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Quando a Arte sonha a si mesma e nós saímos

Trans Gurados

Escritor e jornalista e poeta. Estudou jornalismo na UNIRG.

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Nesses tempos líquidos em que estamos vivendo, marcados pela liquidez, volatilidade e fluidez, segundo o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, para definir o tempo presente – também chamado de pós-moderno para alguns sociólogos e cientistas sociais – a arte segue sendo o grande e insubstituível farol humano. Vide quantas vidas foram salvas nessa pandemia durante o isolamento, pelas mais variadas e diversas manifestações artísticas então à nossa disposição, via TV, rádio ou internet. Parodiando o mestre português Fernando Pessoa, viver não é preciso, sonhar é preciso. Assim, foi com imensa alegria que recebi a incumbência bonita de falar sobre a trajetória de uma artista plástica ímpar, cujo talento e disciplina fazem dela uma “antena da raça”, como disse Pound: Solange Alves, uma paulista de nascimento, radicada em Palmas, Tocantins.

Celebrando 33 anos de uma carreira que, na verdade, teve início ainda na infância, quando ganhou de seu pai uma caixa com 36 lápis de cor, Solange Alves ocupou um cargo de desenhista profissional numa empresa de renome em São Paulo, com um detalhe: foi a primeira mulher a obter essa posição na dita corporação, isso lá nos anos 1980, o que não é pouca coisa. Cursou Publicidade e Ilustração, Dança Contemporânea, Cenografia, História da Arte, Violão Clássico e Popular, e Teologia, entrelaçando assim o ser humano e a artista na busca do seu situamento no mundo.

Na sua rica jornada artística, a artista já passeou por diversos estilos: classicismo, renascentismo, realismo, cubismo, impressionismo, expressionismo, construtivismo, surrealismo, abstracionismo, entre outros, na sua incansável busca do belo no fazer da arte, mas sempre na mansa fluidez da arte pela arte. Não mente essa sua belíssima retrospectiva que agora temos à disposição dos nossos olhos, alma e coração. Sua dica para os artistas visuais iniciantes comprova sua capacidade e profissionalismo: “...estudar, ler e praticar desenho e pintura, pois todos os grandes artistas antes de definir à sua maneira de fazer arte, todos eles dominavam o desenho e a pintura...”

Artista politizada, na acepção política original, ou seja, de se ter uma posição sobre a vida em sociedade, Solange Alves sabe que há tempos as obras de arte passaram a ser mercadorias, e que sob o controle econômico e ideológico das empresas de produção artística, a arte virou um espelho negativo de si mesma: “...é um produto para tornar invisíveis a realidade e o próprio trabalho criador das obras...” E sabe também que a imprensa, na maioria das vezes, desempenha o papel de “...vendedora de alguma coisa como arte...”. Mas, sua trajetória comprova que ela soube se desviar desses pesadelos e encontrar o seu caminho, ancorado na tríade do artista verdadeiro: da verdade, da beleza e da originalidade.

Solange Alves, nessa altura dessa bela e necessária retrospectiva, sabe que o objetivo da arte é buscar meios de acesso ao real e de expressão da verdade. E, junguiana, sabe também que são os nossos sonhos que suportam o edifício sempre teimosamente inconstante do nosso ser. Suas obras são como uma promessa infinita de acontecimentos, um eterno devir, com o Homem transfigurado na beleza dos sonhos produzidos por artistas que, tal como ela, produzem uma arte pela arte. E nos salvam. Salve, Solange Alves!

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