revista Observatório #21

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POLÍTICA, TRANSFORMAÇÕES E IDENTIDADES

importantes instituições corporativas patronais do país. De suas fileiras saem funcionários de agências internacionais, ministros, governadores e secretários de estado. No começo da década de 1990, reuniram-se em Curitiba jornalistas e intelectuais, políticos e sindicalistas para discutir uma nova visão de cidadania para um país recém-saído da ditadura civil-militar. Júlio de Mesquita Neto foi jornalista e proprietário do jornal O Estado de S. Paulo. O poderoso “Estadão”, considerado por uns máquina de ideologia retrógrada, e por outros um modelo de empresa familiar de comunicação. Mesquita Neto demagogicamente vaticinava: Ser cidadão não é só fugir da pobreza do campo e se abrigar na miserável periferia das inchadas e violentas metrópoles brasileiras de hoje em dia [...]. A cidadania de primeira classe é a exigência que todo brasileiro, sem distinção de credo, raça, classe social, precisa fazer para se considerar perfeitamente integrado ao mundo livre e civilizado, que está sendo construído neste século XX4.

Nossas elites têm uma visão bem definida do que seja, ou não, cidadania aplicada ao contexto da sociedade brasileira, mas têm feito das “tripas coração” para manter privilégios seculares, tidos como direitos especiais, ou condicionados à participação social e política mediante as circunstâncias. As regras democráticas e republicanas não são obras do acaso, mas utilizadas conforme o contexto. O renomado historiador José Murilo de Carvalho, no mesmo evento realizado em Curitiba, referido a pouco, mencionou

Salloma Salomão

a permanência da prática do castigo físico em âmbito doméstico, mas também o uso recorrente da violência contra as classes subalternas. Contrapunha: “A prática ainda comum no país inteiro dos maus tratos e mesmo da tortura contra presos comuns por parte da polícia reflete sem dúvida esta tradição escravista negadora dos mais elementares direitos civis”5. O município de São Paulo, onde fica a sede da Fiesp, que detém a maior arrecadação tributária, poderia ser também o lugar onde oferecessem os melhores e mais abrangentes serviços públicos e também onde a cidadania democrática e republicana se expressasse verdadeiramente. Isso se a classe política local exercesse atividades marcadas por padrões éticos razoáveis. Mas não, por décadas a fio, a coisa pública paulistana tem sido presa da gatunagem, da expropriação e do descalabro. Recentemente, foi repatriada parte dos recursos financeiros desviados para contas em paraísos fiscais durante as gestões Maluf (1993-1997) e Pita (1997-2001), e esses não são casos únicos. Milhões de reais surrupiados em forma de propina de uma única obra, a construção da Avenida Roberto Marinho, implantada sobre o córrego Águas Espraiadas, cujos esgotos subterrâneos deságuam na sede na Rede Globo São Paulo, limites das zonas sul e oeste. Podemos pensar sobre a “miserável periferia inchada”, citada por Júlio de ­Mesquita, como a favela arribada dali da zona sul para que a Avenida Marinho brotasse, moradias precárias que se estendiam desde o Rio Pinheiros, atravessando toda a parte baixa da Vila Santa Catarina, os fundos alagados da

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