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T IV E FOM E Um desafio a servir a Deus no mundo Direitos reservados pela

ABU Editora S/C Caixa Postal 2216 - CEP 0106 0-970 - São Paulo - SP E-mail: editora@abub.org.br - Home page: www.abub.org.br/editora

V isão M und ial R.Tupis, 38 - 20° andar - CEP 30190-060 Belo Horizonte - MG - Home page: www.visaomundial.org.br O capítulo 4, A compaixão de Jesus, foi traduzido do original em inglês, Walk in His Shoes. Inter-Varsity Press, 1975, sendo publicado com a permissão de Universities and Colleges Christian Fellowship, 38 De Montfort Street, Inglaterra. O capítulo 6, Integridade de Compromisso, foi traduzido por Renira Appa Cirelli. Proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem a permissão por escrito da ABU Editora. Revisão: Edison Mendes de Rosa (capítulos 3 a 7) e Fred Utsunomiya (Prefácio e capítulos 1 e 2) Capa: Shingo Sato

I a Edição - 1983 I a Reimpressão - 1986 2a Edição ampliada - 2003 A ABU Editora é a publicadora da A BUB - Aliança Bíblica Universitária do Brasil.

A A BU B é um movimento missionário evangélico interdenominacional que tem como objetivo básico a evangelização e o discipulado de estudantes - universitários e secundaristas - e profissionais, em parceria com igrejas e profissionais cristãos. Sua atuação se dá através dos próprios estudantes e profissionais, por meio de núcleos de estudo bíblico, acampamentos e cursos de treinam ento. A A B U B faz parte da IF E S - Internacional Fellowship o f Evangelical Students, entidade internacional que congrega mais de cem movimentos estudantis semelhantes por todo o mundo.


Apresentação A Visão Mundial e a Aliança Bíblica Universitária do Brasil têm o prazer de reeditar importantes documentos oriundos a partir do I Con­ gresso Internacional de Evangelização Mundial em Lausanne, Suíça, nesta série denominada “Pacto de Lausanne - 30 anos”. No ano de 1974, numa pequena cidade da Europa, reuniram-se 2.700 líderes evangélicos, de 150 países, com suas diferentes histórias, experiências e práticas. Daquele encontro originou-se um documento que marcou uma parcela significativa de comunidades religiosas em todo o mundo. As reflexões e propostas que transitaram em torno daquele evento influenciaram indivíduos e ministérios e contribuíram para alte­ rar a forma como muitos entendiam seu compromisso com o Evangelho, com o Senhor e com Sua obra. Certamente não há unanimidade em relação aos conteúdos apresen­ tados no Pacto de Lausanne. Alguns o consideram muito engajado ou progressista e outros o percebem como uma proposta conservadora, pou­ co ousada. Há ainda interpretações que o entendem como uma espécie de “terceira via”, a partir das diferentes opções teológicas disponíveis. Porém, não há dúvidas de que ele representa e singulariza um processo que demarcou e demarca a comunidade evangélica em diferentes partes do mundo moderno. O Pacto de Lausanne é referência para iniciativas que representam importantes contribuições na construção de sociedades mais justas e igualitárias, contextos em que a presença e a atuação das igrejas evangélicas se singularizam pela busca em atender efetivamente ao chamado que o Pai nos faz, na esperança de que o nosso clamor pela vinda do Reino de Deus seja ouvido. Estas três décadas não envelheceram o documento, pelo contrário, tornaram-no mais vigoroso, à medida que pautou a reflexão e a prática de diversos grupos evangélicos por todo o mundo. Temas como “evange­ lho integral”, “responsabilidade social”, “preservação do meio-ambiente”, “evangelho e cultura”, “contextualização da mensagem do evange­ lho” estão no foco de atenção de todas as organizações e grupos cristãos que procuram servir ao Senhor com integridade e à sociedade com rele-


vância. Centenas de milhares de pessoas foram impactadas por uma visão mais integral do Evangelho. No Brasil, o Pacto de Lausanne teve influência direta na articulação de diversos grupos e eventos, tais como o Congresso Brasileiro de Evan­ gelização (em 1983 e 2003). Inúmeros teólogos, pastores e líderes evan­ gélicos levaram à frente seus ministérios procurando viver o Evangelho contextualizado ao meio em que vivem, numa clara compreensão da necessidade da “encarnação” da verdade no ambiente onde ela é prega­ da, e do caráter integral de sua mensagem, apresentando a verdade toda ao ser humano como um todo. H oje, a Igreja Evangélica Brasileira, despertada de seu distancia­ mento dos processos políticos e sociais e de outros temas “seculares”, está enxergando esse “novo mundo”, onde os evangélicos passam a ter maior participação na vida pública do país, com muitos irmãos e irmãs vivenciado sua fé a partir do engajamento político-partidário e de uma militância social comprometida com a justiça e identificada com os mais necessitados. A mensagem do Evangelho inclui não apenas as “boas no­ vas” de salvação individual, mas o projeto de Deus para que os cidadãos celestiais - “os salvos em Cristo” - manifestem os sinais do Reino na sociedade decadente em que estão inseridos. Eles são chamados a ser sal e luz, a fazer diferença como cidadãos do Reino de Deus, aguardando, apressando e manifestando a vinda definitiva do Rei. Essa consciência de fazer parte de um processo histórico comandado por Deus é funda­ mental para definir a visão que um grupo evangélico tem da sociedade e das demandas de sua interação com ela. Uma nova geração de líderes cristãos surgiu após o Pacto de Lausan­ ne, muitos dos quais nunca tiveram acesso ou mesmo conhecimento do documento. Trinta anos se passaram, mas as premissas, as demandas e a necessidade de “constante Reforma da igreja” são um imperativo para que o Brasil não perca a oportunidade de ser sacudido realmente por um “mover do Espírito Santo”, que se manifesta através de um povo escolhi­ do, resgatado, submisso à Palavra e sensível às necessidades do mundo para o qual é novamente enviado. A Palavra de Deus é a base para ins­ truir quanto ao caráter e a conduta desse povo. O Pacto de LauSanne é um documento fruto da reflexão de diversos líderes evangélicos de todo o mundo, guiados pela Palavra, a fim de relembrar a Igreja quanto ao seu chamado de viver a plenitude do Evangelho com “todos os santos” nestes “dias maus”. Os editores


índice

Prefácio — Serguem Jessu i S ilv a .................................................................

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1. Os evangélicos e o combate à fome - V ários a u t o r e s ......................... 13 2 .2 0 anos depois de “Tive Fome” - Lyndon S a n to s.............................. 31 3. Servir a Deus no mundo - Sam uel E sco b a r.......................................... 35 4. A compaixão de Jesus - Jo h n S t o t t ........................................................ 47 5. Cristo e anticristo na proclamação —Valdir S teu ern a g el................... 57 6. Integridade de compromisso - C arlyle D e w e y .....................................67 7. Sabinópolis, hoje —D enise M a r a n h ã o .................................................... 83


Prefácio Serguem Jessui Machado da Silva Diretor Executivo da Visão Mundial no Brasil

É um privilégio para Visão Mundial, em associação com Aliança Bíblica Universitária do Brasil, continuar contribuindo com a reflexão teológica e o anúncio profético a um mundo com problemas cada vez mais complexos e, paradoxalmente, no caso brasileiro, no contexto de uma Igreja Evangélica que cresce em suas inúmeras facetas. E ela cresce porque pertence ao nosso Senhor Jesus Cristo, o Senhor da Igreja. Nestas duas décadas que separam o primeiro Congresso Brasileiro de Evangelização (1983) do segundo congresso (2003), muitas coisas aconteceram em todas as áreas do conhecimento e relacionamento hu­ manos. Apesar dos muitos feitos extraordinários realizados, e até mes­ mo inimagináveis para a maioria dos mortais, este mundo de nosso Deus continua em perigo. Justamente pelo jeito com o qual continuamos le­ vando a vida. Numa certa altura, pensou-se que era possível encarar o nosso jeito de viver somente de uma maneira. Mas o fenômeno da globa­ lização abriu nossos olhos para percebermos que as questões que nos afligem são extraordinariamente globais, complexas, abrangentes. Nossa forma de pensar estava ligada a um único modo de administrar economi­ camente o mundo. No entanto, apesar dos progressos, uma parcela ex­ pressiva de seres humanos, criados à imagem e à semelhança de Deus, vive na mais profunda miséria. A Igreja evangélica cresceu, mas para aqueles que vivem abaixo da linha da pobreza, nada melhorou, infeliz­ mente. Até se pensou que algo havia melhorado, como se sinalizou num determinado momento de nossa história, mas parodiando um certo jor­ nalista, “é uma vergonha” que muitas de nossas crianças continuem de­ gradando suas vidas naquilo que a Organização Internacional do Traba­


lho chama “das piores formas de trabalho”. E elas são tantas! É assusta­ dor que nas grandes cidades um contingente delas esteja no farol venden­ do guloseimas e outras coisas mais. E triste ver que essas crianças estão nos lixões dos centros urbanos (ou na zona rural), que elas estejam a serviço do tráfico (utilizando o nome pomposo de “soldados do tráfi­ co”), que estejam sendo exploradas sexualmente e, aos milhares, conti­ nuem sofrendo com a indiferença da Igreja. O mundo está se dando conta, ainda que timidamente, de que uma dimensão particular da fome - a fome física - não é mais tolerável. E curioso saber que em muitas partes do mundo, e até mesmo em regiões que apresentam baixíssimos indicadores econômicos e sociais como no Brasil, muitas comunidades tinham a sobrevivência garantida através da pequena produção de subsistência. Mas, devido às opções que fizemos em dado momento de nossa vida por um certo tipo de desenvolvimento, essa base econômica foi quebrada. Daí surgem, então, grande parte dos problemas que enfrentamos e que assustam principalmente os integran­ tes da classe média, como as muitas formas de violência generalizada e a banalização da vida. A Igreja não está livre dessas conseqüências e mesmo tendo confiança absoluta no Senhor da Igreja, ela teve que so­ correr seus discípulos, usando-se dos meios terrenos para lhes garantir algum tipo de segurança. E notório, também, que ainda não nos apercebemos de que no dia do Juízo vamos ser inquiridos e avaliados de maneira bastante objetiva por um indicador bastante concreto em nossa humano-espiritual existência. Está escrito no Evangelho: “pois eu tive fome, e vocês me deram de co­ mer” (Mt 25:35). O texto não deixa lugar para desculpas. Até se pode inferir que o termo se relaciona com outras formas de fome, como “fome espiritual”, “fome de afeição”, “fome de relacionamento” etc... mas é importante constatar que a passagem faz referências a outras necessida­ des imediatas e primárias dos seres humanos. Por fim, a mensagem é muito clara e apresenta de maneira insofismável a posição do nosso Senhor: “... o que vocês fizeram a alguns dos meus menores irmãos, a mim o fizeram” (Mt 25: 40). . E certo, também, que ao longo destes vinte anos que separam os dois congressos um número expressivo de pessoas e organizações se levantou para fazer frente aos incontáveis desafios. Muitos assumiram seus cha­ mados e, sem apoio de quem quer seja, a não ser a voz do Espírito, “têm se colocado nas brechas”. O tema da Responsabilidade Social avançou em diferentes matizes, e, bravamente, irmãos e irmãs movidos pelo Espírito do nosso Senhor


estão envolvidos em diferentes ações e estratégias (ainda que algumas delas sejam questionável em termos de qualidade). É assombroso perce­ ber que um incontável número de cristãos estão dando seus testemunhos em trabalhos com populações de rua, portadores de HIV/AIDS, educa­ ção de adultos, mobilização comunitária, atendimento a portadores de necessidades especiais, a crianças abusadas sexualmente, à terceira ida­ de e negros, citando alguns poucos exemplos. A participação cidadã destes filhos de Deus se faz presente nos dife­ rentes Conselhos de Direitos em suas mais diversas manifestações, quer seja em movimentos sociais, sindicais ou político-partidários. H oje, pela graça de Deus, esses cristãos não são mais vistos como seres “estranhos” no Corpo de Cristo. Muitos paradigmas foram e têm sido quebrados por força da ação do Espírito, que transtorna nosso jeito preconceituoso e destituído de compaixão de perceber as coisas. O Espírito assim vai nos forjando, quiçá, como seres mais tolerantes e sensíveis. A palavra de Esperança Certamente nos sentimos impotentes frente aos indicadores sociais negativos gigantescos. Muitas vezes não sabemos por onde começar. Em outras, pedimos pela volta imediata o Senhor. E certo que com Ele todas as coisas serão restauradas. Mas enquanto o Senhor não vem, sua Igreja precisa ter a palavra que aponta os métodos, caminhos e possibilidades. Precisa ter a palavra que anuncia que Ele está no meio de nós. Que anuncia sua completa insatis­ fação com todas as formas de injustiças. Que dá concretude a uma solidariedade que não somente se compadece, mas que se traduz, por exemplo, em apoios efetivos aos irmãos e irmãs de nossos sertões e ribei­ ros. Uma palavra que nos pequenos gestos demonstre o apoio às missões, às organizações e aos militantes que se colocam a serviço do Senhor. No primeiro Congresso Brasileiro de Evangelização houve uma as­ piração no sentido de uma busca da Unidade do Corpo de Cristo. São muitos que não crêem mais nesta possibilidade. As razões são inúmeras, embora, alguns teimosamente continuam acreditando que o Senhor da Igreja pode romper com essas diferenças. O xalá, que o desejo de dar de comer possa ser um tema transversal que nos una, que nos leve para além de nossas diferenças. Oxalá, que a Igreja se conscientize de sua força social e que tenha uma palavra e uma ação que sejam testemunhos proféticos no enfrentamento da violência, seja de que natureza for.


Quiçá, as regiões densamente povoada de crentes possam se dar con­ ta de que existe uma parcela da sociedade muito pouco evangelizada e que, independente do local —e mesmo em meio às condições de vida difíceis e complexas - , ela possa ser encarada como um desafio para toda a sociedade no qual a Igreja do nosso Senhor se insere. Da mesma forma, sonhamos com uma solidariedade que seja lusófona, com os nossos irmãos de fala portuguesa, do além-mar. Também nos solidarizamos com a realidade latino-americana, neste continente tão sofrido de nosso Deus, de tal modo que não tenhamos mais nenhuma “década perdida” com outras milhares de vidas também perdidas. Estes dias, cada vez mais difíceis, exigem de nós oração, Palavra e obras. M a r a n a ta !

Todos que são beneficiados pelo que faço, fiquem ceríos que sou contra a venda ou troca de todo material disponibilizado por mim. Infelizmente depois de postar o material na Internet nâo tenho o poder de evitar que “ alguns aproveitadores tirem vantagem do meu trabalho que é feito sem fins lucrativos e unicamente para edificação do povo de Deus. Críticas e agradecimentos para: mazinhorodrigues@yahoo. com. br Att: Mazinho Rodrigues.


1 Os evangélicos e o combate à fome Ariovaldo Ramos Silvia Regina Jorge Kivitz Carlos Alberto Bezerra Jr. Daniela Sanches Frozi Clóvis Pinto de Castro Levi Corrêa

No ano de 2003 o Brasil assistiu a uma mudança substancial na condu­ ção da nação. Um partido vindo das bases populares assumiu o governo. Além do fato inusitado para a história da nação, assistimos a uma mudan­ ça de rota no que tange ao estabelecimento de prioridades governamen­ tais. O presidente da república conclamou a nação a erradicar um mal que a tem assolado desde os primeiros dias de sua existência: a fome. O objetivo do governo foi exposto de forma simples: garantir o direi­ to à alimentação para todos os brasileiros, o que significa levar a todo cidadão ou, melhor, a todo o habitante do território nacional a possibi­ lidade de desfrutar de três refeições diárias, com a qualidade nutricional necessária. Foi extremamente significativo o fato de, pela primeira vez, um go­ verno admitir a realidade da fome e, mais do que admiti-la decidir en­ frenta-la, lançando, para isso, mão dos recursos disponíveis, tornando-a prioridade de governo. O Brasil, é uma das nações mais ricas do planeta, o que nos leva a perguntar: Como uma nação tão rica pode padecer de fome? A resposta


é o fato de nossa economia ser forte, porém, concentrada na mão de poucos, o que acaba condenando muitos à fome. Segundo o frei Beto, na cartilha “Fome Zero, como participar”, no Brasil “fome e desnutrição formam um círculo vicioso, agravando a po­ breza. Produzem efeitos cumulativos irreversíveis, como a dificuldade de assimilação de conhecimento pelas crianças raquíticas e mal alimenta­ das; a quebra da imunidade às doenças; o retardamento mental; a ce­ gueira; distúrbios glandulares; e a morte precoce ( de cada 1000 crianças nascidas vivas no Brasil, cerca de 32 morrem antes de completar 1 ano de vida). Ao todo, mais de 150.000 crianças por ano. De cada três crianças falecidas, duas morrem em conseqüência da falta de água adequada, que provoca diarréia e outros males.” A fome é o problema mais grave que temos, não só pelo que ela é em termos de definição, mas pelo que ela revela em termos de injustiça. Por esse motivo o governo não tinha outra escolha, uma vez que decidiu en­ frentar a questão, senão conclamar toda a nação para esta batalha, pois o problema é de gravidade tal, que só através de uma mobilização de toda a sociedade será possível atacá-lo. A igreja evangélica que está no Brasil, sendo uma parte da nação, também foi convocada para essa luta e de forma alguma pode furtar-se a participar. Entendemos que fome é um conceito complexo, que envolve tudo que compõe o que chamamos de qualidade de vida. Entretanto, mesmo correndo o risco de ser tachado de simplista, o cristão deve cola­ borar, arregaçar as mangas e participar com a sua cota de esforço e de trabalho, juntando-se aos demais segmentos da sociedade civil. Carida­ de tem sido nosso labor desde sempre, por isso, mais do que ninguém temos claro que a solidariedade mitiga, mas não resolve, pois atua ape­ nas sobre as conseqüências. Também sabemos que caridade para sempre é inviável, tanto para quem a faz como para quem a recebe. Porém, a experiência nos ensinou que só quem se desespera diante dos sintomas, corre para eliminar as causas. Como disse o presidente da república, citado pelo frei Beto: “Penso que o Brasil deu uma oportunidade a si mesmo. Não será um milagre de um presidente da república. Acho que será um milagre da sociedade brasileira. Se cada entidade empresarial, se cada pessoa que tenha alma, consciência política, neste país, resolver adotar essa campanha, o governo não precisa nem saber, porque não queremos paternidade do resultado. Se alguém na sua cidade, se alguém na sua vida, se alguém na sua comunidade quiser fazer alguma coisa, pelo amor de Deus, faça! Não fique esperando o governo! Faça, porque o que nós queremos não é ver a cor da semente, o que queremos é ver o


resultado que essa semente vai dar, se a sociedade brasileira assumir para si a responsabilidade de acabar com a fome no nosso país.” O governo estruturou o programa num tripé composto por ações de emergência, levadas a efeito pelo Ministério Extraordinário de Seguran­ ça Alimentar (MESA), pelo Conselho de Segurança Alimentar (CONSEA), composto por 13 ministros de estado, 38 membros da sociedade civil e 11 observadores nacionais e internacionais, e pelo mutirão da fome. O governo deflagrou 58 programas voltados para a erradicação da fome, que estão sendo levado a efeito pelos 13 ministérios ligados ao programa As ações de emergência consistem em nove programas de so­ corro imediato e de alteração estrutural na realidade local, desses pro­ gramas, o mais conhecido é a distribuição do cartão alimentação, que confere ao beneficiado o acréscimo de R$50 ao seu orçamento familiar que deverá, obrigatoriamente, reverter em alimentos. O papel do CONSEA é o de propor políticas, diretrizes e maneiras de organizar as ações do governo de modo a garantir a eficácia no combate à fome e incentivar a sociedade para que, de todas as formas possíveis, se organize a fim de gerar a solução de seus próprios problemas. A Aliança Evangélica Brasi­ leira (AEvB) foi convidada a fazer parte do conselho e ela designou um representante. A presença da AEvB no CONSEA, de um lado, significa o reconhe­ cimento por parte do poder da importância da igreja evangélica no país e, de outro lado, o chamado ao segmento que representa 17% da popula­ ção a assumir sua parte na responsabilidade de buscar soluções para os problemas que afligem a nação. À AEvB somaram-se outros grupos evan­ gélicos, dando assim, mais consistência à representatividade evangélica no conselho. O primeiro processo deflagrado por esse grupo foi a criação de Fóruns Evangélicos Contra a Fome. O primeiro deles aconteceu em São Paulo na Câmara municipal da cidade, de onde grande parte dos artigos expostos neste capítulo, com exceção do último, foram gerados.

APRESENTAÇÃO Silvia R egina Jo rg e Kivitz Assistente Social e coordenadora do Instituto Agente A questão da fome no Brasil retomou seu lugar de destaque na agen­ da social do país. Em que condições estão vivendo pessoas de famílias que não têm o mínimo suficiente para garantir sua segurança alimentar? Dados a respeito da fome são contraditórios. A FAO apresenta o número


de 21 milhões de pessoas sem o mínimo para se alimentar. Estudos feitos pela Organização Mundial da Saúde apontam para, no máximo, 7 mi­ lhões de pessoas com algum grau de desnutrição. Por sua vez, a ação da cidadania, baseando-se nos dados do IBGE, apresenta o número de 50 milhões de famintos no Brasil. Os dados da pesquisa nacional por amostra de domicílios do IBGE, em 1999, atuali­ zados pela edição de 2001, considera que a linha de pobreza média pon­ derada no Brasil, de R$71,53 mensais por pessoa, indica a existência de 46 milhões de pessoas com uma renda mensal disponível de R$39,11. Não há dúvida em se afirmar que esta renda é insuficiente para garantir acesso a uma alimentação mínima. Há também a realidade do desperdício de alimentos no Brasil, inclu­ indo o as perdas agrícolas. São milhões de toneladas de alimentos em bom estado que deveriam estar na mesa do consumidor, mas vão parar no lixo. Esses números referem-se a uma perda anual equivalente a 1,4% do PIB nacional, dados apresentados na publicação: MESA São Paulo ação contra a fome e desperdício, pela qualidade de vida. Sesc, 1999. Para nós, cristãos, o relato bíblico registrado no livro de Gênesis, capítulo um, expressa o cuidado e a preocupação de Deus com o ser humano e o suprimento de suas necessidades básicas. O texto é muito claro e explícito, e refere-se à ação de Deus na criação do homem e da mulher à sua imagem e semelhança, que providencia, também, os recursos para que ambos tivessem suas necessidades de alimentação supridas. O versículo 29 indica a orientação do Criador: “Todas as ervas... e todas as árvores em que há fruto que dê semente; isso vos será para mantimento.” A igreja cristã, ao longo da história, buscou amenizar a fome de muitos. H oje, temos o desafio de ampliar esta ação, buscando alternati­ vas no enfrentamento à fome, seja nas questões emergentes - pois, como disse Herbert de Souza, o Betinho, “ quem tem fome tem pressa” - seja nas questões estruturais, políticas, econômicas e sociais. Sabemos que o enfrentamento à fome exige uma ação em rede com vários grupos que têm priorizado, no desenvolvimento de suas ações, a dignidade humana. Por esta razão, reconhecendo: • a urgência na construção de uma rede de proteção social que con­ templa a segurança alimentar como um de seus programas priori­ tários; •a significativa contribuição das igrejas e de organizações evangéli­ cas, através de suas diversas expressões de ação social, seja no re­ partir do pão e na viabilização de oportunidades para “alcançar condições para se comprar o pão”;


• o momento histórico, quando os evangélicos estão representados no Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA); Propomos a realização do fórum evangélicos contra a fome e como espaço de discussão e articulação dos evangélicos de São Paulo na ques­ tão da segurança alimentar e nutricional. Todos são convidados para este desafio. “Vinde, benditos de meu Pai! Entrai na posse do reino que vos está preparado desde a fundação do mundo. Porque tive fome e me deste de comer... Então, perguntarão os justos: Senhor, quando foi que te vimos o quanto e te demos de com er?... O Rei, respondendo, lhes dirá: em verdade vos afirmo que, sempre que fizestes a um destes meus peque­ ninos irmãos, a mim o fizestes.” (Mateus 25:34 a 40).

SE R V IÇ O , U M SIN A L D O R E IN O C arlos A lberto Bezerra Jr. Pastor, médico e vereador na cidade de São Paulo Por que um fórum? Uma das principais características da missão da igreja ao longo de seus 2000 anos de existência foi o serviço ao próximo. O próprio senhor Jesus deu o exemplo, com o véu da dignidade humana tanto em sua dimensão imediata - alimentando multidão que o ouvia - quanto na extensão da vida cotidiana - os paralíticos, cegos e marginalizados são curados e incluídos pelo mestre na sociedade que até então os execrava. Por essa razão a igreja não precisa que alguém diga a ela que deve servir ao próximo. Estamos nisto há muito tempo. O que talvez tenha­ mos deixado de fazer é olhar o ser humano em sua integralidade. Nossa ética cristã, muito justamente, tem sido zelosa na busca de conversão de almas ao Reino de Deus. No entanto, com o passar dos séculos, negligen­ ciamos um aspecto importante da oração que o próprio Filho de Deus nos ensinou: “venha o teu Reino”, isto é, seja sinalizado na terra, na urbe e na orbe, o Reino e tudo que ele implica em termos de justiça, paz, dignidade, solidariedade. Agora que a fome volta a ser o tema recorrente da agenda nacional, o papel dos mais de 24 milhões de evangélicos brasileiros passa a ser fundamental. Se há um grupo que tem autoridade histórica para partici­ par desse debate e se engajar no combate à fome e à desnutrição, somos nós. Essa vocação não se levantou hoje, através do presidente do Brasil ou do ministro extraordinário da segurança alimentar. Ainda que sejam homens de bem e ter objetivos louváveis. Nosso chamado começou com


o convite feito ao primeiro apóstolo, e se estende até hoje. Mas não podemos participar deste movimento apenas de uma forma assistencialista, como temos feito. E claro que as cestas básicas distribu­ ídas nas centenas de milhares de igrejas, congregações e organizações cristãs são muito importantes, mas é preciso que tenhamos nossa consci­ ência despertada para a verdadeira batalha, que é a de fazer uma socie­ dade cada vez mais parecida com o Reino de Deus. Com capacidade de organização e articulação podemos participar mais ativamente da luta contra a fome. Precisamos despertar um movi­ mento interno do corpo de Cristo que ultrapasse o sentido de uma sim­ ples campanha de arrecadação de alimentos. Através de avaliações de nossos recursos materiais e humanos e da revisão e alinhamento de nos­ sas iniciativas, poderemos ir muito mais além. Este foi o motivo de organizarmos o fórum evangélico contra a fome. Não se trata de um evento atrelado ao programa Fome Zero do governo Lula. Isso só serviria para reduzir a discussão. Mais do que discutir os erros e acertos dos responsáveis pelo programa, o fórum se dispõe a olhar criti­ camente para a própria atuação das igrejas evangélicas. Ao invés de poli­ tizar a pobreza, o objetivo do grupo foi lançar um olhar para o desafio que se apresenta e analisar, com humildade e coragem, como participar dele. Fome de que? A fome é uma questão muito maior do que apenas a discussão sobre como alimentar os pobres. O Brasil é um país no qual vários tipos de fome podem ser identificados: a fome de um sistema que garanta educação de qualidade para todos; a fome de saúde com qualidade; a fome de justiça social; a fome de respeito às instituições, a começar pela cidadania. O programa Fome Zero não se restringe a montar uma grande má­ quina governamental capaz de colocar um prato de comida diante de cada cidadão. E nobre, mas não é suficiente. Tem a ver com direito de acesso à terra em uma política mais justa de distribuição de renda, que ponha fim à vergonhosa estatística que revelam serem 2% da população brasileira os proprietários de 48% das terras férteis. Isto é, ação efetiva para colocar um fim definitivo no problema. O resto é factóide. Só quan­ do a alimentação é vista como direito, e não como favor, pode ser com­ batida em suas raízes. Ações práticas - justiça A Bíblia nos fala de outro tipo de fome, e torna os homens mais bem aventurados, justamente por não se limitar aos apelos do próprio estô­


mago: é a fome de justiça. Ela não olha apenas para dentro de nossas panelas, nem se resume a cuidar do abastecimento de dispensa de nossas casas. A fome de justiça amplia sua visão para o vizinho, para o estran­ geiro que bate à porta, para os confins da terra. Ela enxerga além de nossos quintais, e chega até o campo que produz o trigo que faz o pão cotidiano de nossos filhos e dos filhos dos nossos semelhantes. Na Palavra de Deus, Jesus disse que os que têm este tipo de fome serão saciados. Esta é uma promessa poderosa: o Salvador garante que sua justiça nos alimentará. E quando afirma isto, Cristo não se refere apenas à nossa esperança. Ele fala de forma prática é muito clara: “Dailhes vós de comer”. Em outras palavras, o Senhor está dizendo que sua igreja é o agente com o qual conta para que a justiça do Reino seja sinalizada, fazendo com que as outras fomes sejam saciadas. Uma dieta na base de cargos e discursos não é suficiente, mas uma nação cheia da mesma compaixão do Filho de Deus pode transformar a realidade de forma definitiva. Por que Deus não nos envia o maná hoje? É porque Ele conta com um povo por Ele chamado e capacitado, e deseja que nós entremos em ação, coloquemos o “pé no barro”. A parábola do bom samaritano é um mode­ lo de atitude através da qual podemos compreender com clareza que Jesus olha para a fome do corpo (a dimensão física) a partir da fome do espírito: os zeladores da fé e da lei desprezaram o homem ferido na estra­ da, mas aquele samaritano que tinha fome de justiça preocupou-se em promover a dignidade de seu próximo. Como tem sido nossa posição como cristãos e como igreja evangéli­ ca? Será que, no afã de saciar a fome espiritual, temos sido omissos em saciar a fome de justiça? E possível que tenhamos ignorado a falta de amparo das pessoas, tal como fizeram os homens da lei e da religião na parábola? E por quê permanecermos tão tímidos diante de tragédias sociais, como as rebeliões na Febem, a exclusão dos portadores de neces­ sidades especiais, o trabalho infantil e tantas outras manifestações da falta de justiça, o alimento que torna uma sociedade saudável? Não podemos ser insensíveis ou omissos. Jesus nunca foi omisso. Ele expulsou os vendilhões do templo, e entrou em Samaria, jantou com os que a sociedade excluía, não se calou diante da trama que o levaria à cruz. Devemos fazer o mesmo. A hora é de participação, de mobilização, de organização, de articulação. Por isso o Fórum Evangé­ licos Contra a Fome deve repensar nossas práticas e fazer uma autocrí­ tica. E que Deus nos ajude a enxergar, como Ele, as várias formas de fome de nosso país.


P O L ÍT IC A S D E A L IM E N T A Ç Ã O D aniela Sancbes Frozi Professora universitária e Vice-Presidente daA B U B Para iniciar nossa abordagem sobre o tema é necessário trabalhar com as definições de três situações interligadas ao tema de Segurança Alimentar e Nutricional: Segundo o conceito definido pela FAO/OMS, tem fo m e aqueles cuja alimentação diária não aporta a energia requerida para a manutenção e funcionamento do organismo e para as atividades ordinárias do ser hu­ mano. Já a desnutrição (OMS/OPAS/UNICEF) está presente entre aque­ les que manifestam sinais e sintomas provenientes da insuficiência quan­ titativa ou qualitativa da dieta ou de doenças que determinem o mau aproveitamento biológico dos alimentos ingeridos. Por fim, temos a situ­ ação de p o b rez a (IPEA), a qual se caracteriza quando a renda p er capita é insuficiente para suprir necessidades básicas como abrigo, vestuário, educação, cuidados de saúde, etc. Situação que quando agravada é defini­ da como p o brez a extrem a (IPEA), ocorrendo quando a renda p er capita é inferior à mínima necessária para a aquisição de uma cesta de alimentos regionalmente definida. O Ministério da Saúde, em uma tentativa de traçar um perfil do caso brasileiro em relação à fome e a pobreza, constatou que a fome/insegu­ rança alimentar que subsiste no país é, essencialmente, uma questão de acesso aos alimentos e que a desigualdade de acesso se dá da mesma forma que a desigualdade da distribuição de renda. E que o combate à fome confunde-se com o combate à pobreza, pois aqueles que passam fome no Brasil se encontram entre os pobres. Nem todos os pobres pas­ sam fome, mas todos os que passam fomes são pobres. A questão da fome no Brasil é antiga, em um primeiro mapeamento nacional Josué de Castro registrou em seu livro Geografia da Fome a situação referente há 63 anos passados. Cenário de pobreza e fome que se distribuía de forma desigual no território brasileiro. O passado poderia ter contribuído para que avançássemos no com­ bate à fome e à pobreza, porém as políticas públicas de alimentação e nutrição se configuraram de forma compensatória, emergencial e tran­ sitória. Ainda apresentaram uma abordagem estrutural incipiente, não permitindo o efetivo combate à desigualdade. Mesmo na última déca­ da, os índices que medem o grau de desigualdade de uma sociedade (Gini e Theil) se mantiveram estáveis para a situação brasileira confi­ gurando uma situação de assimetria social apenas comparável em todo


o mundo com outros três países africanos pobres. No atual cenário político brasileiro há concordância sobre a necessi­ dade de políticas de longo prazo que considerem a questão alimentar e nutricional como central nas ações públicas. O acesso a uma alimenta­ ção saudável e segura é um dos direitos fundamentais de um povo. Nessa linha surgiu o conceito de Segurança Alimentar e Nutricional como sen­ do o balizador das ações governamentais. Este foi definido em 1994 na I a. Conferência nacional de Segurança Alimentar e apresentado à Cú­ pula Mundial de Alimentação, que acabou adotando o conceito em âm­ bito internacional: “Segurança alimentar e nutricional consiste em ga­ rantir a todos condições de acesso a alimentos básicos seguros e de qua­ lidade suficiente, de modo permanente e sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, com base em práticas alimentares saudá­ veis, contribuindo assim para a existência digna em um contexto de de­ senvolvimento integral da pessoa humana”. Com a ampliação deste conceito temos as novas Políticas de Segu­ rança Alimentar e Nutricional do atual governo que em seu projeto Fome Zero, constitui a esperança de se enfrentar o problema da fome e pobre­ za no Brasil. O projeto Fome Zero inova dentro da esfera pública ao colocar polí­ ticas estruturais de médio e longo prazo ao lado das de ordem emergenciais. Não reduz sua ação a distribuição de cestas básicas e nem cria novos programas de ação federal, mas convoca a sociedade civil a uma parceria com os municípios e estados para o fortalecimento dos Conse­ lhos de Segurança Alimentar e Nutricional. Como elementos para uma boa política de Segurança alimentar tem se como prioridade promover políticas de geração de emprego e incre­ mento de renda. A renda é um importante fator no acesso a uma alimen­ tação segura do ponto de vista nutricional. A democratização da terra e assentamento de produtores rurais é outro elemento central ao promover o acesso a terra, franqueando crédito, tecnologia e acompanhamento aos pequenos produtores e suas famílias. Por outro lado, as políticas de abastecimento e incentivo a agricultu­ ra familiar precisam ser formuladas sobre o aspecto da agricultura sus­ tentável, visando o melhor uso dos recursos naturais e o barateamento das tecnologias do plantio. Ainda o monitoramento do estado nutricional da população, atra­ vés do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional, é prioritário para o conhecimento da situação alimentar do país, fornecendo subsídios téc­ nicos para a formulação de Políticas de Alimentação mais acuradas e


para a identificação da população alvo a ser atendida pelos programas emergenciais, por exemplo. A promoção de hábitos alimentares saudáveis é ainda um dos alvos desta política de Segurança Alimentar e Nutricional. É necessário en­ volver a sociedade civil na promoção da Educação Alimentar. As esco­ lhas alimentares são certamente influenciadas pelo acesso as informa­ ções nutricionais, as quais necessitam serem democratizadas assim como o aumento a escolaridade no Brasil. E por último, nossa esperança é que as palavras de Josué de Castro encontrem não apenas ressonância no presente, mas soluções concretas em um breve futuro no combate à fome e à pobreza no Brasil: “O Brasil subdesenvolvido, em fase de desenvolvimento autônomo e de acelerado processo de industrialização não conseguiu ainda se liber­ tar da fome e da subnutrição que durante séculos marcaram duramente a evolução social, entravando o seu progresso e o bem-estar social do seu povo”. Jo su é d e Castro (1946)

F O M E E D IM E N SÃ O PÚ BLIC A DA FÉ C lóvis Pinto d e Castro Professor do Programa de Mestrado e Doutorado em Ciências da Religião da UMESP Introdução: por uma fé cidadã A atual cultura de privatização do espaço público perpassa também pela omissão de muitas igrejas. Políticas do “toma lá, dá cá”, do “é dando que se recebe”, dos desmandos, dos privilégios, do apadrinhamento, do favorecimento político, do assistencialismo etc., orientam a prática de algumas (para não dizer muitas) igrejas. Não precisamos de uma pesqui­ sa com rigor científico para constatar tal afirmação. Os escândalos e as denúncias presentes na mídia envolvendo cristãos, especialmente por ocasião das eleições, por si só denunciaram que alguma coisa não está bem. Além disso, percebe-se uma influência forte de aspectos da cultura pós-moderna no dia-a-dia das igrejas locais, tais como a fragmentação da realidade, o hedonismo, o individualismo exacerbado, o desapego das tradições, e a vivência de uma experiência imediata (sem passado e sem futuro). É a valorização de uma espiritualidade fast fo o d e descartável. Com isso, a dimensão afetiva e mística da fé está superdimensionada, limitando-se à esfera do privado e à sua dimensão íntima. Por isso, o debate em torno da fome coloca-se como uma excelente oportunidade para ampliar a presença das igrejas na sociedade (o espaço


público) e pensar a fé na perspectiva da cidadania. Fé cidadã é fé com­ preendida na perspectiva da ação, com fé participativa, que ativa a cons­ ciência ética do cristão, abrindo a possibilidade de inserção no espaço público (testemunho) e em favor da vida em toda sua plenitude. A fé, assim como a cidadania, ganham maior visibilidade e consistência na articulação entre suas dimensões pública e privada. A fé sem obras (fru­ tos) é morta. Nesse sentido, as igrejas são desafiados a viver uma fé que articule as dimensões privada e pública da experiência humana, por meio do eixo da cidadania. Vale registrar que milhares de igrejas locais, espalhadas nas diversas regiões de nosso país, já têm participardo de programas de combate à fome. Mesmo que, em sua maioria, sem uma consciência política e cida­ dã (no sentido mais pleno dessas expressões), e apenas por meio de um assistencialismo social imediatista e, quem sabe, proselitista, eles aju­ dam a diminuir o impacto da fome nas camadas mais empobrecidas do população. Esta práticasocial para os elitistas é alimentada por teologias que espiritualizam e simplificam a realidade cotidiana. Oferece res­ postas mágicas e superficiais aos problemas que são de ordem política, econômica ou cultural. São teologias maniqueístas, que dividem a reali­ dade entre “bem sagrado” e “profano mal”, e que reforça a visão pre­ conceituosa em relação ao “mundo”. Compartilhando uma experiência... A religião, ou melhor, as experiências religiosas me acompanham desde a infância influenciado pelo catolicismo praticado pelo meu pai. Pela minha mãe, aprendi desde cedo a buscar na religião uma maneira de transcender as pinturas, muitas vezes cruéis, da realidade cotidiana. Par­ ticipava de vários rituais: novenas, procissões, missas, rezas... Descobri, aos poucos, especialmente na adolescência, quando se identificaram minhas experiências religiosas, já no contexto da igreja metodista, que por meio dos rituais religiosos poderia alcançar a “paz interior”, inde­ pendentemente do que acontecia no mundo. Na verdade, fui catequiza­ do, tanto no catolicismo quanto no metodismo, no sentido de me manter afastado do mundo, pois “o mundo nos afasta de Deus. Quem ama o mundo não ama a Deus”. Quando comecei a freqüentar a igreja metodista, ficava admirado com um quadro que decorava uma das salas da escola dominical: “os dois caminhos”. O caminho largo (do mundo) que levava ao inferno, e o ca­ minho estreito (da fé e, mais especificamente, da igreja), que levava ao Paraíso. Essa imagem foi fundamental para formar meu imaginário.


Vivi muitos anos tentando “fugir do mundo”. Mas o mundo não fugia de mim. Ele sempre se fazia presente, uma presença que sempre me seduzia me inquietava. Quanto mais tentava fugir, com mais força ele se apre­ sentava. Até que decidi fazer teologia, possivelmente porque pensava que os pastores tinham mais força para viver fora do mundo para vencêlo. Porém, a reflexão teológica provocou uma metanóia em minha vida de fé. Fui reeducado a ver o mundo com outros olhos. Fui convidado pelos docentes a amar o mundo, a ter paixão pela vida. Essa mudança de olhar (hermenêutica) não foi tão simples assim. Demorou, foi um longo e doloroso processo, e não estou muito seguro se ele já terminou, pois de vez em quando me surprendo com saudades do tempo em que “não ama­ va o mundo”, ancorado em certezas que a fé me oferecia, e vendo uma espiritualidade tranqüila em meu espaço privatizado. A questão da fome na Bíblia O tema da fome não é o desconhecido para os cristãos, especialmen­ te para aqueles que não perderam o hábito, o gosto pela leitura da Bíblia. Tanto no Antigo como no Novo Testamento, há registros de momentos em que o povo de Deus passou fome. Podemos afirmar que o povo de Deus experimentou de perto a realidade da fome, por isso aprendeu a se tornar solidário ao órfão, à viúva, ao estrangeiro, ao pobre. Nos momentos de crise, nas privações, o povo percebia a presença educativa de Deus: “a fim de que o Senhor teu Deus nos mostre o caminho por onde devemos de andar, e aquilo que havemos de fazer” (Jeremias 42.3). Há na Bíblia centenas de textos que falam sobre o dever da pratica da solidariedade na perspectiva da justiça, inclusive com os inimigos: “se o que te aborrece tiver fome, dá-lhe pão para comer; se tiver sede, dá-lhe água para beber, porque assim amontoarás brasas vivas sobre a sua cabeça, e o Senhor te retribuirá” (Provérbios 25:21-22). Por ser pobre e andar quase sempre com gente pobre, Jesus também teve fome: “no dia seguinte, quando saíram de Bethânia, teve fome” (Marcos 11:12). Fica claro, para quem lê a Bíblia com maior atenção, que a fome não é algo que faz parte dos propósitos de Deus para seus filhos. Nas promessas escatológicas de restauração, evi­ dencia-se a vontade de Deus: “não terão fome nem sede... porque o que deles se compadece os guiará, e os conduzirá aos mananciais das águas” (Isaías 49:10). As únicas sede e fome que agradam a Deus é a fome e sede pela justiça: “bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos” (Mateus 6:6). H á relatos das primeiras comunidades cris­ tãs afirmando que desfrutarão do Reino os que viveram na dimensão da solidariedade e da justiça: “Então dirá o Rei aos que estiverem à sua


direita: vinde, benditos do meu pai! entrai na posse do reino que vos está preparado desde a fundação do mundo. Porque tive fome e me deste de comer; tive sede e me destes de beber...” (Mateus 25:34-35). Viver na dimensão da justiça O Brasil vivenciou, no fim do ano passado, um dos momentos mais significativos de sua história política. Um processo eleitoral elogiado em todo mundo pela sua lisura e organização: a presença do segundo maior contingente de eleitores da história mundial numa única eleição, o uso de tecnologia e, por fim, e não menos importante, a eleição de um líder sindical, homem simples, que conseguiu eleger-se após três tentati­ vas. Por tudo isso muito se falou sobre a consolidação do processo demo­ crático. Porém, a democracia é um processo de construção permanente. Ela nunca está pronta, acabada ou concluída. A nossa democracia, ape­ sar do avanço sua dimensão política, ainda é muito frágil em termos sociais e econômicos. Nós, brasileiros, especialmente nós, cristãos, pre­ cisamos “forjar uma democracia de maior compromisso com a promo­ ção da justiça e da igualdade social... corre-se o perigo de constituir-se uma democracia política fundamentada num ap arth eid social”. Portanto, a expressão “justiça social” deve orientar as ações gover­ namentais e servir de parâmetro às práticas eclesiásticas. No caso do governo, a justiça social coloca-se como questão política e de ordem humanitária; no caso das igrejas, além dessas dimensões, a justiça social coloca-se como questão teológica. O tema da justiça é fundamental para uma adequada a compreensão da ação de Deus no mundo. De acor­ do com a tradição bíblica, Deus criou um mundo justo. No Antigo Tes­ tamento justiça é um mundo em ordem (sedeq). Nessa perspectiva, o mundo deve ser ordenado pelo princípio da justiça. Há, no hebraico, duas palavras traduzidas por justiça: sed aqah e m isbpat. Conforme o contexto, elas são traduzidas por justiça ou por direito. É tema recorren­ te no o Antigo Testamento a preocupação constante com uma vida soci­ al e comunitária justa e tranqüila (a tranqüilidade pública como fruto da justiça): “o efeito da justiça será paz, e o fruto da justiça repouso segu­ rança para sempre. O meu povo habitará em moradas de paz, em moradas bem seguras, e em lugares quietos e tranqüilos” (Isaías 32:17-18). Percebe-se a íntima ligação entre justiça e paz (sh alotn ). Na língua portuguesa a tradução da expressão sh alom é bastante reducionista. S halom é muito mais do que paz: representa um estado de harmonia, integridade, inteireza, unidade e totalidade. E o bem-estar social - ple­ nitude de vida e realização pessoal, comunitária e nacional. É o ser hu­


mano em harmonia consigo mesmo, com o próximo, com a natureza e com Deus. “S halom é a imagem em de uma sociedade em plenitude de vida alicerçada na justiça”. Para Knierim, sh alom é “a rede de abundân­ cia de todas as coisas para todos os humanos”. Pensar e debater debater a questão da fome numa perspectiva bíblica implica na formulação de uma teologia que oriente e sustente a prática dos cristãos no espaço público - espaço privilegiado para o testemunho cristão. Participar do espaço público, por meio de uma fé cidadã, permitirá às igrejas colabo­ rar na construção de uma democracia com maior justiça e igualdade social. Fome é uma questão que deve ser abordada na esfera da política.

O P O D E R DA A R T IC U L A Ç Ã O Levi C orrêa Pastor e membro-fundador do Fórum para Conscientização do Voto Evangélico das Igrejas do A B C Introdução Precisamos buscar uma sinergia que se fortaleça a partir do respeito à diversidade dos atores evangélicos conscientizados de seu papel na pro­ clamação do evangelho integral no combate a todas as fomes, através de ações emergenciais e estruturais. Creio que tal sinergia só ocorrerá se exorcizarmos o conceito errado que temos em nosso meio sobre as articulações; se denunciarmos e com­ batermos as nossas crises de protagonismo; e se nos arrependermos de nossa postura letárgica, disfarçada de prudência, frente às demandas sociais do nosso povo. A proposta Gostaria de apresentar a proposta do “sal e farinha” para balizar a nossa luta contra todas as fomes (hoje, com enfoque na fome como des­ nutrição e pobreza). Baseio-me em dois episódios na vida de Eliseu, con­ forme o registro de II Reis 19-22 e 4:8-41. O Sal (II Reis 2:19-22) Alguns hom en s d a cid ad e fo ra m dizer a Eliseu: “C o m o p o d es ver, esta cid ad e está bem localizad a, m as a água não é b o a e a terra é im p ro­ du tiva”. E disse ele: “P onham sal num a tigela nova e tragam -na para m im ”. Q u an d o a levaram , ele fo i até a nascente, jo g o u o sal ali e disse: “Assim diz o Senhor: ‘Purifiquei esta água. N ã o cau sará m ais m ortes


nem deixará a terra im produ tiva’ ”. E até h o je a água p erm a n ece pura, co n form e a palavra d e Eliseu. A farinha (II Reis 4.38-41) D ep ois Eliseu voltou a Gilgal. N esse tem p o, a fo m e assolava a re­ gião. Q uan do os discípulos dos p rofetas estavam reunidos com ele, ord e­ nou ao seu servo: “Ponha o cald eirão no fog o e fa ça um en sop ad o para estes h o m en s”. Um deles fo i o cam p o ap an h ar legum es e encon trou um a trepadeira. A pan hou alguns d e seus fru tos e encheu deles o seu m anto. Q uando voltou , cortou -os em p ed a ço s e co lo co u -o s no caldeirão d o en­ so p a d o , em bora ninguém sou besse o qu e era. O en sop ad o fo i servido aos hom ens, m as, logo que o provaram , gritaram : “H om em de Deus, há m or­ te na p an ela!” E n ão pu deram m ais tom á-lo. Então Eliseu pediu um p ou co de farinha, co lo co u no cald eirão e disse: “Sirvam a t o d o s ”. E já n ão havia m ais perigo no caldeirão. O sal, representando as ações estruturais no combate à fome: “sa­ rando a água da cidade de suas nascentes”. A farinha, representando as ações de emergência no combate à fome: “salvando a comida que já está na panela e removendo o veneno o imediato”. Vamos jogar farinha e não areia no projeto fome zero. Precisamos de articuladores hábeis que saibam usar o sal e a farinha. O homens e mu­ lheres capazes de viabilizar parcerias e conexões entre todos os agentes e instituições que atuam estrutural e emergencialmente no combate à fome. Articuladores orgânicos que têm o livre trânsito em todas as organiza­ ções governamentais e não-governamentais. O frio de dentro E gostaria de encerrar com uma ilustração adaptada, criticando a desarticulação que há entre os super-articulados, os superdesarticulados, os alienados, os técnicos competentes e as quartas pessoas da trin­ dade. Era uma vez um grupo de homens que foram surpreendidos por uma avalanche de neve, e tiveram que se esconder em uma caverna em uma região muito fria. Eles foram bloqueados pela neve e precisariam permanecer vivos diante do intenso frio até que um grupo de resgate chegasse até eles. Havia uma pequena fogueira onde todos se aqueciam, aliás, a única maneira de sobreviverem seria se mantivessem aquele fogo aceso. Cada um possuia um pouco de lenha que, se lançada na fogueira, garantiria a sobrevivência, pelo menos por aquela noite. Em torno da fogueira eles começaram a pensar.


O Zé Super-articulado pensou: “Este bando de lesmas não merece mais nenhum tipo de ação ou contribuição da minha parte, vou guardar a minha lenha e esperar que alguém tome uma iniciativa”. O Zé Superdesarticulado pensou: “Estou tão confuso e assustado, não creio que temos muito que fazer. Vou ficar com a minha lenha, pois é melhor uma lenha na mão do que duas queimando”. O Zé Alienado pensou (o que lhe causou uma terrível enxaqueca): “N ão estou entendendo por que tanta tensão no ar. A vida é assim, todo mundo tem que morrer um dia, mes­ mo. Não sei bem para que serve esta lenha, e não estou a fim de saber qual será sua serventia”. O Zé Técnico Competente pensou (o que ele mais sabe fazer): “Vamos fazer um diagnóstico completo. Definiremos o perfil de cada um dos indivíduos e procuraremos estimulá-los a desco­ brir uma saída para o problema, que é de todos. Não serei assistencialista a ponto de simplesmente contribuir com a minha lenha. Com isso, reforçarei a precipitação do Zé Superarticulado e a letargia do Zé Superdesarticulado e do Zé Alienado. Precisamos de soluções estruturais”. O Zé Quarta Pessoa da Trindade pensou: “Esses tolos já deviam ter me consultado sobre a solução do nosso problema. Fico irritado só de estar na mesma caverna com esses zés manés. A minha lenha, esta madeira de lei, jamais será queimado numa fogueira e como essa. Ela servirá como um detalhe no meu trono, no pináculo do templo”. O tempo passou, a fogueira apagou, e quando o resgate finalmente chegou ao local encontrou uma cena triste: todos estavam mortos, con­ gelados, e cada um agarrado à sua lenha. O chefe da expedição olhou para os seus companheiros e disse: “O frio que os matou foi o frio de dentro, e não de fora”.

R E V E N D O A A G EN D A A riovaldo R a m o s Pastor e membro do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) Se me perguntassem a que experiência cristã, o estar engajado no programa Fome Zero, entre as muitas possíveis, me remete, eu diria: À da revisão da agenda. Talvez, você me pergunte:”Que experiência cristã é esta?” De fato, muitas são as experiências cristãs, digamos... catalogadas: arrependi­ mento, conversão, batismo com o Espírito Santo, discernimentos, livra­ mentos, revelações, entre outras, —aliás, nestes tempos bicudos em que vivemos, a cada dia se ouve sobre uma nova. Revisão de agenda, embora


seja a experiência que mais fala da graça é, possivelmente, a menos percebida, apesar de sua intensidade. O dia, segundo M t 14:12; M c 6:31,34 e Lc 9:10, havia sido exausti­ vo: pela manhã, os discípulos de João, o batista, chegaram para comuni­ car que Herodes havia assassinado seu mestre, e mais, estava perguntan­ do por Jesus. Também, nesse dia, muitos dos discípulos, que haviam sido enviados, em grupos de dois, para pregar às ovelhas perdidas da casa de Israel, voltaram, trazendo os feixes da vitória para compartilhar. Foi um dia em que, por terem ministrado muito, não tiveram tempo de almoçar. Jesus, então, decidiu que deveriam ir para Betsaida, do outro lado do lago de Tiberíades, para ter um tempo de descanso, e assim se fez. Posso imaginar o alívio dos discípulos com a decisão de Jesus. O que ninguém imaginava, porém, aconteceu: a multidão percebendo para onde o Se­ nhor e seus discípulos estavam indo, dirigiu-se para lá. O que fazer? Lá estava a multidão! Creio que os discípulos, cansa­ dos, não ficariam tristes se o Mestre despedisse a multidão, fazendo-a ver que o descanso pretendido, mais que necessário, era totalmente jus­ to. Jesus, todavia, não o fez, vendo a multidão como um aglomerado de ovelhas sem pastor, acolheu-a. Jesus reviu a sua agenda, ele havia ido para lá com o intuito de descansar, porém, diante da premente necessi­ dade, permitiu que a agenda da multidão carente se impusesse à sua. A compaixão venceu o cansaço. Esta é a experiência, por excelência, a experiência da misericórdia, a experiência da graça, a experiência da Trindade: será que fomos criados para pecar? Pecamos, o que, se não estava na intenção primeira do Cria­ dor, certamente, exigiu que Deus revisse a sua agenda (claro que estou usando de antropomorfismo); quando olhamos para a criação em Genêsis e em Apocalipse, percebemos que a primeira está pronta para convi­ ver com as conseqüências da queda, pois, nela, a luz convive com as trevas. Na segunda, já não existe noite. Se a intenção original do Cria­ dor se concretiza no mundo descrito em Apocalipse, então, a realidade da irrupção da morte, pela queda, impôs a revisão da agenda da criação. Deus tinha de criar um mundo onde a morte, apesar de sua natureza, não fosse o fim de tudo e, assim, criou um mundo onde o inverno alimenta a primavera. O programa Fome Zero exigirá da Igreja, por causa da necessidade de uma misericórdia engajada, uma revisão de sua agenda. É importante lembrar da importância crucial da Igreja num programa dessa natureza. Temos uma capilaridade indisputável, estamos onde ninguém mais che­ gou; nenhuma instituição está mais próxima dos pobres que a comunida­


de evangélica. Em todas as questões abrangidas pelo programa Fome Zero podemos atuar com eficácia: na erradicação do analfabetismo; na distribuição de alimentos; na mobilização da sociedade; na assistência à criança e muito mais. Temos local e pessoas. Resta saber se estamos prontos para abrir a agenda. Se a Igreja quiser encarar esse momento histórico, de modo a marcar a sua presença no país, terá de fazer como Jesus, deixar que a agenda da multidão se imponha à sua, ainda que temporariamente, tal como a Trindade o fez nos primórdios da criação.


2 20 anns dennis de

“Tive Fome” n A. Santos Pastor, professor na

de Federal do Maranhão e Assessor da ABU

Relacionar o serviço í no mundo com o discipulado, a procla­ mação do senhorioNa^Qmto/a visão escatológica e a busca de modelos práticos de m s ^ y ^ h ^ g r a l, continua sendo imperativo para a Igreja brasileira ncii^irii-ciVde século. Vinte anos depois, estes temas tratados na primeígál eOKão de T ive F o m e, permanecem como agenda central paça p^òrMãíás de todo o mundo. Foram duas décadas de mudanças rpara a humanidade e para a Igreja no Brasil. ; capítulos ajudam a nos situar nas dimensões do serviço, da misio e da escatologia, num mundo que conheceu transformações antes * __reler ~ „___* o ^ ______ --------------------- ------ -------atrás e atualizar estes desafios para a conjuntura atual. Além disso, podemos constatar experiências missionárias e pastorais que nestas dé­ cadas sinalizaram o Reino de Deus na história “fazendo o bem por toda parte”. O Senhor Jesus é o modelo de missão e de serviço, através da encar­ nação da condição humana (Jo 17:18). A integralidade de seu ministério foi resumida em Atos 10:38: “ ...com o Deus ungiu a Jesu s de N azaré com o Espirito Santo e pod er ; e co m o ele an d ou p o r tod a parte fazen do o bem e curando to d o s os op rim id os p elo d ia b o , p orqu e D eus estava com ele'”


(NVI). Sua unção desembocou no enfrentamento das necessidades hu­ manas e na luta contra as forças malignas. As palavras de Isaias 61:1,2 repetidas na sinagoga de Nazaré pelo Senhor (Lc 4:18,19) ecoam nesta síntese de Pedro em Atos. Importa, portanto, identificar quais as necessidades humanas e quais as forças da morte que atuam em nosso tempo, a fim de direcionar o ministério ao exemplo de Jesus. A Igreja no Brasil precisa reencontrar e retomar este compromisso com a missão integral. A Igreja evangélica brasileira nestes vinte anos cresceu em número, ganhou mais visibilida­ de, expandiu suas instituições e alcançou mais espaço na política e na mídia. Tem proclamado sua mensagem das mais variadas formas e mei­ os, adentrando nos mais distantes e imensos rincões do país, plantando suas igrejas. Multiplicaram-se as experiências e os modelos de ser igreja recompondo as formas de sua atuação, outrora mais rígidas, pelo mode­ lo denominacional. As denominações históricas (pentecostais ou não) deixaram de ser as únicas referências da verdade teológica e da ética. Enfrentam crises de legitimidade diante da mudança de motivação de seus membros: de segui­ dores de uma dada ortodoxia e tradição para consumidores do sagrado. O crescimento dos evangélicos fez com que setores da Igreja se ima­ ginassem triunfantes. Entendem que se estabeleceu a cultura evangélica num país cada dia menos católico. Público mais flutuante, os evangéli­ cos reproduzem nas fronteiras ainda demarcadas do ser evangélico no Brasil, o fenômeno do trânsito religioso bem típico da religiosidade bra­ sileira. Num movimento inverso ao escapismo escatológico, a Igreja in­ clina-se para a secularização por trás do mágico de seus cultos e práti­ cas, bem como da busca de poder humano. A perspectiva da missão integral defronta-se com este quadro de crescimento e de multiplicidade das experiências e modelos, mas tam­ bém da crise de integridade, da pouca reflexão teológica e do pragmatis­ mo de resultados. Precisamos reafirmar o desafio de serviço a Deus no mundo conhecendo onde estamos vivendo e onde fazemos missão. Ao invés de partirmos das grandes análises conjunturais que nortea­ riam programas e projetos missionários, podemos identificar uma ques­ tão central e de preocupação geral para a humanidade. A fome é o pro­ blema por onde atravessam inúmeras questões urgentes para a vida hu­ mana, desde a dignidade da vida até a construção da justiça e da paz. A questão da fome está no entroncamento de outras fronteiras de crise que a humanidade se depara em nossos dias. E isso é desafiador para a Igreja brasileira. Dar de comer, pacificar


as relações humanas e buscar a justiça, são vocações inseparáveis do discipulado cristão em sua integralidade. Num só gesto, suprir a fome é construir relações de paz, mostrar o amor de Deus, possibilitar a justiça e superar uma das formas mais cruéis de violência à dignidade humana. Daí entendermos melhor a base do juízo prescrito pelo Senhor em M a­ teus 25:35: “pois eu tive fome, e vocês me deram de comer, tive sede, e vocês me deram de beber; fui estrangeiro, e vocês me acolheram No Brasil ainda há bolsões de famintos peregrinos nas periferias, nos lixões, nas favelas, nas esquinas das ruas. Resolver a questão da fome no Brasil é promover uma sensível transformação social. Embora o discurso do governo ainda esteja no patamar das intenções e de uma boa platafor­ ma política, o tema por si próprio, inquieta os cidadãos mais sensíveis. Deveria inquietar muito mais a Igreja. Enquanto escrevia esta introdução, o presidente Luis Inácio Lula da Silva discursava na Assembléia Geral da ONU, obedecendo à tradição de um brasileiro falar na sua abertura. Lula abordou a questão da fome como problema central da humanidade e como responsabilidade de seu governo. Dentre outros aspectos, destacou o desrespeito ao Criador pela falta de dignidade de milhões de criaturas desamparadas pelos governos e pela injusta distribuição das riquezas. Podemos e devemos julgar as intenções dos discursos mas o enfoque foi relevante. A ONU reuniu-se num momento de crise quanto à sua legitimidade e papel diante do unilateralismo norte-americano, depois das invasões do Afeganistão e do Iraque. A expectativa de grande parte das nações e governos é a de refazer condições de paz através do fortale­ cimento da ONU, como entidade representativa dos direitos dos povos. Em outras palavras, com intolerância e com fome não há paz e não há justiça. Reproduzir a fome é uma forma de violência. A humanidade encontra-se mais interligada, mais globalizada e mais tecnologizada. Mas depara-se com formas de violência mais sofistica­ das e complexas, alimentadas pelas intolerâncias, pela desigualdade so­ cial e pela perda de sentido de vida. A ineficácia das políticas públicas afetadas pelo esvaziamento do papel do Estado e o crescimento do tráfi­ co de drogas, lançam as populações urbanas na fronteira do caos social. A religião reaparece como componente ambíguo nesse cenário, ora pro­ pondo aliviar e atenuar o sofrimento causado pela violência, ora alian­ do-se a ela. Num mundo globalizado e plural, a religião alia-se à violência como forma de defender e impor identidades e interesses. Antes vista como experiência a ser superada pelos avanços científicos e econômicos, a ex­


periência religiosa retorna ao centro do cenário dos conflitos políticos e militares. Os fundamentalismos ressurgem inspirando as ações militares do governo George W. Bush, dos grupos terroristas islâmicos e do estado judeu contra os palestinos. As intolerâncias justificam a violência em nome do Deus único. Mas o Deus único tem planos e pensamentos de paz para com seu povo e para com a humanidade por Ele amada (Jr 29:11). O Evangelho do Reino insere-se nesta conjuntura contraditória e absurda da violência “fazendo a paz” (Ef 2:14). Diz Samuel Escobar: “E a esperança da ressur­ reição, que nos sustenta e nos transforma (Rm 8:11-18; 1 Co 15:58; 1 Pe 1:3). Essa esperança leva-nos a uma nova atitude para com o mundo”. O clamor pela paz é um dos sinais dos últimos dias (1 Ts 5:1-3). Se não estamos vivendo num clima acentuado de feb re a p o ca líp tica, pre­ senciamos este e outros sinais que as Escrituras afirmam apontar para os últim os dias. Certas ênfases teológicas perdem força dependendo da con­ juntura histórica e mesmo do interesse de publicações acerca do tema. A exortação de Jesus quanto ao orar e vigiar, no entanto, permanece a melhor e única postura por parte dos cristãos, sem escapismo e sem secularismo. Enquanto isso, andemos por toda a parte fa z en d o o bem .


3 Servir a Deus no mundo Samuel Escobar Presidente da Sociedade Bíblica Unida Teólogo e escritor

No final de uma emocionante mensagem sobre o arrebatamento, um certo missionário exclamou: “No céu não haverá pontes. Para que então perder tempo estudando engenharia? Deixe tudo e venha à nossa escola bíblica. Prepare-se para salvar almas, que isso é o que importa”. Vários adolescentes ali presentes foram à frente, em resposta ao apelo. Alguns, efetivamente, abandonaram os estudos e foram à escola bíblica daquele missionário. A jovem universitária que me descreveu a cena estava convencida de que o argumento do missionário não era bíblico, nem mesmo lógico, porque, em última análise, tanto a escola bíblica como o missionário dependem da gente comum que trabalha fazendo pontes, dirigindo ne­ gócios, curando doentes ou criando os filhos. Porém, dizia ela, para um adolescente tornava-se difícil resistir à pressão do grupo naquele acam­ pamento, onde se considerava pouco espiritual quem não fosse à escola bíblica, “entregando-se totalmente”. A atmosfera apocalíptica criada

* O s créd itos dos autores referem -se às posições que eles ocupam hoje e n ão às que eles ocupavam n a época em que escreveram os artigos (N ota dos editores).


pelos estudos, assim como os hinos e os filmes, tudo era dirigido a produ­ zir uma “decisão” nos ouvintes. Lamentavelmente, esse tipo de “ministério juvenil” começa a proli­ ferar na América Latina, fazendo-se necessário recuperar o conceito bíblico e evangélico do que seja servir a D eus no m u ndo de h o je com os dons, estudos e oportunidade de cada crente. Estamos falando de uma “atmosfera apocalíptica” e, portanto, vale a pena considerar essa expressão. Atualmente, vivemos numa época apo­ calíptica. H oje, não é somente o cristão fervoroso que fala do “fim do mundo”, de um beco sem saída, de um iminente final caótico para toda a raça humana. Esse tipo de linguagem apocalíptica está na boca dos jornalistas, dos homens da ciência, das pessoas do chamado Clube de Roma, do secretário das Nações Unidas e assim por diante. Tem crescido a consciência de que nós, os seres humanos, pela nossa forma irracional de explorar a criação, pelo egoísmo nacionalista, racista ou classista, pela fabricação descontrolada de material bélico, estamos prestes a var­ rer a vida humana do planeta. Algum estrategista ou general descontro­ lado, da Rússia ou dos Estados Unidos, poderá colocar em funcionamen­ to um horrível maquinário de destruição. A pressão dos terroristas de todo tipo, num lugar como o Oriente Médio, poderá provocar o caos de uma guerra mundial, que será a última, pois poucos sobrarão. Como o jornalista, a literatura e todos os meios de comunicação de massa nos dão acesso a dados que comprovam essa possibilidade de um caos, a ansiedade das pessoas que se detêm a pensar no assunto tem se transfor­ mado em angústia, em nosso tempo. Na cultura ocidental, a palavra “apocalipse” relaciona-se com o último livro da Bíblia e com a consu­ mação da História; daí utilizar-se o adjetivo a p o ca líp tico para descre­ ver o estado de ânimo de uma época como a nossa. A História nos diz que houve épocas similares, geralmente localiza­ das numa região ou cultura determinada. Por exemplo, quando os bárba­ ros começaram a invadir o Império Romano e este começou a desmoro­ nar-se, tanto pelos ataques externos como pela decadência moral e cívi­ ca interna, muitos acreditavam que havia chegado o fim do mundo. Foi nessa atmosfera que Santo Agostinho escreveu o seu famoso livro A cid ad e de D eus, que é um intento magistral de formular uma visão cristã da História. Alguns historiadores assinalam que, quando se aproximava o ano 1000 da nossa era, isto é, o primeiro milênio, proliferaram na Europa os livros de tendência apocalíptica e estudos sobre as profecias bíblicas a respeito do fim do mundo. A revolução e o despontar de Napoleão coincidem com o aparecimento de uma literatura apocalíptica no


mundo de fala inglesa. Dessa época, datam alguns dos sistemas de inter­ pretação das profecias bíblicas, hoje populares em certos círculos ingle­ ses e norte-americanos e em igrejas de outras partes do mundo que têm recebido essa influência. A diferença, em nossa época, é que essa sensa­ ção de um fim próximo da história humana está afetando setores cada vez mais amplos da raça humana, transcendendo as barreiras nacionais e culturais. Além disso, as possibilidades reais de que o próprio homem destrua o planeta e a vida de seus habitantes, como também a informação generalizada acerca de tais perspectivas, aumentaram consideravelmente. A atitude evangélica O cristão que leva a sério a Palavra de Deus caracteriza-se por manter uma atitude vigilante quanto ao fim da História. Tanto o ensinamento de Jesus quanto o dos apóstolos, e a forma como eles interpretam o Antigo Testamento, assinalam um fim da História vinculado à manifestação fi­ nal, contundente, do triunfo de Jesus Cristo sobre a morte, sobre o pecado e sobre as forças do mal. O ensino de Jesus nas parábolas sobre o juízo final, como também seus discursos chamados escatológicos, coincide com a firme advertência: “Vigiai”. Ao mesmo tempo, exorta-nos repetidas ve­ zes contra a tentação de especular sobre tempos e datas. Cremos que é importante lembrar esses dois elementos do ensino do Senhor. Tem-se especulado muito sobre os detalhes, esquecendo-se a clara in­ tenção que a maioria das passagens reflete e que se nota de imediato, ao se comparar os mesmos textos. No ensino apostólico, ambas as expressões — vigiar e não especular - permanecem distintivas, agregando-se a elas uma dimensão de conseqüência éticas e relacionando a verdade do Senhor com a atitude prática correspondente à vida diária, enquanto ele não vem.1 Observemos dois aspectos numa atitude do apóstolo Paulo: por um lado, a certeza e a expectativa da vinda de Cristo; por outro, um sentido prático da vida, que não se perde em especulações ociosas ou num esca­ pismo irresponsável. Assim, por exemplo, há uma clara advertência em Coríntios: “O tempo se abrevia... a aparência deste mundo passa...” (IC o 7:29-31). Sem dúvida, quando a especulação escatológica leva al­ guns à ociosidade e a andar desordenadamente, tentando viver às custas do próximo sob uma capa de espiritualidade, o seu ensino é contundente: “Se alguém não quiser trabalhar, não coma também” (2Ts 3:6-13). Como pastor, pregador e apóstolo, Paulo sabe que o seu trabalho é digno e que a igreja está sendo justa ao sustentá-lo. Algumas vezes, entretanto, por razões não muito claras, Paulo prefere realizar algum trabalho cotidia­ no, em vez de depender de ofertas dos irmãos (lTs 2:9 e 2Co 11:9). Porém,


na parte ética do final de quase todas as suas epístolas, Paulo exorta ao cumprimento consciente dos deveres cotidianos, a fazer bem as coisas, sejam elas grandes ou pequenas. Na vida dos crentes para quem escreve, não deve existir uma atitude de exaltação ao trabalho espiritual, na igre­ ja, e fazer de má vontade e de qualquer jeito as tarefas do dia-a-dia. Em outras palavras, Paulo crê na iminência da chegada do Senhor e também que, quando ele vier, deve nos encontrar vigiando e realizando com efici­ ência o que ele nos confiou. Logo, deixar a profissão, o negócio ou serviço e ingressar numa escola bíblica a fim de dedicar-se à evangelização, por­ que a chegada de Cristo está iminente, não é um ensino que corresponde ao espírito do ensino de Jesus ou dos apóstolos. Tem a aparência de espiritu­ alidade, mas é uma traição ao espírito e à forma do ensino bíblico. Ao ler os evangelhos, observamos como Jesus chama os doze, de suas ocupações e realidades diversas, quando eles estão em pleno trabalho, par? se dedicarem inteiramente à tarefa de preparar-se e pregar (Mc 1:16-20; 2:13-17; 3:13-19 e passagens paralelas nos demais evangelhos). No âmbito da nação israelita do primeiro século, esse tipo de comunida­ de ao redor de um mestre ou profeta era legítimo e admissível. Inclusive, ajuda-nos muito considerar o âmbito do Antigo Testamento e da histó­ ria judaica da época anterior a Jesus, para encontrarmos as característi­ cas especiais do seu chamado - as mesmas que ocorreram antes na cha­ mada divina do profeta, do levita ou do servo especial. O que não há no Antigo Testamento, nem tampouco nos evangelhos, nem na prática e no ensino apostólico, é a idéia de que a vida do servo de Deus, que dedica todo o seu tempo à tarefa profética ou apostólica, é superior ou mais importante do que a do mais comum dos mortais. E uma questão de chamada, de uma vocação específica a uma tarefa específica. Porém, não se espera que todos se dediquem a ela com a sua máxima inspiração. Por isso, Paulo pôde dar forma à sua equipe de colaboradores com toda naturalidade e escrever as suas cartas a todos os crentes, não importando a atividade deles na vida. Por isso mesmo, ele pôde intercalar períodos de dedicação exclusiva à pregação e ao estabelecimento de igrejas, com períodos de trabalho manual para o qual estava capacitado: a confecção de tendas. Por isso, também, quando a ajuda social na igreja de Jerusa­ lém requereu pessoas com talento administrativo, a fim de que os apóstolos pudessem dedicar-se ao ensino e à oração, nomeou-se uma equipe de diáconos cuja tarefa administrativa e de relações humanas requeria uma espiritualidade semelhante à dos apóstolos (At 6). De onde, então, apa­ receu o desprezo aos trabalhos chamados seculares, que se torna cada vez mais agudo em nossa época apocalíptica?


Dualismo medieval reeditado Esse desprezo pelo secular vem, em parte, da influência medieval sobre o ambiente católico. E uma característica de nossa cultura iberoamericana desprezar o trabalho manual e exaltar as tarefas intelectuais e religiosas. Isso se manifestou claramente na época colonial, onde se reproduziram e se conservaram atitudes típicas da Idade Média. Posteri­ ormente, mesmo com a secularização, ainda persiste a exaltação “espi­ ritual” e o desprezo do material. Na época medieval, isso correspondia a um dualismo de origem grega, que considerava a realidade material como “má”. Por não atender ao ensino bíblico sobre a criação, havia surgido uma teologia que fazia uma divisão acentuada entre o material e o espi­ ritual. Essa posição é claramente antibíblica. A reforma protestante transformou essa atitude, desenvolvendo, naqueles países onde teve in­ fluência, uma nova ética de trabalho e de atividade econômica, uma revalorização das atividades não especificamente religiosas, um desco­ brimento do mundo secular dentro do desígnio divino.2 Com Lutero e Calvino, a Europa aprendeu a valorizar tanto a mulher que varre a casa como o monge que canta as suas orações. O dualismo voltou a entrar na teologia de muitos evangélicos lati­ no-americanos, de contrabando, através de uma “espiritualidade” que, embora seja tida como evangélica e seja popular em círculos evangéli­ cos, é verdadeiramente grega e medieval. Encontramo-la, por exemplo, entre os que aceitam as idéias de Watchman Nee e os que adotaram a forma extrema do dispensacionalismo da Bíblia Scofield.3 Esse dualismo dá um valor extremo ao “espiritual”, enfatizando a evangelização como a atividade suprema, à qual deveria dedicar-se o cristão. M elhor dizendo, reduz a m issão à evangelização. Ao não dar a devida importância à ética bíblica, simplesmente adota a ética do mun­ do e faz com que as pessoas vivam uma existência dicotômica. Na vida profissional, nos negócios, na indústria, adota-se a ética do mundo, e no domingo busca-se uma compensação com uma intensa atividade religi­ osa. O trágico é que então encontramos muitos dos chamados crentes com uma vida dupla. O desprezo pela atividade material ou secular, em muitos casos, leva também à mediocridade, pois se faz de má vontade o que se tem que fazer todos os dias. Só se sente “realizado” aos domingos, estando na igreja. Tem-se uma leve suspeita de que Deus vê com bons olhos o seu serviço religioso, não se importando muito com a qualidade do seu serviço profissional ou com a ética nele aplicada. Numa atmosfera imbuída de tal mentalidade, não é de estranhar que a pregação escapista


de missionários, como a citada anteriormente, encontre eco e aceitação. O corretivo para essa atitude é, em primeiro lugar, como também o foi na época da reforma, regressar ao ensino bíblico plen o. O dualismo esca­ pista tem espiritualizado a leitura da Bíblia e geralmente não dá a devida atenção ao Antigo Testamento, nem à totalidade do Novo Testamento. O N ov o D icion ário d a B íblia nos diz, em seu verbete H om em : “No desenvolvimento da doutrina do homem, a Igreja ficou debaixo da influ­ ência do pensamento grego, com seu contraste dualista entre a matéria e o espírito. Colocava-se ênfase sobre a alma, com sua ‘faísca divina’, e havia a tendência de o homem ser considerado como uma entidade indi­ vidual autocontida, cuja verdadeira natureza podia ser entendida pelo exame dos elementos separados constituintes de seu ser”.4Esse dualismo se vê com mais força hoje no mundo católico. A verdadeira antropologia bíblica “de nenhum modo ensina o con­ ceito de que o corpo é um impedimento inútil e um estorvo para a alma, que deve eliminar-se na primeira oportunidade. E importante observar que nunca nos induz a desonrar ou maltratar o corpo. Pelo contrário, o período da vida no corpo terreno é de considerável importância. No tro­ no do juízo, por exemplo, seremos recompensados pelas ações ‘feitas no corpo’. Obviamente, considera-se que o corpo provê os meios pelos quais podem expressar-se os valores morais inerentes à alma”.5 A consideração dessa antropologia bíblica reflete-se na maneira como se concebe a vida cristã, tanto a salvação como o que vem depois da salvação. O biblista Hoke Smith diz claramente: “A salvação que Cristo oferece abarca a totalidade do homem, sim, sua vida carnal, o que come, suas dores, suas fraturas, suas enfermidades corporais ou men­ tais. Cristo Jesus veio para que tenhamos vida e para que a tenhamos em abundância; não parcial, para uma parte do nosso ser, mas vida abun­ dante que abrange a totalidade do nosso ser. Tudo o que Deus criou é objeto do seu amor e de sua obra redentora”.6 A tarefa teológica e pastoral de evidenciar as conseqüências dessas verdades na vida diária é urgente na América Latina. Um de seus aspec­ tos é reanimar o ensino bíblico sobre ética pessoal e social, que nos orien­ te quanto à qualidade de vida do cristão no mundo. Paulo: homem no mundo Já que falamos de Paulo, e já que ele é usado muitas vezes como base do dualismo que estamos criticando, tomemos a personalidade do pró­ prio apóstolo como exemplo do que significa servir a Cristo no m undo. Ao ressaltar certas características de Paulo, não o estamos apresen-


tando como um modelo a seguir à risca, mas como possuidor de certas virtudes básicas que nos podem servir como ponto de referência. Assina­ lamos algumas marcas de um caráter cristão, o que realmente é preciso para servir a Cristo no mundo de hoje. O capítulo 27 do livro de Atos narra a viagem de Paulo de Jerusalém a Roma. O relato da viagem por mar entre Bons Portos e M alta é uma peça literária, aclamada desde a Antiguidade como uma pequena obra­ prima da literatura. Em nossas leituras e estudos desse capítulo, vemos aflorar um retrato magistral da personalidade de Paulo, refletida numa situação crítica. Com efeito, a tormenta que caiu sobre o pequeno barco em que estava viajando era tão grande que, em determinado momento, apoderou-se deles o desespero. O autor diz: “E, não aparecendo, havia já alguns dias, nem sol nem estrelas, caindo sobre nós grande tempestade, dissipou-se afinal toda a esperança de salvamento” (At 27:20). E preci­ samente nessa situação crítica que se vê toda a grandeza da pessoa de Paulo. A crise traz à luz o que as pessoas são na verdade. No relato de Lucas, Paulo aparece de maneira visível e palpável, no meio do barco castigado pela tormenta. Há quatro momentos que revelam quatro si­ nais do caráter de Paulo. São eles: 1. Integridade. Paulo, viajando como prisioneiro, estava em situa­ ção inferior em relação às outras pessoas. Não obstante, Lucas nos diz que o centurião Júlio tratou Paulo com humanidade, permitindo-lhe ir ver os amigos e obter assistência (v. 3). Foi um prisioneiro que ganhou a confiança do guarda, a ponto de receber um tratamento especial. É evi­ dente, para quem lê o relato de sua prisão e o longo período de espera em Jerusalém (cap. 21 a 26), que Paulo foi ganhando respeito, mesmo das autoridades corruptas e subornáveis. Não se tratava de um prisioneiro que tivesse “padrinhos” no sistema, ou que tivesse dinheiro para subor­ nar os carcereiros; a integridade do caráter, a firmeza das convicções e a decência revelada na vida diária é que conquistaram essa consideração especial por parte do centurião. Ao longo desses capítulos, o apóstolo testemunhou em situação bastante desvantajosa. Testemunhar e evan­ gelizar quando somos donos da tribuna e temos pessoas à escuta é uma coisa; mas quando estamos nas mãos dos demais, é outra coisa! Lembremos a ênfase de Paulo na sua integridade. Mais de uma vez, invocou Deus por testemunha. Aos tessalonicenses, disse claramente que nem o seu estilo nem a sua motivação tinham segundas intenções (lTs 2:3-6). Que diferença! Há tantos “apóstolos” modernos, cujas finanças e truques publicitários não refletem integridade, ainda que sejam muito “espirituais”! E o mundo daqueles tempos, como o mundo de hoje, neces-


sitava desesperadamente de homens íntegros. Homens dignos de confi­ ança, ainda que sua missão os houvesse colocado como prisioneiros. E possível que um teólogo, com a pretensão de ser “atualizado”, sorria frente ao termo in teg rid ad e, achando-a uma virtude burguesa, e provavelmente diga: “Não temos por que falar dela”. Porém, a menos que existam homens íntegros em nossa América Latina, não haverá revo­ lução nem mudança estrutural que nos consiga tirar do naufrágio políti­ co e institucional em que estamos. E, para viver a vida de servo no mun­ do, precisamos pedir a Deus o dom da integridade de caráter, ainda mais que o dom de línguas, atrevemo-nos a dizer. Porque não há algo mais destrutivo para o testemunho evangélico do que um misticismo e uma espiritualidade sem ética, sem integridade. Um pouco mais tarde, no primeiro século, os escritos do apóstolo Pedro insistem na integridade como marca da vida cristã, ainda que, esclarece-nos ele, quando uma sociedade está em decadência moral e espiritual, a integridade não garanta que o cristão será aceito e respeita­ do (IPe 2 e 3, especialmente 3:13-18). 2. Iniciativa. Os responsáveis pelo navio - o capitão, o dono da carga e o centurião - verificam qual o rumo que a viagem há de tomar, porque a tempestade perigosa estava já avançada (vs. 7-12). Não sabemos se convidado à deliberação ou adiantando-se por conta própria, Paulo inter­ veio. Havia-se perdido muito tempo e já era perigoso viajar por mar, por­ que se aproximava o inverno. Por isso Paulo lhes aconselhou, dizendo: “Se­ nhores, vejo que a viagem vai ser trabalhosa, com dano e prejuízo, não só da carga e do navio, mas também das nossas vidas” (vs. 9,10). Os responsáveis não escutaram o conselho desse viajante experimen­ tado, que era apóstolo. Que razões e motivos prevaleceram? Levando em conta que a carga era trigo e o destino era Roma, bem poderia tratar-se de razões financeiras. O que se destaca é a iniciativa tomada por Paulo. Quando sente que é necessário, dá o seu conselho, intervém, fala com clareza e autoridade sobre um assunto tão prosaico e mundano como a navegação; e fala também com muita sensibilidade e delicadeza. As bre­ ves palavras refletem a iniciativa própria do líder; se há algo que dizer ou fazer e não há quem o faça, a responsabilidade é sua. M as há um tom de respeito, de apelação tanto à preocupação material como à sensibilida­ de humana mais profunda dos seus ouvintes. Há uma tradição evangélica de iniciativa de serviço nas mais diver­ sas áreas da vida humana: educação, minorias indígenas, menores aban­ donados, medicina rural, meios de comunicação de massa e assim por diante. Lamentavelmente, parece haver-se perdido esse espírito de inici-


ativa. Por um lado, os evangélicos em certos países, ao alcançar um “sta­ tus” mínimo, passam a se preocupar mais com a manutenção desse “sta­ tus” do que com o serviço ao próximo em áreas de necessidade. Há algu­ mas décadas, costumava-se criticar os suntuosos templos católicos, às portas dos quais miseráveis mendigos, tremendo de frio, estendiam as mãos a pedir pão. H oje, muitos evangélicos possuem também suntuosos templos, cuja construção e conservação requerem fortunas, diminuindo, porém, suas iniciativas nas áreas de necessidade. Essas mudanças são justificadas, na maioria das vezes, por uma espiritualidade que esqueceu o claro testemunho bíblico quanto a justiça e a misericórdia. Para haver iniciativa, deve haver sensibilidade. Paulo não só era sen­ sível às necessidades espirituais das pessoas, mas sua carta a Filemom reflete a sua grande sensibilidade social, assim como a sua preocupação constante em levar uma oferta aos pobres da Judéia. No capítulo 8 de Romanos, vemos o seu coração sensível aos gemidos de toda a criação à espera de uma libertação (Rm 8:18-23).O homem que crê ser Deus o Criador de todo ser humano é, por força, um homem sensível, “nada humano lhe é alheio”. Por isso, vê a própria vida como um serviço cons­ tante: uma missão que não é unicamente “espiritual”, senão integral. O falso espiritualismo medieval, introduzido de contrabando no mundo evangélico, é que tem produzido a insensibilidade, destruído a iniciativa do crente de hoje de servir a Deus no mundo e levado ao desconhecimento de que a fé no Deus criador faz com que o homem, salvo por Cristo, leve a sério as realidades humanas que o cercam. Em aberto contraste com essa atitude, temos múltiplos exemplos no livro de Atos. Por exemplo, o ministério e a qualidade de vida de Barnabé se percebem primeiro na generosidade desse discípulo no plano material (At 4:34-37). Igualmente, a igreja de Antioquia não foi somente uma igreja missionária, como se vê no capitulo 13 de Atos, mas também uma igreja que atuou frente às necessidades materiais de seus irmãos (At 11:27-30). 3. Esperança. Quando o fragor da tempestade levou os tripulantes a perder toda a esperança de salvação, Paulo, que havia recebido uma visão e uma mensagem do Senhor, volta-se; é o único homem com espe­ rança no meio daquela companhia! E diz: “Senhores, na verdade era preciso ter-me atendido e não partir de Creta, para evitar este dano e perda. Mas, já agora vos aconselho bom ânimo, porque nenhuma vida se perderá de entre vós, mas somente o navio. Porque esta mesma noite o anjo de Deus, de quem eu sou e a quem sirvo, esteve com igo...” (vs. 21­ 26), Que peso tremendo em suas palavras, no seu testemunho! Falar de


Deus, esse Deus a quem pertence e serve, nesse contexto deve ter provo­ cado um impacto poderoso entre os seus ouvintes! A esperança específica de Paulo naquela situação deveu-se a uma visão particular.Temos que entender esse contexto particular para não chegar a conclusões erradas. Nem todos os crentes experimentam reve­ lações e visões através de sonhos, porém, fora esse fato particular, Paulo sempre é um homem de esperança. Essa esperança na nova criação de Deus é a esperança aberta a todo cristão. É a esperança da ressurreição, que nos sustenta e nos transforma (Rm 8:11-18; IC o 15:58; IPe 1:3). Essa esperança leva-nos a uma nova atitude para com o mundo. O espí­ rito apocalíptico de uma época não contagia o cristão com temor, esca­ pismo ou cinismo. Porque tenho a esperança de uma nova criação de Deus, levo a sério a sua atual criação. Porque tenho a esperança de julgar com Deus o mundo um dia, espero que hoje, no seio da comunidade cristã, haja paz e justiça (IC o 6:1-2). Por causa dessa atmosfera apocalíptica de que falávamos no come­ ço, faltam homens com esperança. O homem com uma firme e verdadei­ ra esperança pode ser prudente e realista quando os demais cedem ao pânico e ao desespero. O mundo de hoje precisa desse tipo de homem. O fato de que a vinda de Cristo está próxima não justifica uma atitude espiritualista que afirma: “Não devemos estudar, nem levar a sério a criação hoje, porque afinal tudo acabará amanhã”. Também não deve haver orgulho, sem compaixão, daquele que grita aos homens de longe: “Nos havíamos predito toda essa aflição”. Vale a pena lembrar que cer­ tos “especialistas” em profecias bíblicas sobre o fim do planeta Terra enchem os bolsos de dinheiro, desfrutando de fama e de comodidades terrenas, enquanto proclamam o fim de todas as coisas. Possuído da verdadeira esperança, o autêntico cristão atual esforçase como os outros, ou ainda mais que eles, em procurar que a vida huma­ na neste planeta desesperançado conserve um mínimo de sensatez, ao invés de cinismo e desespero. Esse é o testemunho de sua firme esperança. 4. R ealism o. Fazendo-se dono da situação pelas circunstâncias, Pau­ lo assumiu com realismo o seu papel de líder em meio à crise. Frente à realidade, manteve-se desperto e alerta. Foi ele quem observou que os marinheiros, com humano e característico egoísmo, queriam abandonar o navio. Paulo então se acercou do centurião e disse-lhe claramente: “Se estes não permanecerem a bordo, vós não podereis salvar-vos” (v. 31). Só aí prestaram atenção a Paulo e, tendo o centurião impedido os marinheiros de escapar, foi possível chegarem salvos à terra. A espiritualidade de Paulo é como a de Jesus, uma espiritualidade


realista. Paulo sabe o que é o coração humano. Paulo sabe do que se precisa para viver diariamente num mundo de paixões e sentimentos humanos. Se é necessário recorrer à autoridade para impedir que a negli­ gência e a desumanidade cheguem a um ato de covardia, o apóstolo intervém. O mesmo realismo se observará na sua maneira de ensinar as igrejas novas que vai fundando. Os conselhos a Tim óteo e a Tito nas cartas pastorais mostram esse realismo no conhecimento do coração humano e no uso de recursos para a liderança aos demais. O mundo de hoje precisa de homens realistas. As utopias humanas terminam tantas vezes em fracassos colossais por falta de realismo quanto à natureza humana! Disse um historiador que, no grande evangelista e líder espiritual John Wesley, combinava-se, ao mesmo tempo, a certeza calvinista quanto à natureza caída do homem, que o tornava pessimista acerca das utopias políticas do seu tempo, com o otimismo da graça. Wesley sabia, como Paulo, que quando a graça de Deus envolve um ho­ mem, pode transformá-lo e fazer maravilhas. E foi essa certeza que deu ao avivamento espiritual Wesleyano uma dimensão social única, que os modernos espiritualistas esquecem com facilidade. Servir no Mundo de Hoje Eis os quatro aspectos do caráter cristão de que o mundo apocalípti­ co atual necessita. Eis aqui quatro virtudes que o povo de Deus deve ter hoje na América Latina. Elas são o fruto da ação do Espírito Santo no coração dos homens remidos. Eis aqui uma espiritualidade imbuída de toda a riqueza da mensagem bíblica, e não de fragmentos recortados com as tesouras de um dualismo espiritualizante. Não há base bíblica nem teológica para contrapor as tarefas cotidi­ anas chamadas “seculares” com a obediência ao chamado de Deus. Não há base para fazer crer que quem não é missionário ou pregador de tempo integral seja cidadão de segunda categoria no Reino de Deus. Deus continua chamando homens e mulheres para se dedicarem in­ tegralmente à pregação, à obra pastoral ou ao estabelecimento de igre­ jas, como Paulo. M as também, no barco do mundo que se enche de cinis­ mo, de temor e de desespero, há falta de passageiros com as virtudes de Paulo, em todos os campos da sociedade, em todas as áreas do saber e da situação humana. Faltam testemunhas do Deus vivo, homens e mulheres de integridade, de iniciativa, de esperança e de realismo.


NOTAS 1 “Há inúmeras referências à vinda do Senhor nas epístolas, quase todas sublinhando o aspecto mais importante da promessa, o efeito moral que terá na vida do crente”, disse Ernesto Trenchard, Estúdios de D ou ­ trina B íblica, Madrid, Literatura bíblica, 1976, pág. 374. 2 Ocupamos-nos detidamente desse assunto em D iálog o entre Cristo y M arx, Lima, AGEUP, 1969, cap. 2; artigo: Concepto Cristiano Del Trabajo”, publicado em C erteza, n° 18, 1964. 3 Em quase todos os livros atribuídos a Watchman Nee há uma forma dualista de entender o ensino bíblico acerca do homem, e parece-nos haver um aberto desprezo ao corpo e ao material ou uma suspeita quan­ to a essas realidades. Veja-se, por exemplo, especialmente os seus con­ ceitos sobre o “homem exterior” e o “homem interior” em L a Liberacion D el Espiritu, Logos. B. Aires. 1968. No caso da Bíblia Scofield, um exagerado dispensacionalismo quase anula o valor do Antigo Testa­ mento e dos Evangelhos como fonte de ensino ético. 4 N ovo D icionário d a Bíblia - J.D. Douglas, editor (Edições Vida Nova, São Paulo. 3a edição 1979). Artigo “H o m em ” item (e), págs. 720-722. 5 T.C. Hammond, C óm o C om p reen d er la D octrina Cristiana, Ed. Certe­ za, B. Aires, 1978, pág. 101. 6 Hoke Smith Jr., El H o m b re: una Perspectiva B íblica, Cuadernos de Cer­ teza, B. Aires, 1972, pág. 22.


4 A compaixão de Jesus John Stott Teólogo e escritor

“Falsos cristos se levantarão”, profetizou Jesus. E assim tem aconte­ cido. Têm surgido charlatães religiosos com ares de grandeza e pobres enfermos mentais que afirmam ser Jesus Cristo. Temos enfrentado ima­ gens distorcidas do Jesus verdadeiro, que o apresentam como um guerri­ lheiro zelote, como um fracassado “superstar” ou como um palhaço de circo. E é possível que até mesmo nós tenhamos conceitos distorcidos de Jesus. “Segue-me”, disse ele. “Sim, Senhor, te seguiremos”, tem sido a nos­ sa resposta. Mas a que Cristo seguimos? O Cristo que alguns seguem inspira amor, mas não justiça; oferece alívio, mas não desafios. Outros estão muito dispostos a cumprir a ordem para evangelizar, mas não ou­ vem o chamado a ocupar-se dos pobres, dos enfermos, dos famintos e dos desesperados. Os apóstolos deram muita ênfase ao discipulado cristão. As vezes, queremos “im itá-lo”, mas a ênfase deve ser em “segui-lo”, em prosse­ guir nas suas pisadas, no caminho que ele nos traçou. O que isso significa depende em grande parte de nossa própria comunicação com ele e do nosso conhecimento desse Jesus, a quem devemos seguir. Assim, busque­ mos o Jesus real, o autêntico Jesus dos relatos dos evangelhos, e não o


Jesus fictício que muitos têm apresentado. Realmente, nosso estilo de vida como cristãos depende da imagem que temos de Cristo, do Cristo no qual depositamos a nossa fé. O exemplo de Jesus No sermão de evangelização que Pedro pregou a Cornélio e a seus familiares, o apóstolo apresentou Jesus como “aquele que andou... fa­ zendo o bem” (At 10:38). Essa é uma bela descrição. Jesus nunca fez mal a ninguém; pelo contrário, a todas as pessoas com quem se encontrou, e em cada circunstância, sempre realizou o bem. Se Pedro o descreveu como o que “andou fazendo o bem”, Mateus, em forma mais elaborada, nos conta que “percorria Jesus todas as cida­ des e povoados, ensinando nas sinagogas, pregando o evangelho do reino e curando toda sorte de doenças e enfermidades” (Mt 9:35). Esse é um balanço do ministério público de Jesus. A ênfase de Jesus estava no anún­ cio do reino de Deus, no chamado ao arrependimento e na aceitação das boas novas. Mas à proclamação acrescentou o ensino, porque lhe interes­ sava a mente dos homens. Estes deviam compreender as características do reino de Deus, os requisitos para o ingresso nele e as bases para o seu crescimento. Foi em completa coerência com o seu próprio ensino que Jesus se comprometeu com um serviço prático aos necessitados: curou os enfermos, alimentou os famintos, consolou os tristes e desempenhou o humilde trabalho de escravo, quando com água e uma toalha lavou os pés dos seus discípulos. M as não estaria perdendo tempo? Não seria mais urgente empe­ nhar-se na tarefa de evangelização, considerando a grande quantidade de aldeias que deveria visitar e o pouco tempo que teria para isso? Não deveria ter-se concentrado nisso, deixando a outros a solução dos proble­ mas materiais? Evidentemente, Jesus não considerou assim. Seu enfoque foi integral porque considerou que suas palavras e atos constituíam um só ministério. As obras que fazia eram “sinais” do reino que proclamava. “Se, porém, eu expulso os demônios pelo dedo de Deus, certamente é chagado o reino de Deus sobre vós” (Lc 11:20). Olhos, ouvidos e mãos que atuam Sem dúvida, as boas obras de Jesus não devem ser entendidas somen­ te como evidência da presença do reino de Deus e da derrota do reino de Satanás. Foram, além disso, e principalmente, frutos de sua própria com­ paixão. Essa era a motivação suprema de seus serviços! Jesus se comovia profundamente ao ver a necessidade humana, e isso o movia à ação. Ao


examinarmos algumas passagens que nos servem de exemplo, encontra­ mos sempre o mesmo esquema de ação. Em cada caso, foi uma tremenda necessidade humana que despertou o interesse de Jesus. M arcos 1:40,41: “Aproximou-se dele um leproso, rogando-lhe, de joelhos: Se quiseres, podes purificar-me. Jesus, profundamente compa­ decido, tocou-o e disse: Quero, fica limpo!” Lucas 7:11-14: "... dirigia-se Jesus a uma cidade chamada Naim, e... como se aproximasse da porta da cidade, eis que saía o enterro do filho único de uma viúva; e grande multidão da cidade ia com ela. Vendo-a, o Senhor se compadeceu dela e lhe disse: Não chores! Chegando-se, tocou o esquife e, parando os que o conduziam, disse: Jovem, eu te mando: Levanta-te.” Não eram somente as necessidades individuais que despertavam a com­ paixão de Jesus, mas também as necessidades das multidões, que ele viu como “ovelhas sem pastor”, ou “porque havia muitos enfermos entre eles”, ou “porque não haviam comido por vários dias e estavam famintos”. M ateus 9:36: “Vendo ele as multidões, compadeceu-se delas, porque estavam aflitas e exaustas, como ovelhas que não têm pastor.” Marcos acrescenta: “E passou a ensinar-lhes muitas coisas”. M ateus 14:14: “Desembarcando, viu Jesus uma grande multidão, compadeceu-se dela e curou os seus enfermos.” M arcos 8:2-3 e M ateus 15:32: “Naqueles dias, quando outra vez se reuniu grande multidão, e não tendo eles que comer, chamou Jesus os discípulos e lhes disse: Tenho compaixão desta gente, porque há três dias que permanecem comigo, e não têm o que comer. Se eu os despedir para suas casas em jejum, desfalecerão pelo caminho; e alguns deles vieram de longe.” Quer se tratasse de multidões ou indivíduos, a seqüência era a mes­ ma. A primeira coisa que fazia era ver. O verdadeiro amor está sempre observando com atenção, e os olhos de Jesus jamais estiveram fechados ante a necessidade humana. Ninguém podia acusá-lo de ser como o sa­ cerdote ou como o levita da parábola do bom samaritano. De ambos se diz “vendo-o...”, mas não viram corretamente, porque passaram “de largo” (Lc 10:31,32). Em contraste, Jesus viu corretamente, pois não temia encontrar-se cara a cara com a necessidade humana e toda a sua angustiosa realidade. E quando viu, inevitavelmente foi movido à com­ paixão e a um serviço efetivo. Algumas vezes, expressou o seu sentimen­ to com palavras; mas jamais sua compaixão se diluiu somente em pala­ vras. Sempre foi concretizada em atos. Viu, sentiu e agiu. A motivação para a ação passou dos olhos ao coração e daí para as mãos. Tinha


sempre compaixão ao ver a necessidade humana, e sempre a demonstra­ va com uma ação positiva. E assim o apóstolo João, inspirado pela inexorável lógica dessa com­ paixão, volta ao tema em sua primeira carta. Certamente, João assimi­ lou bem a lição, ao escutar e observar Jesus em seus ensinos e ações. Por isso, escreve: “Nisto conhecemos o amor, em que Cristo deu a sua vida por nós; e devemos dar nossa vida pelos irmãos. Ora aquele que possuir recursos deste mundo e vir a seu irmão padecer necessidade e fechar-lhe o seu coração, como pode permanecer nele o amor de Deus? Filhinhos, não amemos de palavra, nem de língua, mas de fato e de verdade” ( ljo 3:16-18). Esses versículos são precedidos da surpreendente afirmação de que pelo sacrifício de Jesus nós “conhecemos o amor”. O que João quer dizer é que o mundo jamais teria conhecido o verdadeiro significado de amor se não tivesse sido pela cruz de Cristo. “Mas isso é ridículo” —poderá replicar alguém —“todos nós conhecemos o verdadeiro significado do amor. Não necessitamos de que Jesus nos ensine”. Dificilmente essas palavras críticas poderiam mudar a opinião do apóstolo João. E a expli­ cação consiste em que todos os amores humanos tornam-se pequenos perto do amor supremo. M uito amor humano é bom e nobre, mas em algum grau oculta motivos ulteriores ou é uma mescla de generosidade e egoísmo. Somente um ato de amor puro foi realizado na história huma­ na, e este é o sacrifício de Jesus na cruz. Na cruz Jesus amou - e amou com amor perfeito. Ali ele deu tudo o que tinha: deu-se a si mesmo, por aqueles que não mereciam nada, que eram simples pecadores como nós. Serviço, não sentimento O verdadeiro amor, então, é o serviço até o sacrifício, serviço base­ ado na entrega de si mesmo em benefício dos demais. O apóstolo João disse que “devemos dar nossa vida pelos irmãos” e essas palavras pare­ cem ter um alcance mais amplo do que sugere a expressão “irmãos cris­ tãos”. Esse chamado à entrega de nossas vidas não supõe necessariamen­ te atos espetaculares (ainda que alguns possam ser chamados assim), senão atos de serviço que podem parecer-nos quase anônimos, mas que nem por isso deixam de ser heróicos. Damos nossa vida quando nos da­ mos aos outros livremente em serviço. Mas onde ninguém dá ou serve, ali não há amor, ainda que existam muitas palavras em contrário. Agora, chegamos a um ponto importantíssimo: com devastadora força, João aplica esse princípio ao cristão mais poderoso! O apóstolo descreve-o por meio de duas características. Primeiro: possui “recursos


deste mundo”; segundo, vê “seu irmão padecer necessidade”. Esta é a situação: vê a necessidade e tem com que satisfazê-la. Vê o enfermo e tem medicamentos ou meios para curá-lo; vê a ignorância e possui co­ nhecimento; vê a pobreza e tem recursos econômicos; vê a carência de conhecimento técnico e possui a tecnologia adequada. Resumindo: o que João diz é que uma pessoa tem duas opções: vendo a necessidade e tendo com que satisfazê-la, pode dispor-se e supri-la com o que tem, ou pode negar-se a fazê-lo. Sabemos o que fez Jesus: “viu, sentiu e agiu”. E nós? Se não estamos dispostos a suprir a necessidade com o que temos, estamos cerrando nos­ sos corações ao irmão necessitado. E se fazemos isso, atinge-nos a indig­ nada pergunta de João: “Como mora o amor de Deus nele?”. Não mora! Não pode morar, já que o amor divino é serviço, não sentimento. Mas se o amor de Deus é real em nossas vidas, nos impulsionará a uma ação positiva para suprir com o que temos a necessidade dos outros. E João conclui com um apelo direto: “Não amemos de palavra, nem de língua, mas de fato e de verdade”. Discernimento O único limite que a nossa liberdade tem para dar e servir é o limite imposto pelo nosso próprio amor. E possível que muitos tenhamos passa­ do por uma etapa que podemos chamar de “caridade indiscriminada”. Talvez tenhamos tomado literalmente algumas frases do Sermão do Monte, especialmente a que diz: “Dá a quem te pede”, e temos querido dar algo a cada mendigo, ou responder com algo a cada necessidade. Realmente, esse amor, ainda que seja “indiscriminado”, é melhor do que nada. Mas o certo é que o verdadeiro amor é aquele que pode discernir. Tem a capacidade de ver a necessidade real. Reconhece que nem sempre é o mais conveniente para o que pede que todas as suas demandas sejam satisfeitas; pode ser um jogador ou um bêbado. O verdadeiro amor limi­ ta sabiamente o dar, não para evadir-se da responsabilidade, mas para criar e desenvolver uma maior responsabilidade no que pede. O ensino de Jesus Já vimos que Jesus “andava fazendo o bem”. Os evangelhos o apre­ sentam desenvolvendo um equilibrado ministério de pregação, de ensino e de serviço. E o apóstolo João disserta sobre esse grande princípio do “amor que age”. Agora, vejamos o que Jesus ensinou e exemplificou no Sermão do Monte: “Eu, porém, vos digo: Amai os vossos inimigos e orai pelos que perseguem”. “Amai... os vossos inimigos, fazei o bem ...”.


“Fazer o bem” soa agradavelmente. Mas sabemos que muitos têm feito de uma maneira paternalista, que tem provocado o descrédito no mandato de Jesus. Assim sucedeu, por exemplo, com os que praticaram a “caridade vitoriana” dos séculos X V III e X IX . Claro que não devemos ridicularizar os esforços dos homens da época. Levemos em conta que estavam profundamente interessados na solução de muitos dos proble­ mas causados pela Revolução Industrial. Além disso, foi admirável a grande provisão de assistentes sociais, atenção médica domiciliar, comi­ da, roupas, agasalhos e escolas. O inaceitável para nós é sua atitude paternalista, produto de uma sociedade estratificada que pensava que Deus a havia ordenado rigidamente dessa forma. Mas é justo agradecer ao Senhor pelo espírito cristão e empreendedor desses homens. Os filantropos posteriores à era vitoriana pareciam muito seguros de sua própria justiça: eram arrogantes em sua maneira de atuar. Isso fez com que o povo pusesse em dúvida o compromisso genuíno de muitos outros que eram sinceros. As pessoas do bairro mais aristocrático de Londres faziam periódicas “expedições” aos bairros pobres, talvez mais para tranqüilizar suas próprias consciências do que para atender às ne­ cessidades reais. Logo voltavam tranqüilamente à comodidade burguesa e ao luxo de sua vida anterior. E conveniente esclarecer que houve gran­ des e gloriosas exceções, mas estas não lograram calar o inconformismo e o rechaço que os anteriores estimulavam com a sua maneira de proceder. Para tanto, parece-nos indicado resgatar o mandato de Jesus de “fa­ zer o bem” do rechaço e desprezo em que tem caído; devemos fazer várias coisas. Antes de tudo, devemos desembaraçar-nos de atitudes paterna­ listas, orgulhosas e arrogantes. Devemos deixar de lado nossa auto-sufi­ ciência e prescindir definitivamente da mentalidade daqueles que se “com­ prometem” sem realmente se comprometer. Além do mais, numa socie­ dade na qual se tem degradado o significado do amor, devemos deixar claro que este não é um sentimento, senão um auto-sacrifício, que quer servir a outros construtivamente. Somente então nossas obras brilharão como a luz, e nosso Pai será glorificado. A quem devemos ajudar? O mandato de Jesus de “fazer o bem” como expressão de amor en­ cerra duas interrogações. A primeira refere-se à extensão da nossa res­ ponsabilidade: a quem devemos amar? Na realidade, o Novo Testamen­ to concebe o “amor fraternal” como uma classe especial de amor cris­ tão. Então, de acordo com nossas possibilidades, “façamos o bem a todos, mas principalmente aos da família de fé” (G1 6:10).


A caridade começa em casa. Nossa primeira responsabilidade é para com a família da fé. Mas não podemos ficar aí. No tempo de Jesus, os fariseus trataram de limitar a definição de “próxim o” a nada mais que seus compatriotas judeus. Isso os levou a formular uma interpretação distorcida do segundo mandamento: “Amarás o teu próximo, e odiarás o teu inimigo”. Mas Jesus rechaçou totalmente essa distorção: “Eu, po­ rém, vos digo; Amai os vossos inimigos...”. Segundo Jesus, se seus discí­ pulos amassem apenas os que os amavam, nada estariam fazendo melhor do que os pagãos. Se queremos ser verdadeiros filhos de Deus, devemos então amar também os que nos odeiam. Como o Pai Celestial faz brilhar o sol e cair a chuva sobre os bons e os maus, assim devem ser seus discípu­ los: perfeitos no amor, como Deus é perfeito. Jesus ilustrou esse ensino da universalidade do amor cristão na mais conhecida de todas as suas parábolas: a do homem samaritano. A per­ gunta que deseja responder é: “Quem é o meu próximo?”. O ponto prin­ cipal da história é que o samaritano desprezado fez por um judeu o que jamais um judeu havia feito a um samaritano. A vítima dos ladrões era um judeu, mas não sabemos mais nada sobre ele. Era um “certo ho­ mem”, qualquer homem, sem nenhuma distinção nem identificação es­ pecial, exceto que era um ser humano e que estava em necessidade. O samaritano não o conhecia e, para dizer claramente, não tinha obriga­ ção alguma de auxiliá-lo em sua desgraça: pertencia a uma raça, posi­ ção social e religião bem diferentes da dele. Mas o estado de necessidade do judeu ferido e a capacidade do samaritano de compreender e respon­ der a essa necessidade fizeram deste o próximo daquele. Que podemos aprender desse ensino de Jesus? O intento de limitar a área dos que devem receber nosso amor e serviço a determinadas pessoas, como fizeram os fariseus, não é cristão. Mas não é certo que às vezes ficamos reticentes quanto a servir a pessoas que pertencem a outra reli­ gião, sejam animistas, hindus, budistas ou muçulmanos? Não existe cer­ ta hesitação em servi-los, a menos que possamos usar nossa ajuda como uma espécie de anzol para abrir seus corações a fim de receberem o evan­ gelho? E lógico que queiramos compartilhar com eles o evangelho; mas, a menos que estejamos motivados por um genuíno interesse por suas pessoas (o que estará ausente, se não formos capazes de ajudá-los em toda situação), nossos esforços serão inúteis e ainda desonrosos para a pessoa de Deus. O amor nos obriga a compartilhar, com os demais, am­ bas as coisas: as bênçãos materiais e as riquezas espirituais. Porém, o que devemos dar? Isso nos leva diretamente à segunda pergunta: se não pode­ mos limitar nossa responsabilidade a uma área particular da humanida­


de, como se manifestará nosso amor? Aceitamos que amar significa dar e servir: mas como podemos servir, e o que dar? A parábola do bom samaritano responde também a essas perguntas, porque evidentemente o serviço do bom samaritano está determinado pela necessidade do ho­ mem. Este foi assaltado e ferido; jaz semimorto. E óbvio que sua neces­ sidade mais urgente é a atenção médica. Assim que o samaritano ata as suas feridas, leva-o a um albergue, cuida dele, paga ao hospedeiro para que continue atendendo-o e compromete-se a pagar qualquer outro gas­ to que demande o tratamento. A única coisa que o samaritano não faz é evangelizá-lo! Põe óleo e vinho nas feridas, mas não enche os bolsos do judeu com folhetos! Nosso descuido das necessidades sociais e todas as discussões acerca da evangelização e ação social têm sido estéreis e desnecessárias. È cla­ ro, temos muita razão quando rechaçamos o chamado “evangelho social”, quando este tenta substituir as boas novas de salvação por uma mensa­ gem de simples promoção social. No entanto, é incrível que tenhamos chegado ao extremo de colocar a evangelização e a ação social em opo­ sição, como se mutuamente se excluíssem. Ambas devem ser autênticas expressões de amor ao próximo. Quem é meu próximo, a quem devo amar? Não é um corpo sem alma, nem uma alma descarnada, nem um indivíduo solitário alienado de um contexto social. Deus o criou como uma unidade integral e físico-espiritual, que vive em comunidade. E não posso dizer que amo a meu próximo se estou interessado somente em um aspecto da sua pessoa, quer seja a alma, quer seja o seu corpo ou a sua posição na comunidade. Mas alguém pode replicar: e a Grande Comissão? Não nos indica ela, como prioridade, nossa responsabilidade em evangelizar? Sim e não. A Grande Comissão de Jesus: “Ide por todo o mundo e fazei discípulos” refere-se, certamente, à tarefa de evangelização do mundo como uma responsabilidade de toda a Igreja, de todos os cristãos; mas seria exato chamá-la de nossa p rim eira responsabilidade? E verdade que essas foram as últimas palavras do Senhor ressuscitado antes de retornar ao Pai. Ainda assim, esse não foi o único mandamento que Jesus nos deixou. Por que devíamos imaginar, então, que esse mandamento tem precedência sobre todos os outros e que até os invalida? Sem dúvida, o “grande man­ damento” (ao menos em relação ao nosso próximo) é: “Amarás a teu próximo como a ti mesmo”. Esse, disse Jesus, é o segundo grande manda­ mento, precedido unicamente por “amar a Deus sobre todas as coisas”. Agora, é correto que igualemos o “amor a nosso próximo” com “evan­ gelizar” ? Claro que a morte e ressurreição de Jesus e a grande salvação


assegurada por esses eventos trazem uma nova dimensão ao amor ao próximo. Foi colocado em nossas mãos um novo e precioso dom a ser compartilhado com o próximo: as boas novas. Porém, não imaginemos que dar o evangelho ao próximo nos exime da nossa responsabilidade por ele, que se dermos o evangelho já teremos feito o suficiente. Muitos de nós temos sido insensíveis quanto a esses assuntos. Temos pensado e atuado como se Deus só fosse o Redentor e não o Criador de todos os homens, como se Jesus só tivesse pregado e não tivesse sido movido, pela compaixão, a alimentar os famintos e sarar os enfermos. Naturalmente, se tivéssemos que escolher entre evangelização e serviço social, teríamos presente que a vida espiritual e eterna é mais prioritária que a material e temporal. Mas não temos que escolher, ou pelo menos, serão contadíssimas as ocasiões em que teremos que fazê-lo. Jesus não escolheu: manteve as duas coisas juntas. Uma não serviu de desculpa ou dissimulação para a outra: ambas foram expressões genuínas de sua pro­ funda compaixão pelos homens. Ovelhas e cabritos? Devemos mencionar um aspecto a mais do ensino de Jesus. Podemos considerá-lo como o sermão sobre o juízo. Nada destaca mais a força de seu ensino e de seu exemplo do que a forma na qual faz desses dois a base de seu juízo. Em Mateus 25, Jesus fala de seu regresso, para julgar o mundo. Será o retorno do Filho do homem em sua glória, para sentar-se como rei sobre o trono, e todas as nações terão que comparecer ante ele. A base da separação no juízo será a presença ou ausência de obras de amor na vida dos homens. “Então dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai! Entrai na posse do reino que vos está preparado desde a fundação do mundo. Porque TIVE FO M E e me destes de comer... Em verdade vos afirmo que sempre que o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes”. Essa passagem também é chamada de “a pará­ bola das ovelhas e dos cabritos”. O único elemento que é claramente para­ bólico é a comparação da salvação e condenação com a separação de ovelhas e cabras. À parte disso, é um relato direto e solene do juízo final. Muitos têm tratado de se eximir da admoestação desafiadora de Jesus, aplicando-a a outras situações. Segundos estes, a expressão “meus peque­ ninos irmãos” refere-se ao povo judeu apenas, e as nações serão julgadas de acordo com a maneira como tiverem tratado o povo judeu na História. Mas esse conceito, de que o juízo final será mais de nações do que de indivíduos carece de sólida fundamentação bíblica. Além do mais, a expressão “um destes meus pequeninos” é muito pessoal e particular.


Existe outro problema que contribui para a perplexidade de alguns. Se a nossa justificação (nossa aceitação por parte de Deus) é somente pela fé em Cristo, e pela fé somente, à parte das obras, não é essa passa­ gem estranha àquela? Não! N ossa justificação é realmente só pela fé. No entanto, onde quer que os escritores do Novo Testamento se refiram à fé verdadeira, a fé vivente e salvadora, esta vem acompanhada, inevi­ tavelmente, por boas obras. No relato do juízo final, Jesus indica que nossa atitude real frente a ele será revelada através da nossa atitude para com os seus irmãos, referindo-se sem dúvida, em primeiro lugar, a seus próprios discípulos, mas não se restringindo a eles. O apóstolo Tiago aponta a máxima cristã: “Eu, com as obras, te mostrarei a minha fé”, e Paulo declara que o realmente importante é “a fé que atua pelo am or” (Tg 2:18 e G1 5:6). Assim é que a única e sólida evidência de realidade da nossa fé são as obras de amor. Essa é a razão pela qual, ainda que nossa justificação seja pela fé somente, nosso juízo será com base nas boas obras. Assim, Paulo, em sua carta aos Romanos, na qual dá ênfase e explica a justificação pela fé, diz que o povo ao qual Deus dará vida eterna no último dia incluirá aqueles que, “perseverando em fazer o bem, procuram glória, honra e incorruptibilidade” (Rm 2:7). Em seus passos Recapitulando, recordemos a obrigação cristã de “fazer o bem”. Jesus mesmo andou fazendo o bem. Ele nos ordenou seguir seu exemplo e mostrar amor ao nosso próximo por meio de um eficaz e variado serviço prático. Jesus também nos preveniu de que as obras serão, no último dia, a evidência para provar a autenticidade de nossa fé nele, para a salvação. Como conseqüência incontrovertível, se começarmos a seguir o Je ­ sus verdadeiro e a caminhar em seus passos, aproveitaremos cada opor­ tunidade para “fazer o bem”. Porque é assim que as nossas boas obras mostrarão a genuinidade do nosso amor, e a genuinidade do nosso amor mostrará a genuinidade da nossa fé.


5 Cristo e Anticristo na proclamação Valdir Steurnagel Presidente da Visão Mundial Internacional

A preocupação com o Anticristo entrou em moda nos últimos tem­ pos. Há uma espécie de clima apocalíptico no ar. A alta vendagem de livros que se preocupam com o amanhã, tanto seculares como religiosos, aponta nessa direção. A crise no Oriente Médio e a sua relação com as questões energéticas, os problemas econômicos, a quebra dos últimos princípios éticos em relação à diplomacia internacional, a corrupção política, a questão da finitude e limitação dos recursos alimentícios nos fornecem elementos para nos preocuparmos com o futuro e até fazermos previsões catastróficas. A grande bilheteria alcançada por filmes sensa­ cionalmente apocalípticos - A p rofecia, O A nticristo - reflete a insegu­ rança e as perguntas quanto ao futuro. Por vezes, preocupar-se com o Anticristo tem se constituído um verda­ deiro hobby. A intenção de descobri-lo, identificá-lo —uma vez citou-se Mao Tse-Tung, outra vez Kissinger - tem consumido tempo e energia. Neste tempo de crise, medo e angústia, no qual as pessoas se voltam inquiridoras para o futuro, desconfiadas e esperançosas, o nosso tema torna-se atual. Mais do que isso, ajuda-nos a colocar cada assunto abor­ dado no seu lugar, e a dar-lhe a devida importância. Primeiro, por ressal­ tar a antecedência e prioridade de Cristo; segundo, porque nos identifica


a serviço da proclamação. N ão é a intenção de especular em torno do Anticristo que nos motiva. A autoridade bíblica para tal é negada. Há um compromisso primeiro e intencional com Cristo: comprados pelo sangue de Jesus, somos devedores do evangelho a todos os homens. O Anticristo deve ser detectado e desmascarado em nome de Jesus. O primado da proclamação Jesus Cristo é o Senhor: eis a nossa primeira, última e suficiente palavra. Com ela começamos e com ela terminamos (At 3:6; 4:12,20; 17:28). É fundamental que a cosmovisão e o estilo de vida da Igreja estejam determinados por essa confissão básica. E tempo de missão: desde a realidade da encarnação de Jesus Cristo, sua morte e ressurreição, e agora na esperança pela sua volta, vivemos no tempo da Igreja. Nesse tempo, importa anunciar, para que o mundo creia ser Jesus Cristo o Senhor. A Igreja, convocada à submissão e atingida pelo envio de Jesus Cristo, responde em obediência, com o anúncio integral de vida e de palavra. A primeira preocupação da Igreja não é, portanto, defensiva, mas ofensiva. Anuncia, proclama, convoca. A Igreja é de vanguarda, não de retaguarda. A Igreja é peregrina. Ele capta o evangelho, submete-se ao Senhor e se desloca para convocar todos os joelhos a se dobrar diante do Senhor Jesus (Fp 2:5,11; 2Tm 3:2). Ou, em outras palavras, o mandato fundamental dado à Igreja leva-a à missão. Em adoração e obediência ao Senhor, a vida da Igreja deve visar à transmissão do objetivo de salvação da parte de Deus. Essa característica fundamental da Igreja sempre deve ser preserva­ da: estar a caminho é a nossa vocação. Seu senhor e sua sede não são daqui. O centro e o sentido dos evangelhos reside na pessoa e obra de Jesus Cristo. Assim, vamos encontrar, na igreja primitiva, uma comunidade radicalmente identificada com a pregação de Jesus como o Cristo, tor­ nado a pedra angular e o caminho único e exclusivo da salvação. Para essa identificação, a morte e a ressurreição de Jesus constituem-se em elementos básicos e indispensáveis. E na morte de Jesus, como aparente fracasso, e na sua ressurreição, que representa o sim de Deus ao seu caminho, e na descida do Espírito Santo, que a Igreja encontra o toque clarificador para a confissão de Jesus como o Cristo. A salvação trazida por Jesus pode ser assim qualificada: a) Tem objetivo universal (2Tm 2:4); b) Jesus Cristo, crucificado e ressuscitado, é o conteúdo único, suficien­ te e exclusivo da salvação que Deus oferece ao homem (At 4:12);


c) A salvação efetuada por Jesus tem uma dimensão pessoal e cósmica (Cl 1:13-20) e afeta o homem em três áreas: reconciliação com Deus, com o próximo e sentido de mordomia em relação à natureza; d) A estratégia da salvação é a morte expiatória de Jesus: “E, estan­ do nós mortos em nossos delitos e pecados, nos deu vida junta­ mente com Cristo: pela graça sois salvos” (Ef 2:5). O Evangelho é uma mensagem soteriológica, porque a presença de Jesus e sua morte expiatória representam a concretização do objetivo salvífico da parte de Deus. Jesus mesmo é o conteúdo de salvação do evangelho, que “é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê” (Rm 1:16), e visa à reconciliação da humanidade. O evangelho é uma mensagem escatológica. Dá uma perspectiva de vida, para o ho­ mem, que transcende ao imanente e imediato. O Evangelho se anuncia num mundo caído O Evangelho nunca é proclamado no espaço vazio. Ele sempre visa do homem específico, que vive num lugar concreto. Esse “lugar concre­ to” sempre é dúbio. Por um lado, é preciso afirmar que Deus, o criador dos céus e da terra, não abandonou a sua criação; que ela continua sendo objeto do amor de Deus (Jo 3:16) e mantém resquícios da sua beleza original. As palavras de Gênesis 1:31 “... e eis que era muito bom” ainda continuam a ecoar. M as, por outro lado, o mundo está caído e “é mau o desígnio do homem desde a sua mocidade” (Gn 8:21). Sabemos, do relato da queda em Gênesis 3, a profunda transformação que se operou a partir do peca­ do do homem. Alterações se processaram tanto no nível do relaciona­ mento com Deus e na comunhão entre os homens como no relaciona­ mento com a natureza. E nesse mundo conflitante que nós vivemos e anunciamos o evange­ lho. Por isso, toda a proclamação do verdadeiro evangelho trará ambas as respostas: aceitação e rejeição. Se anunciamos o evangelho como se todos prontamente o aceitassem, somos ingênuos. Se o fazemos como se ninguém quisesse saber nada a seu respeito, desvalorizamos o amor de Deus e o sacrifício de Jesus. E preciso ressaltar que a posição que se configura na atuação de Satanás é real. A luz da experiência de J ó , Deus concede espaço de atu­ ação ao maligno, até a ponto de tentar o próprio Jesus. O conflito paten­ te no ministério de Jesus, entre a sua atuação soberana e poderosa e a ofensiva dos demônios à sua pessoa, caracteriza também a nossa atua-


ção. O reinado do príncipe das trevas, mesmo que provisório, é real; quer todos os homens sob o seu domínio. Sempre lá, onde o evangelho é pregado, o círculo do mal se rompe e a autoridade de Satanás é derrotada. Todo anúncio do evangelho rompe o círculo das trevas e provoca conflito aberto sobre o qual de antemão nós temos, em nome de Jesus, a vitória. A oposição e os últimos dias A oposição não é nenhuma novidade para aqueles que decidiram pagar o preço do evangelho e “tomar a sua cruz”. Considero as palavras de Jesus, por ocasião do envio dos setenta, claras e definitivas: “Eis que vos envio como cordeiros para o meio de lobos” (Lc 10:3). As cartas de João preocupam-se em orientar os fiéis a sobreviver fielmente neste último tempo. A grande preocupação de João é discernir o “verdadeiro e o falso”, numa preocupação pastoral com a Igreja. As heresias devem ser trazidas à clara luz, para ser conhecidas de todos. É nesse contexto de preservação dos fiéis, de detectar as heresias e de forti­ ficação dos crentes, que ele fala do Anticristo. De fato, é apenas nas cartas de João que o termo aparece, ou seja, em três diferentes ocasiões. 1 J o 2:18-23. No versículo 18, ele comenta que os ouvintes já ouvi­ ram falar da vinda do Anticristo. Mesmo que com terminologia diferen­ te, sabemos que a igreja primitiva se caracterizava pela esperança na volta de Cristo e estava devidamente alertada sobre as dificuldades dos últimos dias. O texto de 2 Tessalonicenses 2:4 é uma demonstração desse ensinamento. 2 J o 7 . 0 assunto é o mesmo que o anterior, com a novidade de que, nesse contexto, o enganador e o Anticristo são identificados. Isso lança luz sobre a característica do Anticristo, que anda de mãos dadas com o enganador. João nos ajuda ao colocar as coisas dessa maneira. O estabe­ lecimento da relação entre o Anticristo e os anticristos evita que esteja­ mos apenas contemplando o futuro, dizendo-nos que já agora devemos vigiar e discernir os espíritos. O texto nos impele ainda adiante, levan­ do-nos a pensar sobre quem são e como atuam os inimigos da causa. A respeito do Anticristo, ele é breve em sua referência, mesmo que seja da mesma família dos anticristos. Recorrendo, no entanto, a Paulo, ou seja, 2 Tessalonicenses, podemos caracterizar o Anticristo. Ele é oriun­ do das fileiras da fé. Torna-se apóstata e tem como objetivo destruir tudo o que tenha relação com Deus. Sentado no “santuário de Deus”, quer ser igual a Deus, usando “a eficácia de Satanás, como todo poder, e


sinais e prodígios da m entira...”. Mas, ainda que a mensagem bíblica o localize no “curvar do dia” da História, essa mesma palavra nos adverte que o Anticristo já está dando os seus sinais de vida; sua influência já se faz sentir, e por isso João alerta os fiéis: cuidado com o Anticristo! São filhos do mesmo tronco; sinal dos últimos tempos. “Os muitos anticristos são precursores do que ainda há de vir. Os poderes das trevas estavam cerrando fileiras. As forças do mal estavam se agrupando. Se a primeira vinda de Cristo havia evidenciado a chegada dos ‘últimos dias’, a aparição de muitos anticristos demons­ trava que era ‘a última hora”’ (Stott). Gostaria de me deter ainda por um pouco na caracterização dos anticristos, que não poderá ser muito diferente. João, no entanto, nos enriquece com detalhes. São conhecidos pela mentira. Tendo se associa­ do aos do Caminho, não resistiram ao seu intento enganador. “Não são dos nossos”, diz João, “e a sua intenção é negar que Jesus é o Cristo”. João nos transmite duas coisas importantes: a) O saudável povo de Deus detecta a oposição. Os anticristos são desmascarados no seio da comunidade: por mais que se esforcem, acabam sendo reconhecidos como mentirosos. b) A chave para discernir a integridade e a intenção das pessoas é a confissão de Jesus como o Cristo. Pai e Filho são indispensáveis. Todo aquele que os quiser separar, tirando o título de “Cristo” do Jesus histórico, está a serviço do inimigo. Ao mesmo tempo em que a mensagem apresenta a realidade da opo­ sição e detecta o povoamento de anticristos neste mundo, ela proclama a vitória do próprio Senhor e o recurso de saúde do povo de Deus: Jesus é o Cristo. Eis a chave que discerne os espíritos. Sintetizando, poder-se-ia dizer que os anticristos são o prelúdio do Anticristo. A presença de am­ bos é um sinal dos últimos tempos, considerando-se que a vinda última do Anticristo nos introduzirá na contagem final do “tempo”. A soberania de Deus As palavras de Lutero, no hino “Castelo Forte”, dispensam comen­ tários: Se nos quisessem devorar D em ôn ios n ão contados. N ã o p o d eria m derrotar, N em ver-nos assustados.


O prín cipe d o m al, C om seu p lan o infernal, ] á co n d en a d o está; Vencido cairá Por um a só palavra. Nunca o mal teve autonomia suficiente para se emancipar da sobe­ rania de Deus. Jam ais se deve entender que o homem está prensado entre o poder do bem e do mal, devendo irremediavelmente optar ou cair nas “garras” de um deles. Deus nunca abriu mão de sua soberania. Ele tem a primeira e a última palavra - sem comentários. Que se saiba bem clara­ mente: já agora os anticristos são relativizados, desmascarados e subju­ gados pela autoridade que reside em o nome de Jesus. A presença sobera­ na de Deus em e através de Jesus Cristo irrompe no aparentemente “tran­ qüilo terreiro de Satanás” e proclama sua presença vitoriosa: “Cala-te e sai desse homem” (Mc 1:25). Essas incursões parciais de Jesus no mundo de Satanás prenunciam a derrota final e inapelável deste. A palavra diz explicitamente que o ini­ migo será aniquilado pelo Senhor Jesus, que o “matará com o sopro da sua boca e o destruirá pela manifestação de sua vinda” (2Ts 2:8). Ser igreja no final dos tempos Em alguns lugares da América Latina já houve tempo para que a Igreja se instalasse, criasse raízes e crescesse no conceito dos homens. O tempo pioneiro jaz no passado e com ele as suas experiências de sofrimento e persistência concomitante. Aos “antigos” coube a tarefa de instalar as bases da proclamação evangélica, e a nós parece caber usufruir as bênçãos da “terra de Canaã”. A geração atual corre o risco de descansar por sobre os louros conquistados e já o fervor missionário começa a minguar. Hoje, é preciso acordar! O tempo não está parado, e a tarefa se avoluma a nossa frente. E preciso que se enxergue a massa latino-americana como carente desse evangelho do senhorio de Jesus Cristo. Percebe-se muito claramente a clericalização ou profissionalização da fé. Perdemos de vista os nossos pioneiros, quando o sacerdócio universal de todos os santos era uma realidade de sobrevivência para a própria Igre­ ja. Não havia tempo para descansar em pastores ou missionários. Cada cristão devia ser um atuante da fé. Missão não é apenas tarefa de especia­ listas, é vocação de cada cristão a ser exercida lá onde se passa o dia-a-dia. E necessário reenfatizar que a vida do cristão é uma só: Deus afeta todas as áreas do seu ser e quer senhorear todos os seus dias. Que a missão


não é tarefa apenas para especialistas, mas para todos. E a encarnação de Jesus nos serve de modelo para a compreensão da tarefa que temos a cumprir entre os homens. Encarnação é o ato de desprendimento no qual eu posso desistir dos meus direitos em função do objetivo de transmitir a alguém uma mensagem compreensível. Quanto não carecemos desse espírito entre nós, que preferimos des­ carregar o evangelho de longe, de preferência sem compromisso, sem precisar arregaçar as mangas. E na vida cotidiana de Jesus que vemos como ele concretizou o texto messiânico: dando tempo aos fracos e po­ bres, recebendo prostitutas e publicanos, crianças e doentes, anunciando o evangelho e gastando a sua vida com os demais. Será que o envio dele ainda encontra ouvidos nos nossos dias? Encontrar-nos-á servindo ou querendo ser servidos; junto àquelas camadas da sociedade que apresen­ tam maior carência, tanto física, material, como espiritualmente, ou instalados nos “palácios do bem estar” sem conflitos de consciência? M is­ são se faz com disposição para a desinstalação, no interesse de se identifi­ car com a dor do próximo onde ele estiver. Missão se faz com o espírito de serviço, que arregaça as mangas e suja as mãos, desde que a ovelha perdida volte ao rebanho paterno. Missão se faz olhando para Jesus. O preço do Evangelho Não ponha a mão no arado se não estiver disposto a pagar o preço; eis a mensagem do evangelho. Pois este não é um produto de supermerca­ do a se adquirir no final do mês, ou mais um artigo da exposição a orna­ mentar a casa da nossa vida. Creio que passamos por dias delicados nessa área. Há uma tentação muito grande “de não mostrar as coisas logo como elas são”. Quer-se primeiro cativar os ouvintes, apresentadolhes os direitos, sem os deveres. E preciso cuidado com a penetração da graça barata no nosso meio. O evangelho que ela anuncia não faz justiça a Jesus Cristo e não respeita a sua exclusividade. A perseguição A perseguição não é estranha ao cristão. O próprio Jesus nos deixou prevenidos: “Se me perseguiram a mim, também perseguirão a vós ou­ tros” (Lc 15:20). Quase que poderíamos apontar para dois estágios des­ sa perseguição. Uma seria a cotidiana, que ocorre no trabalho, na famí­ lia, pelo fato de se ter abraçado a fé. Jesus faz alusão a ela em Mateus 10:24ss, quando alude ao fato de a discórdia poder vir a habitar numa casa por causa deles mesmos. A outra, no entanto, caracteriza os “últi­ mos” dos “derradeiros dias”. Lucas 21:7 diz que antes de “levantar-se


nação contra nação”, os cristãos serão violentamente perseguidos. Não que isso deva levar os cristãos ao susto e ao desespero, pois o texto diz que Deus proverá as palavras e a sabedoria necessárias (v. 14). A própria perseguição tem como objetivo a prestação de testemunho (v. 13). A denúncia dos anticristos e a vigilância pelo Anticristo Missão cristã é anunciar a boa nova. Mas é também denunciar. A missão profética deve ser revalorizada nos nossos círculos evangélicos, n n r l f p ia p c tá t ã n o n c fn t-P

P r .r rn iccõ r^ p r o f é t i c a

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nistério que era próprio dos profetas quando, em nome de Deus, de4ún~ ciavam uma situação anômala. A vinha de Nabote havia sido vilmjphte arrebatada? Era preciso que esse ato covarde fosse p ro fe tic ^ m ^ te d ^ ? nunciado (lR s 21). C \v^V O ministério profético estende seus braços para K^Varnília da fé, a Igreja. Ele abraça este mundo criado por De^s./Éfftre nès, ele tem os braços curtos demais, devido a dois fatores a) Não sabemos o que fazer com o m u ríí^ X m ta m o -lo como criado por Deus, mas não consejmim6^hos_»fovirnentar nele: “Vai ser destruído mesmo... queMÇi(irè^a^esde já !”. b) Nosso conceito de autoridaS&êestreito e castrador. Vivemos num clima de medo em./fjíEíção à sociedade e aos seus desafios, e não sabemos ocuJW Ssjçvipo espaço na comunidade dos homens. Plei­ teamos uma^^Wbtèsão paralisante que não impele à ação e ao compr»miSsó^nÍssionário encarnado. Somos muito mais como o tra b á ^ \'</r do zoológico, que alimenta a fera jogando-lhe a cô­ as grades da jaula e sai correndo. lo sobre os anticristos e o Anticristo, precisamos “olhar” para pois os anticristos a ser denunciados não estão apenas no Igreja. Claro que lá estão também, com suas heresias e confusões, ums iiciu su ia. Numa s u c ic u a u c s c c u ia i, os anticristos pouein vir pinrados de outra cor. Os anticristos, hoje, estão no sistema educacional, que crê ser o ho­ mem a realidade última; no espírito aquisitivo, que diz que o dinheiro pode comprar a felicidade plena; nas propagandas sedutoras, que anun­ ciam depender o sentido da vida de um novo cigarro qualquer; na políti­ ca, quando exige para si uma fidelidade indevida e se arroga um poder absoluto que não lhe compete; na miséria dos homens, quando desfigura o ser humano e o explora até ao desespero. Muitos são os anticristos latino-americanos carentes de denúncia. A 3,


falta de respeito pela vida, a desconsideração pelo próximo, a injustiça institucionalizada, a miséria crescente, a riqueza desproporcionalmente concentrada e muitos outros. E cumpre dizer ainda que os anticristos que habitam num continente de abundante religiosidade popular são múlti­ plos. No caso específico do Brasil, eles estão presentes num amplo pro­ cesso de sincretismos. Este mistura principalmente elementos das religi­ ões africanas, do espírito kardecista e do catolicismo. E o Anticristo? Vigiai! A expectativa pelo Anticristo não pode desfocar nossa ênfase missi­ onária, nem paralisar a implantação de sinais do reino, seja, por exem­ plo, através do envio de missionários para o estrangeiro ou da implanta­ ção de projetos missionários que visem ser de ajuda para toda uma co­ munidade. H oje, é preciso que se diga: cuidado com a especulação. Ela é muito tentadora nestes dias apocalípticos, quando todos querem ter um veredicto a respeito do amanhã. Devemos deixar registrado, em primei­ ro lugar, que a nossa palavra é de confiança na soberania de Deus. Por isso, venha quando vier, seja quem for, seu destino está traçado; morrerá sob a decisiva atuação do único e verdadeiro Deus. Ser Igreja no final dos tempos significa arregimentar todos os recur­ sos disponíveis para que o mundo todo ouça que Jesus Cristo é o Senhor. Em palavra e ação, todas as oportunidades devem ser aproveitadas para que este continente seja ganho para Jesus Cristo. O Evangelho, no entanto, deve ser apresentado com integridade, não deixando de fazer referência ao seu preço. Precisamos estar consci­ entes de que o sofrimento nos espera, podendo chegar a implicações físi­ cas, sabendo, porém, que nem essa oportunidade será perdida para o testemunho. Ser Igreja no final dos tempos significa ainda ser a voz de Deus em meio a um mundo com mil vozes. Os opositores deverão ser denunciados, os anticristos desmascarados e os homens, por mais pode­ rosos que sejam, devem se entender despidos e de mãos vazias diante de Deus. A Igreja também é aquela que anuncia o juízo de Deus, por mais claro e duro que seja. A certeza de viver nos últimos dias determina a vida da Igreja. A mensagem é, ao mesmo tempo, de alegria e vigilância pelos sinais dos tempos. A reação de Jesus ao sistema apocalíptico do judaísmo foi forte. Não é possível ficar a observar céus e mundos, especulando arrogante­ mente. A vinda do reino de Deus não é conseqüência desse tipo de obser­ vação, diz Jesus. E mais: “...o reino de Deus está entre vós” (Lc 17:20,21). Jesus traz os fariseus de volta para o chão e lhes aponta a sua própria pessoa. Em vez de especular, é tempo de me aceitar, quer ele dizer.


A esse tipo de posicionamento somos convocados: viver com os olhos fixos em Jesus, tanto no sentido de esperá-lo na sua volta como cumprin­ do o seu mandato missionário nos dias atuais. A melhor maneira de esperar pelo Senhor é estar gastando a vida no seu serviço. E isso não significa apenas produzir uma articulação teórica do evangelho, mas também procurar fazer com que se visualizem sinais concretos do reino de Deus aqui no mundo, tornando, inclusive, a vida dos homens melhor por um pouco. Enquanto o Senhor Jesus não vier, nós somos chamados a proclamar o evangelho e viver um estilo de vida que testemunhe do amor de Deus. Creio que a preocupação com o Anticristo só tem sentido quando determinada pelo anseio missionário de desmascará-lo; nunca, no en­ tanto, quando feita com espírito especulativo. Deslumbremo-nos com a sabedoria de Deus e a salvação que reside em nome de Jesus Cristo. Estejamos com toda a vida a serviço da procla­ mação desse nome, firmados na esperança por novos céus e terra. Tenha­ mos discernimento para identificar toda e qualquer oposição do inimi­ go, afastando os anticristos de amanhã, visando à saúde da Igreja. Na América Latina, não temos tempo para especular. Há muito por fazer. Somos chamados a colocar a nossa fé a serviço de homens redimi­ dos e de um mundo melhor; até que ele venha. Hoje, no entanto, fala-se no Anticristo que deverá nascer “naquela cidade” e se vive tão bem instalado nesta sociedade de consumo. Nenhu­ ma preocupação com o Anticristo é legítima, a não ser que pergunte imediatamente pelo espaço que o espírito do anticristo esteja querendo ocupar hoje, aqui e agora. Quanto ao Anticristo, é preciso, para não ser pego de surpresa, zelar pela pureza da Igreja. Quanto aos anticristos, eles obstaculizam a missão e devem, por isso, ser identificados e desmas­ carados. Quanto a nós, vivemos na esperança, anunciando para que to ­ dos ouçam: Jesus Cristo é o Senhor.


6 Integridade e compromisso Carlyle Dewey Vice-Presidente da AETAL

O que é que faz com que vejamos, com que vejamos de fato? Obvia­ mente, é uma questão de claridade em nossa visão. Só veremos o que está ao nosso redor se os olhos estiverem primeiramente fixos em nosso Se­ nhor. “São os olhos a lâmpada do corpo. Se os teus olhos forem maus, todo o teu corpo estará em trevas...” (Mt 6:22-23a). “Desvenda os meus olhos, para que eu contemple as maravilhas da tua lei” (SI 119:18). Desde que já estejamos vendo e nosso Senhor já nos tenha chamado a um curso de ação, o que faz com que esse compromisso dure? Estaremos abordando aqui a questão de um compromisso permanente e eficaz. Além disso, consideraremos um tipo especial de compromisso, o compromisso com o ministério que atende às necessidades espirituais e físicas de pes­ soas que vivem em comunidades rurais afastadas. Acredito firmemente que há duas verdades que devemos entender, duas disciplinas às quais devemos nos entregar, se desejarmos viver essa vida de compromisso permanente e eficaz. Essas disciplinas são encarnação e unida­ de. Primeiramente, apresentarei esses princípios, depois compartilharei mi­ nha experiência com breves descrições dos ministérios de vários servos de nosso Senhor que demonstraram tal compromisso. Finalmente, concluirei discutin­ do algumas práticas pelas quais esses princípios interagem mutuamente.


Encarnação “E o verbo se fez carne, e habitou entre nós...” (Jo 1:14a). A encarna­ ção, no sentido original, é um termo teológico que se refere à realidade histórica de Deus fazendo-se homem. M as, como cristãos, somos com­ pelidos a seguir o exemplo de Cristo, em atitude e em comportamento (Jo 17:18). Ele caminha conosco. O seu trabalho torna-se o nosso traba­ lho. Ele torna-se responsável pelo sucesso do mesmo. Vá até o p o v o ' Viva com o p o v o A prenda com o p o v o T rabalhe com o p ov o C o m ece com aqu ilo qu e o p o v o sa be Construa so b re aqu ilo qu e o p o v o possui Ensine d em on stran do: ap ren d a fazen do N ã o im p rov isan d o, m as esta b elecen d o um sistem a N ã o se utilizando d e esfo rço s fragm en tados, m as d e um a a b o r ­ dagem integrada N ã o d an d o assistência, m as trabalh an d o para a sua liberação. Essas palavras foram escritas pelo dr. James Yen, fundador do Movi­ mento Internacional de Reconstrução Rural, cujo escritório está situado nas Filipinas. Embora esse movimento não seja uma organização religi­ osa, o dr. Yen afirmou claramente a um grupo de cristãos dedicados ao desenvolvimento, reunidos em seu centro de treinamento em 1978, que em essência esse desafio é cristão. Jesus Cristo é o nosso modelo. Ele é a luz do mundo, mesmo quando diz a seus discípulos: “Vós sois a luz do mundo...” (Mt 5:14). O apóstolo Paulo delineia o padrão que Cristo pretende para nós: “Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois ele, subsistindo em forma de Deus não julgou como usurpa­ ção o ser igual a Deus; antes a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figu­ ra humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte, e morte de cruz” (Fp 2:5-8) Poucos de nós são chamados a morrer numa cruz. Ao invés disso, somos mandados a nos identificar com aqueles a quem fomos chamados a servir. Essa é a atitude que marcou a vida de Jesus e o seu sacrifício. A maioria de nós acha isso mais difícil que a própria morte. Seríamos ca­ pazes de lançar um desafio a nós mesmos por meio das palavras de Paulo?


“Pois ele, provindo de boa família e sendo graduado numa das me­ lhores universidades, não se equiparou com os seus mestres, antes a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de um camponês, tornando-se em semelhança de homens (não definido pelo status). E, reconhecido em figura de homem comum, a si mesmo se humilhou, disposto a ouvir, a aprender e a servir.” As vezes, as barreiras que nos separam da humildade são econômicas. Os psicólogos Tom Ludwig e David Myers, de Hope College, em Holland, no estado de Michigan, EUA, inventaram a expressão “fala de pobre”, que significa “chorar de barriga cheia”. Myers diz que o termo refere-se a pessoas ricas que falam como se fossem pobres. Os estudos desses psicólo­ gos mostram que nos Estados Unidos muitas pessoas reagem às pressões geradas pela inflação (e tornam-se frustradas) comparando-se constante­ mente às poucas pessoas que possuem mais do que elas, ao invés de se comparar aos muitos outros que possuem menos. Amigos reclamam entre si sobre a alta dos preços e sentem prazer em fazer uma relação do que não podem comprar (The other side, março, 1980). Surpreendo-me fazendo o mesmò jogo. Quando tomo decisões sobre como minha família e eu deveríamos viver ou sobre quais recursos preci­ so para realizar meu trabalho, sinto-me levado a comparar-me com amigos executivos, ao invés de comparar-me com os pastores e com os supervisores de projeto com quem Deus me chamou para trabalhar. Es­ tou “chorando de barriga cheia” em meu comportamento. As barreiras à humildade podem também ser intelectuais, disfarçadas de especialização acadêmica ou padrões profissionais. Tentamos aplicar nossas soluções sem compreender realmente os problemas dos pobres. Es­ quecemos que eles estão de fato sobrevivendo a situações que provavel­ mente derrotariam a maioria de nós. Freqüentemente, aceitamos os valo­ res que as disciplinas acadêmicas nos apresentam, as quais são influencia­ das por ideologias não-cristãs. Por exemplo, medicina, direito e adminis­ tração de empresas, entre outras, são freqüentemente dominadas por pres­ suposições capitalistas. Muitos professores de ciência social e humana são simpáticos ao marxismo. Uma aceitação ingênua dos valores de qualquer desses sistemas restringe a nossa visão. Nenhum dos dois oferece valores que nos capacitam a ouvir, a aprender e a servir. Unidade Se o nosso ministério for o desenvolvimento da com u n idade, então temos um grande desafio no Sermão do Monte e em outras passagens das Escrituras. O mundo está mudando tão depressa, que deixa a todos des-


norteados. Os modelos que aprendemos nos estudos acadêmicos não são adequados. Certamente, precisamos ouvir o povo, como sugeriu o Dr. Yen, mas precisamos mais do que isso. Precisamos do modelo de Deus para uma comunidade, e nós o temos, em sua Palavra. O Sermão do Monte é um desafio a cada um de nós, não apenas individualmente, mas também como comunidade. As palavras de Jesus a seus seguidores sobre ser a luz do mundo estão todas no plural (Mt 5:16). John Stott, no seu livro A M en sagem d o S erm ão d o M on te - C on ­ tracultura C ristã, refere-se, na Introdução, às muitas pessoas que pen­ sam que os ensinamentos de Jesus são impossíveis de ser vividos. Cheguei também a pensar assim. Os mandamentos de Deus às vezes me imobili­ zavam, ao invés de me ativar, porque eu os via aplicados a mim, apenas. Mas Stott explica o significado do Sermão do Monte: “ ... o Serm ão do M o n te descreve co m o ficam a vida e a com unidade hum ana quando se colocam sob o governo da graça de D eus... é o esboço mais com pleto, em tod o o N ovo Testam ento, da contracultura cristã. Eis aí um sistem a de valores cristãos, um padrão ético, uma devoção religiosa, um a atitude para com o dinheiro, um a am bição, um estilo de vida e uma teia de relacionamentos: tudo com pletam ente diferente do m undo que não é cristão.” (A Mensagem do Sermão do M onte, págs. 5 e 6; grifo meu)

Assim, o nosso compromisso estará mais apto a criar raízes e a crescer, se for plantado no bom solo da comunhão com os membros do Corpo de Cristo. O próprio Senhor Jesus pretendeu que fosse assim. Falando de nós, que já cremos por causa da mensagem pregada pelos discípulos, Jesus diz: “Eu lhes tenho transmitido a glória que me tens dado, para que se­ jam um, como nós o somos; eu neles e tu em mim, a fim de que sejam aperfeiçoados na unidade, para que o mundo conheça que tu me envias­ te, e os amaste como também amaste a mim.” (Jo 17: 22-23). Esse tipo especial de u nidade deve caracterizar aqueles que estão trabalhando juntos em obediência ao mandamento de Deus para teste­ munhar e servir. Isso quer dizer que procuraremos construir pontes com outros crentes e, se trabalhamos longe de igrejas estabelecidas, precisa­ mos nos encontrar com outros crentes, seja pessoalmente, seja pelo cor­ reio, e fazer visitas para mantermos relacionamentos de apoio com ou­ tros membros do Corpo de Cristo. Modelos Os exemplos a seguir mostram como os princípios da en carn ação e da u nidade têm sido postos em prática por cristãos que responderam à


chamada de Deus para servir e, através do serviço, têm demonstrado o poder do reino de Deus*. Japaratuba, SE Dona Zênia Birzniek tinha quase quarenta anos quando começou a preparar-se para o serviço missionário. Como não possuía nenhuma quali­ ficação formal, ela freqüentou um curso de enfermagem de nível técnico e um curso de técnica de laboratório. Sua intenção desde o início era atender tanto às necessidades físicas quanto às espirituais. Ela recebe o seu susten­ to da Junta de Missões Nacionais da Convenção Batista Brasileira. Embora tenha um nome estrangeiro, é brasileira, tendo chegado da Lituânia com a idade de cinco anos. Quando Dona Zênia mudou para Japaratuba, no interior de Sergi­ pe, as pessoas eram tão hostis aos evangélicos que se negavam a vender pão a ela. Doze anos mais tarde, contudo, foi nomeada cidadã honorária da cidade. Naturalmente, o seu ministério social era na área da saúde, tanto curativa como preventiva. Por muitos anos, ela foi a única pessoa a fazer exame de fezes para os médicos e clínicas da área. Ela prestou assistência em outras cidadezinhas ao redor de Japaratuba, onde se especializou em ajudar o povo a livrar-se de parasitas intestinais e em modificar a forma de vida a fim de evitar novos vermes. Ela também ajudou as mães para melhor criarem os seus filhos. Uma igreja e três congregações ativas resultaram dos cultos que Dona Zênia fazia antes ou depois do trabalho. Cada um desses grupos possui entre 25 e 30 membros batizados. Há também quatro outros pontos de pregação que poderão se tornar congregações. Ela tem realizado reuni­ ões especiais para crianças e já passou muitas horas visitando as pessoas em seus lares. Dona Zênia não tentou fazer tudo sozinha. Muitas vezes, ela conta com a ajuda de uma ou duas garotas na clínica e nas reuniões para crian­ ças. No momento, há um leigo da capital que a ajuda fazendo a maioria das pregações. Dona Zênia tem feito amizade com outros cristãos durante os seus 16 anos no interior. Além dos missionários estrangeiros e pastores da capital que a visitam (ou lhe dão hospedagem) de vez em quando, ela

* O s exem p los referem-se há 20 anos atrás. O ptam os por manter as referências tem porais ao longo deste artigo conform e o texto original (N ota dos editores).


desenvolveu um relacionamento -íntimo com alguns dos crentes dos pri­ meiros dois grupos que começaram sob o seu ministério. Ela vive modestamente. Apenas recentemente, a Junta lhe forneceu um carro. Antes disso, ela fazia a maioria das viagens a cavalo. Embora esteja perto da idade em que a maioria das pessoas se aposenta, essa invencível senhora está fazendo planos para continuar o ministério que o Senhor lhe deu. Paraíso do Norte, GO Rubens Ferreira Ferraz foi criado numa cidadezinha do Rio Doce, ao leste de Minas Gerais. Sua família é presbiteriana, muito dedicada ao testemunho e ao serviço cristão. Ele graduou-se em Administração na União de Negócios e Administração - UNA e em um curso bíblico no IBEL, um instituto bíblico presbiteriano em Patrocínio, M G. Sua espo­ sa, Dalva Ferraz, é enfermeira diplomada, com curso de pós-graduação em saúde pública. Rubens tornou-se pastor da Igreja Presbiteriana em Paraíso do Nor­ te em 1977. A igreja já contava com uma escola na cidade e outra ligada à congregação em Roselândia, ao sul. Esse pastor e um pequeno grupo de profissionais da igreja descobriu que compartilhavam da crença de que sua igreja deveria ter um papel social tanto quanto um papel espiritual mais amplo na região. Esse grupo incluía um médico de Miracema do Norte, dr. Franklin Amorim Sayão, que conhecera o Senhor através da amizade de Rubens e do testemunho de sua própria esposa. Foram feitas muitas visitas a famílias rurais, com o intuito de iden­ tificar os problemas e aspirações da população. Descobriu-se que nutri­ ção e saúde eram as maiores necessidades. A medida que a equipe minis­ trava, em face dessas necessidades, surgiram amizades mais profundas com muita gente. Resultaram algumas conversões. As pessoas começa­ ram a aceitar Jesus Cristo como Salvador e Senhor, mesmo durante a fase exploratória. H oje, existem várias novas congregações rurais resul­ tantes desse ministério. Atualmente, o projeto tem atividades nas áreas de educação agríco­ la, evangelização, recreação e saúde. Foram dados empréstimos a pelo menos 40 famílias, com o objetivo de aumentar a produção de feijão, arroz e milho. Vinte famílias começaram a cultivar legumes, tanto para consumo da família como para fins lucrativos. Uma cooperativa está sendo formada. Um novo currículo foi desenvolvido para as crianças da zona rural, mais de acordo com a vida e meio ambiente delas. As crianças estudam


de acordo com um calendário que as libera quando os seus pais precisam delas para ajudar no trabalho da terra. As pessoas da zona rural se reuni­ ram para construir pequenos prédios escolares. Em conseqüência dessas mudanças, um maior número de crianças está estudando agora e apren­ dendo mais em seus estudos. Elas também têm merendas especiais e ati­ vidades recreativas. As atividades concernentes à saúde, especialmente aquelas de natu­ reza preventiva, constituem talvez a parte social mais interessante desse projeto. Mais de uma dúzia de senhoras da área que vai de Roselândia (40 km ao sul de Paraíso do Norte) a Miracema do Norte (135 km ao nordeste) estão sendo treinadas como “monitoras da saúde”. Essas se­ nhoras estão aprendendo que muitas das doenças e problemas de saúde, aos quais elas e suas vizinhas estão sujeitas, podem ser, na verdade, evi­ tadas. Elas estão aprendendo o que podem fazer para mudar, na sua maneira de viver, para evitar esses problemas. Estão aprendendo tam­ bém primeiros socorros, como tratar certas doenças e como saber quan­ do um médico deve ser consultado. O projeto e as igrejas cresceram e chegaram a um ponto em que mais liderança é necessária. E, ao mesmo tempo, alguns dos líderes originais começaram a procurar outras áreas de maior necessidade, onde poderão iniciar trabalhos novos. O fato de atuar como pastor e administrador de um projeto tão amplo e geograficamente disperso tem exigido demais de Rubens, e isso não tem sido justo nem para a igreja nem para o projeto. Sentindo que Deus quer que continue no ministério de atividades de desenvolvimento comunitário cristão, Rubens concordou em aceitar a liderança de outro projeto em uma área ainda mais necessitada do Brasil. Ele está entusias­ mado por esse novo desafio, mas se entristece por ter que deixar a sua igreja e o atual projeto. Ele contou que vai sentir muita falta do apoio espiritual e do estímulo profissional do pequeno grupo de amigos que o ajudou a começar aquele projeto de desenvolvimento. O projeto Paraíso do Norte continuará sob a liderança de Ismael e Elza Silva. Paulista, Ismael estudou no Instituto Bíblico Betânia, no Pa­ raná, e pastoreou uma igreja presbiteriana independente em Itapiranga, MA. Elza é mineira e serve-se de seu treinamento de técnica em saúde para dirigir as atividades de treinamento no campo da saúde. Miracema do Norte, GO As cheias do Tocantins e de outros rios no começo de 1980 deixaram milhares de pessoas desabrigadas, tendo destruído mais de 500 casas em


Miracema do Norte. Rubens e Dalva, e ainda outros de Paraíso do Norte, ajudaram o dr. Franklin Amorim Sayão a distribuir leite em pó e outros alimentos aos desabrigados. Muitos foram abrigados temporariamente na escola e na igreja em Paraíso do Norte. Iniciou-se agora um projeto, sob a liderança do dr. Franklin, para ajudar vinte das famílias mais pobres a construir novas casas. Pastores e leigos das igrejas Assembléia de Deus e Batista envolveram-se nesse pro­ jeto e farão parte de sua comissão consultiva. Monitoras de saúde já estão sendo treinadas através do projeto Paraíso do N orte e planos estão sendo feitos para a implantação de hortas. E significativo que esse esforço teve sua origem no trabalho iniciado em Paraíso do Norte. Esse projeto é um exemplo de como aqueles que recebem ajuda de outros não ficam necessariamente dependentes, mas ao invés disso respondem com amor, dando-se a outros em necessidade. Uma característica de um projeto sadio é o desejo de atender a necessi­ dades espirituais e físicas em outras áreas. Nem todos os projetos têm tamanho sucesso. O que segue é um exem­ plo de um projeto que não começou determinando de maneira acurada as necessidades da área, por causa de uma falta de en carn ação dos funda­ dores; e carece ainda de um grupo unido que sustente o trabalho. Borsad, Gujarat, índia O dr. J.P. Lazarus e sua esposa, a dra. Sozan J. Lazarus, são médicos. Eles administram e servem em um hospital cristão perto de uma cidade de aproximadamente 25.000 habitantes no leste da índia. Estão ambos com pouco mais de 40 anos. Cresceram nessa região e ali voltaram para trabalhar depois de cursar a escola de medicina. Poderiam ter assumido posições com melhor remuneração em uma cidade maior. Na mesma área onde o hospital está situado, estão localizados tam­ bém um orfanato, um instituto de treinamento para professores, a igre­ ja, algumas casas e ainda uma área aberta considerável. O projeto agrí­ cola utilizava esse terreno para o cultivo de verduras e arroz. Foi provi­ denciado um poço para irrigar essa plantação. A idéia do projeto agrícola era que os fazendeiros vissem as lavouras e observassem como o plantio estava sendo feito, enquanto passassem por essa propriedade no caminho para o hospital ou outros lugares da cidade. Houve também um dia especial de demonstração, para mostrarlhes as sementes especiais e os fertilizantes. O dr. Lazarus era o diretor desse projeto, embora dispusesse de pouco tempo, já que suas atividades médicas absorviam a maior parte do seu tempo.


Infelizmente, poucos fazendeiros adotaram as novas sementes e os fertilizantes. Sua necessidade mais premente era água para irrigar suas próprias plantações. Os únicos beneficiados realmente por esse projeto foram as moças do Instituto de Treinamento e as crianças do orfanato, que ajudavam a cuidar das lavouras e podiam comer a colheita! O relatório de avaliação recomendou que esse projeto admitisse um técnico em agricultura como administrador. Este deveria entrar em con­ tato com os pequenos produtores das pequenas cidades da região, para tomar conhecimento de seus problemas. Só então poderia começar a oferecer conselhos e assistência. O projeto e a organização patrocinado­ ra deveriam considerar a possibilidade de ajudar as pessoas do campo a desenvolver um fornecimento regular de água para irrigação, mas isso não deveria ser feito simplesmente como resultado de um rápido estudo feito por um estranho. Isso deveria ser considerado depois de se desenvol­ ver um esquema de trabalho dentro do projeto, com a participação dos próprios beneficiários. O projeto continua sob a liderança do dr. Lazarus. A medida que o princípio da encarnação é obedecido, há esperança crescente de sucesso no plano, que, assim, suprirá necessidades reais. A igreja local tem sido fraca em expressar a unidade exigida pelo Novo Testamento. Dessa forma, o dr. Lazarus tem enfrentado muitos problemas sem o benefício de outros dons do Corpo de Cristo. Ele inici­ ara esse projeto com um espírito de amor e um desejo real de ajudar a população rural. Por estar sozinho, não tinha tempo para desenvolver os contatos necessários ao projeto. Não havia nenhum grupo de apoio de cristãos compromissados, desejosos de ajudá-lo. O futuro desse projeto agora depende da formação de tal grupo de apoio e de que o mesmo trabalhe em conjunto. Sabinópolis, M G Há lugar para alguém ajudar num projeto que já esteja bem desen­ volvido? Sempre há lugar para quem possua um espírito de humildade e de auxílio. Ione Guimarães juntou-se ao projeto Sabinópolis quando estava em um período de rápida expansão. A Missão Pentecostal Holandesa havia começado um orfanato, uma creche para crianças pobres e uma rede de igrejas com mais de doze congregações rurais e estava planejando várias formas de treinamento vocacional, educação no campo da saúde, ativi­ dades de melhoramento de moradias e atividades no setor de agricultura. Bem sucedida em sua carreira profissional, Ione deixou o seu empre-


go com o governo e com outras agências particulares de serviço social, bem como a oferta para lecionar em uma Universidade, para trabalhar nesse projeto no interior. Ela tem tido a oportunidade de trabalhar dire­ tamente com o povo. Passados dois anos, Ione continua sentindo que está no lugar onde Deus a quer. Os planos do projeto estão se concretizando. As pessoas estão conseguindo uma melhor alimentação por causa das chácaras. Algumas famílias têm leite para as crianças, porque foram ensinadas a criar cabras. Os moradores vizinhos às congregações rurais podem com­ prar artigos de primeira necessidade a um preço mais baixo (e num local mais próximo de suas casas), graças ao sistema de transporte estabeleci­ do pelo projeto. As crianças da zona rural podem continuar os estudos, beneficiadas pelas hospedarias para meninos e meninas que funcionam através do projeto na cidade. A igreja continua a crescer. Há aproximadamente 14 anos, um missionário holandês, o pr. N ico­ laas, percorreu essa região mineira propagando o evangelho, sofrendo perseguições e superando difíceis barreiras. Além da igreja local, foram formados diversos pontos de pregação nas regiões adjacentes a Sabinópolis, na zona rural. Além do trabalho evangelístico ali realizado, aten­ de-se às necessidades dos irmãos e das famílias carentes da região. M ui­ tos cristãos analfabetos aprenderam a ler através da Bíblia e hoje são obreiros locais, exercendo papel de liderança nas áreas espiritual e social. H oje, organiza-se ao lado de cada congregação, nas zonas rurais, um centro educativo para atender às necessidades de suas comunidades. A Igreja Evangélica Missionária Pentecostal de Sabinópolis tem cres­ cido e procura formar sólida liderança. Meninas adolescentes dos bairros mais pobres da cidade estão sendo treinadas para servir como “monitoras sociais”. O projeto ajudou a po­ pulação a construir centros sociais modestos em alguns desses bairros. As crianças que ficavam em casa enquanto suas mãos trabalhavam ago­ ra podem ir a esses centros, onde recebem assistência e carinho das moni­ toras. O pastor Nicolaas Van Eyk é o líder da equipe desse projeto. Além de Ione, há outras duas assistentes sociais: Sirlei Tarragô ', de São Paulo, e Mirna Filadélfia Leite, psicóloga de Belo Horizonte. A equipe do projeto também inclui um assistente administrativo e um médico. Iporá, GO O P rojeto M aranata é formado por um grupo de profissionais médi­ cos de Minas Gerais. O sonho de servirem juntos em um ministério rural


tomou conta de sua imaginação algum tempo atrás: “Tudo começou a partir da necessidade que sentimos, quando estu­ dantes, de darmos testemunho vivo de Jesus, tentando atingir o homem na sua totalidade, em todos os aspectos de sua personalidade. Isso foi amadurecido com oração, com aquilo que aprendemos na ABU, e Deus foi confirmando em nossos corações a sua vontade.” Eles escolheram juntos suas áreas de especialização quando ainda estudantes, a fim de darem apoio uns aos outros e oferecerem um serviço médico o mais amplo possível. O projeto definiu-se antes mesmo de se formarem, quando compraram um hospital em Córrego de Ouro, no sudeste de Goiás, em 1975. Os primeiros estudantes que se formaram estabeleceram residência na cidade, enquanto os outros iam ajudar durante o período de férias. Essa pequena equipe forneceu o primeiro serviço médico permanente na cidade. Além disso, iniciaram uma igreja, que hoje tem aproximada­ mente 50 pessoas freqüentando regularmente os trabalhos. Durante o período de 1976-78, a equipe manteve um contrato com o prefeito de uma cidade vizinha, Amorinópolis, para dirigir o pequeno hospital daquela cidade. Eles ajudaram essa cidade a estabelecer um sistema para coordenar o hospital e ministraram a muitas pessoas du­ rante o tempo que passaram lá. Estimam que atenderam por volta de 3.000 pessoas anualmente e que 40% de seu serviço era gratuito. O mi­ nistério não ficou limitado à medicina, pois ajudaram a estabelecer ou­ tra congregação, embora não tão forte quanto a de Córrego de Ouro. Em 1978, a equipe percebeu que deveria mudar para uma cidade um pouco maior, para estabelecer uma base melhor para uma equipe de tal porte. Juntos, decidiram transferir o trabalho de Córrego de Ouro para outros, que mantêm lá um centro de saúde, um pequeno hospital munici­ pal e um médico de tempo integral. Desde então, têm trabalhado em Iporá, uma cidade de 25.000 a 30.000 habitantes, a 200 km a oeste de Goiânia. Dirigem o Hospital Evangélico sob contrato com seus três proprietários. Os salários não são altos. Utilizam muitas vezes os seus próprios recursos e tomam decisões em conjunto. A equipe mantém a visão de um ministério integral, procurando servir nas várias necessidades e treinando estudantes que para lá vão nas férias. Todos os membros da equipe estão bastante envolvidos com a igreja batista local, e o pastor tem feito uma importante contribuição à equipe. Dois membros da equipe lecionam ciências no ginásio local. Su­ pervisionam um projeto de dezessete alqueires de terra nos arredores da


cidade, onde 25 vacas leiteiras são mantidas. O objetivo central do projeto M aranata permanece o mesmo: prover um bom serviço médico a preço razoável, em uma pequena cidade onde não existia tal serviço. Esse objetivo está sendo atingido. Reconhecem também que só o serviço médico não é suficiente para preencher todas as necessidades da população. Esperam no Senhor para ver o que mais há para fazer e oram para que Deus envie outras pessoas com outros dons, a fim de ampliar-lhes o ministério. Cidade X , interior Somente neste relatório, as pessoas e a localidade devem permane­ cer anônimas. As pessoas envolvidas ainda não decidiram se desejam ou não participar de um projeto patrocinado por uma organização de fora. Está sendo incluído aqui para ilustrar alguns dos problemas básicos que precisam ser resolvidos no começo de um novo projeto. As pessoas mais preocupadas com o bem-estar do povo dessa região são uma enfermeira missionária e o pastor da igreja fundada por ela. Ela é estrangeira. Já está aqui há 14 anos e serve como administradora do hospital local. O pastor “Jo ã o ” nasceu no interior, viveu em São Paulo por um determinado tempo, voltando à cidade “X ” para pastorear a igreja. A cidade “X ” está às margens de um dos maiores rios brasileiros. A maior parte das terras da região encontra-se em mãos de um pequeno número de proprietários. Eles costumavam plantar algodão e outros ti­ pos de lavouras, empregando assim muita mão-de-obra. Outros traba­ lhavam como meeiros. Agora, esses mesmos fazendeiros de dedicam à criação de gado, não precisando, assim, de tanta mão-de-obra. Assim, o que resta a esses desempregados para fazer? Não têm tra­ balho aqui no interior, entretanto, sabem que, se mudarem para Belo Horizonte, serão obrigados a morar em favela. Aí, vieram as enchentes. M uitos, que já possuíam pouco e estavam sem trabalho, perderam tudo que tinham. Depois, surgiu a oportunidade de comprar um pedaço de terra, que forneceria alimento para algumas famílias desabrigadas. M as onde essas pessoas encontrariam dinheiro para comprar a terra? Através do pastor “Jo ã o ” e da enfermeira missio­ nária, entraram em contato com uma agência de desenvolvimento, a Visão Mundial. No momento, o projeto está sob consideração. Há cer­ tas perguntas importantes para ser respondidas. Será viável esse projeto? Quer dizer, será que ele corresponde às reais necessidades das pessoas? Há liderança local para sustentar o projeto? As respostas parecem ser positivas.


1. O pastor é um bom administrador, além de um conhecedor da produção de legumes. 2. A enfermeira é respeitada, não apenas pelos evangélicos, mas tam­ bém pela comunidade. 3. A área considerada para o projeto é suficientemente grande para sustentar 24 famílias, se for corretamente utilizada; fica perto da cidade e do rio, facilitando assim a irrigação durante a época de seca. 4. Esse povo só entende de agricultura. Eles desejam continuar fa­ zendo aquilo que sabem fazer e estão desejosos de aprender novos métodos de fazê-lo. O projeto deveria beneficiar só crentes ou não crentes também? Al­ guns membros da igreja sentem que têm sido discriminados pela maioria da cidade e não têm vontade de abrir o projeto para pessoas de fora das três pequenas igrejas evangélicas. Esses líderes se assemelham a muitos outros evangélicos em sua hesitação de se expor às complicações que adviriam de tal envolvimento. É compreensível que se sintam dessa ma­ neira. Porém acreditamos que existam razões bíblicas e práticas para servir descrentes e crentes em um projeto social. No Sermão do M onte, Jesus ensinou que a retidão de seus seguidores deveria ir além do que a das pessoas “religiosas”, que amavam apenas a si mesmas (M t5:38-43). Ordenou ainda aos cristãos: “Assim brilhe tam­ bém a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus” (Mt 5:16). Devemos servir mesmo a quem pede exageradamente de nós (Mt 5:39-42). Jesus espera que vençamos os homens não apenas pregando a Palavra, mas também demonstrando do seu amor pela humanidade perdida. A igreja primitiva entendeu isso. Paulo pede que “façamos o bem a todos”, mesmo dando prioridade à família da fé (G1 6:10). Ele adotou o padrão de encarnação, tornando-se “tudo para com todos, com o fim de, por todos os modos, salvar alguns” (IC o 9:22). Há também uma razão prática. Quando um benefício está disponí­ vel apenas aos crentes, freqüentemente as pessoas “crêem” para receber o benefício. São os chamados “cristãos por interesse”. Não queremos estimular tal insinceridade, que não é boa para a igreja nem para essas pessoas. Além disso, um projeto que envolve atividades sociais, que cria novas organizações e recoloca famílias precisará eventualmente respon­ der ao governo, pelo menos em nível local. Isso será mais fácil se os benefícios do projeto não estiverem limitados apenas aos evangélicos ou a pessoas de uma determinada igreja.


É claro que esperamos que, pela vida e pelo testemunho verbal dos cristãos, todos aqueles que são envolvidos em determinado projeto ve­ nham a servir a Jesus Cristo como Senhor e Mestre e que as igrejas cres­ çam. Para que isso aconteça, as agências estrangeiras não devem criar falsas esperanças ou prejudicar os esforços dos crentes pela aplicação seletiva de seus recursos. Por essas razões, a Visão Mundial promete que sua assistência técnica e material ficará disponível a qualquer que neces­ sitar e quiser participar do projeto. Mesmo que essas questões maiores sejam resolvidas, ainda restam muitas outras para ser solucionadas: 1. Como poderemos ajudar o pastor a treinar um administrador para o projeto, para que ele não se distancie de suas responsabilidades espirituais? 2. Quem devem ser os primeiros a cultivar a terra? 3. Que orientações devem receber e por quem elas devem ser minis­ tradas? 4. O que devem cultivar? 5. Como e quando devem vender os seus produtos? 6. Por quanto tempo devem cultivar a terra antes de adquirir direitos sobre ela? 7. A terra deve ser dividida em lotes ou deve ser adotado um sistema cooperativo de propriedade? 8. Como podem os membros da igreja dar o seu testemunho aos membros do projeto e ainda manter a sua promessa de não serem essas pessoas coagidas a se tornar evangélicas? Esse grupo de pessoas decidiu não solicitar verba “de fora” para o projeto. Durante a primeira visita ao projeto, os representantes da agên­ cia externa não explicaram devidamente que pelo menos a metade da verba concedida para a compra de terreno deveria ser reembolsada ao projeto, para ajudar nos custos de saúde preventiva e outras atividades que não fossem de agricultura. Se as pessoas da comunidade tivessem entendido isso no início, poderiam ter aceitado. Quando souberam disso mais tarde, durante as negociações, decidiram não aceitar a ajuda. Resumo Este trabalho não tem conclusão, porque a história não acabou. Outros jovens estão se conscientizando da responsabilidade de levar o evangelho em sua totalidade, através de ações tanto quanto de palavras


às pessoas que mais precisam. Novos modelos de assistência serão testa­ dos, novos perfis serão escritos, alguns somente por Deus, que aguarda o relatório final. Entretanto, aqui vão os comentários finais. E n carn ação e u nidade interagem entre si sob algumas formas bem reais e práticas. Tomemos, por exemplo, o nosso próprio julgamento do valor ou benefício trazido pelo nosso trabalho. A questão é se aprende­ mos ou não a escutar. Precisamos de amigos em quem possamos confiar para nos ajudar a avaliar, para reconhecer onde estamos desenvolvendo um trabalho eficaz e onde precisamos modificar a nossa abordagem ou até mesmo se devemos modificar as nossas atitudes. Se confiarmos so­ mente em nossas avaliações, poderemos nos tornar, sem razão, quer de­ sencorajados quer injustamente orgulhosos. A unidade sugere a existência de uma equipe. Isso é possível, mas não imprescindível, pelo menos no sentido formal de um grupo de indiví­ duos que estão trabalhando em regime de tempo integral num projeto no mesmo local. Há muitos tipos de equipe. A equipe de Rubens em Paraíso do Norte, por exemplo, não era formada apenas por ele e os outros empregados pelo seu projeto, mas também por um médico, um fazendeiro, um pro­ fessor e um homem de negócios com empregos fora do projeto. E possível também ter membros da equipe que não moram nas vizi­ nhanças do projeto, mas que mantêm correspondência com os membros locais, que participam regularmente em oração e talvez financeiramen­ te e que visitam o projeto de tempos em tempos para dar apoio técnico e pessoal. A equipe deve ser a mais heterogênea possível. Isso cria um potencial de assessoria sólida, a possibilidade de consultar uma variedade ampla de conhecimentos profissionais, bem como de dons espirituais. A equipe Maranata iniciou suas atividades tendo como objetivo atender aos mais variados aspectos das necessidades humanas, mas tentou alcançar esse objetivo com quase que só os seus conhecimentos médicos. H oje, reco­ nhecem que a sua assistência teria sido muito mais eficaz se tivessem tido auxílio de pessoas com diferentes tipos de especialização e treina­ mento. Sua vida em grupo foi recentemente enriquecida por causa da liderança espiritual que seu atual pastor está lhes dispensando, homem esse um pouco mais velho que eles próprios. Poderíamos viver como o povo vive, ouvir suas aspirações, entender seus problemas perfeitamente e ainda assim não conseguir nada. Poderí­ amos participar num contexto de unidade e mesmo assim descobrir que desperdiçamos o nosso tempo. Somente se (como nos lembra 1 Co 13)


vivermos e trabalharmos sobre uma base de amor, o nosso trabalho dará frutos. “V á até o p o v o Viva com o p o v o A pren da co m o p o v o ...” Essas são as condições bonitas e necessárias, mas difíceis de cumprir. Somente quando trabalharmos em amor, numa base contínua de autosacrifício, poderemos ter a coragem de falar em “encarnação”. A encarnação é mais possível quando trabalhamos em equipe do que sozinhos. Recebemos de nossos irmãos e irmãs novas idéias e apoio. O impacto é mais amplo, em conseqüência da presença de uma gama mais ampla de capacidades profissionais e dons espirituais. Eis onde a unidade e a encarnação encontram-se. Como diz Tim o­ thy Dudley-Smith: “O que a maioria de nós precisa não é de novas Escri­ turas, mas de novos olhos”.2 Ao trabalhar em conjunto, imbuídos de servir àqueles em necessidade, nossa visão aperfeiçoa-se. Vemos as ne­ cessidades mais claramente porque olhamos através de mais olhos. N os­ sa resposta é mais efetiva porque temos mais mãos. Continuamos a ser­ vir porque o Espírito Santo nos apóia através uns dos outros.3

NOTAS 1 Timothy Dudley-Smith, S om eon e w ho B eckon s (Inter-Varsity Press, Inglaterra), 1978. 2 Posteriormente, Sirlei Tarragô tornou-se secretária da Diaconia, em São Paulo. 3 Algumas das pessoas citadas neste capítulo agora trabalham em outras localidades.


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K ü h iiin n n lk <M O , se Maranhão Assistêrt^ocral e “Fazedora de Tendas”

<p \Ò V Enviados pela I (@g:j:ostal de Stadskanaal, Holanda, o casal >é estabeleceram em Sabinópolis, MG na Nícolaas van Eijk região do V a^ pce e Jequitinhonha, no ano de 1967, onde na época forar os não haver nenhum trabalho evangélico . rEijk, sensibilizada com a miséria em que vivia a popuído suas portas e dividindo com os necessitados, daquilo i em casa. Deus falou a eles através de textos como: “Quem vê t irmão padecendo necessidade, e fechar-lhe o coração, como poderá >amor de Deus permanecer nele?” (1 Jo 3:17). Juntos com os novos irmãos convertidos, c m ±7/o l u i ciiaua a n j u - i i v u'u ;vj.r,i\i w iv (BEM), trabalho diaconal da Igreja Evangélica Missionária Pentecos­ tal, cujo primeiro projeto foi uma creche com 40 crianças. Em meio à muita desconfiança e perseguição do poder local, em se tratando de uma região de forte tradição católica, com a ajuda dos ir­ mãos da igreja holandesa e de agências cristãs, a igreja estabeleceu-se com atividades de ação social. Líderes locais começaram a ser formados com treinamentos e discipulado sistemático. Eram casais que, além de aprenderem a ler, a escrever e a cuidar de suas famílias, já podiam levar outros a Jesus. Outras igrejas locais começaram a ser implantadas na


região e assim os casais iam se responsabilizando pelas novas igrejas. A década de 80 foi um período muito fértil e de crescimento do tra­ balho social, quando muitos jovens profissionais cristãos se uniram ao projeto, o que proporcionou uma sistematização e qualificação das ações, tanto na área social como nas áreas agrícola e de produção. H oje temos 12 igrejas implantadas com a liderança de obreiros locais, muitos deles filhos dos primeiros obreiros e óutros gerados nos próprios projetos e igrejas. Junto a cada igreja há algum trabalho social desenvolvido aten­ dendo às necessidades dos irmãos e da comunidade. Os obreiros das igre­ jas participam de treinamentos onde além de estudarem juntos a Bíblia, podem compartilhar suas experiências, orar e se fortalecer mutuamente. Atualmente, além de Sabinóplis, há atividades nos municípios vizi­ nhos de Materlândia, Rio Vermelho, Carmésia, Senhora do Porto e Pau­ listas. Existem seis creches onde as crianças (de 4 meses a 10 anos) per­ manecem durante o dia, enquanto os pais podem trabalhar; e quatro Centros Comunitários Educativos, que surgiram da necessidade de se fazer um trabalho mais intenso e próximo às famílias das crianças assis­ tidas no projeto. Como conseqüência, surgiram grupos que atendem mães, adolescentes e crianças estudantes de 7 a 10 anos, além de reuniões com famílias e acompanhamento pessoal. Com a demanda ao trabalho de assistência a crianças, passamos a ter um aten d im en to m ais intensivo a adolescentes no projeto Centro Juvenil, que possui seis unidades e atende a 160 adolescentes. Também foi criada a Escola Rural de Sesmarias, atendendo a 23 alunos de I a a 4a série do ensino fundamental numa região a 40 km de Sabinópolis. Se ela não existisse as crianças teriam que andar por até duas horas para chegar a uma outra escola. Hortas e roças comunitárias con­ tribuem com a alimentação e a renda de 65 famílias e o Projeto Nutrir assiste a 30 crianças desnutridas com orientações às famílias e forneci­ mento de leite como parte da necessidade nutricional dessas crianças. Para garantir a assistência às mais de mil crianças, adolescentes e suas respectivas famílias nos diversos projetos da BEM foram criados sítios que possuem papel importante ao contribuir na produção de ali­ mentos como leite, ovos, verduras, hortaliças e frutas. Foi necessário desativar nos últimos anos alguns dos nossos projetos agropecuários, pois estes exigiam constantes investimentos com retornos inferiores aos necessários para contribuir com o auto-sustento da atividade ou para cobrir as despesas do setor social. No entanto, foi mantida a produção para o consumo direto nas refeições dos projetos. Para servir essas pessoas temos 180 cooperadores em diversas fun­


ções tais como: motoristas, gerentes dos projetos, pedreiros, professores, cozinheiras, faxineiras, administrador, advogado, nutricionista, secre­ tárias, educadores sociais e obreiros das igrejas. Essas equipes são capa­ citadas sistematicamente nos aspectos pedagógico, relacional e espiri­ tual. Através desses encontros reafirmamos nossos propósitos e chama­ do para servirmos a Deus e à nossa comunidade. Cada localidade conta com um Conselho Diaconal, com membros escolhidos entre a equipe executora, representante da igreja, funcionári­ os e famílias beneficiadas. Juntos planejam, tomam decisões sobre o projeto e compartilham as dificuldades e vitórias. Após tantos anos do trabalho quais são os resultados concretos que podemos apontar? Crianças e adolescentes têm oportunidades de estu­ dar, ter alimentação sadia, aprender valores cristãos, tornar-se profissio­ nais, conseguir um melhor emprego, ter uma consciência mais crítica e um nível de vida melhor, ser líderes em suas comunidades, formar famí­ lias boas e cristãs e, sobretudo, conhecer a Jesus como Salvador e Senhor. Para muitos, provavelmente foi uma oportunidade única para ter uma vida e um futuro dignos como homens e mulheres criados à imagem e semelhança de Deus. Sinto-me privilegiada em participar de um projeto tão amplo e com­ pleto como esse, onde podemos acompanhar o desenvolvimento integral de cada criança e sua família. Motivada pelo chamado missionário e a visão de ser uma profissional “fazedora de tendas” vim para Sabinópolis em 1985. Durante o período de estudos no curso de Serviço Social em Niterói (R J), participei da Aliança Bíblica Universitária do Brasil onde, através da Secretaria de Diaconia e Missões, conheci o projeto em Sabinópolis, e fui desafiada a servir com minha profissão. Sinto-me grata a Deus pela oportunidade de servir nessa missão, onde posso conciliar o trabalho profissional de assistente social e a pro­ clamação da palavra. Vivenciar essa experiência nesses 18 anos tem me permitido testemunhar resultados efetivos na vida das pessoas, no proje­ to, na igreja e na comunidade. Também comprovar a importância de vermos e interagirmos com as pessoas como seres integrais, que necessi­ tam ser tratados e crescer como um todo. Alguns aspectos são fundamentais para os resultados positivos do pro­ jeto: a visão de um evangelho integral, a responsabilidade e envolvimento da igreja local e o compromisso no sustento da missão, o surgimento e o treinamento sistemático de líderes locais, nas igrejas e nos projetos sociais. Desta forma, a Igreja Evangélica Missionária Pentecostal cumpre


sua vocação de ser sal e luz, proclamando as boas novas do Reino de Deus e servindo sua comunidade com compromisso e amor, até que o Senhor Jesus venha. Igreja Evangélica Missionária Pentecostal Bem Estar do Menor Rua Inácio Barroso , 267 Sabinópolis - M G 39.750-000 33-34231377 bem @ghnet.com .br


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