Revista Sinais Sociais

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Por uma história da assistência medieval: o caso de Portugal

Contudo, todas essas medidas de pouco adiantavam para deter a peste se ela grassava com intensidade. A inexistência de uma estrutura de saneamento básico, conjugada à precariedade dos hábitos de higiene, era a porta de entrada para as epidemias nas cidades medievais. Contra a peste o indivíduo era obrigado a tomar as medidas profiláticas que julgasse convenientes. E o imaginário relativo àpeste se revela em trechos que aliam o seu combate a medidas como esta: [...] deve o homem se afastar do mal e inclinar-se ao bem, [...] que homem primeiramente há de confessar seus pecados humildemente, pola qual causa grande remédio é em tempo da pestilência a santa penitência e a confissão, as quais precedem e são muito melhores que todas as mezinhas (MARQUES, 1974, p. 94).

Depois, a medida mais eficiente estava na fuga do local empestado. Mas não foi apenas no caso específico da peste que o poder régio na Idade Média interveio na saúde do reino. Nos séculos XIV e XV percebe-se uma gradativa intervenção e concentração da atividade assistencial nas mãos do rei. Trata-se de uma transformação que afetaria de forma profunda as instituições anteriormente descritas.

4 A reforma da assistência em Portugal No final do século XIII assiste-se a uma proliferação desordenada de fundações, o que exprime uma atenção maior com os pobres. Às autoridades comunais não faltaram motivos para multiplicar as intervenções no domínio da assistência. A distribuição aos mendicantes, a tutela dos órfãos e a salubridade da vila, constituíam problemas de interesse comum. A evolução desfavorável da conjuntura do século XIII convidava a novas e renovadas soluções (MOLLAT, 2006, p. 187). Para os pobres de Cristo, que não podem trabalhar, cria-se ao longo do período medieval toda uma rede de assistência individual que tem como alicerce a caridade cristã. Nas cidades, hospitais, albergarias e confrarias situadas junto a igrejas instituíam uma assistência descentralizada que tentava tornar menores as agruras da miséria e da doença humanas. A pobreza involuntária, provocada por períodos de peste, guerra, doenças ou fome, poderiam afetar não apenas indivíduos, mas comunidades inteiras. Nesse caso, os soberanos ou o próprio senhor das terras costumavam acudir com a concessão de isenções fiscais (TAVARES, 1987, p. 44). 108

Sinais Sociais | Rio de Janeiro | v.8 n.23 | p. 87-120 | set-dez 2013

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