o nível educacional – uma educação de qualidade é essencial para a prevenção da demência na terceira
idade. Na idade adulta, temos a hipertensão (pressão alta), perda auditiva, obesidade, traumatismo cranioencefálico e consumo excessivo de álcool (mais de 21 doses alcoólicas por semana) como principais fatores. Já na velhice, vemos destacados: a depressão, inatividade física, diabetes, poluição do ar, tabagismo e isolamento social.
Fica claro, a partir desses dados, que, do ponto de vista populacional, a prevenção da demência necessita de uma ampla articulação multissetorial do poder público. Não apenas as políticas de saúde básica, voltadas ao cuidado de condições como a hipertensão, o diabetes, o tabagismo e o consumo excessivo de bebidas alcoólicas, mas também a educação de qualidade, a prevenção de acidentes de trânsito, o controle da poluição do ar e a criação de espaços de convívio para combater o isolamento social e promover hábitos saudáveis. Todos esses são fatores fundamentais para lidar com o desafio de prevenir a demência em uma população que envelhece.
Entretanto, do ponto de vista individual, também podemos depreender importantes lições desses estudos: o cuidado da saúde, um estilo de vida saudável e a manutenção da atividade física e mental na terceira idade são fatores-chave para evitar o surgimento da demência. A atividade física de que tratamos aqui inclui não somente uma rotina de exercícios físicos propriamente ditos – e orientada por um profissional qualificado –, mas uma rotina que mantenha o corpo ativo: sair de casa e caminhar para ir ao mercado, participar da rotina de casa, ajudar no cuidado dos netos etc.
Retorno, então, à pergunta inicial: qual o papel das palavras cruzadas ou, em termos mais técnicos, da estimulação cognitiva, na prevenção da demência? Para respondermos a essa questão é necessário nos perguntarmos o que entendemos por cognição ou atividade mental. Normalmente, associamos a atividade mental àquelas tarefas típicas do aprendizado formal: exercícios lógico-matemáticos, a leitura e escrita de textos, a solução de problemas intelectuais etc. No entanto, a cognição é algo muito mais presente em nossas vidas do que essa associação nos faz inferir.
A atividade mental é fundamental para a qualidade de vida e a prevenção da demência na velhice. Em outras palavras: uma vida física e socialmente ativa também faz parte de uma vida mental plena.
Quando assistimos a um filme ou a uma novela e prestamos atenção na história, acompanhamos os personagens, criamos impressões e vamos discuti-las com outros, estamos mantendo nossa mente ativa. Quando encontramos amigos, contamos histórias, piadas, rimos, estamos mantendo nossa mente ativa. Mesmo quando estamos em uma academia, numa aula de dança, contando passos ou repetições, nos atentando ao nosso corpo e ao nosso movimento, estamos mantendo nossa mente ativa.
Entendida dessa forma ampla, a atividade mental é fundamental para a qualidade de vida e a prevenção da demência na velhice. Em outras palavras: uma vida física e socialmente ativa também faz parte de uma vida mental plena. Portanto, sim, resolva palavras cruzadas, mas também faça exercícios, encontre amigos, assista a filmes, caminhe, faça aulas de dança e tudo mais que mantenha o Tico e o Teco conversando.
Ítalo Karmann Aventurato é médico pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) com residência em neurologia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), tendo se especializado em neurologia cognitiva e comportamental. Atualmente está em seu último ano de doutorado em ciências médicas, estudando cognição e neuroimagem, além de aplicações de técnicas de Inteligência Artificial.
Exercícios para uma velhice saudável
POR ISADORA CRISTINA RIBEIRO
Em uma era de aumento do número de anos vividos e de idosos no país, os casos de demência têm aumentado. A doença de Alzheimer é a mais incidente e afeta o cérebro, prejudicando a memória, a atenção, o planejamento de tarefas, a independência e a qualidade de vida. Além disso, afeta também os familiares do paciente e o sistema de saúde. Para o desenvolvimento da demência, existem alguns fatores de risco e alguns deles são modificáveis. O combate ao sedentarismo, por exemplo, pode ter um impacto expressivo na alteração da trajetória clínica de idosos.
O simples fato de aumentar o nível de atividade física está relacionado à diminuição do risco de demência em idosos saudáveis e em idosos que já apresentam perda cognitiva (como redução de memória) e risco aumentado para desenvolver demência. Atividades físicas são quaisquer movimentos físicos que fazemos no dia a dia, como subir e descer escadas, varrer a casa e fazer compras a pé. Mas o que acontece quando focamos em fazer exercícios físicos que são movimentos físicos programados quanto à intensidade e duração, e que têm um objetivo pré-estabelecido?
Diversas modalidades de exercício físico – como aeróbico, funcional, yoga, dança, pilates e tai-chi –têm se mostrado eficientes não só para a melhora da performance física, mas também para a promoção da cognição em idosos. Aumentar a cognição e a capacidade funcional pode promover o atraso da progressão para demência ou ainda evitar seu desenvolvimento ao longo dos anos. Isso porque a cognição e a capacidade funcional são diretamente afetadas na demência.
A musculação é uma modalidade que se destaca nesse aspecto, primeiro porque favorece a manutenção da massa muscular, da massa óssea e do peso corporal, atuando diretamente na melhora da força
muscular e da capacidade funcional em atividades da vida diária. Segundo, porque age contra fatores de risco para demência (além da inatividade física), como obesidade, doenças vasculares, diabetes, depressão e isolamento social. E terceiro, porque tem como principal objetivo aumentar a força muscular, que quando diminuída está associada a um maior risco de incidência da doença de Alzheimer, enquanto seu aumento está relacionado com a melhora cognitiva. Logo, intervir com esse tipo de exercício físico parece promissor para a alteração da trajetória clínica de idosos com e sem perda cognitiva.
O treinamento com pesos ou faixas elásticas já mostrou aumentar a capacidade funcional e cognitiva, mas o que chama atenção nesse aspecto neuroprotetor é: o que exatamente ocorre no cérebro para que isso aconteça? Investigamos, em idosos com risco aumentado para demência, o impacto de seis meses de musculação no cérebro. Os participantes fizeram um protocolo de treinamento com carga progressiva (os pesos iam aumentando conforme a adaptação) que incluía exercícios para os principais grupos musculares. Como esperado, após a prática, os participantes que fizeram musculação apresentaram melhora da memória, enquanto o grupo controle (que não fez musculação nesse período) não apresentou melhora. Além disso, observamos melhora da capacidade funcional em diversos testes físicos.
Com o uso de ressonância magnética, pudemos acessar o volume do cérebro e a estrutura anatômica dos neurônios. Como resultado, observamos que, após a prática da musculação, áreas relacionadas à doença de Alzheimer, como o hipocampo e o precuneus (regiões relacionadas à memória), foram protegidas contra a atrofia. Isto é, ao passo que essas regiões diminuíram de volume no grupo
controle, pararam de diminuir no grupo da musculação. Esse achado nos mostra como essa prática influenciou no cérebro, justificando possivelmente a melhora da memória. Além disso, quando olhamos para a saúde dos neurônios, observamos que, após a musculação, os neurônios apresentaram melhor estrutura anatômica, sugerindo preservação e bom funcionamento. Enquanto o grupo que não treinou apresentou piora da estrutura anatômica, o que indica um processo de neurodegeneração.
Tanto as alterações cognitivas quanto as alterações de anatomia cerebral podem ser influenciadas por alterações bioquímicas relacionadas à prática de exercícios físicos, que envolvem alterações de citocinas e fatores neuroprotetores que agem a favor da cognição e contra a neurodegeneração. Como, por exemplo, a redução das concentrações de interleucinas inflamatórias, proteína C reativa, Fator de Necrose Tumoral Alfa (TNF-α), e o aumento das concentrações de citocinas anti-inflamatórias e de outros fatores neuroprotetores, como IGF-1 (fator de crescimento semelhante à insulina), BDNF (fator neurotrófico derivado do cérebro) e Irisina, sugeridos como protetores do cérebro e estimulados a partir da contração muscular.
Os mecanismos bioquímicos pelos quais essas citocinas e fatores neuroprotetores agem são complexos e individuais, variando de acordo com o tipo avaliado, o estímulo de exercício físico aplicado e o
nível de comprometimento cognitivo. De forma geral, mostram-se relacionados à melhora das funções cognitivas e da plasticidade cerebral, à diminuição do processo inflamatório, à proteção contra a neurodegeneração e, consequentemente, à redução do risco de desenvolver doença de Alzheimer.
A recomendação de exercícios físicos para a manutenção da saúde do idoso é de 150 a 300 minutos semanais de exercícios aeróbicos e duas a três vezes na semana de exercícios de força. Além disso, atitudes simples, como aumentar o número de passos e movimentos no dia a dia também são recomendados. A ciência tem mostrado, cada vez mais, que praticar exercícios físicos promove não só a saúde do corpo, mas também a saúde do cérebro. É importante destacar que essa é uma intervenção não farmacológica, econômica e de fácil acesso, que pode mudar o percurso da saúde no envelhecimento, favorecendo o idoso, seus familiares e o sistema de saúde.
Para que a prática de exercícios físicos seja segura e eficiente, é imprescindível que o indivíduo tenha autorização médica para iniciá-la e acompanhamento de um profissional de educação física, que é o profissional adequado para prescrever o tipo, a quantidade e a intensidade de exercícios a serem feitos para o alcance dos objetivos almejados. Independentemente da modalidade que você escolher, fazer exercícios físicos, evitar o sedentarismo e manter-se ativo é a receita para o envelhecimento saudável. Reforço o ditado: “Nunca é tarde para começar”, mas adiciono que “fazer exercício físico é uma obrigação daqueles que estão comprometidos a envelhecer com saúde”.
Diversas modalidades de exercício físico – como aeróbico, funcional, yoga, dança, pilates e tai-chi – têm se mostrado eficientes não só para a melhora da performance física, mas também para a promoção da cognição em idosos.
Isadora Cristina Ribeiro é graduada em educação física, especialista em exercício físico para terceira idade, em fisiologia do exercício e em neuroimagem. Mestre em gerontologia e doutora em neurociência. Atualmente faz pós-doutorado na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Campinas (Unicamp), onde investiga alterações de neuroimagem e biomarcadores plasmáticos da doença de Alzheimer.
CANCIONISTA múltiplo
Do heavy metal ao tambor de crioula, o músico, compositor e produtor Zeca Baleiro abraça a diversidade de gêneros musicais e temas em discos, filmes e peças
POR MARIA JÚLIA LLEDÓ
Parece mágica - e talvez seja. É que o músico, cantor, compositor e cronista Zeca Baleiro, produtor do selo Saravá Discos, atua em diferentes territórios criativos simultaneamente. Como se a música, que o inspira desde a infância, pudesse habitar todos os espaços por onde trilha o artista nascido em São Luís do Maranhão. Ao longo de mais de 25 anos de carreira, já lançou 15 discos, cinco livros e assinou diversas composições para o cinema, a dança e o teatro, sendo reconhecido por importantes prêmios, como o Grammy Latino, Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) e Grande Prêmio do Cinema Brasileiro.
Seu mais recente trabalho para o teatro, a direção musical de Gente é gente?!, escrito por Claudia Barral e dirigido por Marco Antonio Rodrigues, esteve em cartaz até maio, no Sesc Vila Mariana. Adaptada para o cenário brasileiro, essa
montagem livremente inspirada em Um homem é um homem, de Bertolt Brecht (1898-1956), nutre a verve que acompanha Zeca Baleiro na criação de trilhas sonoras para o teatro, desde sua estreia em Quem tem medo de curupira (2010).
Neste Encontros, o artista maranhense radicado em São Paulo conta como foi sua trajetória musical, compartilha suas incursões na literatura, no cinema e no teatro, e aponta para os próximos rumos da sua palavra-canção.
PRIMEIRAS NOTAS
Venho de um ambiente familiar muito musical e literário. Meu pai, que hoje tem 102 anos, sempre foi um leitor compulsivo. Minha mãe também gostava de ler, amava a música popular brasileira e tinha uma memória enciclopédica das músicas dos anos 1930 e 1940, o auge da Rádio Nacional, daqueles
programas de auditório. Então, eu tive uma herança rica, de pais mais velhos. Lá pelos 13 e 14 anos, comecei a estudar violão. Peguei umas quatro aulas com um professor, depois segui, autodidata, com revistinhas de cifras da época. Foi assim que eu aprendi: na rua, com amigos, tocando, fazendo bandinha. Mas aí, veio o convite de um amigo mais velho, Léo Ribeiro, para trabalhar no seu grupo de teatro, especializado em peças infantis. Fizemos Flicts, de Ziraldo (1932-2024), depois O reizinho mandão, de Ruth Rocha. O teatro me arrancou do claustro, da solidão do quarto, porque eu era um adolescente muito tímido.
PALAVRA ACESA
Meu primeiro ímpeto artístico foi escrever. Minha irmã Lúcia escrevia quadrinhas, trovas, poemas ingênuos e tal, já buscando ali alguma associação com as
Matheus
José Maria
Fazedor de canções que transitam por diferentes estilos, o músico Zeca Baleiro tem um pé no lirismo e outro na irreverência.
encontros
coisas que a gente lia: Machado de Assis (1839-1908), Jorge Amado (1912-2001), os grandes clássicos do romance nordestino dos anos 1930, como José Lins do Rego (1901-1957), Rachel de Queiroz (1910-2003), essa literatura que hoje soa até básica, escolar. Depois, já adolescentes, a gente teve as nossas próprias buscas: literatura beatnik, poesia americana e outras coisas mais. Mas o primeiro ímpeto vem com a palavra. Lá em casa, meus pais eram professores, então todo mundo tem um texto razoável, fala bem, tem isso assim na família: um culto à palavra, à comunicação verbal. Depois é que veio a música, que me seduziu completamente.
SER ECLÉTICO
Se eu fosse um músico de jazz, se só tocasse música instrumental, a palavra talvez não me fizesse falta, mas como eu sou um fazedor de canções, um compositor, um cancionista, eu não posso desprezar a palavra. Eu acho que uma das crises da canção hoje é justamente o pouco apreço à poesia. A música ficou mais sensorial, então tem outros elementos mais importantes: a dança, a psicodelia da música eletrônica, por exemplo. São outras buscas. O cenário mudou, mas a palavra está na origem de tudo. O que me incendeia, eu não sei. Acho que são lampejos. Tem uns dias em que você acorda meio morno, meio morto para a vida, e tem outros em que você quer fazer “aquela canção”, a canção que vai mudar a música popular brasileira. O que é uma ilusão também, mas é uma ilusão boa de ser perseguida. E às vezes, acontece.
A MÚSICA E A
VIDA, PARA MIM, NÃO SE SEPARAM. A PROFISSÃO DE
MÚSICO
E O VIVER SÃO UMA COISA SÓ.
GENTE É GENTE?!
Quando recebi o convite do Marco [Antonio Rodrigues], nem sabia o que seria, mas topei de cara. Aí teve reuniões online, presenciais com a Claudia [Barral] e ele, para a gente ver que rumo seguiria, até chegar nessa adaptação [Gente é gente?!, musical inspirado em
texto de Bertolt Brecht]. O texto original se passa na Índia, na época da colonização inglesa, mas a gente transfere para os dias de hoje porque, na verdade, é um texto atualíssimo. Então, a história se passa num Brasil partido, como a gente tem observado. Foi muito gostoso todo o processo e há muito tempo eu não fazia direção musical.
Necka Ayala
Com o selo Saravá Discos, Zeca Baleiro lança obras de artistas jovens e veteranos que estão fora do mainstream
Foi uma volta às origens. Trabalhar com gente do teatro é muito divertido. É um processo muito coletivo, lúdico e colaborativo.
SER ECLÉTICO
Fui criado na diversidade cultural e musical. Guiado pelo bumba meu boi, tambor de crioula, tambor de mina, todas aquelas manifestações [do estado do Maranhão] que são muito específicas, mas a gente queria ser rock. Depois, você amadurece, e é levemente “absorvido” pelo mercado. Hoje eu faço um bumba meu boi sem nenhum problema, como posso fazer um heavy metal ou uma canção de amor lírica também. Mas a geração dos anos 1990 tem como marca essa tentativa de desconstruir essa coisa do gênero [musical]. Não tem nenhum samba, forró e reggae puro. Teve o auge da MPB, nos 1960 e 1970, veio o rock, nos anos 1980, e quando a gente veio, havia o espírito do tempo de fazer uma música de fusão. Hoje, estou me voltando para a pureza do gênero. Você começa rompendo e depois vai descobrindo a beleza que existe nessa “pureza”, porque não há pureza em lugar algum, na arte tampouco.
OUTRAS GERAÇÕES
Recentemente, encontrei com o Jards Macalé no Rio, e a mulher dele, a Regiane, falou: “O show está uma loucura. Só vai gente de 20, 25 e 28 anos”. Para o Tom Zé, também: a plateia dele rejuvenesceu. Isso é muito bonito porque mostra que a canção ainda tem força. Contra todos os argumentos de: “naquele tempo, é que era bom”. Eu não gosto dessa coisa nostálgica, embora eu tenha um resquício nostálgico. Mas
eu não gosto de ficar com esse papo, porque a vida é aqui e agora – se é plataforma digital o que a gente tem, vamos para a plataforma. Se o single é a estratégia, vamos fazê-lo.
A gente tem que olhar sempre para o lado bom das coisas. Vou sair desse mundo e a música que eu fiz vai ficar.
AOS MARGINAIS
Já fui marginal. Só que quando você acessa o mercado e tem um certo êxito, como eu tive, você se adequa um pouquinho, porque o mercado é predatório. Mas a sua alma está lá, os seus princípios éticos, morais, culturais, artísticos estão lá. Acho que eu sempre tive um pezinho no mainstream e um pezinho no alternativo, o que foi bom porque me deu liberdade para alçar vários voos, para fazer, por exemplo, um disco com sete anos de carreira, bastante ousado [Ode descontínua e remota para flauta e oboé (2004)], em parceria com a Hilda Hilst [poeta, cronista e dramaturga paulista (1930-2004)]. A gente se aproximou por um acaso do destino e nos tornamos amigos. Sempre tive essa alma aberta para personalidades assim.
SARAVÁ DISCOS
Criei o selo, só para fazer esses projetos alternativos que nunca me deram dinheiro, mas me dão uma alegria danada. O Odair [José], por exemplo, é um cara importantíssimo. Outro cara importante é o Edy Star (1938-2025), que levantou a bandeira LGBT lá atrás. O cara sabia de tudo e ficou 40 anos sem gravar. Eu o vi, um dia, e falei: “Vamos fazer um disco, cara?”. Daí, porque ele era muito querido e respeitado, participaram Caetano Veloso, Ney
Matogrosso, Emílio Santiago (19462013), Filipe Catto. Já a Vanusa (1947-2020), no fim da vida, eu a chamei para fazer um disco. Ela lançou, antes de Elis [Regina] o Belchior (1946-2017) – já tinha gravado Paralelas. Ela tinha um olhar e uma curiosidade. Então, esses artistas são muito importantes, mas o showbiz brasileiro é um pouco cruel. Por isso, dentro do possível, eu tento ali fazer um pouco de justiça.
PELO COLETIVO
Estou com uma banda que já me acompanha há 20 anos. Estamos envelhecendo juntos. Faço, eventualmente, trabalhos que os excluem, mas sempre volto a eles porque é quase um cargo de confiança. Acho que essa coisa da intimidade, do convívio, da amizade é muito importante. Eu preciso gostar da pessoa que está no palco comigo. A música e a vida, para mim, não se separam. A profissão de músico e o viver são uma coisa só. Então, por exemplo, a gente tem uma amizade de se ligar para falar sobre vida pessoal, doenças na família, crises amorosas, problemas com filhos, o escambau. Somos amigos. E essa amizade e admiração vão para o palco. Porque música é como jogar um futebol, você tem que se divertir, toca a bola, recebe, dá lá na frente, bota o outro na cara do gol, na outra é você quem faz o gol. E assim vamos.
O cantor e compositor Zeca Baleiro participou da reunião do Conselho Editorial da Revista E, no dia 24 de abril de 2025. A mediação do bate-papo foi de Felipe Torres, que atua na supervisão do Núcleo de Artes Performáticas da programação do Sesc Vila Mariana.
inéditos
A GUERRA TRANSPARENTE E OUTROS POEMAS
TEXTO E ILUSTRAÇÃO POR MARCELO ARIEL
A GUERRA TRANSPARENTE
Hoje o nome de tudo é dourado diz o céu de sangue
O mundo é um paraíso incendiado diz a Árvore de fogo dentro do menino negro assassinado
O Passado é o fantasma do horizonte.
E o instante um Sol coberto por nuvens de palavras sem alma
*Tamboro Teko Porã Tamboro Y´Y´ disse a indígena guarany enxugando as lágrimas
A guerra é transparente é um sono geral onde sonhamos que não estamos sonhando
os cadáveres de crianças, jovens e mulheres que irão voar por cima do lodo e do mar de plásticos, querem nos acordar de suas bocas sairá a luz que queimará a névoa da nossa covardia vozes mudas trazendo a revelação da visão do verdadeiro horizonte que havíamos esquecido junto com a lembrança de estarmos dentro da vida e com ela o delicado triunfo escondido na pergunta que nos tornamos ao nascer: Como amar os mortos através dos vivos?
*Tradução livre do Tupy Guarany: O bom e o belo é para todos, o bom e o belo é como a água
HÁ UMA DIMENSÃO PARALELA
“O Universo é um albergue de miríades de coisas, e o próprio tempo é um hóspede dos séculos, em viagem. Esta vida flutuante é como um sonho’’ Li Po
Na outra rua
Pensar em dimensões paralelas é evocar a fusão de mundos como um modo de compor o mundo O sentido de nosso rosto é outro rosto, que já foi o rosto da nossa mãe, no sonho de ontem algo que irá acontecer novamente depois.
Em nossa infância onde estão as senhas para o presente
Na favela
Um projétil atravessou a parede até atingir o espelho libertando a imagem indomável no Baile Funk
Deize Tigrona passou o microfone para uma garota chamada Cleópatra e o medo passou.
Em alguns encontros
No tempo vivo o olhar de Carolina de Jesus sorriu para o de Clarice como uma resposta
Dennis Wilson disse para Charles Mason que tudo seria diferente se ele soubesse cantar
Billie Holiday teve um ataque de riso ao ver Orson Welles devorar um frango assado inteiro dentro do táxi
Che Guevara deu um abraço tão forte em Jango que ele teve que dar um passo para frente para não cair.
Na primeira vez que você entrou no oceano:
Era a Mata Atlântica Uma libélula tocando na água me lembra uma cena de Je vous salue, Marie a mão tocando o ventre nave do útero fonte da primeira dimensão paralela
Depois:
A nuvem é a copa
A chuva é o tronco
O relâmpago é a raiz e acordamos.
inéditos
DOIS JOGADORES E SUAS METÁFORAS
Paulo Henrique Ganso se move como a mão de um arquiteto desenhando no campo arcos precisos esculpe a jogada, em estado de contemplação ativa sendo um jogador e nada mais nele sobra o que falta aos políticos o senso de participação em algo maior do que o ego sendo apenas um eco do desejo de alegria que desloca a guerra para a metáfora de uma quase sublimação.
É o meio do campo o centro de um abismo domesticado de onde um passado e um futuro ludicamente calculados, espaciais se entrelaçam ao presente temporal da passagem da bola medida do triunfo simbólico que atravessa o torcedor através do jogador entre a projeção e a transfiguração, há a paciência como uma estratégia em construção.
Em Vinícius Júnior
é a ação pensamento
A ponta esquerda se impõe como topologia também para o País que não compreendeu que o negro da pele é mais forte do que o amarelo da fome e o dourado do ouro
Seu maior drible evocou a dança de Muhammad Ali duplamente presente no instante em que ele fez o gesto dos Panteras Negras que iluminou a marca do Quilombo que na pele do inconsciente carregamos nessa mesma pele o gesto escreve
An Attack Against One Is An Attack Against All ainda assim não acordamos e anos depois tudo continua igual?
E aí, Brasil, como você vai sair do labirinto de ódio para chegar no deserto do amor?
COSMOTROPICALISMO NEGRO
Parte 1. Da contrahumanidade Sou eu que vago diante do oceano vivo e negro de todas as coisas que ainda não nasceram através de mim o orvalho renasce no interior do sol que é puro gelo de auroras a manhã diz tudo para as árvores através do vento elas sonham com a paisagem que as sonha uma árvore tombou na tempestade uma flor morreu num vaso branco, O Paraíso:
o chão coberto de asas e folhas, nuvens verdes no céu uma porta se abre dentro da casa vazia do caracol de dentro dela a onda abriu-se, misteriosa, e deitou-se sobre a areia como um corpo: respirando até nascer de si e retornar às vastas mãos do oceano.
Antes de nascer, eu era a matéria escura. após meu primeiro nascimento sou a floresta encoberta. Continuar a nascer é a demanda de realização de um Quilomburoboro
onde o mundo toca em si mesmo e depois dissolve-se em si mesmo. e isso implica em assumir-se enquanto meio de expressão da alteridade imanente a denominação como humano é uma grande vacuidade somos entidades animais e sobrenaturais.
O humano é apenas o fantasma de um conceito.
A Terra pede que fundemos a Contrahumanidade.
O óbvio se tornou irmão do imponderável
O espírito da Contrahumanidade é Terrano e efetua através das mutações climáticas sua autodemonstração.
A Humanidade convergiu para a África e de lá povoou a Terra.
A Contrahumanidade precisará Amazonificar o mundo para nos salvar
Marcelo Ariel é poeta, teatrólogo e ensaísta, nasceu em Santos, em 1968. Autor dos livros
A água veio do Sol, disse o breu (Círculo de Poemas/ Fósforo, 2024), Afastar-se para perto-ficção-vida (Reformatório, 2024), A Hiperinclusão-Processos de cura da ferida colonial (Coleção Cordel/N-1, 2024) entre outros. Vive em São Paulo, onde coordena cursos livres de filosofia e poética desde 2016.
AJUSTAR O FOCO
Dedicado a criar outros caminhos para o cinema negro, diretor e roteirista Jeferson De mantém acesa a paixão pelo audiovisual, aliada ao ideal da representatividade na tela
POR DIEGO OLIVARES
Em meados dos anos 1990, quando frequentava o curso de cinema na Universidade de São Paulo (USP), Jeferson De se perguntava qual era o lugar dos diretores negros na história do audiovisual brasileiro. Dessa inquietação, surgiu o Dogma Feijoada, um manifesto com sete regras para a construção de um cinema negro, ou seja, realizado por cineastas negros, protagonizado por atores negros em personagens sem estereótipos e que privilegiassem o cidadão comum.
Ao longo de mais de duas décadas, Jeferson De vem imprimindo seu estilo nas telas, em filmes como os premiados Bróder (2010) e M8 –Quando a morte socorre a vida (2019). Nesse tempo, assistiu a diretores e diretoras negras surgirem na esteira dos debates sobre a necessidade de maior representatividade em todas as esferas da arte e da sociedade. “Eu me sinto muito menos solitário”, celebra.
Além do cinema, uma paixão desde os tempos de criança em Taubaté, no interior de São Paulo, ele é hoje um requisitado diretor de TV, tendo trabalhado em três telenovelas da
Globo nos últimos anos, incluindo a atual trama das 18h, Garota do Momento. Elogiada pela crítica e pelo público, a produção foi estendida pela emissora até junho, dois meses depois da previsão inicial.
Jeferson De participou da programação Em Primeira Pessoa, no Centro de Pesquisa e Formação (CPF) do Sesc São Paulo, ocasião em que deu este Depoimento e falou sobre as diferenças entre fazer cinema e telenovela, contou sobre suas origens e analisou o impacto da premiação de Ainda estou aqui (Walter Salles, 2024) no Oscar para os profissionais do setor.
Infância
Só de falar do meu pai, eu já fico emocionado. Porque foi o cara que me apresentou o cinema, de fato. Meu pai tinha um nome que era só dele: Orbelino. Ele era metalúrgico, e o Vale do Paraíba era uma região toda ligada à metalurgia. Projetava filmes no clube dos funcionários. A gente ia na cidade vizinha buscar o projecionista e voltava. Lembro que, no banco de trás, eu vinha com o projetor. Minha primeira lembrança desse lugar do cinema e
do audiovisual vem de estar ao lado dessa máquina que, para mim, era uma máquina mágica. Até hoje é. Porque, de repente, o projecionista pegava o projetor, montava os rolos, esticava o lençol [que servia de tela] e daquela máquina saía um monte de gente. Minha história é muito Cinema Paradiso [(1988), premiado longa-metragem italiano de Giuseppe Tornatore]. Quando eu vi Cinema Paradiso, falei: eu vivi isso.
Magia
O segundo registro, que para mim é muito determinante para a minha carreira como diretor, é de um cineasta em Taubaté, talvez um dos mais famosos e importantes diretores do cinema popular brasileiro. Ele estava fazendo seus últimos filmes num bairro da periferia, perto de onde eu morava. Eu ia para a escola de ônibus, descia e caminhava. Nessa caminhada, no bairro de Quiririm, eu via toda a movimentação de um set de filmagens. O nome desse cara era Mazzaropi [Amácio Mazzaropi (1912-1981)]. Provavelmente, em algum filme do Mazzaropi, se aparece um menino preto lá no fundo, sou eu, vendo a filmagem.
De Taubaté (SP) para os cinemas do mundo, Jeferson De vem se destacando também em produções para a televisão: "Este lugar é de muita responsabilidade. Que histórias queremos contar e como queremos contá-las?".
Perdia algumas aulas, porque ficava acompanhando aquela situação. E, para mim, isso foi impressionante, porque eu conheci o cinema – primeiro, pelo lado da projeção, com meu pai levando o projecionista, e, segundo, vendo os sets do Mazzaropi. Ficava me perguntando como uma coisa se conectava à outra, como aquele bando de gente ia parar dentro da máquina do projecionista. Esse truque é a grande magia do que eu faço hoje no cinema e na televisão.
Formação
No colegial, eu me apaixonei pela filosofia. E, de fato, quando fui prestar vestibular, olhava a relação candidato/vaga, e tendo estudado sempre em escola pública, pensei: “caramba, jamais vou passar em cinema”. Porque para cinema eram 30 candidatos por vaga e filosofia eram três. Então, prestei vestibular na USP para filosofia, que era uma
matéria que eu adorava. Logo conheci muita gente que fazia cinema e comecei a fazer optativas desse curso. Fiz história do cinema, história do cinema brasileiro, semiótica etc. E tive como professores grandes intelectuais do audiovisual: Ismail Xavier, Jean-Claude Bernardet, Maria Rita Galvão (1939-2017), Carlos Augusto Calil. Fui lendo muita coisa e conhecendo como o cinema funcionava. Mas naquela época [início da década de 1990], o cinema brasileiro estava completamente parado. Tinha uma lei obrigatória do curta-metragem [as salas de cinema deveriam exibir curtas brasileiros antes dos longas estrangeiros], mas não tínhamos nem 50 filmes por ano.
Representatividade
Quando fui pesquisar sobre a história do nosso cinema, falei: “peraí, cadê os cineastas pretos?”. Porque eu via muita coisa que se dizia cinema negro brasileiro, e
ali estavam os filmes do pessoal do Cinema Novo [movimento cinematográfico característico dos anos 1960 e 1970, com forte crítica político-social] – e esses caras não são pretos. Então, tinha uma coisa que não se encaixava. Havia mostras no exterior falando de cinema negro, no entanto, os seus autores e diretores eram homens brancos. No período da chanchada [cujo auge foi entre as décadas de 1930 e 1950], o negro estava muito estereotipado, sempre era o objeto da ação, nunca era o sujeito. Por outro lado, no Cinema Novo, havia uma exaltação do povo brasileiro. Quando a gente queria falar de povo, bastava colocar um cara preto – era o povo. Mas não tinha a singularidade de um homem negro na tela. E aí, nesse debate, o Carlos Calil, meu professor, falou: “se você não concorda nem com o Cinema Novo nem com o período da chanchada, qual é a sua, então? O que você acha que
Sob direção de Jeferson De, elenco da novela Garota do Momento com a cantora Alaíde Costa, em participação especial: sucesso de público na televisão.
Manoella Mello/Globo
NESTE MOMENTO, TRÊS MULHERES NEGRAS ESTÃO
PROTAGONIZANDO AS TELENOVELAS DA TV GLOBO.
ISSO NÃO É UMA CONCESSÃO, É UMA LUTA DOS ARTISTAS, E DE TODOS OS ARTISTAS NEGROS.
tem que existir para a gente ter um cinema negro?”. E aí escrevi, literalmente, sete leis: o cineasta tem que ser negro, o tema tem que estar ligado à cultura negra, o protagonista tem que ser negro, tem que fazer filme rápido, com urgência. Assim nasceu o Dogma Feijoada
Assinatura
Quando fui assinar meu primeiro curta, tinha uma coisa de escolher o nome. Meu nome é Jeferson Rodrigues de Rezende. Meu avô era de Lorena, perto de Rezende. Provavelmente o sobrenome veio porque meus tataravós foram pessoas escravizadas pelo barão de Rezende, que dá nome à cidade. Então, como é que eu podia me chamar Jeferson de Rezende? Ou Jeferson Rodrigues? Não tinha nada a ver comigo. Sobrou o “De”. Falei: vou assinar Jeferson De, só de brincadeira. Aí ficou. Esse nome também veio para me lembrar desse lugar, de me ver como homem negro das Américas. Eu não consigo pensar a minha existência sem ser inaugurada pelo sofrimento. Então, o De é para me lembrar que um dia, meus antepassados, minhas avós, minhas tataravós, vieram acorrentadas, foram estupradas, foram abusadas, foram chicoteadas. E é por isso que vou conseguir construir o meu cinema.
Oscar
Eu acho que a vitória no Oscar muda, primeiramente, a nossa autoestima como brasileiro. A gente teve reconhecimento internacional. No trabalho do Walter Salles em Ainda estou aqui (2024), a gente reconhece valores da história do nosso cinema. Os reflexos dessa vitória a gente vai ver no futuro. De qualquer maneira, lá fora, quando eu falar que sou um cineasta brasileiro, as pessoas vão falar que assistiram ao filme. Isso, de alguma maneira, beneficia todos os cineastas, em maior ou menor grau. Walter Salles ganhou o Oscar de Melhor Filme Internacional e, ao mesmo tempo, o Festival de Cannes terá o Brasil como país de honra em seu mercado [a 78ª edição aconteceu entre 13 e 24 de maio]. Isso já é um reflexo de que o cinema nacional vai beneficiar muitas pessoas que produzem seus filmes. Não só diretores e produtores, mas, provavelmente, muitos maquinistas, iluminadores, costureiras... Enfim, uma cadeia imensa do cinema.
Cinema e TV
Mesmo os filmes maiores que fiz são cinema independente, de muita luta, de muito sacrifício. Produzir um filme no Brasil, ainda mais um que conte a história negra, nem sempre é algo “comercial”. Já na televisão é tudo grande. E no cinema, eu consigo me exercitar de ano em ano. Já na
novela, eu me exercito diariamente. Hoje de manhã, eu estava com um elenco de 30 pessoas em um set de filmagem. Quando faço um filme, se ele atingir um milhão de espectadores, estou soltando fogos. Um capítulo da telenovela tem 30 milhões de espectadores. Tem uma pessoa de 10 anos e uma pessoa de 70 anos vendo a telenovela. Este lugar é de muita responsabilidade. Que histórias queremos contar e como queremos contá-las?
Muitos dos meus desejos, desde o Dogma Feijoada, são hoje os da TV Globo também. Então, quando falo que temos diversidade na tela, isso é algo revolucionário. Neste momento, três mulheres negras estão protagonizando as telenovelas dessa emissora. Isso não é uma concessão, é uma luta dos artistas, e de todos os artistas negros.
Assista a trechos desse Depoimento com o diretor e roteirista Jeferson De realizada no Centro de Pesquisa e Formação (CPF) do Sesc São Paulo, no dia 7 de março de 2025.
ALMANAQUE
Ruas que contam a história
Saiba quais foram os acontecimentos políticos que inspiraram nomes de cinco ruas da capital paulista
POR RACHEL SCIRÉ
FOTOS NILTON FUKUDA
Nas cidades, é comum encontrar ruas que recebem nomes relacionados a fatos históricos. Mas ao caminhar pela rua 7 de Abril, atravessar a avenida 23 de Maio ou fazer compras na 25 de Março, por exemplo, será que as pessoas se lembram do significado dessas datas?
Conheça, a seguir, a origem histórica dos nomes de cinco ruas da capital paulista. As informações sobre os logradouros da capital estão disponíveis no Dicionário de Ruas, portal do Núcleo de Memória Urbana (NMU), do Arquivo Histórico Municipal (AHM) de São Paulo.
7 DE ABRIL
Um fato relacionado à monarquia brasileira deu origem ao nome dessa rua que, curiosamente, termina na Praça da República. Foi em 7 de abril de 1831 que D. Pedro I (1798-1834) abdicou do trono, deixando-o para D. Pedro II (1825-1891), então com cinco anos de idade. O acontecimento marca o fim do Primeiro Reinado, que teve início em 7 de setembro de 1822, com a independência do Brasil de Portugal. O período pós-independência foi caracterizado por crises políticas, militares e econômicas, que agravaram o descontentamento em relação a D. Pedro I, desde o estabelecimento da Constituição de 1824, culminando na renúncia.
A rua onde está localizada a atual 7 de Abril existe desde 1786 e já se chamou rua Nova da Ponte do Lorena, em referência ao governador da Capitania de São Paulo, capitão general Bernardo José de Lorena (1756-1818), Conde de Sarzedas, responsável pelo calçamento da cidade, alinhamento de ruas e construção de estradas.
Até o fim do século 19, o percurso da avenida 23 de Maio era conhecido como Vale do Itororó, por onde corria o Ribeirão do Anhangabaú.
Também era conhecida como rua da Palha, por causa das habitações pobres instaladas ali. Um mês depois da abdicação, em maio de 1831, foi proposta a mudança para 7 de Abril, mas sem sucesso. Em 28 de novembro de 1865, por iniciativa do vereador Malaquias Rogério de Salles Guerra, a Câmara aprovou o nome de Largo 7 de Abril para o antigo Largo dos Curros, atual Praça da República. Depois, em 8 de maio de 1873, o vereador Alves Pereira sugeriu a mudança de rua da Palha para rua 7 de Abril, já que ela seguia em direção ao Largo.
Começa na rua Coronel Xavier de Toledo e termina na Praça da República, no Centro.
23 DE MAIO
A história de São Paulo está inscrita em uma de suas principais avenidas que lembra o dia 23 de maio de 1932 Na ocasião, foi realizada uma manifestação diante da sede do Partido Popular Paulista, que apoiava o governo provisório de Getúlio Vargas. Várias pessoas foram alvejadas, entre elas, os jovens Euclides Miragaia (1911-1932), Antonio de Camargo Andrade (1901-1932), Mário Martins de Almeida (1907-1932) e Drausio Marcondes de Sousa (1917-1932), cujos nomes originaram a sigla MMDC, símbolo da revolução que aconteceria de 9 de julho (nome de outra avenida da capital paulista) até 2 de outubro de 1932, para pressionar o governo a convocar uma Constituinte que elaborasse uma nova Constituição, já que a anterior havia sido anulada em 1930, com a chegada de Vargas ao poder.
Até o fim do século 19, o percurso da avenida 23 de Maio era conhecido como Vale do Itororó, que dividia os bairros da Liberdade e da Bela Vista, e por onde corria o Ribeirão do Anhangabaú. A partir de 1900, surge a rua Itororó, entre as atuais ruas Condessa de São Joaquim e Pedroso. A então avenida Itororó começou a ser delineada em 1928, desde a rua João Julião e até a rua Paraíso. Entre as décadas de 1930 e 1940, a via passou a ser conhecida como avenida Anhangabaú, entendida como um prolongamento do Parque do Anhangabaú. O nome atual da avenida foi proposto em 1954, mas somente em 1969 a avenida ficaria pronta para o tráfego.
Começa na Praça da Bandeira e termina na avenida Professor Ascendino Reis, no Centro.
ALMANAQUE
24 DE MAIO
Localizada na República, essa rua também poderia se chamar Batalha de Tuiuti, já que faz referência ao episódio que aconteceu em 24 de maio de 1866, durante a Guerra do Paraguai (1864-1870). Os pântanos na região do lago do Tuiuti, localizado no sudoeste do Paraguai, foram o cenário do combate, que entrou para a história como a maior e mais sangrenta batalha campal da América do Sul. Na ocasião, a ofensiva paraguaia foi vencida pelas tropas da Tríplice Aliança, formada por Brasil, Argentina e Uruguai, marcando o início da derrota do Paraguai no conflito.
No traçado urbano, a rua que seria chamada de 24 de Maio, em 1879, começou a ser aberta ainda em 1863, com a desapropriação de terrenos que permitiram o acesso ao antigo Largo dos Curros (atual Praça da República) e ao Morro do Chá, na região do Viaduto do Chá. Só em 1974 foram inaugurados os famosos calçadões da rua que, entre outros destaques, abriga o Centro Comercial Grandes Galerias, mais conhecido como Galeria do Rock, e o Sesc 24 de Maio, inaugurado em 2017.
Começa na Praça Ramos de Azevedo e termina na Praça da República, no Centro.
25 DE MARÇO
A data marca o Dia Nacional da Constituição, quando a primeira Carta Magna brasileira foi imposta por D. Pedro I (1798-1834), em 25 de março de 1824. Isso porque, depois da independência, D. Pedro I não aceitou a proposta da Assembleia Constituinte de 1823 de uma constituição que limitava seus poderes. O imperador dissolveu a Constituinte e formou um conselho de pessoas próximas para redigir o texto de 1824, que estabeleceu quatro poderes: Executivo, Legislativo, Judiciário e Moderador, sendo o último mais forte do que os demais e exercido pelo próprio monarca.
Em 2025, completaram-se 160 anos de batismo da rua 25 de Março, iniciativa do vereador Malaquias Rogério de Salles Guerra. Mas o local já existia com outros nomes e sempre manteve uma vocação comercial. No século 18, a rua se formou nas margens do Rio Tamanduateí, chamada Beco das Sete Voltas, em referência às curvas do rio, onde as mercadorias eram transportadas e desembarcadas no Porto São Bento, conhecido como Porto Geral (denominação atual da ladeira que desemboca na 25 de Março). Com a retificação do rio, no século 19, foi aberta uma rua para ligar a Ponte do Carmo ao Porto São Bento, e a rua passou a se chamar Baixa de São Bento, por estar localizada abaixo do Mosteiro de São Bento, popularmente, conhecida como rua de Baixo.
Começa na rua Paula Souza e termina na rua Frederico Alvarenga, no Centro.
Na rua 24 de Maio, a Galeria do Rock (foto) e o Sesc 24 de Maio dividem a atenção dos transeuntes no Centro da cidade.
15 DE NOVEMBRO
O Brasil só se tornou uma república em 15 de novembro de 1889, sob a liderança do Marechal Deodoro da Fonseca (1827-1892), comandante das tropas que depuseram Dom Pedro II e que se tornaria o primeiro presidente da República (1889-1891). Mas em São Paulo, a rua que, depois, daria origem à 15 de Novembro começou a ser aberta ainda no século 16, para facilitar o acesso entre o Pátio do Colégio e o Largo de São Bento. Em 1668, o logradouro era conhecido como rua de Manoel Paes Linhares, nome de um bandeirante que residia ali. A partir de 1715, com a construção da Igreja do Rosário dos Homens Pretos, na atual Praça Antonio Prado, a rua ficou conhecida como rua do Rosário. A denominação permaneceu até 1846, quando São Paulo recebeu a visita da família imperial brasileira e o local foi alterado para rua da Imperatriz. Com a Proclamação da República, os vereadores paulistanos alteraram o nome de várias ruas e praças da cidade que lembravam o antigo regime, e assim tornou-se definitivamente a rua 15 de Novembro, embora tenha sofrido alterações em seu traçado no fim do século 19, tornando-se mais reta.
Começa na rua Direita e termina na Praça Antonio Prado, no Centro.
A rua que viria se chamar 15 de Novembro começou a ser aberta no século 16 para facilitar o acesso entre o Pátio do Colégio e o Largo de São Bento.
“Nóis é ponte e atravessa qualquer rio”
Você já parou para pensar sobre algo que sabe fazer ou que pratica frequentemente? Lembra onde aprendeu isso? Quem estava com você? Quais foram seus mestres e mestras? Venho de uma família de especialistas em ofícios: mateiros, agricultores, costureiras, artesãs, pedreiros, serralheiros, cozinheiras. Pessoas que tiveram sua formação na experiência cotidiana do fazer, nas necessidades da ordem de cada dia, no aprendizado constante de uns com os outros. Quantas ciências, cálculos, medidas, afetos, histórias, memórias, sabedorias e soluções que só podem ser compreendidos por quem sente?
O maior ensinamento que tive com as mestras e mestres de casa foram a observação e a curiosidade, pois a diferença está nos detalhes e a sabedoria está no que é simples. Ou seja, toda experiência pode se tornar uma jornada de aprendizagem. Isso acendeu em mim uma veia educadora.
Certa vez, escutei de um professor que a gente só consegue perceber aquilo para o qual se está preparado. Nessa época, eu não sabia muito bem qual seria e como seria exercer uma profissão, mas despertou em mim uma vontade arrebatadora de querer contribuir com alguma transformação. Como uma convicção certa: eu quero contribuir com algo e para isso preciso aprender e me preparar para perceber meu mundo.
Em 2012, me formei em geografia. Faço parte da primeira geração com uma graduação da minha família e fui o primeiro a entrar em uma universidade pública. Durante a faculdade, o longo caminho entre minha casa e a sala de aula me permitia observar a cidade de sul a norte. Eu via, sentia os problemas, e
tramava possibilidades de mudança. Isso junto aos conteúdos com os quais tinha contato durante as aulas só aumentou a convicção e o desejo de transformar o território de onde eu partia todos os dias, “no lado sul do mapa” (“Da ponte pra cá”, Racionais MC’s – 2002).
Em 2015, fui trabalhar como agente de educação ambiental no Sesc Interlagos. Ali encontrei a chance efetiva de unir minhas convicções sociais à minha formação. A zona Sul, de onde vim, agora era meu território-escola. Em meio a uma região com alta densidade populacional e uma série de problemáticas socioeconômicas e socioambientais, eu estava no meu lugar e entre os meus: agricultura agroecológica, movimentos periféricos, movimentos jovens de arte e educação, saraus, áreas de preservação ambiental, cachoeiras e rios limpos, aldeias indígenas e o resgate das frutas nativas de nossa flora.
Um caldeirão de práticas, tradições e modos de vida. Uma profusão de táticas sociais de luta e de sobrevivência para enfrentamento das adversidades na tentativa de tornar a vida melhor. A manifestação prática do verso do escritor Marco Pezão que usei para dar título a este texto. O exercício de buscar nossas identidades e se reconhecer nos plurais do “nóis por nóis”, viventes que fazem do Brasil um território vivo pelo método da “sevirologia” – a arte de se virar com criatividade e jogo de cintura para encontrar soluções.
O contato com esse meu mundo e com cada pessoa que dele faz parte me fez perceber uma coisa que sempre esteve presente, mas para a qual eu precisei me preparar: o simples é genial! Não se engane, ser simples não é fácil, pois exige conhecimento e experiência. O simples é a expressão natural e eficiente da sabedoria. O conhecimento que depois de aprendermos é tão óbvio, direto e irreversível, mas que foi preciso alguém para nos mostrar.
Mariano Ribeiro da Silva é geógrafo e trabalha como técnico da Gerência de Educação para a Sustentabilidade e Cidadania do Sesc São Paulo.