Revista Sinais Sociais

Page 112

da arte e da estética antiga. Se com o fim do Renascimento, o aprofundamento da divisão capitalista do trabalho e a fragmentação do homem pela cisão da relação entre indivíduo e sociedade tornaram cada vez mais difícil para a literatura as buscas do ‘páthos’ na vida burguesa, para a arquitetura significaram a dissolução quase completa de sua mimese estética e a sua quase destruição como arte. Dessa forma, e ainda que o “desejo de harmonia entre as faculdades e as forças do indivíduo” não se extingam “nunca por completo”, e quanto mais desumana, “mais feia e mais sem alma se tornava a vida no capitalismo em plena expansão, tanto mais violentamente haveria de acender em alguns indivíduos o afã de beleza” (Lukács, 1966, p. 111), em Lukács, “depois que o sol do universal” se pôs, ao contrário do romance, a arquitetura não pôde voar para a “luz de lâmpada do privado”. 4. A arquitetura moderna e a decadência ideológica Pode-se afirmar que as observações de Lukács sobre as condições sociais e estéticas da arte e da criação literária na segunda metade do século XIX – que identifica com o início do processo de “decadência ideológica” da burguesia – repercutem com intensidade em sua análise arquitetônica.22 Lukács identifica a existência em Marx de uma “vasta e sistemática crítica da grande reviravolta político-ideológica de todo o pensamento burguês no sentido da apologética e da decadência” para apontar, a partir dela, a “conexão da literatura com as grandes correntes sociais, políticas e ideológicas que determinaram a reviravolta em questão” (Lukács, 1968, p. 51). Essa mesma conexão pode ser estabelecida em sua análise da arquitetura moderna. Os problemas e a evolução para a decadência da literatura e da arte têm sua origem para Lukács na grande mudança ocorrida no pensamento burguês que, com a consolidação do poder político da burguesia européia após as derrotas das revoluções proletárias de 1848, torna a “apologética” uma necessidade e a transforma na resposta necessária às dissonâncias cada vez mais evidentes do desenvolvimento capitalista. Na ciência e na arte as conseqüências mais imediatas desta 22   O problema da decadência ideológica é a base de sua defesa do realismo no “Debate sobre o expressionismo” sustentado contra as vanguardas literárias e artísticas do modernismo que considerava “essencialmente anti-realistas”.

Sinais Sociais | RIO DE JANEIRO | v.3 nº8 | p. 78-119 | setembro > dezembro 2008

111


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.