revista Observatório #21

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OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

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da modernidade” brasileira, que tem combinado tanto mudança social e tecnológica constante com manutenção e controle social, tradicionalismo político e cultural. Hall (2005) caracteriza a modernidade como sociedade da mudança enquanto nos passa a impressão de que não haveria mudança nas sociedades tradicionais43. Esse aspecto do seu pensamento nos parece um tanto equivocado, pois também nas sociedades tradicionais as mudanças se processam, ainda que possam ser compreendidas como mais lentas. Nesse caso, a analogia da modernidade como mudança rápida e constante pode ser considerada uma forma de autoelogio do ocidente, uma herança hegeliana da concepção de história como movimento. Mas a filosofia da história de Hegel é justamente o ponto nodal da negação de historicidade às civilizações africanas. Como poderíamos pensar em mudança rápida se temos consciência de 400 anos de duração do tráfico negreiro e escravidão legal e, ao menos, 250 anos de racismo científico? Algumas práticas negras e antirracistas que atuam na cidade abrem mão da institucionalização e acatam o signo do movimento constante e tudo aquilo que é provisório e efêmero. Não há sede nem hierarquia e primam por uma relação fraterna e horizontal entre os membros jovens masculinos e femininos. Certamente existem conflitos e problemas variados, mas esses grupos de jovens negros e negras têm conseguido lidar com desafios criativos e educacionais, com ações concretas e elaborações intelectuais e artísticas muito complexas. Por isso, teimo em mencionar o trabalho que o Terça Afro realiza para fechar este texto.

Aqui São Paulo. Cantaram Racionais Mcs. Terça Afro nasce nesse contexto e faz emergir o que Stive Biko definiu como Consciência Negra na luta contra o racismo institucional na África do Sul. Qual seja, um impulso político e cultural capaz de mobilizar os negrxs do mundo, em torno de um projeto de emancipação política e racial definitiva e humanizadora. A consciência negra, entretanto, não pode ser aprendida em uma cartilha filosófica dogmática e fechada como imaginam as mentalidades autoritárias. Justamente porque deve estar circunscrita a cada dinâmica política, conjuntura temporal e contexto específico. Lá, Biko lançou um petardo cognitivo que pode ou não ser capturado e submetido a novos desígnios. Numa conjuntura de profunda desigualdade e racismo antinegro e anti-indígena que se reinventa, o que podem fazer jovens negrxs além de viver sob o impacto cotidiano da segregação? Qual função e propósito tem um grupo de jovens negrxs envolvidxs com artes, culturas, memórias e identidades? Que tipo de ação tem condições de realizar ante o niilismo, o individualismo, o narcisismo dirigido a eles pela indústria do entretenimento e do consumo em geral? Pelo que tenho acompanhado, eles respondem a esses desafios produzindo micro anti-ideologias e práticas políticas fundamentadas em quatro pilares: negritudes, sociabilidades, artes e afetos. Negritudes: admitem a existência de pertencimentos diversos à origem africana e tomam como positiva a diversidade negra experiencial histórica e subjetiva. Fuçam e reviram as memórias, histórias e


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