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SOBREVIVÊNCIA

Acrílica sobre tela

60 × 70 cm 1986

Participação na Mostra Nacional de Arte Ingênua e Primitiva, de 1986

JOÃO PEREIRA DE OLIVEIRA Manaus (AM)

TROCA DE (OUTROS) OLHARES

EIXO NATUREZAS ●

EIXOS RELACIONADOS LUTAS ●

COTIDIANOS ●

PARA OLHAR JUNTOS

SOBRE A PINTURA

Realismo da imagem

Planificação

Perspectiva

Cores frias e cores quentes

Impacto visual

SOBRE O TEMA

Animal selvagem

Animais de criação

Escala de produção de alimentos

Sobrevivência

Instinto

Cadeia alimentar

FOTO / Everton Ballardin

O amazonense João Pereira de Oliveira nasceu e viveu em Manaus. Segundo o crítico de arte Umberto Cosentino, médico, crítico de arte e também colunista do Jornal de Piracicaba nos anos de 1985 e 1986, Oliveira figurava entre os importantes artistas naïfs de sua época. Consentino teceu as seguintes considerações críticas sobre o trabalho de Oliveira, por ocasião da Mostra Nacional de Arte Ingênua e Primitiva de 1986: “A inventividade de João Pereira de Oliveira alia uma fatura espontânea e limpa a uma concepção harmônica, a um despojamento de artifícios, em um trabalho rico de regionalismo, de detalhes e de lirismo”.

A onça! – nosso instinto nos sugere uma rápida corrida só por imaginarmos um encontro com ela.

Na verdade, o encontro do homem com o maior felino das Américas – animal carnívoro que ocupa o topo da cadeia alimentar – tem trazido mais prejuízo para o animal, uma vez que nós, humanos, somos seu único predador. Uma das consequências do nosso distanciamento da natureza é o entendimento de que selvagem é sinônimo de perigoso.

A ausência de presas naturais das onças é que as leva a peregrinar por caminhos dos humanos. Se uma comunidade rural proporciona o equilíbrio natural entre as espécies e observa as recomendações para mantê-lo, dificilmente receberá a visita indesejada de uma onça. Dessa forma, a onça, como na pintura, se alimentará de animais silvestres, veados, tatus, capivaras, entre outros, mantendo distância de moradias e de animais de criação.

Sobrevivência é o título da obra. Por que uma cena tão natural, como a de um animal predador devorando sua presa, poderia ser vista como violenta? Quais outras histórias que contamos auxiliam em nosso entendimento do selvagem? Como construímos nossos medos?

O que mais você vê?

LENDA DO MONTE RORAIMA

Óleo sobre tela

70 × 70 cm 2006

Prêmio Aquisição na Bienal Naïfs do Brasil, de 2006

EIXO NATUREZAS ●

EIXOS RELACIONADOS RITOS ● TRABALHOS ●

PARA OLHAR JUNTOS

SOBRE A PINTURA

Perspectiva

Divisão dos planos

Cores vivas e contrastantes

Figuras simplificadas

Desenho detalhado

Liberdade de proporção e composição

SOBRE O TEMA

Mitos

Narrativa de origem

Coexistência dos seres

Integração

Recursos naturais

Fartura

CARMÉZIA EMILIANO

Maloca do Japó (RR) 1960

Carmézia Emiliano é filha de um casal de indígenas Macuxi: a mãe, nascida no território brasileiro, e o pai, nascido na fronteira do Brasil com a Guiana. Nasceu e viveu os primeiros anos de vida no município de Normandia, na comunidade indígena Maloca do Japó, em Roraima. Lá, ela se banhava em igarapés e no Lago Caracaranã. Vivia de colher alimentos, cultivar roçados e pescar.

Já adulta, foi trabalhar em Boa Vista e, dentre tantas outras mudanças acarretadas pela troca da vida na aldeia e pela vida na cidade, Carmézia teve que aprender a língua portuguesa.

Convivendo com artistas de diferentes disciplinas, pediu como presente para um amigo tela e pincel. Em 1992, pintou sua primeira obra e passou a registrar diariamente as paisagens, os animais, os vegetais, as histórias e o dia a dia do povo Macuxi.

Na falta de tintas a óleo ou acrílicas, já experimentou pintar telas e papéis com tintas naturais à base de vegetais, como jenipapo e urucum.

Para ela, pintar continuamente é uma forma de se manter conectada com sua cultura e com seu povo. Criando as próprias formas de preencher a tela, com liberdade de proporção e composição, a artista dá destaque aos elementos que avalia como importantes para cada narrativa. Embora os trabalhos de Carmézia Emiliano e de outros artistas indígenas tenham se destacado na mídia e sido reconhecidos por importantes exposições em instituições nacionais e internacionais somente agora, a trajetória da artista nas edições da Bienal Naïfs se inicia já em 2006, quando recebeu o prêmio aquisição. A artista participou também das edições de 2008, 2010, 2012, 2014, 2016, 2018 e 2020.

TROCA DE (OUTROS) OLHARES

Pé-de-quê?

Qual seria o nome para essa árvore que produz frutas e tubérculos diversos, que alimenta vários seres do céu e da terra ao mesmo tempo?

Diversas culturas indígenas utilizam narrativas para explicar a origem dos diferentes seres, que para eles podem ser: os rios, as florestas, as montanhas, entre outros.

Para o povo Macuxi, antes do Monte Roraima havia terras baixas cheias de igapó. Os alimentos eram fartos e não era necessário disputar comida. Uma árvore nasceu, e nela cresciam todos os tipos de alimentos. Os pajés avisaram que ela se tratava de um ser vegetal sagrado e que ninguém da aldeia podia colher nada dela. Eles diziam que coisas terríveis aconteceriam se isso fosse desrespeitado.

Uma manhã, a árvore apareceu tombada pela raiz e, antes que o culpado fosse descoberto, a terra começou a se mover e os céus tremeram em trovoadas. Os animais da terra e do céu debandaram. Em meio ao dilúvio, um enorme paredão rasgou aquelas terras alagadas, impedindo que os indígenas pudessem viver em qualquer área. Acredita-se que as chuvas diárias no Monte Roraima e as lindas cachoeiras são o choro divino pelo que ocorreu no passado.

Desenhos e pinturas costumam ser as principais formas de registro de culturas ancestrais. Atualmente, tentamos compreender antigas civilizações a partir de signos, desenhos e esculturas que deixaram. Você conhece outras pinturas que registrem lendas e histórias de um povo? Como podemos nos aproximar do pensamento indígena, que compreende todos os seres como parte integral da Terra? Como a Terra responde às ações dos humanos? Como ela seria se extraíssemos dela apenas o extremamente necessário?

O que mais você vê?

FOTO / Everton Ballardin

SEM TÍTULO

Pigmento de terra sobre papel 48 × 33 cm / 33 × 48 cm 2004

Bienal Naïfs do Brasil, de 2004 (Mostra Mistura Fina: A Arte da Necessidade)

MARIA LIRA MARQUES BORGES

Araçuaí (MG) 1946

Maria Lira Marques Borges é uma artista mineira, nascida no Vale do Jequitinhonha. Seu trabalho mescla influências negras e indígenas, em alusão tanto à sua ascendência quanto aos Maxakali, povo originário local.

TROCA DE (OUTROS) OLHARES

Os traços dos desenhos e as cores terrosas e orgânicas usadas nas pinturas de Maria Lira nos transportam a outros tempos. Os seres retratados parecem ter convivido com nossos antepassados e nos remetem às imagens rupestres.

EIXO NATUREZAS ●

EIXOS RELACIONADOS RITOS ●

TRABALHOS ● COTIDIANOS ●

PARA OLHAR JUNTOS

SOBRE A PINTURA

Cores orgânicas

Composição monocromática

Planificação e sintetização

Tintas naturais

Pinturas rupestres

SOBRE O TEMA

Animais inventados

Seres imaginários

Paisagens

Estações e fases da lua

FOTO

Sua mãe, a lavadeira Odília Borges Nogueira, fazia cerâmicas não queimadas e costumava distribuir presépios feitos de barro cru aos amigos e vizinhos na época do Natal. Seu pai, Tarcísio Marques, era sapateiro. Foi brincando com a cera de abelha que ele usava para colar sapatos que a pequena Lira fez suas primeiras modelagens. Com a ceramista Dona Joana Poteira, Lira aprendeu as técnicas e as várias etapas do processo cerâmico: como e quando tirar o barro, como prepará-lo e como fazer forno de lenha para queimá-lo.

Lira ainda vive em Araçuaí, onde fundou um museu com peças suas e de outros artistas. Lá, atua também como educadora, compartilhando as técnicas e os mistérios da cerâmica e da colheita das terras coloridas e seu uso na pintura. Juntamente com frei Chico, um padre holandês que virou seu grande amigo e parceiro profissional, registrou os cantos dos moradores locais: versos de trabalho de tropeiros, boiadeiros e canoeiros, músicas religiosas, cantigas de roda e de pedir esmola. Seus trabalhos artísticos – objetos, máscaras e pinturas feitas de barro local – já foram mostrados em muitas exposições organizadas por galerias e instituições diversas, tanto no Brasil como no exterior.

A pintura rupestre foi uma das primeiras formas de registro da cultura humana: inscrições em cavernas e rochas que retratavam animais, plantas, crenças, rituais, descobertas e o cotidiano. As tintas utilizadas eram feitas com extratos de plantas, carvão, sangue e fragmentos de rochas.

Os desenhos de Maria Lira também trazem características de seu local de origem, pois são traçados com tintas feitas a partir de terra. São as cores que impregnam toda a vida do vale onde ela vive, o Vale do rio Jequitinhonha. As cores dos solos são importantes propriedades morfológicas e refletem, em sua maioria, a composição de minerais de ferro e do conteúdo de matéria orgânica presente no solo. Podemos imaginar as paisagens de onde ela retirou as cores presentes nessas pinturas, especular qual é a vegetação que cresce sobre um solo rosado e como seria uma montanha formada pelo solo alaranjado.

Maria Lira diz que os seus bichos não são deste mundo, mas ainda assim as pessoas sempre tentam encontrar as formas dos animais que conhecem em seus desenhos. Podemos encarar sua obra com esse mesmo olhar, indagando qual parte de cada bicho lembra determinado animal conhecido; ou podemos nos propor a inventar novas espécies, raças que habitam paisagens também inventadas.

Que outros bichos poderiam coexistir com esses seres imaginados pela artista? Como seria o mundo habitado por esses seres?

O que mais você vê?

/ Everton Ballardin

FAZENDA I

Acrílica sobre tela

45 × 60 cm 1992

Prêmio Aquisição na Mostra Internacional de Arte Ingênua e Primitiva, de 1992

GERARDO DE SOUZA

Guaraciba do Norte (CE) 1950

Gerardo de Souza é natural de Guaraciaba do Norte, no Ceará. Desde 1971, vive e trabalha no Rio de Janeiro. Em 1972, iniciou seus estudos de arte e, no ano seguinte, começou a participar de feiras e exposições.

TROCA DE (OUTROS) OLHARES

EIXO NATUREZAS ●

EIXOS RELACIONADOS TRABALHOS ●

LUTAS ● COTIDIANOS ●

PARA OLHAR JUNTOS

SOBRE A PINTURA

Perspectiva e profundidade

Composição com padrões

Cores primárias

Figuras simplificadas

SOBRE O TEMA

Paisagem rural

Vida no campo

Cultura nordestina

Agricultura familiar e pecuária

Sua obra, inspirada em lembranças do Nordeste, reflete a vida interiorana dos tempos de menino. São paisagens da memória, criadas com a emoção da infância, que buscam nas composições de cores puras e formas espontâneas o sentimento de amor e de paz entre homem e natureza.

Um elemento recorrente nas pinturas de Gerardo de Souza são os bois, que habitam as pacatas paisagens criadas pelo artista, juntamente com árvores, pássaros, estradas de chão batido, os trabalhadores do campo e casarios modestos.

Com uma obra marcada pela espontaneidade e pela poética da cor, Gerardo de Souza realizou várias exposições individuais e também participou de exposições coletivas, tanto no Brasil quanto em El Salvador, Venezuela, Canadá, Estados Unidos, Suíça, Chile e França. Participou da Bienal Naïfs do Brasil, de 1992.

Um rio, casinhas de telhado de cerâmica, árvores esparsas: resíduos de uma mata que esteve ali margeando a água que corre e que, ao longo dos anos, foi cedendo lugar à pastagem e ao roçado. É uma paisagem que vive na memória de muitos de nós, uma imagem recorrente do interior brasileiro. Na estrada de terra batida, vemos os bois acompanhando, pacientemente, o homem que os guia.

Apesar de ser parte tão forte da nossa cultura, presente em festejos e em muitas histórias, o boi não existia nas terras brasileiras até o início da colonização portuguesa. Os primeiros bovinos chegaram no século XVI para serem usados como tração animal nos engenhos de cana-de-açúcar – primeira monocultura que se expandiu pela costa nordestina. Quando o aumento do rebanho começou a ocupar espaço de pastagem, valioso para a plantação de cana, um decreto da Coroa Portuguesa proibiu a criação bovina em uma faixa de 80km do litoral ao interior. Foi assim que o gado passou a ser um meio de expansão de novas áreas, chegando ao sertão e depois se espalhando por Minas Gerais, São Paulo e, posteriormente, pelo Sul do país, na região dos Pampas. Num passado bem recente, durante a ditadura militar, houve uma política de ocupação da Amazônia, e novamente a criação de gado foi usada por colonos, resultando num crescimento desenfreado do rebanho e da pastagem. Consequências des se movimento são o desmatamento e a ocupação de terras já exauridas pela agricultura. Assim, o boi foi ocupando nosso imaginário e a paisagem, como se sua presença e as atividades rurais fossem naturais, ou seja, como se elas sempre tivessem estado por lá.

Hoje em dia, já existem muitas práticas que discutem formas mais cuidadosas de manter uma propriedade rural, criar animais, plantar alimentos, em um convívio mais harmonioso com as matas. Como as paisagens de sua memória foram modificadas pela atividade humana? Como poderíamos reimaginar estas paisagens se a nossa relação com o ambiente tivesse sido mais respeitosa e cuidadosa?

O que mais você vê?

/ Everton Ballardin
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O FORRÓ DOS BICHOS

Xilogravura colorida sobre papel

48 × 66 cm

1995

Bienal Naïfs do Brasil, de 2004 (Mostra Mistura Fina: A Arte da Necessidade)

J. BORGES

Bezerros (PE) 1935

José Francisco Borges, ou J. Borges, começou a trabalhar muito cedo. Desde criança, ajudava seu pai na roça no agreste pernambucano. Somente aos 12 anos frequentou a escola, por apenas um ano. Aprendeu a ler, escrever e fazer contas praticamente sozinho.

TROCA DE (OUTROS) OLHARES

O forró, assim como a literatura de cordel, é uma manifestação cultural genuinamente nordestina. Como estilo musical, é popularmente associado a outros gêneros, como o xote, o xaxado e o baião. Em todos eles, a base instrumental utilizada são a sanfona, o triângulo e a zabumba.

EIXO NATUREZAS ●

EIXOS RELACIONADOS

RITOS ●

CORPOS ● COTIDIANOS ●

PARA OLHAR JUNTOS

SOBRE A PINTURA

Xilogravura

Contraste entre figura e fundo

Cores puras e vivas

Planificação

Figuras simplificadas

SOBRE O TEMA

Animais inventados

Forró

Música e dança

Cultura nordestina

Na juventude foi pedreiro, carpinteiro e descobriu a literatura de cordel, folhetos inicialmente expostos para venda pendurados em cordas ou cordéis, o que deu origem ao nome. Com o tempo, começou a vender objetos que fazia em madeira nas feiras e praças da cidade.

Aos 20 anos, interessou-se pela literatura de cordel e começou a revender folhetos contendo poemas populares em forma de rima e ilustrados com xilogravuras. Ao perceber que os cordéis vendiam bem, resolveu ele mesmo escrever os poemas e, para ilustrá-los, arriscou-se no mundo da xilogravura.

Os cordelistas experientes elogiaram seus desenhos, e suas xilogravuras chamaram a atenção do dramaturgo, poeta, artista e professor – paraibano de nascimento e pernambucano por adoção – Ariano Suassuna (1927-2014), que passou a considerá-lo o melhor gravador da cultura popular do Nordeste.

J. Borges é conhecido como o fundador e principal membro de uma verdadeira linhagem de xilogravadores que converteram Bezerros em um importante centro de produção de arte popular.

Suas histórias e gravuras encheram muitos livros, e suas obras, repletas de histórias, lendas, folclores, animais fantásticos, mulheres, diabos, pássaros, monstros mitológicos e inventados, o levaram a participar de inúmeras exposições e a ensinar sua arte em vários países.

Sua origem se relaciona aos bailes populares realizados no final do século XIX, conhecidos por “forrobodó”, “forrobodança” ou “forrobodão”. Naquele tempo, o local onde essas festas aconteciam era de “chão batido”: era necessário molhá-lo para evitar o pó, e as pessoas costumavam dançar – sempre em pares, uns de frente para os outros – arrastando os pés a fim de evitar que a poeira levantasse. Vem daí o termo rastapé ou arrasta-pé.

O artista J. Borges, conhecido por retratar o cotidiano e o universo cultural do povo nordestino de forma bem-humorada, cria nesta gravura uma divertida composição. Com cores fortes, puras e com as texturas criadas pelos sulcos da madeira utilizada para a xilogravura, o artista nos mostra a alegria da festa. Ela também se faz presente pela animação dos músicos e dos dançarinos. São bichos em pé, aos pares, sempre da mesma espécie, dançando ao som dos instrumentos.

No arrasta-pé animado tem de tudo: macaco e boi, triângulo e sanfona, bode e cavalo, zabumba e cachorro. Se todos se misturassem, seria ainda mais divertido. Que animais você identifica entre os dançarinos e os músicos?

O que mais você vê?

/ Everton Ballardin
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BRASILEIRAS E BRASILEIROS

Acrílica sobre caixas de fósforos

66 × 80 cm

2014

Prêmio Destaque Aquisição na Bienal Naïfs do Brasil, de 2014

AUGUSTO JAPIÁ

Paulista (PE) 1972

EIXO CORPOS ●

EIXOS RELACIONADOS COTIDIANOS ●

PARA OLHAR JUNTOS

SOBRE A PINTURA

Composição com padrões geométricos

Repetição de elementos

Cores vivas

Objetos do cotidiano

SOBRE O TEMA

Identidade

Diversidade

Multidão

Retratos

Femininos

Relações étnico-raciais

José Augusto Japiá Mota, ou Augusto Japiá, como é chamado, desenvolve um trabalho inspirado nos desenhos de cordel, com traços simples e marcantes. Realizou várias intervenções pelos muros da cidade do Recife, desenvolvendo o que chama de arte pública, com a proposta de levar para a rua temas como a tristeza, a angústia e as falsas alegrias, como ele costuma dizer.

Sem negar os espaços tradicionais, em 1999 transpôs da rua para o Museu de Arte Contemporânea de Olinda seu trabalho Barbie , um painel gigantesco de 1,98 x 2,90 metros em papel industrial, que lhe rendeu uma menção honrosa no Prêmio Pernambuco de Artes Plásticas Novos Talentos. “Destituí os detalhes de um corpo humano para criar uma boneca crua, com referências em brinquedos regionais como o ‘Mané gostoso’. Queria questionar o abuso dos brinquedos industrializados”.

Em 2000, desenvolveu o projeto de lançar um candidato imaginário a vereador, o “Everaldo”, nome criado a partir de um trocadilho com a palavra vereador. O trabalho foi desenvolvido em forma de cartazes, com a imagem do candidato desenhada com traços simples. Colados nos muros da cidade, concorriam com os materiais de campanha dos candidatos reais.

“Quero aguçar a sensibilidade do cidadão comum para a arte. Tirar as obras das galerias e colocar na rua, onde estão as pessoas. É lá que o povo consome o cordel. É lá que deve assimilar o Everaldo”.

TROCA DE (OUTROS) OLHARES

Para Brasileiras e Brasileiros , Augusto Japiá escolheu um material comum no dia a dia, mas inusitado como suporte para pintura: a caixinha de fósforo. Cada caixinha está espaçada de acordo com seu tamanho, formando uma composição geometrizada com 116 caixinhas, que lembra os padrões das tecelagens e das colchas de retalhos. A pintura não apaga as características da caixinha de fósforos e, ao incorporar objetos do cotidiano em sua obra, o artista pode despertar diferentes relações entre a pintura, esses objetos e sua função.

A caixinha de fósforo remete ao formato das fotos 3x4 utilizadas nos documentos de identidade. A base do desenho parte de um mesmo perfil de rosto, típico de sua produção, com traços fortes e simples, inspirados na cultura popular. Assim, a obra pode ser entendida como uma coleção de fotos para documentos de RG (registro geral), se propondo à ideia desafiadora de representar o povo brasileiro através de uma pluralidade de rostos, características físicas, gêneros e etnias. O artista ressalta a dificuldade de estabelecer critérios de identificação, passando a ser ainda mais complexa se levarmos em conta os aspectos culturais, históricos e sociais que constroem uma nação a que se impuseram uma língua e um passado colonial comuns.

“Brasileiras e brasileiros” era também como a então presidenta do Brasil no ano de 2014, Dilma Rousseff, começava seus pronunciamentos ao povo. O uso do substantivo feminino, seguido do masculino passou a ser comum ao se referir a um grupo em que estavam presentes mulheres e homens, destacando, reconhecendo e referenciando a mulher como cidadã, no mercado de trabalho, nas políticas públicas e na sociedade brasileira.

Que outras estratégias poderiam ser usadas nesse desafio de representar a diversidade do povo em uma obra? Quais transformações já ocorreram e quais ainda seriam necessárias implementar para promover afirmações da igualdade de gênero no ambiente escolar ?

O que mais você vê?

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/ Everton Ballardin

BRINCADEIRAS DE SACI

Acrílica sobre tela

30 × 40 cm 1994

Prêmio Aquisição na Bienal Brasileira de Arte Naïf, de 1994

EIXO CORPOS ●

EIXOS RELACIONADOS NATUREZAS ● RITOS ●

PARA OLHAR JUNTOS

SOBRE A PINTURA

Ritmo da composição

Repetição de elementos

Cores contrastantes

SOBRE O TEMA

Imaginário

Cultura popular Folclore

Brincadeiras da infância

Diversidade

Natureza

LENICE LOPES DA SILVA

São Luiz do Paraitinga (SP) 1955

Lenice Lopes da Silva é natural de São Luiz do Paraitinga, pequena cidade do interior de São Paulo, localizada no Vale do Paraíba, conhecida por manter vivas as tradições culturais como as festas do Divino e o Carnaval, além de muitas histórias ligadas às manifestações da cultura popular, como é o caso do Saci.

O trabalho de Lenice está fortemente ligado às histórias e tradições de sua cidade natal. Livre de regras e sem preocupação acadêmica, sua pintura é construída com figuras de traços fortes e cores intensas.

Além da premiação na 2 a Bienal de Arte Naïf do Sesc, em 1994, tem em seu currículo a participação em várias exposições e salões. Em 1987, participou da publicação Os 14 do Vale, pintores primitivos - Vale do Paraíba . Ao lado de importantes nomes da arte popular, Lenice participou do Grupo de Artistas Vale – GAVA, com sede na cidade de Taubaté, liderado pelo mestre escultor Demétrio. Em 2016, recebeu outro prêmio, no 13 o Salão Ubatuba de Belas Artes.

TROCA DE (OUTROS) OLHARES

Na obra Brincadeiras de Sacis , o personagem da cultura popular aparece multiplicado, em diferentes posições, em meio a uma densa mata. Alternando gestos e expressões, os Sacis parecem pular de um lado a outro do quadro, criando certo desnorteamento em quem o observa.

Acredita-se que a lenda do Saci tenha origem a partir de histórias populares no Sul do Brasil entre os séculos XVII e XVIII. Elas contavam travessuras de uma criança indígena guarani que possuía um rabo, assustava os animais e trazia prejuízo às plantações. Seu nome é uma adaptação do nome tupi Çaa cy pérérég , sendo que Çaa cy significa “olho mau” e pérérég significa “saltitante”.

A lenda guarani se espalhou pelo país e esse ser foi ganhando novas formas, incorporando características de outras culturas. Hoje, o conhecemos como um menino negro, que fuma cachimbo e pula em uma perna só, tendo perdido a outra numa luta de capoeira. O Saci serve-se de traquinagens para confundir os intrusos que pretendem adentrar nas matas. Segundo a lenda, o Saci é ligado à ventania, ao redemoinho (que o levam a lugares aonde deseja ir) e à velocidade. Representa resistência, rebelião e liberdade, por estar ligado à proteção das florestas contra o avanço de invasores.

No ano de 2004, o Estado de São Paulo sanciona uma lei que instaura o 31 de outubro, conhecido internacionalmente como o Dia das Bruxas, ou Halloween , como Dia do Saci. Mais tarde, em 2013, a Comissão de Educação e Cultura elaborou o Projeto de Lei Federal n o 2.479, que oficializa, nacionalmente, a celebração.

Em quais outras histórias de personagens da cultura brasileira podemos encontrar variações regionais? Como a liberdade e a resistência se manifestam na lenda do Saci? Como o Dia do Saci é comemorado na sua escola?

O que mais você vê?

/ Everton Ballardin
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MÃE, FLOR E BORBOLETA

Óleo sobre tela

50 × 70 cm 2002

Prêmio Aquisição na Bienal Naïfs do Brasil, de 2002

EIXO CORPOS ●

EIXOS RELACIONADOS NATUREZAS ● COTIDIANOS ●

PARA OLHAR JUNTOS

SOBRE A PINTURA

Simetria

Planificação

Repetição de elementos

Uso de muitas cores

Proporção

SOBRE O TEMA

Sagrado/Profano

Natureza

Fertilidade

Femininos

Morada

Afetos

Criatividade

ANTÔNIO SCARELLI

São Joaquim da Barra (SP) 1924–2013

Antônio Scarelli era natural de São Joaquim da Barra, São Paulo, mas desde a infância foi viver em Sales de Oliveira ao lado do irmão caçula, José. Antônio e José Scarelli ficaram conhecidos como os Irmãos Scarelli – Os Boias Frias. Eram trabalhadores rurais e pintores.

Começaram a pintar na década de 1980. Autodidatas, dedicavam-se à pintura depois que voltavam do campo. Parceiros na roça e na arte, Antônio e José moravam na mesma casa e, além disso, formavam juntos uma dupla musical sertaneja de raiz. A dupla levava o nome “Tonico e Zequinha”, e sua música agradava muito aos moradores das fazendas vizinhas.

Os irmãos eram regularmente convidados pelos diretores das escolas de Sales de Oliveira para participar de conversas com os alunos. Com uma prosa simples de caboclo, compartilhavam seu gosto pelas artes, buscando inspirar novos pintores, poetas e compositores.

Em 2002, Antônio recebeu o prêmio de aquisição na Bienal Naïfs do Brasil, no Sesc Piracicaba. Em 2006, sua obra Mãe Flor e a Borboleta , pertencente ao acervo do Sesc São Paulo, foi selecionada para uma exposição de arte naïf no Chicago Cultural Center, nos Estados Unidos. Os irmãos ficaram conhecidos em todo o Brasil, especialmente por um documentário de 1987, apresentado pela TV Cultura, Canabraba - A Necessidade de Expressão , de Romildo Sant’Anna e Reinaldo Volpato. Seus trabalhos já foram expostos em várias cidades do Brasil e do mundo.

TROCA DE (OUTROS) OLHARES

Na pintura Mãe Flor e a Borboleta , é possível notar a sensibilidade do pintor, a riqueza de sua imaginação e a força de seu inconsciente na manifestação de um trabalho como expressão da cultura popular. Tonico dizia: “Não somos nós que buscamos a inspiração, e sim ela que vem ao nosso encontro”. Essa pintura mostra uma grande figura que ocupa todo o centro do quadro.

Como o título sugere, uma grande mãe é, ao mesmo tempo, flor e borboleta, que guarda em seu corpo flores, árvores e sementes. Em sua mão direita aparece a figura de um homem e, na esquerda, uma mulher. Os dois estão nus, cobertos apenas de folhas, fazendo uma referência ao Jardim do Éden, ou ao primeiro homem e à primeira mulher.

Essa grande mãe, espécie de divindade que representa a terra, a fertilidade e o feminino, é a deidade maior para os povos indígenas dos Andes centrais, por eles chamada de Pachamama. Na língua quéchua, Pacha significa “universo”, “mundo”, “tempo” ou “lugar”, e Mama , “mãe”. Essa relação de profundo respeito e afeto com a terra é também recorrente entre os povos indígenas do Brasil. A terra é entendida como geradora de vida e um símbolo de fecundidade, justamente por ser dela que se tira tudo o que é necessário para a sobrevivência.

Como você se relaciona com a terra? Quais as relações que podemos traçar entre o feminino e o sagrado? O que mais pode nascer desse corpo híbrido entre humanos e natureza representado na pintura?

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/
Ballardin
Everton

SEMENTES, PLANTIO E COLHEITA

Acrílica sobre tela

30 × 30 cm 2014

Prêmio Destaque Aquisição na Bienal Naïfs do Brasil, de 2014

EIXO CORPOS ●

EIXOS RELACIONADOS COTIDIANO ●

NATUREZAS ●

TRABALHOS ●

RITOS ●

PARA OLHAR JUNTOS

SOBRE A PINTURA

Composição com padrões

Preenchimento do espaço

Repetição de elementos

Cores contrastantes

Proporção

SOBRE O TEMA

Natureza

Fertilidade

Relações de gênero no trabalho (In)visibilidade feminina

Abrigo

Sociedade

DENISE COSTA

João Pessoa (PB) 1964

Pintora, ilustradora e poetisa, Denise Costa é natural de João Pessoa, Paraíba, onde mora até hoje. Autodidata, é ligada à arte desde pequena. Seus poemas são cheios de leituras do cotidiano e sua arte é singular, com um estilo que reflete uma personalidade marcante, porém suave.

“Eu levo meu trabalho muito a sério, faço um quadro como se estivesse escrevendo um livro”, conta, ressaltando que está sempre ligada a tudo o que acontece ao seu redor. “Queira ou não, consciente ou inconscientemente, transpiro o que acontece no mundo.”

Denise trabalha com vibrações cromáticas e fragmentações quase matemáticas de cores, formas e profundidade. É capaz de criar uma harmonia agradável entre figura e fundo, resultante de um constante processo construtivo. Esporadicamente, sua paleta reduz-se às cores monocromáticas, em substituição às cores vibrantes.

Tem participado de várias exposições individuais e coletivas nas principais capitais brasileiras e em mais de uma dezena de países, como Estados Unidos, Alemanha, Canadá, Noruega, França, Bélgica, Equador, Itália, Rússia, Portugal, Chile, Espanha e Israel. Em 2014, foi contemplada com o Prêmio Destaque Aquisição na 12 a edição da Bienal Naïfs do Brasil, com o trabalho Sementes, Plantio e Colheita .

TROCA DE (OUTROS) OLHARES

Denise Costa ganhou grande destaque na 12 a Edição da Bienal Naïfs do Brasil ao falar sobre seu trabalho Sementes, Plantio e Colheita , a partir do qual defende a ideia de que “a mulher está sempre em um plano secundário. Mesmo ela sendo o elemento central da nossa produção no campo, é o homem quem acaba ficando com o papel principal.”

Segundo a artista, grande parte da produção agrícola no país é conduzida por mão de obra feminina, fenômeno que quase nunca é observado ou valorizado pela sociedade. No quadro, três mulheres trabalham na lavoura: “Eu quis mostrar a importância do trabalho delas, muitas vezes invisível, na questão da agricultura familiar”, explica a artista plástica. “Por isso eu trouxe essa visão, elas muito curvadas, as três, uma após a outra, representando gerações”, completa.

A partir da observação dos ciclos da natureza, diversas mulheres ao longo da história passaram a desenvolver conhecimentos sobre o próprio corpo e suas relações com o mundo. Assim, as protagonistas do quadro Sementes, Plantio e Colheita representam preciosos saberes ancestrais, muitas vezes negados pelo saber acadêmico, e que foram compartilhados por corpos femininos que se ocupam há tempos do cultivo das sementes e plantações, da produção de alimentos, do uso curativo das plantas, e dos princípios da nutrição infantil.

Quais conhecimentos e saberes tradicionais são cultivados no cotidiano de suas famílias? Que papel as mulheres desempenham em seus núcleos familiares? E no cotidiano da escola?

O que mais você vê?

FOTO / Everton Ballardin

CAPOEIRA DE ANGOLA

Óleo sobre tela

40 × 50 cm 2004

Prêmio Aquisição na Bienal Naïfs do Brasil, de 2006

EIXO CORPOS ●

EIXOS RELACIONADOS RITOS ● TRABALHOS ●

LUTAS ●

PARA OLHAR JUNTOS

SOBRE A PINTURA

Equilíbrio da composição

Saturação das cores

Contrastes de claro e escuro

Luz e sombra

Ritmo e movimento

SOBRE O TEMA

Cultura afro

Relações étnico-raciais

Jogo

Identidade

Coletivo

Música

Dança

Racismo

Preconceito

MESTRE ZEQUINHA

Piracicaba (SP) 1959

“Sou Mestre Zequinha, artista plástico naïf e mestre da nobre arte Capoeira Angola. Fui formado professor em 1985, pelo saudoso Mestre Cosmo, e mestre em 2001, pelos renomados Mestre Boca Rica e Mestre Lua de Bobó.” É assim que José de Almeida Filho gosta de se apresentar.

Mestre Zequinha é natural de Piracicaba, São Paulo, onde vive e trabalha. Tem uma importante participação na vida cultural da região, atuando na realização de várias ações como o “Festival Afropira”, um encontro de Cultura Negra de Piracicaba; o “Festival Curau”, que estabelece um rico diálogo entre a cultura regional e as artes urbanas; além de projetos sociais que envolvem o ensino da capoeira.

Depois de muita dedicação e pesquisa, fundou a Escola de Capoeira Raiz de Angola, em 1996, com o objetivo de transmitir os valores culturais, as origens históricas e os conhecimentos da Capoeira Angola. A escola possibilitou, a pessoas de diferentes origens, o acesso a um rico universo cultural formado pela luta, dança, música e história.

Em 1989, começou a fazer os próprios berimbaus, pintados por ele mesmo. Conta ele: “Resolvi incrementar mais minhas pinturas, com desenhos de paisagens, figuras de capoeiristas jogando nas cabaças, aí a coisa deu muito certo. Até que, um dia, um amigo me perguntou: ‘por que você não começa a pintar em telas?’ Disse que era muito difícil pra mim, e ele respondeu: ‘se você pinta na cabaça, que é redonda, na tela vai ser moleza pra você’. Um certo dia, ele me presenteou com uma tela, pincel e tintas. Para resumir, até hoje eu agradeço o presente e a aposta dele em mim.”

TROCA DE (OUTROS) OLHARES

Capoeira Angola é a maneira original como a capoeira era praticada pelos povos negros escravizados. É caracterizada por ser mais compassada, composta de movimentos dissimulados e executados de modo rasteiro. O elemento básico desse estilo é a malícia.

Mestre Zequinha explica: “A Capoeira Angola, que é a capoeira mãe, nasceu do negro mantido como escravo no Brasil. Com a observação dos movimentos de ataque e defesa de alguns animais como macaco, cobra e cavalo, o negro encontrou a arma com a qual lutaria pela reconquista de sua liberdade, o seu corpo. E da capoeira, mata onde acontecia o aprendizado, ele emprestou o nome para essa luta.”

Com base em sua experiência de vida, marcada na memória do corpo, Mestre Zequinha pinta as cenas do jogo, da malícia, do ritmo das passadas. Na pintura Capoeira de Angola , podemos sentir o movimento das pernas, a força dos braços e o balanço dos corpos embalados por esse jogo. As figuras anônimas não possuem um rosto específico, são negras, retomando a história de origem do próprio jogo. Ao som do berimbau, do pandeiro e do atabaque, as cores vão se alternando entre o branco, o ocre, o preto, o cinza e o marrom das peles.

Sobre a importância da capoeira em sua arte, Mestre Zequinha completa: “Capoeira Angola para mim é minha arte, é minha vida, é onde me torno menino, forte e fraco. Forte, porque consigo jogar bem e envolver meu parceiro de roda sem machucá-lo e sem que ele me machuque. Fraco, porque quando faço um belo jogo, um belo movimento, me emociono, me dá alegria e o meu corpo se arrepia, meus olhos se enchem de água e me sinto fraco, mas a vontade de vencer é muita e, aí, me recupero logo”.

Quando o gesto do outro é capaz de desequilibrar e marcar nosso corpo, mesmo sem tocá-lo? É possível lutar sem perder o equilíbrio? Como transformar a violência e a injustiça em dança, em jogo, em arte?

O que mais você vê?

FOTO / Everton Ballardin

FESTA DE ORIXÁS

Óleo sobre tela

45 × 65 cm 1998

Participação na Bienal

Naïfs do Brasil, de 1998

EIXO RITOS ●

EIXOS RELACIONADOS CORPOS ● COTIDIANOS ●

PARA OLHAR JUNTOS

SOBRE A PINTURA

Ritmo da composição

Preenchimento do espaço

Desenho detalhado

Cores não saturadas

SOBRE O TEMA

Tradições populares

Ritos afro-brasileiros

Candomblé

Negritude

Comunidade

Religiosidade

Vestuário

IVAN DA SILVA MORAES

Rio de Janeiro (RJ) 1936–2003

Ivan da Silva Moraes graduou-se na Escola de Serviço Social e, desde a infância, tinha interesse pela pintura. Mas foi somente em 1953 que começou seus estudos de pintura com o artista Cadmo Fausto, no Instituto de Belas Artes, atual Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio de Janeiro. Sua primeira participação em mostras coletivas foi no Salão do Clube Militar do Rio de Janeiro, em 1954, quando recebeu menção honrosa.

Um pouco mais tarde, frequentou as aulas do artista Ivan Serpa, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Na época, o espaço dava grande estímulo à pintura espontânea, impulsionando a carreira de vários artistas desse estilo. Foi o caso de Ivan Moraes que, em 1960, participou do Salão Nacional de Arte Moderna e, no mesmo ano, fez sua primeira exposição individual no Museu de Arte Moderna. Desde então, participou de várias exposições individuais e coletivas, como a Bienal de São Paulo, em 1963, e a mostra de pintores primitivos no Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro.

Suas obras abordam temas da cultura popular, das religiões e dos ritos afro-brasileiros, com forte presença das baianas, com suas vestes brancas, rendadas e douradas, que ele pintava com riqueza de detalhes. Mais tarde, esse tema foi dando lugar à paisagem do litoral fluminense, principalmente Angra dos Reis. O artista faleceu no Rio de Janeiro, em 2003.

TROCA DE (OUTROS) OLHARES

Na pintura Festa de Orixás , Ivan da Silva Moraes retrata o interior de uma casa onde está acontecendo um ritual de religião de matriz africana com batuques, danças e oferendas. Nessa mesma cena, algumas pessoas, em uma espécie de transe, dançam guiadas por seus Orixás.

A população africana traficada para o Brasil durante o período colonial carregou consigo um conjunto de práticas, crenças e visões de mundo, dentre elas, ritos e manifestações religiosas. Entre os grupos que chegaram, dois deles se destacavam: os bantos (que vinham de regiões como Congo, Angola e Moçambique) e os sudaneses, que vinham da Nigéria e do Benin (e que são os iorubás, ou nagôs, e os jejes).

O candomblé e a umbanda são dois dos mais populares cultos afro-brasileiros. Nessas religiões, os Orixás são divindades intermediárias entre a humanidade e Olorum, o ser superior criador do universo. Foram enviados para criar o mundo, ensinar e auxiliar a humanidade a viver no planeta. Quase todos os Orixás encarnaram como humanos e tiveram vida terrena, mas já existiam anteriormente no Orum, palavra que define o céu na mitologia iorubá.

As Festas dos Orixás são rituais realizados ao ritmo de atabaques e cantos que variam conforme o Orixá que está sendo cultuado. As cerimônias do candomblé são realizadas nos “terreiros”, que hoje são casas ou templos, mas que trazem sua origem no nome: as clareiras na mata em que os escravizados podiam expressar sua religiosidade. Os ritos são dirigidos por um pai de santo, que tem o nome africano de babalorixá , ou uma mãe de santo, ialorixá .

O que aquilo que vemos pode revelar sobre o invisível? Quais religiões são praticadas pela sua comunidade? Quais ações podem ser elaboradas, no ambiente escolar, para o entendimento e o respeito pelas crenças dos outros?

O que mais você vê?

FOTO / Everton Ballardin

DEVOÇÕES POPULARES

Óleo sobre tela

60 × 74 cm 1998

Prêmio Aquisição na Bienal Naïfs do Brasil, de 1998

TÂNIA DE MAYA PEDROSA

Maceió (AL) 1933

EIXO RITOS ●

EIXOS RELACIONADOS COTIDIANOS ● NATUREZAS ● CORPOS ●

PARA OLHAR JUNTOS

SOBRE A PINTURA

Divisão em quadros

Cores vivas

Cenas variadas

Desenho com contornos marcados

Figuras simplificadas

SOBRE O TEMA

Religiosidade

Tradições populares

Festas religiosas

Práticas de devoção

Divindade

Morte

Vida

Natureza

Tânia de Maya Pedrosa começou sua trajetória como colecionadora de arte popular nordestina. Nascida em uma família abastada da região de Capela (AL), ainda na infância criou uma forte relação com o ambiente rural na vivência entre sítios e fazendas dos avós. A cultura popular sempre foi um elemento central em seu universo. Quando seus filhos eram ainda pequenos, separou-se do marido e foi cursar direito em Alagoas e, posteriormente, no Rio de Janeiro, onde passou a ter interesse pela arte.

Nessa mesma época, começou sua coleção de arte popular nordestina a partir de viagens a Caruaru e Olinda, em Pernambuco, percurso que depois foi alargado para o Sertão de Alagoas e outras regiões. A “guardiã de tesouros”, como foi chamada pelo escritor Lêdo Ivo, conseguiu reunir um complexo panorama da arte popular brasileira. Em 2009, cedeu 370 peças da coleção para a Casa do Patrimônio de Maceió, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional —Iphan —, onde estão instaladas para visitação gratuita.

A vontade de se dedicar ela mesma à pintura nasceu nos anos 1980, em visita a museus e galerias na Suíça. Desde então, começou a pintar de forma secreta durante muitos anos, a partir do imaginário do Nordeste brasileiro. Em suas obras, retrata a memória de um modo de viver, muitas vezes mítico, rico em histórias contadas e cantadas pelos mestres.

Em 1998, recebeu o Prêmio Aquisição da Bienal Naïfs do Brasil, realizada pelo Sesc São Paulo. Conquistou vários prêmios e recebeu convites para participar em bienais de arte naif no país e na Europa. Participou também de inúmeras exposições coletivas no Brasil e no exterior.

TROCA DE (OUTROS) OLHARES

No Brasil, as práticas de devoção estão muito presentes na vida cotidiana, seja no culto aos santos, nas práticas de rezas, novenas, ladainhas, via-sacra, pagamento de promessas e festividades religiosas. Esses ritos também podem pertencer ao universo do profano, quando a população constrói espaços de intensa sociabilidade. Nesses momentos, ressignificam e atualizam os elementos simbólicos, produzindo lazer e festa.

A religião católica, trazida pelos portugueses quando aportaram no Brasil, foi disseminada de forma compulsória à medida que entraram no território. As práticas de devoção eram feitas exclusivamente por leigos, pelas famílias que se reuniam para rezar em suas casas ou em capelas. A presença do padre nessas localidades, para ministrar os sacramentos, acontecia, muitas vezes, em intervalos de até dois ou três anos. Assim, o que mantinha acesa a fé das pessoas eram suas práticas de devoção. Desse modo, o catolicismo vivido no Brasil, por mais de quatro séculos, era muito mais devocional do que de participação na missa – herança que muitos carregam até hoje.

Na obra Devoções Populares , Tânia de Maya Pedrosa retrata fragmentos de narrativas que fazem referência a lugares, pessoas, personagens, mitos e festejos da fé popular a partir de uma composição em pequenas cenas com figuras e cores vivas. Sua pintura guarda algumas características da arte naïf , como a ausência do uso da perspectiva na representação, a simplificação dos elementos figurativos e a presença de temas universais e fantasiosos. Quantas histórias cada cena de devoção revela? Quais são as festas representadas? Que significados as festas populares têm para você?

O que mais você vê?

FOTO

/
Everton Ballardin

FESTA DE SANTO ANTÔNIO E FESTA DE SÃO JOÃO

Óleo sobre eucalipto

60 × 60 cm (cada)

1986

Prêmio aquisição na Mostra Nacional de Arte Ingênua e Primitiva, de 1986

ELIZA GONÇALVES DE MELLO

Monte Azul Paulista (SP) 1910–1996

TROCA DE (OUTROS) OLHARES

EIXO RITOS ●

EIXOS RELACIONADOS COTIDIANOS ●

NATUREZAS ●

CORPOS ● TRABALHOS ●

PARA OLHAR JUNTOS

SOBRE A PINTURA

Perspectiva

Planificação

Equilíbrio da composição

Desenho detalhado

Cores fortes e contrastantes

SOBRE O TEMA

Tradições populares

Festas religiosas

Ambiente rural

Comunidade

Igreja Católica

Eliza Gonçalves de Mello foi uma artista autodidata, muito animada e sensível, que gostava de fazer poesias e se dedicar ao artesanato, fazendo flores de papel crepom, grinaldas para noivas e abajures decorados para complementar a renda familiar. Morou muitos anos na cidade de Mirassol, no interior de São Paulo, onde se casou com Antonio Moreira de Mello. Tiveram seis filhos e logo se mudaram para uma casa de aluguel na capital, onde tinham uma pequena colchoaria que os ajudava a complementar as economias para a compra da casa própria.

Eliza começou a pintar depois que ficou viúva, aos 60 anos. Curiosa e impaciente, experimentou pintar sobre tecido, madeira, tela e murais, e sua inspiração vinha das cenas do cotidiano, das festas populares e das memórias de infância. É considerada uma referência entre os artistas naïf nacionais, E sua obra é citada por vários críticos como Roberto Pontual, Flávio de Aquino, Carlos Cavalcanti e Walmir Ayala nos principais dicionários de artes plásticas brasileiras. Premiada em diferentes mostras e salões, teve uma sala especial na Mostra Nacional de Arte Ingênua, em 1988, e outra em 2002, na Bienal Naïfs do Brasil. Expôs com artistas brasileiros em Tóquio e tem obras no Museu de Arte Primitiva de Assis (SP). A artista faleceu aos 86 anos, deixando uma importante obra. Sem nunca ter estudado, construiu um trabalho sensível em contraponto à dura realidade de sua vida pessoal.

Nas obras Festa de São João e Festa de São Pedro , a artista retrata com muitos detalhes essas duas festas. Com desenho detalhado, pinceladas fortes e cores vibrantes, as composições retratam momentos de encontro entre moradores da zona rural, rodeados pela natureza e diversos animais, em comemoração às festas juninas.

No mês de junho são comemoradas no Brasil as festas em homenagem a três santos populares: Santo Antônio, São João e São Pedro. Apesar de terem uma forte ligação com o cristianismo, são originárias das festas pagãs do hemisfério norte. Como a Igreja Católica não conseguiu extinguir essa tradição, aproveitou o período festivo e introduziu nele um caráter religioso.

Santo Antônio é o primeiro a ser celebrado. Popularmente chamado de “santo casamenteiro”, é comemorado no dia 13 de junho, dia da sua morte. Na véspera, dia dos namorados, as moças que querem casar fazem simpatias e orações ao santo. São João é comemorado no dia 24 de junho, dia do seu nascimento, e é o santo protetor das boas colheitas. Nas festas de São João, costuma-se acender uma fogueira, que simboliza a proteção contra maus espíritos que atrapalhavam a prosperidade das plantações. Já São Pedro é comemorado no dia 29 de junho, data da sua morte. Pescador, foi discípulo de Cristo e o primeiro papa da Igreja Católica. Como é o padroeiro dos pescadores, as cidades costeiras do Brasil quase sempre têm uma capela em sua homenagem, o que contribui para a popularização da festa.

O cenário rural das obras de Eliza Gonçalves de Mello, com animais, pessoas dançando, casarios e carroças, pode nos deslocar para outro tempo. Como são as festas juninas atualmente? Que elementos resistem e que outros foram incorporados? Como eles se relacionam com a religiosidade? Que tipo de encontro essas festas proporcionam?

O que mais você vê?

FOTO / Everton Ballardin

CAVALHADA EM MATHEUS LEME

Óleo sobre tela

50 × 60 cm 1996

Prêmio Aquisição na Bienal Naïfs do Brasil, de 1996

RODELNÉGIO GONÇALVES NETO

Alegre (ES) 1915–2009

Rodelnégio Gonçalves Neto começa sua carreira de pintor aos 51 anos, de forma autodidata. Trabalhou em parques de diversões, o que lhe permitiu viajar por diferentes cidades e estados do país. Em 1953, já casado e com filhos, fixou residência em Belo Horizonte (MG).

TROCA DE (OUTROS) OLHARES

Na pintura Cavalhada em Matheus Leme , uma multidão de pessoas observa, atenta, um iminente choque de coloridos combatentes, montados em seus cavalos igualmente adornados.

EIXO RITOS ●

EIXOS RELACIONADOS CORPOS ● COTIDIANOS ●

PARA OLHAR JUNTOS

SOBRE A PINTURA

Composição com padrões

Perspectiva e profundidade

Ritmo e movimento

Cores fortes e vibrantes

Figuras simplificadas

SOBRE O TEMA

Cavalhada

Festas religiosas

Tradições populares

Sincretismo

Comunidade

Diversão

FOTO / Everton Ballardin

No início da década de 1960, conhece o artista plástico Herculano Campos, com quem o convívio despertou o interesse pela pintura. De maneira autodidata, passou a pintar durante suas viagens, pois não tinha condições de frequentar o ateliê do amigo para aulas de pintura. Estimulado por Herculano Campos, em 1963 participou pela primeira vez do XIII Salão Municipal de Belas Artes de Belo Horizonte, com dois trabalhos.

Em sua vida de viajante, a pintura era o seu principal canal para se relacionar com o mundo. Observador nato, descreveu com minúcias o cotidiano: seus hábitos, costumes, festas, tradições e a forma de vida do povo brasileiro. A sutileza dos gestos com pinceladas de cores intensas, o ritmo, a forma, os sentimentos e os causos contados em inúmeras viagens tornavam vivas suas telas.

No final da década de 1960, decidiu abrir uma barraquinha de tiro ao alvo no centro da capital mineira, onde também expunha seus trabalhos. Foi aí que a crítica de arte Maristella Tristão conheceu suas pinturas e o convidou para participar da mostra de inauguração da Galeria Capela, em São Paulo. A partir daí, sua carreira recebe um importante incentivo e seu trabalho passa a integrar várias exposições nacionais e internacionais. Atualmente, suas pinturas fazem parte de coleções particulares do Brasil e do exterior, fundações e museus, tais como: Museu Mineiro (MG), Museu de Arte da Pampulha (MG), Pinacoteca do Palácio da Liberdade (MG), Pinacoteca Pública de Sete Lagoas (MG), Museu Dona Beja (MG), Funarte (RJ), Museu de Feira de Santana (BA) e Sesc Piracicaba (SP).

Com cores vivas e de maneira realista, a imagem captura a emoção da cena tanto na atmosfera do ambiente quanto na expressão das pessoas que acompanham a apresentação. O movimento dos cavaleiros e seus cavalos é revelado em vários elementos da composição, como na forma como as listras da padronagem dos tecidos são representadas.

A Cavalhada de Santo Antônio, como é chamada, é uma tradição centenária da cidade de Matheus Leme, município da Região Metropolitana de Belo Horizonte (MG), e acontece sempre na primeira quinzena de junho. É uma celebração de origem portuguesa, trazida ao Brasil no século XVII, em que aristocratas locais exibiam destreza e valentia, sempre montados a cavalo e com vestes típicas.

Comum até hoje em dia nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil, a Cavalhada representa as batalhas do século VI entre mouros e cristãos –época em que viveu o imperador Carlos Magno, rei dos francos, devoto ao cristianismo. Em Matheus Leme, a Cavalhada é uma tradição passada de pai para filho. Os cavalos usados são enfeitados com flores e portam instrumentos que produzem um barulho que os identifica. O espetáculo é formado por 24 cavaleiros: os mouros, que usam a cor vermelha, e os cristãos, que se vestem da cor azul; cada equipe é composta por 12 cavaleiros.

Que significados um rito medieval originado em outro continente pode adquirir para os moradores de Matheus Leme? Que transformações aconteceram em seu contexto inicial? Qual é a essência da festa, responsável por manter essa paixão viva?

O que mais você vê?

JOÃO PAULINO E MARIA ANGU

Acrílica sobre tela

50 × 60 cm 1994

Prêmio Aquisição na Bienal Naïfs do Brasil, de 1994

EIXO RITOS ●

EIXOS RELACIONADOS CORPOS ●

COTIDIANOS ● TRABALHOS ●

PARA OLHAR JUNTOS

SOBRE A PINTURA

Perspectiva e planos Cores fortes e vibrantes

Figuras simplificadas Luz e sombra

SOBRE O TEMA

Cultura popular

Elementos arquitetônicos

Personagens carnavalescos Festas religiosas

FOTO

JOSÉ CARLOS MONTEIRO

São Luiz do Paraitinga (SP) 1954

José Carlos Monteiro vive e trabalha em São Luiz do Paraitinga (SP). Seu amor pelo desenho o acompanha desde menino. Ele conta que a facilidade de desenhar o ajudou na escola: como não tinha boas notas em matemática, foi incentivado a copiar ilustrações de personagens históricos para melhorar sua média final. Admirado pelos colegas, trocava seus desenhos por doces e frutas.

Mais tarde, começou a ser chamado para pintar os estandartes e mastros para a festa dos santos que aconteciam em sua cidade. Aos 20 anos, começou a pintar quadros, especializando-se nas representações da história e da cultura de sua terra natal. Suas telas coloridas descrevem cenas rurais, igrejas, fazendas e tradições populares. Recontam cenas de origem, criando um inventário baseado em personagens reais do carnaval local.

Brincalhão e contador de histórias, ele diz que suamissão é revelar quem está oculto atrás das máscaras ou escondido embaixo dos bonecões que fazem a alegria e o sucesso da festa. Participou de várias exposições individuais e coletivas, e recebeu o diploma de membro fundador do Centro Cultural de Arte Primitiva de Brasília (DF). Foi premiado na 2 a Bienal Brasileira de Arte Naïf, com o trabalho João Paulino e Maria Angu , em 1994.

TROCA DE (OUTROS) OLHARES

Na pintura João Paulino e Maria Angu , José Carlos retrata esses famosos personagens luizenses em dimensões monumentais. Desfilando alegres pelas ruas da cidade, ao lado da população festeira, eles chegam a dar a impressão de serem maiores do que a igreja e do que os casarões coloridos que compõem o centro histórico da cidade, onde a arquitetura em estilo colonial carrega as características da época dos barões do café.

A tradição dos bonecos gigantes é de origem ibérica. Conhecida no Brasil inteiro pelas imagens do carnaval de Pernambuco, também está presente nas festas paulistas.

Em São Luiz do Paraitinga (SP), os bonecões representam a autenticidade da cultura local desde o início do século XX. Feitos em barro, papel machê e armação de arame, ganham vida nos blocos de carnaval e em outras celebrações como a Festa do Divino Espírito Santo, que acontece 50 dias depois da Páscoa. Conta-se que foram inspirados em personagens folclóricos da cidade. João Paulino, por exemplo, era um morador da cidade, casado com uma mulher que vendia pastéis de angu, a Maria Angu. Até hoje, quando são feitos os rostos dos bonecos, não devem parecer-se com ninguém, para evitar confusão com o povo da cidade. Tudo passou a fazer parte da festa.

Quais seriam os personagens que mereciam ser retratados na sua escola ou cidade? Como o contexto de cada lugar contribui para as formas de celebração? Quais são as festas comemoradas na sua cidade? Como elas reverberam no cotidiano escolar?

O que mais você vê?

/ Everton Ballardin

CASAMENTO II

Acrílica sobre tela 25 × 40 cm 2006

Prêmio Aquisição na Bienal Naïfs do Brasil, de 2006

JOÃO ALEXANDRE SARTI

São José do Rio Preto (SP) 1970

TROCA DE (OUTROS) OLHARES

EIXO COTIDIANO ●

EIXOS RELACIONADOS RITOS ●

PARA OLHAR JUNTOS

SOBRE A PINTURA

Profundidade e perspectiva Cores quentes

Passado e presente

Espaços interno e externo

Cenário e escala

SOBRE O TEMA

Espaço doméstico

Rotina e hábitos familiares

Memória

Gerações familiares

Dualidades e oposições

FOTO / Everton Ballardin

João Alexandre Sarti lembra-se de seu interesse pela arte desde a mais remota infância. Desenhava em capas de álbuns de fotografia e de livros, adorava colorir desenhos comprados nas bancas, divertia-se ao buscar nos jornais os desenhos que se formavam ligando os pontos numerados e reproduzia fielmente as figuras de super-heróis, animais e paisagens que escolhia em gibis.

Percebendo seu interesse, a irmã do artista apresentou-lhe uma professora com a qual passou a ter aulas semanais de desenho com grafite e, depois de algum tempo, pintura com tinta a óleo sobre tela.

Já adulto, viajou para São Paulo e começou a trabalhar no ateliê do seu tio, ajudando-o na confecção de cenário teatral, adereços, produção de fantasias e carros alegóricos de uma renomada escola de samba paulistana. Nessa época, também chegou a cursar Artes Plásticas, mas não concluiu a graduação.

De volta a Rio Preto, participou de salões de arte, recebeu premiações e o reconhecimento de duas de suas telas na Bienal Naïfs do Brasil.

Estar sempre perto, escolher viver junto, planejar a dois, constituir uma família, dividir a vida: são muitos os sonhos e as promessas de um casamento. É um vínculo que estabelece a união de duas pessoas que, por mais que se pareçam e tenham afinidades, possuem diferenças e singularidades. São duas histórias que se juntam para escrever uma nova história.

É o que parece acontecer na cena de Casamento II – um capítulo dessa história narrada por meio de vários outros casamentos: o dia se casa com a noite, os espaços interno e externo se misturam, a expectativa e os sonhos do retrato na parede se casam com a realidade do dia a dia.

Naquele cômodo se passa a vida: o cachorro convive com um animal de brinquedo e divide o espaço com a pele de outro bicho que virou tapete. A família compartilha o jantar (ou seria o almoço?) em silêncio (ou conversando?). Os pais parecem cansados como a enxada que descansa na parede junto ao perigo de uma espingarda. E na tela da TV tudo isso se repete, reverberando essa cena em um ciclo que parece não ter fim.

O comum da rotina é quebrado pela presença extraordinária das nuvens que invadem a casa e se acomodam no teto do cômodo, criando um espaço híbrido entre o que está fora e o que está dentro da casa.

Quantas ações se desenrolam num mesmo espaço de convívio familiar? Qual seria a imagem dos momentos mais memoráveis que ocorreram dentro da casa onde você cresceu? Como a arte pode fazer conviver tempos diferentes dentro de uma mesma obra?

O que mais você vê?

A BANANA COMENDO O MACACO / ONÇA AVANÇA NO PESCADOR

Acrílica sobre tela

150 × 260 cm (díptico)

2018

Prêmio Destaque Aquisição na Bienal Naïfs do Brasil, de 2018

TONINHO GUIMARÃES

Cuiabá (MT) 1964

Antonio Guimarães Alves, ou Toninho Guimarães, vive na cidade de Cuiabá, capital do Mato Grosso, e já trabalhou como auxiliar de pedreiro. Começou a pintar em 1996 e, duas décadas depois, ganhou destaque com a tela Pescador e o Dourado , selecionada para participar da Bienal Naïfs do Brasil, de 2016. Desde então, tem participado de diversas exposições coletivas e individuais.

TROCA DE (OUTROS) OLHARES

Um título pode nos dar a chave para acessar a narrativa de uma obra, mas, na pintura de Toninho, também é possível desvendar o pensamento do artista pelas palavras que permeiam as duas cenas, compondo a imagem final.

EIXO COTIDIANO ●

EIXOS RELACIONADOS

NATUREZAS ● TRABALHOS ●

RITOS ●

PARA OLHAR JUNTOS

SOBRE A PINTURA

Colagem de ideias

Composição em camadas

Perspectiva e planos

Desenho detalhado

Cores contrastantes

Palavra e imagem

SOBRE O TEMA

Cultura mato-grossense

Surpresa e humor

Cidade e natureza

Relações Humanas

Progresso

Paisagem

FOTO / Everton Ballardin

Em 2018, Toninho Guimarães foi premiado com a obra A banana comendo o macaco / onça avança no pescador , adquirida para integrar o Acervo Sesc de Arte Brasileira. Suas obras de estilo suave e traços fortes trazem em cores vibrantes a temática cuiabana. São cenas cheias de detalhes que contam várias histórias inventadas e inspiradas pela cultura popular mato-grossense, contendo elementos como a viola de cocho, os ipês, as borboletas do Cerrado, o caju, o rio e os peixes.

Toninho já explorou vários suportes de pintura, como o papelão, telhas de PVC e telas. Tudo começa na cabeça do artista: “Eu maquinei na minha ideia e peguei os pincéis, a tela e comecei a pintar. Fiz uns riscos meio tortos, consertei e, aí, quando vi, já estava pronto”, revela.

É como se o artista não quisesse deixar dúvidas de sua intenção, daquilo que ele “maquinou” em suas ideias. Se o espaço da tela possui inicialmente duas cenas, o tempo também é dividido em dois – o passado e o presente – dando margem a várias comparações: como eram e como são os relacionamentos dos casais, o uso da tecnologia, a relação entre seres humanos e natureza.

Na narrativa das telas, as coisas do mundo mudaram tanto com o tempo que o rio foi parar no céu, aonde só se chega de carro, por uma estrada de asfalto. Atravessada por animais da floresta, a estrada é vizinha dos prédios altos da cidade, onde uma onça, cansada dessa confusão, ataca o homem que pesca um peixe no rio aéreo. A banana, antes refeição do macaco, passa a se alimentar dele.

Está tudo tão estranho que, para sair dali, só mesmo pegando um avião a laço! Ou seria uma bexiga?

Quais situações podem ser imaginadas no espaço da escola para criar esse estranhamento? Uma aula de matemática no ginásio, abandonar as carteiras e ocupar o chão – o que provocaria olhares rotineiros das pessoas que a frequentam?

O que mais você vê?

FOME ZERO

Acrílica sobre tela

60 × 90 cm 2004

Prêmio Destaque na Bienal Naïfs do Brasil, de 2004

EIXO COTIDIANO ●

EIXOS RELACIONADOS LUTAS ● TRABALHOS ●

PARA OLHAR JUNTOS

SOBRE A PINTURA

Composição em camadas

Divisão dos planos

Figuras simplificadas

Cores vivas

Contraste

Pinceladas grossas

Gestos dos corpos

SOBRE O TEMA

Vida no interior

Trabalhadores da roça

Acontecimentos no Brasil

Alimentação

Programa Fome Zero

Cidade e natureza

Diversidade

DERALDO CLEMENTE

Neves Paulista (SP) 1958

Nascido na cidade de Neves Paulista (SP), próxima a São José do Rio Preto, onde reside, Deraldo Clemente começou a se interessar por arte ainda criança. Foi nesse momento que recebeu seu primeiro caderno de desenho de sua professora, Dona Seinha, na Associação e Lar de Menores – ALARME –, onde estudou até a adolescência.

Deraldo já trabalhou como servente de pedreiro, mas sempre se dedicou à sua arte nas horas vagas e nos finais de semana. Alguns dos temas recorrentes em sua obra são a vida caipira, a natureza, os acontecimentos no Brasil e no mundo e a sua preocupação com o meio ambiente e o desmatamento. Hoje em dia, ele se dedica somente às suas criações artísticas e vive da venda de suas obras. Já participou de diversas exposições, ganhou menções honrosas e prêmios, inclusive em várias edições da Bienal Naïf de Piracicaba (SP).

Deraldo nos diz: “Todos têm uma criança alegre dentro de si, mas poucos a deixam viver. Ser feliz é deixar viver a criança alegre e simples que existe em cada um”. É isso que, para ele, contribui para suas criações e para o estilo de sua arte.

TROCA DE (OUTROS) OLHARES

As copas das árvores se misturam com o céu, o sol e as nuvens. As fachadas das casas são ornamentadas com estrelas. O dia está bonito e a temperatura está quente. Homens e mulheres se alinham em duas filas, juntamente com seus animais. As bocas entreabertas parecem ansiar por comida e os gestos dos braços, um para o alto e outro na barriga, também parecem indicar um desconforto.

O título do trabalho, Fome Zero , pode fazer alusão ao programa criado em 2003 pelo Governo Federal brasileiro para combater a fome, suas causas estruturais geradoras de exclusão social e para garantir a segurança alimentar dos brasileiros.

A entrada do restaurante popular é controlada por um homem uniformizado que recebe alguma espécie de pagamento de quem ocupa o primeiro lugar da fila. Essa, de tão longa, nos faz imaginar: haverá comida suficiente para todos as pessoas e os animais que esperam?

Buscando zerar a fome… Quais são as ações para combatê-la na região da sua escola? Como alimentar as crianças de ideias e valores para exterminar esse símbolo maior da desigualdade?

O que mais você vê?

FOTO / Everton Ballardin

CENTRO DA CIDADE

Acrílica sobre tela

45 × 45 cm

2002

Prêmio Destaque na Bienal Naïfs do Brasil, de 2002

EIXO COTIDIANO ●

EIXOS RELACIONADOS

CORPOS ● TRABALHOS ●

LUTAS ●

PARA OLHAR JUNTOS

SOBRE A PINTURA

Divisão dos planos

Figuras simplificadas

Cores fortes

Desenho com contornos marcados

Desenho detalhado

Linguagem gráfica

Abstração

SOBRE O TEMA

Multidão

Vida coletiva

Centros urbanos

Modernidade

Trabalho

Lazer

CARLOS ALBERTO DE OLIVEIRA (CARLÃO)

Novo Hamburgo (RS) 1951-2013

Carlos Alberto de Oliveira nasceu em Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, em 1951. Carlão, como ficou conhecido, começou a desenhar ainda menino, nos anos iniciais da escola, criando figuras com formas simples. Por meio de uma bolsa de estudos, Carlão frequentou a Escola de Belas Artes de Novo Hamburgo, aos 17 anos. Em 1974, iniciou sua participação em exposições, concursos e salões de Porto Alegre e, em seguida, de outros estados brasileiros.

Ao longo de sua carreira, Carlão se interessou por temas como a desigualdade social e a discriminação do negro com um estilo de pintura característico e inconfundível, utilizando formas humanas unidas sobre a superfície da tela no limite da abstração e com fortes contornos pretos. Retratou cenas de trabalho na cidade, como esteiras de fábricas e lojas, e também o lazer: jogos de futebol, cenas de bar, bailes de carnaval. Seu trabalho revela a cultura popular por meio dos acontecimentos cotidianos das pessoas.

Recebeu menção honrosa na Bienal Naïfs do Brasil organizada pelo Sesc Piracicaba (SP), em 1996, e recebeu o prêmio aquisição da edição de 2002, com as obras Carnaval a cavalo e Centro da Cidade .

Carlão trabalhou como funcionário público municipal da Secretaria de Educação e, enquanto isso, produziu suas obras no Atelier Livre Municipal, até a sua aposentadoria. Faleceu em agosto de 2013, em Novo Hamburgo.

TROCA DE (OUTROS) OLHARES

Esta obra de Carlão retrata uma cena cotidiana em um grande centro urbano, povoado por uma multidão de pessoas. É uma pintura de cores vivas, onde se destacam o amarelo, o azul e o vermelho, assim como os contornos marcantes em preto.

Além das fortes cores e formas, a pintura inspira ritmo e pulsação, evocando também as luzes e o som presentes no burburinho da multidão, nas sirenes da cidade, nas vozes dos vendedores ambulantes e dos comércios que anunciam liquidações, nas placas, nos fios de energia se cruzando entre os postes e dividindo os planos da pintura, na sinalização em palavras.

O ângulo de visão permite ver tudo de cima, num olhar de pássaro, que transforma as inúmeras pessoas – diversas, coloridas, apressadas –, em pequenas manchas contornadas que fazem do quadro uma obra quase abstrata, materializando a complexidade da vida urbana.

No emaranhado de fios e relações, de trajetos e direções, os destinos vão se cruzando. Novas identidades e sons vão se formando em vozes coletivas e experiências intensas de convivência. Quando a multidão comprime as várias singularidades? Quantas vezes paramos para reparar o ritmo do cotidiano? Quando é intenso e quando é pausa?

O que mais você vê?

FOTO / Everton Ballardin

NA MINHA TERRA DE TUDO TEM

Acrílica sobre tela

50 × 70 cm 1994

Prêmio Aquisição na Bienal Brasileira de Arte Naïf, de 1994

MANOEL ALVES NETO Fortaleza (CE) 1963

Manoel Alves Neto é desenhista e pintor autodidata e encantou-se pela arte ainda criança, ao visitar as feiras artesanais com o pai. Iniciou seu trabalho com a arte ilustrando revistas em quadrinhos, e fez sua primeira exposição como profissional em Curitiba (PR).

TROCA DE (OUTROS) OLHARES

A obra Na Minha Terra de Tudo Tem mostra a diversidade e a simultaneidade que existem no dia a dia das pessoas que vivem em determinado lugar ou cidade. São passeios, trabalhos, festas, jogos, costumes, descanso.

EIXO COTIDIANO ●

EIXOS RELACIONADOS TRABALHOS ●

RITOS ●

NATUREZAS ●

PARA OLHAR JUNTOS

SOBRE A PINTURA

Cores puras

Ritmo acelerado

Ritmo

Detalhe

SOBRE O TEMA

Dia a dia

Rotinas e tarefas diárias

Festas religiosas

Trabalhos, sobrevivência

Tradições

Lazer, descanso

Natureza

Cidade

Espaço interno/externo

FOTO

Foi membro do grupo de arte primitiva Imagem das cores, entre 1983 e 1987, e integrou o grupo Beiramarte, em 1980. A partir daí, vem participando de diversas mostras importantes em feiras, hotéis, museus e galerias e realizando ilustrações em livros e outras publicações. Suas inspirações costumam nascer a partir da observação das cenas do cotidiano e da memória de viagens que já fez a muitas cidades do Nordeste.

Seus quadros são repletos de detalhes do dia a dia de cidadãos simples, que moram em cidades pequenas do interior. Retratam as festas populares e momentos corriqueiros da rotina dos moradores, como trabalho, lazer, ritos, brincadeiras e encontros.

A pintura se assemelha a uma história em quadrinhos ou a um mural de fotografias, que conta como é a vida nessa terra que o artista nos apresenta, com detalhes de suas paisagens, interiores de casas, hábitos e rotinas dos personagens. Estão pescando, jogando capoeira, se deslocando de bicicleta, dançando nas festas, dormindo nas redes, nas praias, nas casas, na escola.

Como em uma colcha de retalhos, o artista une momentos da vida de sua gente e de sua terra em uma coleção de múltiplos fragmentos – uma trama complexa, que nos mostra a riqueza da diversidade de pessoas, suas tradições e sua cultura. Como seria um mosaico do seu ano? Quanto se festeja, se descansa ou se trabalha?

O que mais você vê?

/ Everton Ballardin

ENGENHOS

Acrílica sobre tela

50 × 70 cm

2006

Prêmio Aquisição na Bienal Naïfs do Brasil, de 2006

EIXO TRABALHOS ●

EIXOS RELACIONADOS COTIDIANOS ● NATUREZAS ●

PARA OLHAR JUNTOS

SOBRE A PINTURA

Composição e escala

Cores orgânicas

Figuras simplificadas

Repetição dos elementos

Claro e escuro

SOBRE O TEMA

Etapas do processo

Trabalho coletivo

Condições do trabalho

Tecnologias

Fruto do trabalho

Engenho

Produção de açúcar

NERI ANDRADE

Florianópolis (SC) 1954

Neri Andrade nasceu na Praia Comprida, no bairro Caminho dos Açores, em 26 de maio de 1954, na cidade de Florianópolis (SC). Ele sempre gostou de desenhar e, na escola, colocava ilustrações em todas as suas lições. Começou a trabalhar ainda criança, acompanhando seu pai e seus irmãos na lida da roça de milho. Aos 17 anos de idade, conheceu o artista plástico Rodrigo de Haro (Paris, 1939 - Florianópolis, 2021), que trabalhava em uma série de pinturas, hospedado na casa de um vizinho. O artista, percebendo o interesse de Neri, presenteou-o com uma tela, restos de tintas e alguns pincéis. Neri pintou nessa tela um casarão antigo, uma memória de onde morou na infância.

Mais tarde, quando o artista Rodrigo de Haro retornou ao bairro e viu o trabalho de Neri, incentivou-o a continuar na arte. Desde então, ele não parou mais de pintar. Sua estreia aconteceu em 1978, na Coletiva de 12 Artistas Novos de Florianópolis, na Galeria Victor Meirelles. Em 2006, foi premiado na Bienal Naïf, realizada em Piracicaba (SP), com os quadros Pescaria noturna e Engenhos .

Segundo o crítico Oscar D’Ambrosio, num texto sobre o trabalho de Neri Andrade, “o segredo está em não oferecer o óbvio, mas criar uma visão pessoal de um universo no qual se sente à vontade por conviver com ele desde criança. Assim, cada novo quadro torna-se, então, uma memória afetiva de um local que perdeu suas características originais. O bairro que ele pinta não existe mais da maneira que Neri Andrade o retrata, mas é preservado pela sua memória, pela forma como transforma suas lembranças em quadros bem elaborados”. Neri Andrade possui obras em acervos de diversos países.

TROCA DE (OUTROS) OLHARES

Engenho é a capacidade de criar, produzir com arte, habilidade, talento. Ter engenhosidade é ser criativo. É ter a capacidade e a engenharia de inventar, com base nas nossas habilidades, novas coisas. Engenhos também são locais de trabalho, onde acontecem transformações de matérias em outras matérias, como, por exemplo, a cana em açúcar em álcool ou a mandioca em farinha. No passado, as máquinas das moendas eram movidas de várias formas: com tração animal, com a força da água e até humana, como na época da escravidão. Mais tarde, com o advento da energia elétrica, passaram a funcionar com o motor.

A imagem que vemos na obra Engenhos é um pouco de tudo isso e também da memória que ficou no corpo do artista, ecos da infância com seus cheiros, formas, luzes e texturas. O ambiente possui uma atmosfera silenciosa, mas a presença das máquinas, com suas moendas e rodas, sugere um ritmo cadenciado em harmonia com as cores da terra. Os detalhes em branco são cuidadosamente distribuídos nas roupas, nos gatos, nas máquinas, nos balaios de mandioca e nos pequenos pontinhos que aparecem de dentro da montanha de raízes em torno da qual estão todos. É um branco que revela para nós o interior das coisas.

O ateliê do artista também pode ser um engenho, onde ele inventa outras formas de estar no mundo. É um lugar de criação e transformação onde o tamanho de cada coisa pode ganhar outra dimensão. O que compartilhamos quando criamos juntos? Quais são os trabalhos que ainda realizamos no coletivo? Quando as mãos ainda fazem mais que as máquinas?

O que mais você vê?

FOTO

/ Everton Ballardin

CORTE DE CANA

Acrílica sobre placa de eucalipto

32 × 50 cm

1994

Prêmio Aquisição na Bienal Brasileira de Arte Naïf, de 1994

ANÉSIO CARDOSO

Piracicaba (SP) 1940–2000

Anésio Cardoso nasceu e reside em Piracicaba (SP). Pintou seus primeiros quadros em 1968 e, com o incentivo de um artista local, decidiu enviar suas obras para a Bienal de Arte Naïf, realizada no Sesc Piracicaba.

TROCA DE (OUTROS) OLHARES

EIXO TRABALHOS ●

EIXOS RELACIONADOS

NATUREZAS ● CORPOS ● COTIDIANOS ● LUTAS ● PARA OLHAR

JUNTOS

SOBRE A PINTURA

Perspectiva e profundidade

Escala e proporção

Desenho detalhado

Desenho com contornos marcados

Cores vivas, contrastantes

Harmonia das cores em duplas de complementares

SOBRE O TEMA

Condições de trabalho

Tecnologias do trabalho no campo

Regulamentação do trabalho

Relações entre o(a)s trabalhadore(a)s

Maternidade e trabalho

Ciclo econômico: cana-de-açúcar

Ocupação do espaço

Paisagem Rural

FOTO / Everton Ballardin

Os trabalhos de Anésio Cardoso, assim como Corte de Cana , retratam temas rurais e sua gente trabalhadora. Em 1994, recebeu o prêmio aquisição e, em 1996 e 1998, foi selecionado para participar das 3 a e 4 a edições da Bienal.

Hoje em dia, é na região interiorana de São Paulo que se localiza a maior parte dos canaviais. A cana-de-açúcar desembarcou no país pelas mãos dos portugueses, no início do século XVI. Ela prosperou principalmente no Nordeste, fazendo do Brasil o maior exportador do mundo de açúcar nesse período, que se estendeu até o século XVII. Para trabalhar no cultivo da cana, os colonos portugueses utilizaram mão de obra indígena nativa, feita escrava e, posteriormente, recorreram ao comércio e à escravização de africanos.

O corte manual da cana é um trabalho insalubre e pesado em todas as suas etapas. Isso parece se insinuar na expressão da trabalhadora retratada em primeiro plano na obra de Anésio Cardoso. Seu gesto, segurando um facão, sugere um trabalho físico extenuante e cansativo. Ela tem ao seu lado uma criança, que parece ilustrar que a presença do trabalho infantil era algo existente nessas lavouras. A fila de pessoas e de animais indica um trabalho repetitivo, e a cor vermelha do céu acentua a temperatura quente. Por outro lado, o uso das cores vivas e complementares dão à paisagem uma harmonia viva e contrastante.

Se os tamanhos atribuídos aos personagens e lugares – como os pássaros, a chaminé, o trem, os animais – não obedecem a uma escala objetiva, a composição nos mostra um tema de realidade crua e genuína.

Quem são os trabalhadores da cana hoje? Quais histórias e identidades se misturam no convívio dos canaviais paulistas? Quem é responsável por garantir as boas condições de trabalho?

O que mais você vê?

ENGENHO

Óleo sobre tela

50 × 70 cm 2010

Prêmio Destaque Aquisição na Bienal Naïfs do Brasil, de 2010

NEVES TORRES

Conselheiro Pena (MG) 1932

TROCA DE (OUTROS) OLHARES

EIXO TRABALHOS ●

EIXOS RELACIONADOS NATUREZAS ● COTIDIANOS ● RITOS ●

PARA

OLHAR JUNTOS

SOBRE A PINTURA

Composição em camadas

Divisão dos planos

Ritmos da pincelada

Cores suaves e alegres

Figuras simplificadas

Figuras humanas com perfil de pássaro

SOBRE O TEMA

Paisagem rural

Trabalho em engenhos

Trabalho árduo

Tecnologias

Relações entre o trabalho e os corpos do(a)s trabalhadore(a)s

Transporte com animais

FOTO

Neves Torres nasceu na cidade mineira de Conselheiro Pena, em 1932, e foi somente depois de se aposentar que começou a se dedicar à pintura. Durante sua infância, morou em diversas cidades. Mudou-se para Mutum, em 1949, e por lá viveu grande parte da vida. Teve vários trabalhos como mecânico, motorista, dono de sítio e tratorista. Um tempo depois de ficar viúvo, mudou-se para Vitória (ES) e, lá, trabalhou como serralheiro e novamente como tratorista. Nesse último ofício permaneceu até se aposentar.

Como uma forma de distração, começou a pintar em panos de prato, com o estímulo de amigos que pintavam em tecidos. Em 2007, incentivado por um de seus filhos, começou a pintar em tela e não parou mais de criar. Em suas telas, Neves Torres retrata o ambiente rural – paisagens montanhosas, árvores, pedras, bichos, lagos, trabalhadores rurais e plantações – com traços singulares e cores suaves.

Em 2008, enviou seus trabalhos para a Bienal Naïf e, na sua primeira participação, foi um dos artistas selecionados. Dois anos mais tarde, participou novamente da Bienal Naïf e, dessa vez, recebeu o prêmio de aquisição. Em 2012, a Galeria Estação (São Paulo, SP) organizou uma exposição individual das obras do artista, intitulada Neves Torres Pintura . No mesmo ano, o artista expôs suas obras em Paris, na Fondation Cartier pour l’Art Contemporain.

Um engenho é um lugar de trabalho movido por várias pessoas, tecnologias e/ou animais, e envolve diversos processos. A palavra engenho traz em seu significado: capacidade de criar, produzir com arte, habilidade, talento. Ter engenhosidade é ter a capacidade e a engenharia de inventar, com base nas nossas habilidades, novas coisas. Nos engenhos as matérias se transformam em outras, como, por exemplo, a cana plantada e colhida é transformada em açúcar e em álcool.

É isso que a memória de Neves Torres nos revela nesta obra: o processo de moagem, que consiste em fazer a cana passar entre rolos que giram com determinada pressão a fim de extrair o caldo e produzir o bagaço em um processo que pode resultar na produção do álcool e/ou do açúcar.

Não é, porém, somente esse engenho que nos é apresentado! A obra nos mostra uma engenharia também na criação da paisagem: o artista a desenha em camadas, como se estivesse abrindo as superfícies de cor com seu trator de esteira. Os campos de cor – ora lisos e chapados, ora manchados com textura – juntam e separam os lugares, brincando com os lados direito e esquerdo, de cima e de baixo.

A paisagem parece estar em silêncio e harmonia: tudo em sintonia e sem diferença no grau de importância entre as pessoas com perfis de pássaros, os animais que nos encaram, o céu, as plantas… O trabalho árduo e repetitivo é trazido da memória de uma forma suavizada, talvez pela saudade de um tempo que passou. Como as tarefas que realizamos impactam o nosso corpo? Quais são os outros impactos da introdução dos maquinários desenvolvidos para facilitar o processo produtivo?

O que mais você vê?

/ Everton Ballardin

OS ARTESÃOS

Xilogravura sobre papel

66 × 48 cm

2004

Bienal Naïfs do Brasil, de 2004 (Mostra Mistura Fina: A Arte da Necessidade)

J. MIGUEL Bezerros (PE) 1961

O pernambucano J. Miguel, ou José Miguel da Silva, vive e trabalha em Bezerros, cidade próxima do Recife (PE). Sua produção é fortemente associada à arte popular, povoada de temas e personagens do folclore e do Nordeste brasileiro.

TROCA DE (OUTROS) OLHARES

Artesãos são profissionais que dominam técnicas e recursos necessários para a produção manual de objetos, o que lhes proporciona a sobrevivência econômica. Sem, necessariamente, uma educação técnica formal, geralmente possuem a habilidade de criar o que se conhece como artesanato, com a ajuda de instrumentos e matéria-prima apropriados.

EIXO TRABALHOS ●

EIXOS RELACIONADOS COTIDIANOS ● RITOS ●

PARA OLHAR JUNTOS

SOBRE A PINTURA

Xilogravura

Contraste entre figura e fundo

Planificação

Figuras simplificadas

Cores contrastantes

SOBRE O TEMA

Arte e artesanato

Profissões e ofícios

Habilidades

Cultura popular

Gênero

A utilização da linguagem e das técnicas da xilogravura foram herdadas de seu padrasto, José Francisco Borges (1935), o pintor, cordelista, poeta e xilógrafo J. Borges, mundialmente reconhecido. J. Borges é fundador e principal membro de uma verdadeira linhagem de xilogravadores que converteram Bezerros em um importante centro de produção de arte popular.

J. Miguel aprendeu vendo o padrasto trabalhar, auxiliando-o inicialmente na impressão dos livretos de cordel. Aos dez anos de idade, pela primeira vez, cavou madeira para criar xilogravura — “ou mesmo antes”, informa o velho Borges, que se lembra de Miguel aos cinco anos arriscando imagens na superfície de retalhos apanhados no chão do ateliê.

Qual seria a diferença entre arte e artesanato? Entre erudito e popular? O que faz de um artesão um artista? A obra de arte precisa ser única? Esta xilogravura de J. Miguel pode nos lançar essas questões e muitas outras. Como o processo da gravura permite reproduzir várias vezes uma mesma imagem previamente gravada, tanto o artista quanto o público podem conseguir, respectivamente, a possibilidade maior de difusão e acesso aos trabalhos de arte, tornando-os mais populares.

Juntando figuras e palavras escritas no avesso nas matrizes e impressas em papel, J. Miguel retrata diferentes profissionais e os objetos produzidos por eles, frutos de seus trabalhos. Os artesãos estão sempre compenetrados, com o olhar e a atenção voltados às suas criações. Dentre elas, vemos importantes elementos da cultura popular: máscaras, mamulengos, bonecos de barro, esculturas de madeira, rendas, cestaria e até mesmo a própria arte da xilogravura. Quais são os instrumentos dos artesãos? Quais são os artesanatos característicos da sua cidade? Como eles são ensinados? O que eles retratam?

O que mais você vê?

/ Everton Ballardin
FOTO

A PSICANALISTA

Xilogravura colorida sobre papel

48 × 66 cm

2004

Bienal Naïfs do Brasil, de 2004 (Mostra Mistura Fina: A Arte da Necessidade)

J. BORGES

Bezerros (PE) 1935

José Francisco Borges, ou J. Borges, começou a trabalhar muito cedo. Desde criança, ajudava seu pai na roça no agreste pernambucano. Somente aos 12 anos frequentou a escola, por apenas um ano.

TROCA DE (OUTROS) OLHARES

EIXO TRABALHOS ●

EIXOS RELACIONADOS

CORPOS ●

NATUREZAS ●

RITOS ●

PARA OLHAR JUNTOS

SOBRE A PINTURA

Xilogravura

Contraste entre figura e fundo

Cores puras e vivas

Planificação

Figuras simplificadas

SOBRE O TEMA

Cultura popular

Humor

Ironia

Ilustração

Saúde mental

Imaginação

Gênero

FOTO

Aprendeu a ler, escrever e fazer contas praticamente sozinho. Na juventude foi pedreiro, carpinteiro e escultor, vendendo objetos de madeira nas feiras e praças da cidade.

Aos 20 anos, interessou-se pela literatura de cordel, gênero literário em que os folhetos eram vendidos pendurados em cordas ou cordéis, o que deu origem ao nome. Inicialmente, começou a revender folhetos contendo poemas populares em forma de rima ilustrados. Ao perceber que os cordéis vendiam bem, resolveu ele mesmo escrever os poemas e, para ilustrá-los, arriscou-se no mundo da xilogravura, técnica artística típica dos folhetos.

Os cordelistas experientes elogiaram seus desenhos, e suas xilogravuras chamaram a atenção do dramaturgo, poeta, artista e professor – paraibano de nascimento e pernambucano por adoção –Ariano Suassuna (1927-2014), que passou a considerá-lo o melhor gravador da cultura popular do Nordeste.

J. Borges é conhecido como o fundador e principal membro de uma verdadeira linhagem de xilogravadores que converteram Bezerros em um importante centro de produção de arte popular.

Suas histórias e gravuras rechearam muitos livros, e suas obras, repletas de histórias, lendas, folclores, animais fantásticos, mulheres, diabos, pássaros, monstros mitológicos e inventados, o levaram a participar de inúmeras exposições e a ensinar sua arte em vários países.

O artista J. Borges não precisou de diploma para exercer inúmeras profissões e especializou-se na literatura de cordel por sua habilidade, curiosidade, estudo e prática constante. Algumas áreas de atuação, porém, partem necessariamente de uma certificação do profissional, como a medicina e a psicanálise, por exemplo. Desenvolvida pelo médico Sigmund Freud (1856–1939), a psicanálise é um método de investigação da mente humana e dos seus processos mentais. São tratados emoções, sentimentos, impulsos e pensamentos, visando à superação de problemas e traumas por meio da fala, dando voz ao inconsciente, em uma relação entre o analisando (sujeito que se submete à análise) e o analista (psicanalista).

J. Borges nos mostra nesta xilogravra uma narrativa irônica e bem-humorada dessa relação. Deitada em um divã, com uma expressão de sofrimento, de costas para a psicanalista, uma mulher parece pensar e dar voz a diversos temas que a afligem: os vícios, os amores, as dúvidas, seus monstros e seus sonhos. A psicanalista, por sua vez, parece desinteressada, cansada, talvez esgotada no final de um dia de trabalho. A moldura em preto, cheia de referências, pode indicar uma noite de sono, como se toda a cena não passasse de um sonho.

Como você percebe a saúde mental dos(as) seus (suas) aluno(a)s e colegas? Como vocês têm se cuidado? Como lida(ra)m com as marcas e consequências deixadas pelo isolamento social na pandemia de Covid-19?

O que mais você vê?

/ Everton Ballardin

AMAZÔNIA TRÁFICO I

Aquarela sobre papel

42 × 62 cm 2006

Prêmio Aquisição na Bienal Naïfs do Brasil, de 2006

ADÃO DOMICIANO

Ecoporanga (ES) 1969

TROCA DE (OUTROS) OLHARES

EIXO LUTAS ●

EIXOS RELACIONADOS TRABALHOS ●

NATUREZAS ● COTIDIANOS ● CORPOS ●

PARA OLHAR JUNTOS

SOBRE A PINTURA

Perspectiva

Profundidade

Contraste entre claro e escuro Luz e sombra

SOBRE O TEMA

Natureza

Desmatamento

Extração ilegal de madeira

Denúncia

Exploração

Queimada

Trabalho

Região Norte

Adão Domiciano, como ele mesmo se denomina, é capixaba de nascimento e mato-grossense de coração, já que aos cinco anos de idade mudou-se com a família de Ecoporanga (ES) para a zona rural do Município de Reserva do Cabaçal, no Estado do Mato Grosso. No início da década de 1980 mudou-se outra vez mais para a periferia da capital, Cuiabá. Foi lá que começou a frequentar o Ateliê Livre do Museu de Arte e Cultura Popular da Universidade Federal do Mato Grosso — UFMT —, tendo aulas com o artista e professor naïf Nilson Pimenta (19572017), baiano de Caravelas e migrante como ele.

A infância vivida no campo nunca deixou o menino Adão, já que a natureza e a ação do homem sobre ela são temas presentes em seu trabalho artístico. Versátil, produz aquarelas, pinturas em acrílico e óleo sobre telas. Como é comum entre outros artistas, não vive exclusivamente de seu ofício artístico, trabalha também como auxiliar técnico. Participou de muitas exposições no Brasil e no exterior, tendo sido premiado em quatro edições do Salão Jovem Arte Mato-Grossense (1989, 1990, 1994 e 1999). Desde 1994, tem presença frequente nas edições da Bienal de Arte Naïfs do Brasil (1996, 1998, 2000, 2002 e 2006, 2014, 2020), sendo premiado nos anos de 2000, 2002 e 2006.

Adão Domiciano retrata nesta obra, de forma rica em detalhes, a extração da madeira e o que restou do fogo e do corte da floresta. O título da obra, Tráfico I , nos indica a ilegalidade da ação. Um após outro, os caminhões carregados com a madeira extraída deixam a floresta em fila. Quase conseguimos ouvir o barulho das motosserras, que cortam as árvores em pedaços, e do motor do trator, que realiza mais um carregamento.

Muitas obras de Domiciano trazem sua preocupação com o desmatamento e revelam uma crítica sobre a degradação ambiental: a derrubada das árvores, a queimada, a transformação do território em pasto e a criação de gado. Essas práticas são muito comuns no Estado do Mato Grosso, principal fornecedor de madeira nativa brasileira e onde se concentra atualmente a maior parte da exploração ilegal de madeira na Amazônia.

Adão denuncia seu incômodo e acredita no poder educativo de uma obra. Segundo ele, a conscientização pode ser mais um motivo que deveria estimular professores e professoras a proporcionar uma interação maior dos alunos com as artes plásticas.

É possível, por meio da obra, perceber o impacto do desmatamento em uma floresta? O que movimenta o desmatamento? Você sabe ou consegue imaginar o destino dessas madeiras, nobres muitas vezes, e também o que acontece com a terra após a retirada das árvores?

O que mais você vê?

FOTO / Everton Ballardin

URUBUS NA PREFEITURA

Acrílica sobre tela

50 × 70 cm 2000

Prêmio Aquisição na Bienal Naïfs do Brasil, de 2000

EIXO LUTAS ●

EIXOS RELACIONADOS TRABALHOS ●

COTIDIANOS ● CORPOS ●

PARA OLHAR JUNTOS

SOBRE A PINTURA

Uso de muitas cores

Perspectiva e profundidade

Preenchimento do espaço

Ritmo e movimento

Impacto visual

SOBRE O TEMA

Manifestações

Comemorações

Luta por direitos

Espaço público Democracia

Diversidade

LOURDES DE DEUS Custódia (PE) 1959

Lourdes de Deus divide-se entre as cidades de Goiânia e São Paulo, onde vive com o marido e também artista naïf , Waldomiro de Deus, com quem é casada há mais de 45 anos. Nascida no sertão pernambucano, mudou-se ainda criança para a cidade de Osasco, em São Paulo. O desejo pela pintura surgiu há mais de 30 anos, influenciada pelo ofício de Waldomiro.

Seus trabalhos representam tanto um Brasil romântico, com paisagens de campos de flores e tradicionais celebrações populares como as festas de São João, quanto um Brasil de luta, com a representação de manifestações de um povo que anseia por seus direitos. Lourdes concilia seu trabalho como artista com o trabalho doméstico. Já participou de exposições nacionais e internacionais.

Sua participação nas Bienais Naïfs do Brasil começa em 1996, em uma estreia já premiada. Desde então, suas obras têm sido frequentemente contempladas e premiadas em outras edições.

TROCA DE (OUTROS) OLHARES

Urubus na prefeitura é uma obra de 2000, ano que marcava os 500 anos da chegada dos portugueses ao Brasil. Com muitos detalhes e personagens, a obra retrata múltiplas situações que ocorrem ao mesmo tempo em um centro urbano brasileiro.

No centro do quadro está o edifício da “Prefeitura do Estado de São Paulo”, que nos provoca quanto à semelhança dos espaços físicos do município e do estado aqui amalgamados em um edifício. Em seu telhado, vemos uma faixa comemorativa com os dizeres “Brasil 500”. À esquerda da faixa, está uma bandeira nacional e, à direita, um personagem diabólico segura a bandeira do estado paulista. Do lado direito da prefeitura está a FEBEM, extinta instituição para menores reclusos por medidas socioeducativas, atualmente Fundação CASA. O prédio arde em chamas em uma rebelião juvenil.

O quadro é repleto de personagens portando faixas e bandeiras que participam de inúmeras manifestações concomitantes. Uma delas é uma manifestação de professores reivindicando melhores condições de trabalho. Em outra, motoristas autônomos conhecidos por perueiros indicam uma greve. Ao centro da praça, uma manifestação pluripartidária acontece, ao lado de uma feira de ambulantes. Completando o cenário multicolorido e profuso, estão à espreita seis urubus gigantes, observando toda a cena.

O que aguardam essas aves de rapina, observando tanto descontentamento? Como se percebe essa comemoração dos cinco séculos do ‘descobrimento’ atualmente? Quais outras percepções da construção da nossa nação têm sido reconsideradas nessas duas décadas (desde o ano 2000)?

O que mais você vê?

FOTO / Everton Ballardin

O MARTÍRIO DE NOSSA SENHORA DO BRASIL

Acrílica sobre tela

50 × 70 cm

2019

Prêmio Destaque Aquisição na Bienal Naïfs do Brasil, de 2020

SHILA JOAQUIM

Ribeirão Preto (SP) 1965

TROCA DE (OUTROS) OLHARES

EIXO LUTAS ●

EIXOS RELACIONADOS NATUREZAS ● COTIDIANOS ● CORPOS ●

PARA OLHAR JUNTOS

SOBRE A PINTURA

Cores quentes e orgânicas

Profundidade

Atmosfera trágica

Impacto visual

Referência a obra clássica

SOBRE O TEMA

Agrotóxicos

Crise ambiental

Sementes transgênicas

Alimentação

Causas indígenas

Registros

Floresta

Shila Joaquim é pintora, ceramista, poeta, declamadora e arte-educadora, habilitada em Ciências Naturais e mestre pela Universidade Federal do Espírito Santo — UFES. Paulista de Ribeirão Preto, cidade do interior do Estado de São Paulo, atualmente vive e atua em São Mateus, no Estado do Espírito Santo. Seus trabalhos retratam o universo feminino, a religiosidade, as festas populares e os ritos de passagem, nos quais expõe críticas às relações opressivas dos humanos com a natureza e consigo mesmos.

É fundadora do Projeto Casa de Troca | Cerâmica na Restinga, localizado em São Mateus, onde produz, expõe e oferece cursos de cerâmica para professores, artistas e artesãos. Participou de várias exposições dentro e fora do Brasil, tendo obras no Museu Internacional de Arte Naïf de Magog, em Quebec (Canadá), e na Fundação Mino, em Salerno (Itália). Foi selecionada por quatro vezes e premiada em 2020 na Bienal Naïfs do Brasil.

Nesta obra vemos uma paisagem de desolação, retratada em várias camadas. Em uma delas, atravessando todo o quadro, uma mulher indígena jaz no chão, atingida e ferida por uma estaca de madeira que lhe crava o peito, fazendo com que seu sangue escorra até atingir a camada de terra mais profunda. A estaca que a fere, como se fosse uma flecha, carrega a bandeira do Brasil.

Em outras camadas, mais distantes, observamos o céu e o que resta da floresta com altas e frondosas árvores, mas entre a floresta e a mulher está o desmatamento representado pelos tocos das árvores que foram derrubadas e ficaram caídas sobre a terra marrom. Abaixo da mulher, sob seu corpo inerte, uma camada de livros, revistas, jornais, embalagens de agrotóxicos, latas de refrigerante e sacos de defensivos de milho e de soja. O sangue que escorre de seu corpo ultrapassa essa camada espessa e resiste na forma de pequenas raízes que se aprofundam no solo.

Esta obra de Shila Joaquim remete a uma importante pintura da arte brasileira, atualmente no acervo do Masp (Museu de Arte de São Paulo): Moema (1866), de Victor Meirelles (1832-1903). A indígena de Meirelles representa a personagem do poema épico Caramuru (1781), de Frei Durão (1722-1784). No texto, o destino trágico e mortal de Moema ocorreu após afogar-se no mar enquanto tentava alcançar o navio do homem que amava, que retornava a Portugal. Segundo essa visão idealizada e romântica da obra literária, o indígena é visto como passivo e alheio à violência da colonização. Entretanto, na pintura de Shila, o corpo da mulher indígena parece resistir, junto com a paisagem, apesar do grave ferimento.

O que a feriu e a fez sucumbir? Como podemos tratar de obras artísticas e literárias criadas com visões colonizadoras com os estudantes? Quais estratégias podem ser usadas para revermos nossa história?

O que mais você vê?

FOTO / Isabella Matheus

LAGOA RODRIGO DE FREITAS

Acrílica sobre tela

100 × 100 cm 2000

Participação na Bienal Naïfs do Brasil, de 2000, com sala especial Waldomiro de Deus

WALDOMIRO DE DEUS Itagibá (BA) 1944

TROCA DE (OUTROS) OLHARES

EIXO LUTAS ●

EIXOS RELACIONADOS NATUREZAS ● TRABALHOS ● COTIDIANOS ●

PARA OLHAR JUNTOS

SOBRE A PINTURA

Cores vivas e contrastantes

Desenho com contornos marcados

Preenchimento total do espaço

Figuras simplificadas

SOBRE O TEMA

Crise ambiental

Poluição das águas

Envenenamento dos peixes

Resistência

Sobrevivência

População

FOTO

Waldomiro de Deus é um importante pintor e desenhista baiano com uma sólida carreira como artista. Sua enorme produção conta com mais de 3.500 obras realizadas ao longo de quase 60 anos de trabalho. Depois de algumas passagens por outras cidades baianas, chega a Nanuque, em Minas Gerais, e, de lá, parte sozinho, de caminhão pau de arara, para a cidade de São Paulo, onde chegou a viver nas ruas. Com a ajuda de um policial, foi para Osasco, onde começou a trabalhar como engraxate e, depois, jardineiro.

Em 1961, começou a pintar, com tinta guache e cartolina, utilizando materiais encontrados em um antiquário em que trabalhava. Mesmo pintando à noite, depois do trabalho, foi demitido após o patrão reclamar que sua pintura poderia atrapalhar a realização de seu serviço. Waldomiro levou suas pinturas para o Viaduto do Chá, onde conseguiu vender duas delas e, com o dinheiro recebido, alugou um quarto para morar e trabalhar.

Seu trabalho caiu nas graças de um decorador famoso à época e ele passou a vender seus quadros e a sobreviver pintando, participando de diversas exposições no Brasil e no exterior. Causou furor ao usar minissaia e ao pintar Jesus e Maria com roupas modernas. Por conta disso, foi sequestrado pelo movimento tradicionalista de inspiração fascista Tradição, Família e Propriedade — TFP —, mas convenceu-os a soltá-lo sem ter sido agredido.

Em 1976, casou-se com Lourdes de Deus, que também se tornou pintora alguns anos depois, influenciada pelo marido. Atualmente, Waldomiro apresenta uma grande variedade de temas, em que há espaço para fatos de grande repercussão no Brasil e no mundo. Experiente, já realizou dezenas de exposições em várias partes do mundo e possui obras em acervos de importantes museus e instituições culturais.

Dezenas de peixes coloridos saltam da água, emaranhando-se no ar, como se tentassem voar. A alegria das cores da cena contrasta com a expressão triste do cardume, que parece lutar pela sobrevivência, tentando respirar fora da lagoa poluída. A cena da pintura acontece sob o olhar surpreso de um grande grupo de homens, mulheres e crianças, em sua maioria pessoas negras.

Ao fundo, um casario colorido, que mais lembra uma cidade do interior, forma um cenário muito diferente da ostentosa arquitetura dos arredores atuais da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, localidade que dá título à obra.

Entre as casas luxuosas que integram o entorno da Lagoa, está localizado o Quilombo de Sacopã, comunidade negra que, após mais de 100 anos de luta, recebeu da Fundação Palmares a Certificação Quilombola. Em março de 2000, um desastre ambiental provocou a morte de dezenas de toneladas de peixes na Lagoa Rodrigo de Freitas, causando protestos de ambientalistas e moradores.

O que esses acontecimentos nos contam sobre resistência e luta? Quais estratégias e ferramentas de organização social podem ser apresentadas no cotidiano da escola?

O que mais você vê?

/ Everton Ballardin

INVASÃO

Óleo sobre tela

60 × 52 cm 1988

Prêmio Aquisição na Mostra Nacional de Arte Ingênua e Primitiva, de 1991

EIXO LUTAS ●

EIXOS RELACIONADOS CORPOS ●

PARA OLHAR JUNTOS

SOBRE A PINTURA

Escala e perspectiva

Fusão de planos

Composição

Planificação

Cores terrosas

Ritmo e movimento

Figuras simplificadas

SOBRE O TEMA

Invasões

Disputa

Território

Trabalho

Moradia

EMMA VALLE

Salvador (BA) 1933–2000

Emma Valle, artista baiana, trabalhou com pintura, xilogravura, tapeçaria, cerâmica e escultura. Manteve por muitos anos o espaço Cartola Internacional, a poucos metros do Museu de Arte Sacra de Salvador (BA), onde recebeu, em 1965, o artista argentino Reinaldo Eckenberger (Buenos Aires, 1938 – Salvador, 2017). Os dois artistas se influenciaram mutuamente.

As obras de Emma Valle sempre buscam contar histórias a partir de orixás, navegadores, casebres e velhas igrejas, baianas de acarajé, ônibus, barcos, fiação elétrica, negros, brancos, mestiços e rastafáris. Seus trabalhos são realizados em suportes diversos, como prato de porcelana quebrado, azulejos, tacos, pé de mesa, telas, papelão, tampa de fogão e figurinhas de gesso – uma coleção de objetos os mais estranhos e curiosos que ela encontrava.

A artista dizia que as ideias para suas obras surgiam de forma espontânea, sem que ela as provocasse ou pensasse demais. Quando isso ocorria, Emma aproveitava para rabiscar essas ideias num papel. Transformava, em seguida, num trabalho artístico, sem abandonar as novas inspirações que podiam aparecer no momento da execução, porque, afinal, seus trabalhos sempre contavam uma história e elas não tinham final ou início fixados previamente.

TROCA DE (OUTROS) OLHARES

Esta obra de Emma apresenta uma forma de composição em que a arquitetura e os corpos parecem difusos e em movimento, em variadas escalas e dimensões. Ao centro da obra está o casario, que parece ser de uma comunidade periférica. Bem no centro da tela, há uma frase pintada: “Invasão Castelo Branco junho 1987”.

A artista Emma Valle é soteropolitana e representava em seus trabalhos a cultura da cidade. Pode ser que essa frase faça referência ao bairro de Castelo Branco, da cidade de Salvador, localizado na região do Miolo Central, cuja origem data do início da década de 1970.

Pessoas diferentes de muitos tipos e tamanhos estão representadas em torno das casas pintadas. Seus gestos e posturas sugerem uma disputa por território, embora não possamos saber precisamente se a invasão trata-se de uma ocupação ou desocupação do espaço.

O direito à moradia é previsto na Constituição brasileira e os movimentos sociais se amparam nesse princípio legal para reivindicar o acesso a uma habitação digna a todos. Invasão e ocupação são palavras muito usadas para tratar desse assunto, muitas vezes erroneamente. A Constituição brasileira tem definições claras sobre o que é ocupação e o que é invasão. Você sabe a diferença entre elas?

Que movimentos sociais que reivindicam soluções de moradias no Brasil vocês conhecem?

O que mais você vê?

FOTO

/ Everton Ballardin
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