Sociedade civil e a consolidação da democracia na América Latina Pedro Dallari* Universidade de São Paulo
Após duas décadas marcadas pela convergência de indicadores virtuosos, a América Latina vive atualmente um momento de incerteza. Reduziram-se as taxas de crescimento. A desigualdade ainda elevada e os altos índices de criminalidade marcam um cenário social de muita dificuldade. E a instabilidade voltou a estar presente no ambiente político. O atual quadro significa a volta ao estado de coisas normal da América Latina, tendo as duas últimas décadas constituído um mero período de exceção, ou, então, vive-se uma crise passageira, que poderá ser superada no futuro próximo?
Ao longo do século XX, a história da América Latina foi marcada por extrema instabilidade. O crescimento econômico, mesmo tendo se verificado, foi pautado por trajetória bastante acidentada, na qual, de maneira geral, os países da região se caracterizaram por um quadro regulatório precário e errático, incapaz de garantir a continuidade de políticas públicas consistentes e de evitar a corrosão da moeda, em decorrência de elevados índices de inflação. No plano social, a regra foi a desigualdade social, a extrema pobreza da maior parte da população e a sistemática violação dos direitos humanos. A cena política não foi melhor: a democracia, sempre muito frágil, sofreu com a recorrência de golpes de estado e ditaduras militares e com a concentração acentuada do poder pelas oligarquias. A partir da década de 1990, esse cenário começou a se alterar. No plano
* Diretor do Instituto de Relações Internacionais e Coordenador do Centro Ibero-americano da Universidade de São Paulo (USP). É atualmente presidente da Rede Ibero-americana de Estudos Internacionais (RIBEI). Acadêmico e advogado, foi juiz e presidente do Tribunal Administrativo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (20042008) e membro da Comissão de Verificação da Missão de Bons Ofícios do Secretário Geral da Organização dos Estados Americano (OEA) para o conflito entre Colômbia e Equador (2009); desde 2012, é membro do Conselho Diretivo do Centro de Estudos de Justiça das Américas (CEJA), órgão da OEA. No Brasil, entre outras funções públicas, integrou e coordenou a Comissão Nacional da Verdade (2012-2014).