RITMOS NÁUTICOS: O TRABALHO DE RUTH ESCOBAR (Comentário ao livro de Alvaro Machado) por Sérgio de Carvalho
O livro de Alvaro Machado sobre Ruth Escobar pode ser lido como uma história social da cultura em São Paulo nas últimas décadas. A cada página surgem entrelaçados os fatos incríveis da vida dessa artista, produtora e ativista portuguesa, e os movimentos de construção da nossa versão brasileira de uma “sociedade do espetáculo”, feita de belezas e horrores, de ostentação e miséria. A dimensão social do relato não se deve só ao “estilo de trabalho avassalador” de uma pessoa que realizou ações extraordinárias entre o período ditatorial e a Nova República, mas também à pesquisa cuidadosa e complexa de Alvaro Machado, realizada nos trânsitos entre arte, economia e política. A contribuição de Ruth Escobar à cultura de São Paulo é impressionante. A ambiguidade que envolve sua imagem decorre de uma capacidade de negociar de modo amoral com as figuras mais poderosas do tempo, tendo em vista realizações incomuns, no mesmo movimento em que expunha o machismo estruturante das relações em que se envolvia. Foi assim que, ainda adolescente, recém-chegada ao Brasil, e como num passe de mágica, ela se converteu em jornalista e fundou uma revista com recursos da elite da comunidade portuguesa de São Paulo. Conseguiu entrevistar líderes mundiais e refez, no tempo da ditadura salazarista, o caminho das Índias da colonização lusitana, com base em favores do governo português. E foi assim também que, no ano do golpe de Estado, obteve o apoio do governador paulista Adhemar de Barros, um reacionário notório, para a inauguração de seu edifício teatral, construído por ela no Morro dos Ingleses. O fato de esse espaço histórico, que