Guia do estudante português (2018)

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SAIBA MAIS PARALELISMO Ah moradores do Maranhão, quanto eu vos FUNÇÃO APELATIVA pudera agora dizer neste caso! Abri, abri estas O pregador se dirige entranhas; vede, vede este coração. Mas ah sim, diretamente ao auditório. Por meio do uso da que me não lembrava! Eu não vos prego a vós, função apelativa da prego aos peixes. linguagem (veja na pág. 15), a argumentação de (...) Antes, porém, que vos vades, assim como ou- Vieira procura persuadir vistes os vossos louvores, ouvi também agora as o público a aderir aos valores cristãos. Note vossas repreensões. o uso de verbos no (...) imperativo. Olhai, peixes, lá do mar para a terra. Não, não: não é isso o que vos digo. Vós virais os olhos para PRONOMES PESSOAIS os matos e para o sertão? Para cá, para cá; para No fim do sermão, Vieira a cidade é que haveis de olhar. Cuidais que só os abandona a metáfora Tapuias se comem uns aos outros? Muito maior que aproxima homens açougue é o de cá, muito mais se comem os Bran- e peixes. Do mar, o cos. (...) Morreu algum deles, vereis logo tan- sacerdote passa a terra para tratar da realidade tos sobre o miserável a despedaçá-lo e comê-lo. brasileira. A ambição, Comem-no os herdeiros, comem-no os testa- a mesquinhez, a cobiça menteiros, comem-no os legatários, comem-no e o egoísmo dos homens os acredores; comem-no os oficiais dos órfãos e brancos são apontados os dos defuntos e ausentes; come-o o médico, que pelo sacerdote por meio de exemplos ligados à o curou ou ajudou a morrer; come-o o sangrador morte de um cidadão que lhe tirou o sangue; come-a a mesma mulher, qualquer. Pronomes que de má vontade lhe dá para a mortalha o len- oblíquos são usados para çol mais velho da casa; come-o o que lhe abre a se referir ao indivíduo cova, o que lhe tange os sinos, e os que, cantando, morto, articulando os o levam a enterrar; enfim, ainda o pobre defunto o diferentes exemplos a um mesmo referente e não comeu a terra, e já o tem comido toda a terra. garantindo a unidade Já se os homens se comeram somente depois da argumentação. de mortos, parece que era menos horror e menos matéria de sentimento. Mas para que conheçais a que chega a vossa crueldade, considerai, peixes, que também os homens se comem vivos assim como vós. (...)

Construções em paralelo são aquelas que apresentam a repetição intencional de uma estrutura gramatical em um texto, com o objetivo de explicitar a relação existente entre duas informações. Essas construções servem para articular ideias e expressões similares, de um modo claro e simétrico. Há diversas possibilidades de construir estruturas paralelísticas, como você pode ver a seguir: Repare que as formas verbais são sempre semelhantes e que os termos são muito parecidos: • Não fomos à escola por ser feriado e por estar nevando. (preposição + verbo no infinitivo) • Não fomos à escola não só porque era feriado, mas também porque nevava. (explicação + verbo no pretérito imperfeito) • A superfície do planeta é coberta em parte por terra e em parte por água. (note que as estruturas são idênticas, mudando apenas o substantivo final) • É necessário que você venha à festa e traga um presente. (verbos no subjuntivo) • Era um cachorro problemático, ou seja, agressivo e incontrolável. (adjetivos) Veja um exemplo em que não há paralelismo e, em seguida, a correção segundo a gramática tradicional: • Eu te amo. Você é linda.(Na primeira frase foi usado um pronome pessoal da 2ª pessoa do singular [te]; na segunda frase foi usado um pronome pessoal associado à 3ª pessoa do singular [você]. Para haver paralelismo seria preciso se referir à mesma pessoa.) • A gramática prescreve: Eu a amo. Você é linda.

Obras Escolhidas. Lisboa: Sá da Costa, 1952/ 1953.

PARCIALIDADE Os sermões de Vieira têm um tom inflamado, e as frases exclamativas, que procuram impactar o público, revelam o estilo exaltado do pregador que fala no púlpito. Essas características explicitam a parcialidade do orador, defensor da moral cristã e contrário às práticas de vida que não levam em consideração os ensinamentos religiosos. Repare no tom irônico com que Vieira aborda a realidade terrena e os interesses materiais que estão por trás das ações humanas. © TEREZA BETTINARDI

GE PORTUGUÊS 2018

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