Revista Amplitude 2 - Revista Crista de Literatura e Artes

Page 5

O canto do sabiá preto Lindolfo Weingärtner O asilo ainda fora construído no tempo em que se pensava que pessoas idosas, para se sentirem bem, antes de tudo precisavam de ar fresco e de natureza nao poluída. So mais tarde se havia descoberto que o maior inimigo de gente velha era a solidao. Mas tal inimigo, como se sabe, nao poupa nem mesmo os asilos situados em meio ao turbilhao dos centros urbanos. Éle nao olha classe social, rico ou pobre, gente culta ou inculta. Tambem nao olha homem ou mulher, apesar de que muitos (em sua maioria, homens) afirmem ser mais facil para as mulheres lidar com a solidao do que para seus parceiros masculinos. Infelizmente nao existe nenhum aparelho com o qual se pudesse medir o grau de solidao sentido por uma pessoa, a nao ser que classifiquemos um coraçao grande e amoroso de aparelho, coisa de que Deus nos queira preservar. O asilo que nestas paginas vamos apresentar ao leitor estava situado distante da cidade, em meio a montanhas e colinas cobertas de matas, e com vista a verdes vales, pontilhados de campos e lavouras vicejantes. Viviam na instituiçao cerca de 120 idosos, e nenhum deles carecia de coisa alguma que se tem por essencial na vida das pessoas. A associaçao que administrava o asilo nao poupava esforços para que os seus velhinhos nao sofressem nenhuma carencia e para que tambem pudessem ser recebidos na casa nao poucos que eram incapazes de pagar as mensalidades vigentes. Como era que os asilados conviviam com a solidao? Bem, essa e uma pergunta a parte, que por enquanto ternos que deixar sem

resposta. Ja que nosso asilo era uma instituiçao da igreja, vinha sendo dirigido por um pastor, que cuidava de seu rebanho tanto na area física como na espiritual. Os velhos que adoeciam, nao precisavam ser deslocados para o distante hospital, eles eram tratados na propria casa, na proximidade de seu cura d'almas habitual; eles ficavam sob os cuidados de um medico, que atendia o asilo uma vez por semana, e quando alguem falecia, era sepultado no cemiterio do asilo. O cemiterio fazia parte do dia-a-dia dos inquilinos, e a maior parte deles tinha feito as pazes com o campo-santo. Sabiam que, quando eles proprios morressem, permaneceriam perto do lugar onde tinham passado seus ultimos anos de vida, e esse nao deixava de ser um pensamento confortante. Todas as pessoas, ao chegarem a velhice, aprendem, de certo modo, a viver como vizinhos da morte. Alguns conseguem estabelecer uma vizinhança pacífica, outros nao gostam de ser lembrados do termino de seus dias, em especial, quando o fim se aproxima a olhos vistos. Ém nosso asilo nao era so a proximidade do cemiterio que constantemente lembrava os velhinhos da morte. Éra a situaçao elementar dos septuagenarios e octogenarios que os lembrava dela, pois seguidamente viam alguem sendo arrancado de seu meio, que nao deixava nada a nao ser um lugar vazio no refeitorio. Raros eram os meses em que ao menos um dos asilados nao viesse a ser carregado para o campo-santo. É quando acontecia que num período de um ou dois meses nao falecia ninguem, poderia ter a certeza de que o sino da capela dobraria duas ou tres vezes seguidas no mes seguinte. Com batidas compassadas e solenes ele revelaria que 5


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.