CPT_Blanche_Programa_e_Roteiro_Marco_2016.pdf

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UM OfSfJO ORIGINAl respeito à diversidade é uma questão central no modo de vida ocidental. Nesses tempos de sociedades de massa e padronização, os diferentes ainda são, muitas vezes, hostilizados e segregados. As tensões decorrentes dessas incompreensões provocam conflitos e estranhamentos que precisam ser debatidos e desarmados. Nesse contexto, possibilitar momentos de reflexão e empatia torna-se essencial. Exemplo disso, o espetáculo B/anche, inspirado em "Um bonde chamado desejo'; de Tennessee Willians, com a direção de Antunes Filho, opta pelo minimalismo e pela transgressão de convenções artísticas e sociais, reservando aos atores e ao público a possibilidade de reconhecer e dar sentidos às sutilezas da condição humana. É nessa perspectiva que o CPT/Sesc desenvolve seu trabalho, alicerçado na pesquisa e experimentação de formas inovadoras de repercutir e ampliar ideias e preocupações contemporâneas. Para o Sesc, a vivência subjetiva pode desestabilizar preconceitos e intolerâncias revelando novos caminhos de entendimento e interação social.

O

Danilo Santos de Miranda Diretor Regional do Sesc São Paulo


fON[MOl

ESTE ESPETÁCULO, FALADO EM FONEMOL,* É INSPIRADO EM TENNESSEE WILLlAMS. CADA ESPECTADOR TERÁ QUE IMAGINAR E CRIAR SUA PRÓPRIA DRAMATURGIA: CENA POR CENA. TRATA-SE DE UMA HISTÓRIA DE DUAS IRMÃS: STELLA E BLANCHE DUBOIS ... DUAS IRMÃS!

*Fonemol é uma língua imaginária que procura revelações através das sensações e sentimentos do ser humano. São símbolos do inconsciente, não da razão. Assim como os atores, que com o Fonemol emanam imagens inconscientes, o mesmo deve suceder com o espectador que, sensibilizado na participação, vai agir como DJ, criando sua dramaturgia particular. ANTUNES FILHO




É UMA PEÇA SOBRE DUAS IRMÃS, AS ÚNICAS

A

mais jovem, Stella, conformada com a sua nova posição social, se casa com um atraente e rude operário e se muda para uma cidade distante.

DESCENDENTES DE UMA TRADICIO·NAL FAMíLIA COMPLETAMENTE DECADENTE DO SUL DOS ESTADOS UNIDOS.

[...] Blanche permanece na velha propriedade em ruínas, Belle Rêve, mantendo seu antigo status por cinco anos. Mesmo tendo sido sempre muito decente e extremamente sensível, ela acaba se envolvendo com vários homens em busca de proteção até que tem sua honra maculada. Ela ensina inglês em um colégio da pequena cidade e é mandada embora quando seu nome é envolvido num caso extraconjugal. Sua propriedade é confiscada e Blanche, completamente falida, desiste da batalha e parte em busca de refúgio na casa de Stella.


[...] entre as décadas de 1920 e 1940, muitas peças tematizavam aspectos do passado nacional, servindo de alavanca emocional contra aquele período de depressão e do fracasso do sonho americano. Frequentemente nos deparamos com personagens agarrando-se tenazmente a seus sonhos - Blanche e Scarlet O'Hara são típicos exemplos dessa perda. Seus sonhos nunca são concretizados no plano da realidade, exceto pelas fantasias dos romances lidos ou das operetas assistidas, posto que a propulsão do materialismo norte-americano destruiu todas as expectativas e sonhos, deixando o homem abandonado em um mundo sem alma ...

IIIUDO VAI MflHOR COM CO CA~.cOlA"

PfGOU O OBJflO COMUM f ffl ARlf "Os EUA no início dos anos 1960 passavam por um período de sucesso econômico, mas muitos se preocupavam com o preço pago da prosperidade, o consumismo exacerbado. Andy Warhol mergulhou de cabeça nesse debate cultural, .. Warhol pegou o objeto comum e fez arte. Um modo revolucionário de ver tanto a arte quanto a cultura consumista ... Transformando objetos e produtos comuns em arte ele refletiu a cultura americana ... Andy Warhol fez o ordinário parecer extraordinário:'

JOSÉ CARLOS FÉLlX

SCARlfIO'HARA

DOCUMENTÁRIO

sou O CONTRÁRIO

NO PROCfSSODf PRODU~AO "Desta maneira, a cultura foi retirada do plano ideal/metafísico e inserida no processo de produção da vida material - de ordem social - ofertando obras padronizadas seguindo modelos preestabelecidos tornando-se, cada vez mais, estereotipados, consumistas, representando a negação da arte como esfera de reflexão e do homem como sujeito pensante:' ADORNO

E HORKHEIMER

POR ANTUNES

BIOGRAPHY A&E MUNDO

FILHO

Df UM MÁGICO Df IfAIRO "Sou o contrário de um mágico de teatro. Ele Ihes dá uma ilusão com aparência de verdade. Eu Ihes dou a verdade sob o disfarce agradável da ilusão': TENNESSEE WILLlAMS


SfC.XV MISlfRIOS MfD IfVAIS

S f C. XV li-XV 111 COMfOlf fRAN~AISf

"Que a visualização da narração sagrada teve uma importância pelo menos igual à da dramatização é demonstrado pelo fato de, nos primeiros anos do século XV, as formas representativas designadas por mistérios poderem ser representações mudas: sans parler ou par signes. A compreensão do significado narrativo era às vezes auxiliada por cartazes [titufl1 que tanto podiam descrever a situação como conter as palavras de uma personagem: autênticas didascálias do filme mudo. Às vezes tratava-se de simples tableaux vivants, isto é, de mistérios sans parler ni signer como se diz a propósito de uma representação realizada em Paris, em 1424, acerca da qual se especifica que as personagens pareciam imagens aumentadas numa parede:'

"Desde a sua fundação, a Comédie foi forçada a empenhar-se numa luta feroz em defesa do seu privilégio, ameaçado particularmente pelos pequenos teatros que vinham se instalando nos bairros onde tinham lugar as feiras de Saint-Germain e Saint-Laurent. [...] Em certos casos, a Comédie chegou mesmo a mandar destruir teatros que os forains reconstruíam imediatamente; em geral conseguia apenas limitar a área de ação dos concorrentes, impedindo que estes representassem as comédias, e, mais tarde, até os diálogos e os monólogos. Porém, os teatros da feira responderam à letra, não no plano da violência legal, mas no da invenção teatral, solicitada justamente pelas restrições impostas. Assim, enquanto os atores mimavam a ação, as falas apareciam escritas em grandes cartazes, e o próprio público cantava-as, feliz por participar ativamente daquela batalha. Ou, então, as palavras eram substituídas por sons sem sentido, mas ditos com o ritmo dos alexandrinos e imitando o tom dos grandes actores da Comédie-Française - os Romains, como escarninhamente eram chamados - numa arrebatadora paródia da tragédia':

CESARE MOLlNARI,

História do Teatro

CESARE MOLlNARI,

História do Teatro


"STANLEY, POR SUA VEZ, ENCAPSULA A IMAGEM DA NOVA AMÉRICA, DO IMIGRANTE E DO HOMEM DA CIDADE':

"NESSE CONTEXTO, ELE ASSEVERA SUA MASCULINIDADE

E SUA FALTA

DE REFINAMENTO;

E, ONDE

NÃO PODE DOMINAR SEXUALMENTE, ELE RECORRE À VIOLÊNCIA."

TEXTOS DE JOSÉ CARLOS FÉLlX



PfRfORMfR

é aquele ator ou artista que se torna agente de crise, visando a quase sempre o inédito para sensibilizar e transformar o humano, o social e o político arraigado. ANTUNES

FILHO

L H O O Q

1





ARTISTA f PfSSOA "Num sentido mais específico, o performer é aquele que fala e age em seu próprio nome (enquanto artista e pessoa) e como tal se dirige ao público, ao passo que o ator representa sua personagem e finge não saber que é apenas um ator de teatro. O performer realiza uma encenação de seu próprio eu, o ator faz o papel de outro': PATRICE PAVIS

NO JOGO DO TfXTO "Sem dúvida que o teatro de Hove está bem distante de um teatro realista. Ele incorpora e usa o realismo - como se pode dizer no pós-modernismo - ultrapassando-o, criando outras formas para um ator interpretar uma personagem. Melhor ainda, ele 'performa-o', exige sua presença para desdobrá-Io diante do espectador, mostrando suas dobras e seus recônditos. É no jogo do texto e nesse desdobramento que reside o qrande prazer do espectador e a performatividade do espetáculo:' JOSETIE

FÉRAL POR ANTUNES

FILHO


NAO fNTfNDfMOS NfNHUMA PALAVRA DOS DIÁLOGOS, MAS MfSMO ASSIM fiCAMOS ATORDOADOS. "Tarkovski me ofereceu uma das maiores e inesquecíveis experiências de vida e de cinema. Certo dia, em 1971, eu assistia a um filme em companhia de Kjell Grede [cineasta sueco) numa sala da SF [companhia estatal sueca de filmes). Olhamos para a cabine de projeção, onde havia uma caixa de rolos de filme. Perguntei ao projecionista o que era aquilo, e ele me respondeu que era uma droga de um filme russo. Daí vi o nome de Tarkovski anotado na

caixa e disse a Grede que precisávamos ver do que se tratava. Demos um trocado ao projecionista ... e era Andrei Roublev. Depois, lá pelas duas e meia da madrugada, saímos cambaleando da sala, com os olhos fundos e completamente tocados, entusiasmados e oscilantes. Nunca esquecerei. O que foi notável é que não havia legendas em sueco! Não entendemos nenhuma palavra dos diálogos, mas mesmo assim ficamos 'atcrdoadcs" INGMAR

Df MODO INDfPfNDfNTf "Eu sabia que o filme estaria aberto a várias interpretações, mas evitei deliberadamente indicar conclusões específicas, pois achei que o público deveria encontrá-Ias de modo independente:' ANDREI

TARKOVSKI,

sobre seu filme

O Sacrifício, 1984

BERGMAN

INGMAR

BERGMAN

TARKOVSKI HORKHEIMER ANDYWARHOL ADORNO TENNESSEEWILLlAMS MARCEL

DUCHAMP


BlaRcko


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dquipnrentnoncsrerutuyop teposstntfaccullautaslerioi nedendeliquidquiapratisea enihiciadiadeuconsedior

Bquiautvolluptasiassevoloribrty setatiquatisDeteatro7AIguma tragédiagrega7tquiatenessunti

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Blanche


PfRfORMAlIVO CARACTERíSTICAS A PARTIR DE ERIKA FISCHER-LlCHTE

1

4

Deixa de ser obra de arte objeto para ser evento de arte ao vivo. Encontro que propicia um embaçamento das fronteiras entre artistas e público na construção da obra ou do evento.

Homens jogam no palco com máscaras que escondem e se revelam, performers assumindo personas em oscilação.

5

2 Espaço-tempo compartilhado em presença de corpos que percebem pelos sentidos, cérebro, mente, coração, inconsciente, alma....

Importa o homem-artista-cidadão com seu posicionamento ético, filosófico, estético, político, espiritual, suas loucuras, utopias, pequenezas, vícios, extravagâncias.

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6

Manifestação por palavras, silêncios, imagens, músicas, perfumes, atmosferas, emanações, sentidos, sensações, sentimentos...

Busca-se a emancipação do homem por meio do (re)encantamento do mundo. O palco usado para uma celebração social e espiritual.

Texto de THIAGO BRITO a partir da leitura de textos de Erika Fischer-Lichte. The Transfarmative Pawer oi Perfarmance: a new aesthetics. Londres: Routledge, 2008; e Culture as Perfarmance: Theatre bistorv as cultural histary, disponível em <ww3.fl.ul.pt/centrosjnvstlteatro/pagina/Publicacoes/Actas/ erika_def.pdf>.




AHM DO B[M [ DO MAl E

m um dado momento é mais fácil para nossos olhos produzir uma imagem já produzida com frequência do que se fixar sobre o que é diferente e novo numa impressão que exige mais força, mais "rnoralidade" Para o ouvido escutar alguma coisa nova é difícil e doloroso; ouvimos mal uma música desconhecida. Quando ouvimos o falar de outra língua, tentamos involuntariamente transformar seus sons em palavras que já conhecemos e com as quais temos maior familiaridade. [... ] O novo encontra em nossos sentidos hostilidade e relutância. [...] Assim como hoje em dia um leitor não lê todas as palavras (sem falar nas sílabas) de uma página - prefere ler cinco de cada vinte palavras e "adivinhar" o provável sentido do resto da oração -, nós também não vemos completamente os detalhes de uma árvore, suas folhas, galhos, cores e formas; achamos mais fácil imaginar a sua forma. Mesmo em meio às mais marcantes experiências nós fazemos a mesma coisa; fabricamos a maior parte da experiência e dificilmente somos capazes de contemplar um evento, a não ser como "inventores" dele. [ ...] Somos muito mais artistas do que imaginamos. FRIEDRICH NIETZSCHE



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