São Tomé e Príncipe - Relatório de desenvolvimento humano

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A mudança

sempre esteve a meio caminho entre a Europa e o continente africano; consequência da tradição histórica, o Continente Europeu sempre serviu de ponte privilegiada para a transferência de valores culturais e padrões comportamentais. Ora, esta "aproximação psicológica" à Europa, continua a ser muito intensa hoje em dia - não só pelo facto de muitos dos membros da actual elite político-administrativa terem estudado em Portugal, como também devido ao crescente retorno sazonal dos emigrantes santomenses radicados em Lisboa e outras cidades portuguesas. Novas tecnologias, formas de construção, modas, músicas, danças e hábitos de consumo, chegam na bagagem desta gente que regressa de quando em quando, para matar saudades da terra e rever os familiares. Uma outra mudança visível se verifica nos últimos anos: a liberdade e a tolerância decorrentes do processo democrático iniciado em 1990 tiveram assinalável repercussão na prática religiosa em S. Tomé e Príncipe, o que se traduz no irromper de novas confissões religiosas, quase todas de inspiração cristã. De facto, a acrescer às confissões católica, adventista e evangelista, de longa tradição na sociedade santomense - as duas últimas introduzidas inicialmente nas roças por trabalhadores da Serra Leoa, contratados logo após a emancipação dos libertos (1875/1876) e prosseguidas nas primeiras décadas deste século por serviçais vindos de Angola - assiste-se ao incremento da prática religiosa pelo advento de novas igrejas (Maná, Nova Apostólica, Reino de Deus, Ba'ha, Aprofundamento Cristão, Testemunhas de Jeová, Assembleia de Deus, Deus é Amor, etc) que, usufruindo da liberdade de culto, se vêm implantando no país como resposta ao desânimo e às perplexidades provocadas pela crise económica e social. O carácter recente do fenómeno e a escassez de dados disponíveis torna, porém, difícil discernir quais são - na óptica das mudanças de comportamento e das suas implicações no desenvolvimento humano - as consequências para o tecido sociocultural santomense dessa proliferação de cultos e mensagens religiosas. Sociedade de raiz antropológica europeia e africana, a prática do catolicismo veiculada no passado pelos missionários europeus

confronta-se também, desde os seus inícios, com o vigor das práticas animistas de que eram portadores os escravos africanos. A religião católica é assim, desde os primeiros tempos, "forçada" a adaptar-se a essa realidade, o que acaba por se traduzir num sincretismo enriquecedor com outras práticas e cultos de raiz tipicamente africana. Vêm-se, porém, desvanecendo, sobretudo na última década, alguns aspectos importantes desse sincretismo mágico-religioso, como o pagá-devê e o flecê, rituais fortemente socializadores e com grande popularidade no passado recente. Refira-se por último as práticas feiticistas e xamanistas cada vez mais populares no país, cuja difusão tem aumentado na razão directa da progressão da crise económica e social. De facto, se estes rituais sempre constituíram peça importante do universo cosmogónico santomense, a verdade é que o seu actual incremento é típico de um contexto sociocultural abalado pela crise económica e pela rápida erosão dos valores tradicionais. Se alguma coisa corre mal isso deve-se cada vez mais, no imaginário colectivo santomense, à feitiçaria. E se dantes o recurso às práticas ocultas ou à participação no djambi (ritual de xamanismo oriundo de Angola) era quase exclusivo dos substractos sociais de menor visibilidade, é hoje incontestável que se incrementa o número de indivíduos pertencentes aos escalões superiores da sociedade que demandam os stlijons, os fiticêlos ou os terreiros de djambi. A comunicação social tem um papel determinante nas mudanças ocorridas a partir de 1990 em S. Tomé e Príncipe. Pode mesmo dizer-se que a rádio e a televisão se nos ativermos à insipiência da empresa escrita santomense enquanto factor modelador da sociedade - estão na base da abertura ao mundo exterior, fazendo sentir a sua influência em todos os aspectos da vida social. Pese embora as limitações de natureza humana e material com que vêm há muito convivendo e cujos reflexos condicionam a qualidade dos seus programas, os citados órgãos de comunicação social contribuem significativamente para a integração de S. Tomé e Príncipe no cenário mundial, para além de se terem vindo a assumir como veículos de mudança por excelência, concedendo espaço a novas ideias e motivando

Relatório do Desenvolvimento Humano - STP

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