7 Leituras novembro

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13o ano

77 7diretores autores teatrodoabsurdo

Leituras

C a l í g u l a Albert Camus Concepção e Direção Geral Eugênia Thereza de Andrade Direção Eric Lenate



Teatrodoabsurdo*

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termo Teatro do Absurdo foi criado pelo crítico Martin Esslin (1918-2002), que assim intitulou seu livro em 1961. A intenção era agrupar, sob esta designação, as obras dramáticas do pós-guerra que colocavam em evidência o nonsense da vida cotidiana, a incomunicabilidade generalizada e, em suma, o absurdo da vida contemporânea, que se caracteriza pela fragmentação da personalidade e busca inútil e incessante de algum sentido na existência. O Teatro do Absurdo teve muita repercussão no Brasil, até porque, em muitos aspectos, a realidade brasileira em muito se aproxima do mundo sem nexo e sem saída retratado por esta corrente cada dia mais contemporânea. Frederico Barbosa Poeta e Professor SP, 30/1/2019

* O Teatro do Absurdo de Martin Esslin. Edição atualizada (2018) – Zahar Editores


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de Albert Camus

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peça Calígula foi escrita por Albert Camus durante a Segunda Guerra, entre 1939 e 1943, e estreou em Paris, em 1945. Refletindo sobre o caráter corruptor do poder, Camus se vale da figura ensandecida do terceiro imperador romano para alertar sobre a potência destruidora dos déspotas de qualquer natureza e de todos os tempos. Calígula não é apenas um ditador megalomaníaco, como tantos. Senhor de todo o mundo, Calígula passa a praticar todo o tipo de abuso e arbitrariedade em busca da razão perdida. O sucesso da primeira montagem foi tão grande que levou Camus a escrever em seu diário: “Aos trinta anos, quase de um dia para o outro, conheci a fama. Agora, sei o que é. É pouca coisa”. Frederico Barbosa Poeta e Professor


Teatro é coisa do cão

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primeira vez que vi teatro foi um drama representado por padres e seminaristas, lá na caatinga da Bahia. Não sei o ano, mas foi depois que a guerra acabou. Era breu na madrugada em que o rádio de seu Fonseca, o único do lugar, deu a notícia. O povo saiu alegre, no escuro, embrulhado em lençóis brancos, gritando: “A guerra acabou! Vitória, vitória!” Fomos todos para a praça, e eu, no colo de meu pai, a comemorar. Gravei, dessa noite, a palavra aliados e a imagem de Janú, trôpego, pegando em minha mão e dizendo aos prantos: “Menina, Hitler é um cabotino”. Dito isso, caiu aos pés de um oitizeiro, fulminado pela cachaça. Por meio dessas lembranças, penso que o teatro dos padres ocorreu alguns anos depois, quando já tinha luz elétrica. A família foi toda ao teatro e eu contente fui levada pela mão do meu pai. O enredo da peça era o aparecimento do demônio atentando um devoto seminarista. Ele, o Coisa Ruim, ao entrar em cena pela primeira vez, assombrou o povo. Vestido de preto, tinha língua vermelha, chifres e um rabão. Deu grunhidos e saltos com papocos de fumaça fedorenta. Na platéia, três mulheres desmaiaram. Eu, muito pequena, achei que era porque elas tinham feito coisa errada, já que as três apanhavam sempre dos maridos. No último pinote do diabo, a platéia, apavorada, rezou um “Creio em Deus Padre”; minha família reagiu rindo do cão. Ao final Nossa Senhora aparecia, salvava o Seminarista e o levava num barquinho. O demônio foi jogado por um forte raio ao mar e ao afundar-se, deixou de fora o chifre esquerdo e a ponta do rabo em cima da onda do mar, de papel crepon azul. Meu pai piscou o olho pra mim e só nós dois vimos que o diabo era engraçado.


Os gregos antigos foram os primeiros a inventar esse jeito de mexer com o diabo, o teatro. Numa de suas peças, contam de um demônio principal chamado Édipo, que se casou com a mãe e, como castigo, ficou cego. Outro que cutucou o cão foi um inglês de nome Shakespeare; esse aí soube mexer com o diabo, por demais. O teatro não lida com o mesmo demônio da Igreja cristã; esse é um precário. O cão do teatro é um danado que mora em nós. A esperteza de Freud foi descobrir: primeiro, que o demônio existe; segundo, é astucioso e terceiro, o diabo reside no socavão da mente. O Doutor vienense preferiu chamar esse lugar de Inconsciente. O fato é que o demônio, quando emerge do seu porão, pode fazer desde sexo exótico até guerra. Dependendo da época, as duas coisas pipocam em demasia, como nesses tempos. É só ver televisao e ler os jornais. Só vim a ver o teatro moderno, quando já era adolescente, em Salvador. Foi um ensaio da peça Calígula, de Camus, com direção de Martins Gonçalves, e Sérgio Cardoso no papel principal. A encenação foi feita nos escombros do teatro, após a tragédia de um incêndio no Castro Alves. Os atores vestiam roupas brancas, pareciam lençóis e as luzes, um mistério, vinham não sei de onde. Eu, ainda não sabia quem era Camus, mas já tinha estudado, no ginásio de Jacobina, sobre Roma e os doze Césares; um deles, Calígula, fez do seu cavalo, “Incitatus”, senador romano. Naquela noite, vi ali um outro tipo de diabo, só que vestido de toga branca e cheio de mando. Foi um impacto que guardo até hoje na memória; logo senti-me integrada à aquele universo de sensibilidade.


Jamais pensei que dalí, no futuro, sairia meu ganha-pão e que aquilo seria minha vida. Logo depois entrei para a Escola de Teatro da Universidade da Bahia. O teatro para mim é “cutucar o cão com vara curta”. Dessas lembranças, tirei muitos ensinamentos preciosos e com eles fiz um verdadeiro instrumental de sobrevivência. De um deles utilizei-me, bem cedo, quando tive a consciência de que não viveria ali na minha aldeia. Iria rir do diabo num lugar maior. No decorrer da vida, descobri que, tendo visto e rido do cão, ainda muito criança, teria de me valer do Dr. Freud por meio de adjutórios complexos para entender a mente: cuidar do meu diabo e ainda labutar com o dos outros. Nesse longo caminho fiz uma descoberta que me trouxe inevitáveis sofrimentos, não só “Hitler é um cabotino”. Ainda bem que, naquela noite escura de 1945, no colo do meu pai, aprendi que existem aliados. Daí cultivei o hábito de tê-los. Na vida, isso é muito e é quase do tamanho da alegria de sorrir com a esperança de que as guerras podem acabar e que o teatro tem sobrevivido a todas elas.

Escrito em 21/09/2010 e hoje aqui reproduzido


Foto: Coleção Catherine e Jean Camus

A l b e r t C a m u s

“Só há um problema filosófico verdadeiramente sério: é o suicídio. Julgar se a vida merece ou não ser vivida, é responder a uma questão fundamental da filosofia. O resto (...) vem depois.”

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s palavras iniciais do ensaio O Absurdo e o Suicídio ecoam em toda a obra de Albert Camus (1913–1960). Nascido na Argélia em 1913, o jovem de origem humilde, no primeiro ano de vida torna-se órfão de pai, consegue se formar em Filosofia em Argel trabalhando em diversos empregos, sem abandonar suas paixões pelo futebol e pelo teatro.


a m u s

Após ingressar tanto no Partido Comunista Francês quanto no Partido do Povo da Argélia, passa a atuar no jornalismo e funda a companhia teatral L’Equipe, em que trabalha como diretor e ator. Em 1938 mudase para Paris, onde passa toda a Segunda Guerra envolvido com as ações da Resistência. Em 1942 publica suas duas obras principais, o romance O Estrangeiro e o volume de ensaios O Mito de Sísifo, estabelecendo-se, ao lado de seu amigo Jean Paul Sartre, como uma das principais vozes do Existencialismo. Em 1957 se torna o mais jovem ganhador do Prêmio Nobel da Literatura e vem a falecer em 1960. Camus fora acompanhar, no interior da França, a montagem da adaptação do romance Os Demônios, de Dostoievski que fizera para o teatro. Ao retornar para Paris, aceita a carona no automóvel de um amigo. Um desastre fatal o levaria, ainda com o bilhete de trem no bolso da camisa. Frederico Barbosa Jogo Estúdio SP, novembro/2019


7 L EI T UR A S ,7A U T ORE S ,7 DIRE T ORE S 13º Ano – Teatro do Absurdo

CONCEPÇÃO E DIREÇÃO GERAL EUGÊNIA THEREZA DE ANDRADE SELEÇÃO DE TEXTOS Eugênia de Andrade, Mika Lins, Marco Antônio Pâmio e Frederico Barbosa

CALÍGULA Albert Camus TRADUÇÃO Maria da Saudade Cortesão

DIREÇÃO Eric Lenate AMBIENTAÇÃO CENOGRÁFICA Mika Lins OBJETOS CÊNICOS Jorge Luiz Alves MÚSICA AO VIVO L. P. Daniel SINOPSE E BIOGRAFIA Frederico Barbosa

ELENCO

Lee Taylor

(interpretando Calígula) Lavínia Pannunzio Augusto Cesar Claudinei Brandão Diego Machado Kiko Marques Marco Antônio Pâmio Rubens Caribé Tiago Leal ILUMINAÇÃO Vitória Pamplona FOTOS Edson Kumasaka PRODUÇÃO Messias Lima Jogo Estúdio

Agradecimentos: Danielle Perin Rocha, Luiz Campos, Luís Francisco Carvalho Filho, Nando Ramos, Samuel Mac Dowell e Taís Gasparian.


Rinoceronte Eugène Ionesco Direção: Caetano Vilela 28/maio

Piquenique no Front Fernando Arrabal Direção: Oswaldo Mendes 24/setembro

Pastiches Tom Stoppard Direção: Nelson Baskerville 25/junho

O Zelador Harold Pinter Direção: Kiko Marques 29/outubro

Coração Partido Caryl Churchill Direção: Marco Antônio Pâmio 30/julho

Calígula Albert Camus Direção: Eric Lenate 26/novembro

Esperando Godot Samuel Beckett Direção: Eugênia Thereza de Andrade 27/agosto

Quando a Inglaterra estava em guerra, alguém do governo sugeriu ao Primeiro-Ministro cortar o financiamento das artes ao que Winston Churchill apenas respondeu:

“Se cortarmos o financiamento das artes, então estamos lutando para quê?”


7 Leituras 7 Autores 7 Diretores Teatro do Absurdo Calígula – Albert Camus 26/11/2019, terça, 19h30. Teatro Anchieta Duração: 80 min.

Sesc Consolação Rua Dr. Vila Nova, 245 01222-020 São Paulo - SP Higienópolis-Mackenzie Tel: (11) 3234-3000 / sescconsolacao

sescsp.org.br/consolacao


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