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REFERENCIAIS METODOLÓGICOS DE FORMAÇÃO E ASSESSORIA TÉCNICA EM ECONOMIA SOLIDÁRIA


EXPEDIENTE Cáritas Brasileira Endereço: SGAN – Av. L2 Norte, Quadra 601, Módulo F – CEP 70830-010 / Brasília (DF) Site: www.caritas.org.br / E-mail: caritas@caritas.org.br Telefone: +55-61-3521-0350 / Fax: +55-61-3521-0377 SECRETARIADO NACIONAL Diretoria Presidente: Dom João José da Costa Vice-Presidente: Ir Lourdes Maria Staudt Dill Diretora-Secretária: Marilene Alves de Souza / Diretor-Tesoureiro: Udelton da Paixão Coordenação Colegiada Nacional Diretor Executivo Nacional: Luiz Cláudio Lopes da Silva (Mandela) Coordenadora: Alessandra Miranda / Coordenador: Fernando Zamban Rede de Centros de Formação e Apoio a Assessoria Técnica em Economia Solidária - Rede CFES Nacional Coordenação Geral: Luiz Cláudio Lopes da Silva (Mandela) Assessoria Nacional: Fernando Zamban e Jesumilde Lima Comitê Gestor da Rede CFES Francisco Navegantes (CFES/NE), Alzira Medeiros (CFES/NE), Joran Júnior (CFES/AM2), Eni Cunha (CFES/AM2), Deusdeth Salles (CFES/AM1), Sidomar Carvalho (CFES/AM1), Sebastiana Almire de Jesus (CFES/CO), Sueli Veiga Melo (CFES/CO), Tatiana Hausen (CFES/SUL), Rosângela Ferreira (CFES/SUL), Roseny de Almeida (CFES/SE), Isabel Alves (CFES/SE), Adriana Bezerra Cardoso (Faces do Brasil), Cláudio Nascimento (ADS/CUT), Mariana Girotto (NESOL/PUC), Carlos Alencastro (MNCR), Robson Grizilli (Rede de Gestores), Tatiane Valente (FBES), Ronalda Barreto (Rede Unitrabalho), Fernando Zamban (CFES Nacional), Regilane Fernandes (SENAES/MTPS), Valmor Schiochet (SENAES/MTPS). Núcleos Temáticos Nacionais Núcleo de Educação Popular: Adriana Cardoso (CEDAC), Aida Bezerra (CAPINA), Zélia Ferraz (RECID), Carlos Eduardo Arns (Rede de ITCPs), Joselle Moura (CFES Nacional), Deborah Lago (CFES Nacional) Núcleo de Produção, Comercialização, Comércio Justo e Solidário: Anderson Barcellos (IMS), Thais Mascarenhas (Instituto Kairós), Magda de Almeida (UNISOL), Diogo Rego (Rede Moinho), Maria Glória Carvalho (CFES Nacional), Paulo Moraes (CFES Nacional). Núcleo de Redes de Cooperação Solidária: Helena Bonumá (GUAYÍ), Cláudio Nascimento (ADS/CUT), Sandro Nascimento (SOLTEC/UFRJ), Carlos Ferreira de Castro (Unicafes), Adriano Martins (IMCA), Delires Brun (CFES Nacional), Amauri Mossmann (CFES Nacional), Fernando Zamban (CFES Nacional). Núcleo de Finanças Solidárias: Mariana Girotto (Rede de Bancos Comunitários/NESOL/USP), Cristina Gusmão (Fundação Esquel), Talita Eger (Rede de Fundos Solidários/CAMP), Fagner Araújo (GT de finanças do FBES). Esta Publicação l “Referenciais Metodológicos de Formação e Assessoria Técnica em Economia Solidária”. Convênio nº 775.182/2012 l Cáritas Brasileira/SENAES/MTPS Elaboração de textos I Rizoneide Amorim, Mariana Girotto, Cláudio Nascimento, Simone Ribeiro e José Inácio Konzen. Colaboração l Telmo Adams, Denizart Fazio, Anderson Barcellos. Revisão de textos l Vanice Araújo l arteemmovimento.org Fotos l arquivo Cáritas Brasileira Projeto gráfico l arteemmovimento.org Tiragem I 2.500 exemplares Brasília, 2016.

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PREFÁCIO A Economia Solidária vem se consolidando como importante estratégia de desenvolvimento solidário sustentável a partir dos territórios onde os Empreendimentos Econômicos Solidários, entidades de apoio e gestores públicos de Economia Solidária dão vida a um projeto de sociedade mais justa, com a afirmação de que outra forma de economia é possível e acontece. A consolidação dessa estratégia só é possível graças ao fortalecimento e ampliação das ações educativas em Economia Solidária, que transformam os sujeitos que, por sua vez, transformam a realidade onde vivem. As experiências educativas na Economia Solidária no Brasil são de uma diversidade e riqueza admiráveis. Compreendendo que educação em Economia Solidária são ações de formação e assessoria técnica, percebemos que essas ações são realizadas em quatro grandes eixos: Educação para o Desenvolvimento; Finanças Solidárias; Produção, Comercialização e Consumo Justo e Solidário; e Redes de Cooperação Solidária. A Rede de Centros de Formação e Apoio à Assessoria Técnica em Economia Solidária é um importante instrumento de problematização crítica da prática educativa e aperfeiçoamento da ação. É uma experiência de política pública da Secretaria Nacional de Economia Solidária, gestada pela Cáritas Brasileira desde 2009 e que tem, nesse último período, procurado refletir sobre as diversas metodologias de Educação em Economia Solidária no Brasil. Nesse contexto, a Rede CFES desde 2013 vem construindo, através dos Núcleos Temáticos Nacionais, um processo de debate e problematização crítica da prática educativa nos eixos estratégicos da Economia Solidária. Essa reflexão deu origem aos Referenciais Metodológicos de Formação e Assessoria Técnica em Economia Solidária. Esse material é fruto do esforço de muitas mãos somadas para devolver ao Movimento da Economia Solidária um instrumento de subsídio para educadores e educadoras aperfeiçoarem os processos educativos na Economia Solidária. Esperamos que este material possa contribuir para o fortalecimento da Educação em Economia Solidária e, cada vez mais, consolidar a construção de outra economia no cotidiano das nossas ações.

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APRESENTAÇÃO A multiplicação e o fortalecimento da Economia Solidária ampliam e tornam mais complexas as necessidades de formação e assessoria técnica das diferentes formas de organização socioeconômica associativa e dos diferentes espaços de articulação da Economia Solidária, desafiando os seus educadores e educadoras para um processo constante de socialização de experiências e de reflexões e afirmação dos princípios e diretrizes político-pedagógicas da Educação em Economia Solidária. Os quatro capítulos temáticos dos Referenciais Metodológicos de Formação e Assessoria Técnica em Economia Solidária são fruto de um processo construído na Rede de Centros de Formação e Apoio à Assessoria Técnica em Economia Solidária, através dos Núcleos Temáticos Nacionais, de problematização crítica da nossa prática educativa em quatro eixos temáticos: Educação para o Desenvolvimento; Finanças Solidárias; Produção, Comercialização e Consumo Justo e Solidário; e Redes de Cooperação Solidária. Cada Núcleo Temático Nacional, composto de entidades com acúmulo de processos educativos em cada temática, dedicou-se a refletir sobre algumas experiências em cada área e, com a realização de um Encontro Nacional para cada tema, construiu elementos centrais e referências metodológicas comuns aos processos formativos e de assessoria técnica em Economia Solidária. Esses elementos estão organizados ao longo desse referencial. O primeiro capítulo traz aspectos estruturantes da Educação em Economia Solidária com os pressupostos para o desenvolvimento de processos educativos. O Núcleo Temático de Educação e Desenvolvimento propõe um caminho que resgata e reafirma os princípios e valores da Economia Solidária e traz a educação popular como princípio fundante da Educação em Economia Solidária. Além disso, indica o território como lugar da construção social da educação e os aspectos metodológicos para essa construção. O segundo capítulo reflete sobre os elementos essenciais para a Assessoria Técnica em Finanças Solidárias e vai abordar aspectos específicos de cada segmento que compõe esse eixo: Bancos Comunitários de Desenvolvimento, Fundos Solidários e Cooperativas de Crédito Solidário. O Núcleo Temático de Finanças Solidárias também sistematiza algumas experiências que nos ajudam a compreender na prática o que são as finanças solidárias e como ocorre a formação e assessoria técnica em finanças solidárias. O terceiro capítulo problematiza e aponta elementos estruturantes da assessoria técnica para a Produção, Comercialização e Consumo Justo e Solidário. O Núcleo Temático dessa área aponta para as orientações e caminhos fundamentais para que o(a) educador(a)

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para as orientações e caminhos fundamentais para que o(a) educador(a) ou assessor(a) possa construir um percurso formativo junto aos grupos assessorados para esses fins. Por fim, o quarto capítulo fará uma abordagem histórica da construção da assessoria técnica a Redes de Cooperação Solidária e apontará os elementos estruturantes desse processo. Esse tema ainda é pouco explorado no campo da formação e da assessoria técnica e, portanto, as referências estruturadas são mais recentes, merecendo uma continuidade nas suas reflexões para consolidar a construção iniciada neste documento. Poder acessar e utilizar subsídios com registros sobre a concepção, princípios, objetivos e diretrizes político-pedagógicas e metodológicas da educação em Economia Solidária é uma contribuição importante e – por que não? – necessária para as práticas educativas realizadas nas diferentes formas socioeconômicas associativas e espaços de articulação da Economia Solidária. Disponibilizar um subsídio que reúna reflexões e informações sobre o que se entende, o que se quer e como acontecem os processos educativos e a construção de conhecimentos na Economia Solidária atende a uma necessidade que vem sendo debatida há algum tempo pela Economia Solidária. A Conferência Temática sobre Formação e Assessoria Técnica de 2010 indicava que a I Conferência Nacional de Economia Solidária, em 2006, propôs um conjunto de diretrizes e prioridades para a formulação de uma política pública de Economia Solidária e um dos desafios que ainda se apresentava era a “construção de um referencial teórico-metodológico próprio para o processo de educação em Economia Solidária, pois as estratégias de formação e assessoria técnica que predominam hoje ainda são muito carregadas do conteúdo tecnicista, inerentes aos processos educativos voltados para as organizações de base capitalista”. A existência de Referenciais Metodológicos que descrevem e fundamentam a concepção, princípios e diretrizes político-pedagógicas e metodológicas da educação em Economia Solidária não transforma esses referenciais num instrumento a ser aplicado como manual que define as regras e os procedimentos das atividades educativas em Economia Solidária. Eles se constituem, como as várias reflexões e proposições indicam e como o próprio documento indica por várias vezes, num referencial, num instrumento de referência a ser utilizado nas reflexões para a organização, realização, avaliação e sistematização dos mais diversos processos e atividades educativas de formação e assessoria técnica da Economia Solidária, principalmente aqueles que são realizados através de ações de políticas públicas de Economia Solidária.

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SUMÁRIO Introdução A Educação em Economia Solidária

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1. A educação para o ensino do aprendizado das competências e procedimentos para a reprodução do capital e a educação para a transformação social e a reprodução da vida

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2. O trabalho como princípio educativo da construção de conhecimentos e relações sociais e a pedagogia do trabalho associado e autogestionário 2.1. O trabalho como princípio educativo 2.2. A construção de uma pedagogia do trabalho associado ou pedagogia da autogestão 2.3. A autogestão da pedagogia 2.4. A diversidade dos sujeitos da Economia Solidária e as possibilidades de pedagogias da autogestão 3. O território e a territorialidade na Economia Solidária 3.1. A comunidade e o território para a Economia Solidária 3.2. A construção de identidades num território e o desenvolvimento territorial 3.3. Abordagem Territorial do Desenvolvimento: uma aproximação 3.4. O território e a territorialidade na Educação em Economia Solidária 4. Referências político-pedagógicas da Educação em Economia Solidária 4.1. A Educação em Economia Solidária e a educação popular 4.2. Concepção, princípios e diretrizes político-metodológicas das atividades educativas em Economia Solidária 4.3. Referências para as Políticas Públicas de Educação em Economia Solidária 4.4. Os princípios e conteúdos do percurso formativo em Economia Solidária 5. Fontes de Referências para formação em Economia Solidária

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Assessoria Técnica em Finanças Solidárias

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1. Contextualizando as Finanças Solidárias

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2. Principais características das Finanças Solidárias

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3. Diretrizes metodológicas para formação e assessoria técnica em Finanças Solidárias 3.1. As principais dimensões da formação e assessoria técnica em Finanças Solidárias 4. As Iniciativas de Finanças Solidárias – IFSs 4.1. Os Fundos Solidários – FSs 4.2. Os Bancos Comunitários de Desenvolvimento – BCDs 4.3. As Cooperativas de Crédito Solidário – CCSs 5. Diretrizes metodológicas para as ações de políticas públicas de apoio às Iniciativas de Finanças Solidárias (IFS) 5.1. Diretrizes para a implantação de Projetos de ações de políticas públicas de apoio às Iniciativas de Finanças Solidária (IFS) 5.2. Diretrizes para o desenvolvimento das atividades dos Projetos de ações de políticas públicas de apoio às Iniciativas de Finanças Solidárias

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6. Fontes de referências para formação e assessoria técnica em Finanças Solidárias

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7. Referências bibliográficas sobre Finanças Solidárias

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Assessoria Técnica em Produção, Comercialização Justa e Solidária e Consumo Responsável

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1. Organização da Produção, da Comercialização Justa e Solidária e do Consumo Responsável no âmbito da Economia Solidária

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2. As Orientações para a Ação de Assessoria Técnica para a Produção, a Comercialização e o Consumo Justo e Solidário

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3. Os Caminhos da Assessoria Técnica para a Organização da Produção, da Comercialização Justa e Solidária e do Consumo Responsável 3.1. A 1ª Fase do processo de formação e assessoria técnica para a Produção, Comercialização e Consumo Justo e Solidário: Conhecer para Intervir 3.2. A 2ª Fase de formação e assessoria técnica para a Produção, Comercialização e Consumo Justo e Solidário: A Intervenção 3.3. Outras ações e ferramentas de formação e assessoria técnica para a Produção, Comercialização e Consumo Justo e Solidário

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4. Fontes de referências para formação e assessoria técnica em Produção, Comercialização Justa e Solidária e Consumo Responsável

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Assessoria Técnica a Redes de Cooperação Solidária

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1. Contextualização da assessoria técnica a empreendimentos econômicos solidários e a redes de cooperação

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2. As Redes de Cooperação Solidária, a Formação e o Assessoria Técnica – Elementos de comcepção e de diretrizes político-metodológicas 2.1. Redes de Cooperação Solidária – RCSs 2.2. Assessoria Técnica em Economia Solidária

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3. O PLANSEQ/ECOSOL, as bases da ASSOCENE e a política de fomento a redes da SENAES: experiências que ajudam na reflexão do processo de assessoria a redes de cooperação solidária 3.1. A dinâmica do Planseq 3.2. Ações das Bases de Assessoria Técnica ou Bases de Serviços em Economia Solidária nos territórios: um olhar sobre a experiência metodológica da ASSOCENE 3.3. A Política de Fomento a Redes de Cooperação Solidária da SENAES/MTE

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4. Algumas Considerações: o caráter pedagógico da assessoria em redes de cooperação solidária – RCSs

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5. Fontes de referências para formação e assessoria técnica a Redes de Cooperação Solidária

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6. Referências Bibliográficas

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Desafios e possibilidades para ações dos educadores e educadoras da Economia Solidária

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Contatos

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INTRODUÇÃO

“É preciso que a educação esteja – em seu conteúdo, em seus programas e em seus métodos – adaptada ao fim que se persegue: permitir ao homem [e mulheres] chegar a ser sujeito, construir-se como pessoa, transformar o mundo, estabelecer com os outros homens [e mulheres] relações de reciprocidade, fazer a cultura e a história.” (FREIRE, 1980).

Há mais de duas décadas que grupos e Empreendimentos Econômicos Solidários vêm se identificando no Brasil como Economia Solidária. Tempo de muitos encontros e partilhas. Tempo de expectativas e conquistas e tempo de dúvidas e incertezas. Tempo de potencializar a construção de uma Rede Solidária que vive o sonho de um mundo melhor! Tempo para continuar acreditando que as mudanças e transformações só se tornam possíveis com muita mobilização e luta, que é preciso uma educação com intencionalidade concreta e planejada, construída coletivamente a partir da realidade das mulheres e homens que fazem do trabalho associado um processo educativo de construção de novas relações sociais e de uma utopia que “outro mundo é possível”! Um tempo que se mostrou exíguo para a Economia Solidária conquistar um reconhecimento legal e uma afirmação política como “direito de produzir e viver em cooperação de maneira sustentável”. Mesmo com os projetos de ações de políticas públicas de apoio à Economia Solidária, viabilizados pelo MTE/SENAES, um Programa Nacional de Economia Solidária que institucionaliza e amplia as políticas públicas de Economia Solidária, tornando-as permanentes na estrutura do Estado brasileiro, não se consolidou. Um tempo profícuo para juntar e multiplicar uma diversidade de experiências de vida dos trabalhadores e trabalhadoras da Economia Solidária e uma diversidade de ações de apoio aos Empreendimentos Econômicos Solidários (EESs), através de ações de políticas públicas e de organizações da sociedade civil. Experiências que permitiram

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constatar as limitações e as necessidades de formação e assessoria técnica dos Empreendimentos da Economia Solidária. Tempo favorável para socializar informações, sistematizar, refletir e construir compreensões e referências político-pedagógicas que estão consolidando uma compreensão de Educação em Economia Solidária para articular e orientar as ações e metodologias de formação e assessoria técnica para e na Economia Solidária. Foi o tempo para constatar que a formação e a assessoria técnica constituem demandas expressivas e desafiadoras da Economia Solidária e, com base nas informações do Sistema de Informação em Economia Solidária (SIES), aponta que somente pouco mais de um terço dos Empreendimentos Econômicos Solidários (EESs) tem acesso à assessoria técnica e gerencial. Constatações que os avanços na autogestão dependem, fundamentalmente, das práticas, princípios e valores que orientam os modos de funcionamento dos Empreendimentos Econômicos Solidários. O aprendizado da autogestão ocorre no cotidiano desses empreendimentos por meio das soluções e instrumentos democráticos de participação ativa nas tomadas de decisão. A formação permanente e sistemática dos trabalhadores da Economia Solidária é fundamental nesses processos que é tanto mais eficaz quando consegue articular o cotidiano da atividade do trabalho com atividades educativas intencionalmente organizadas. Não raras vezes, a degeneração dos empreendimentos decorre da falta de tempo para os diálogos e atividades internas de formação e sistematização e de acesso aos processos formativos externos. A Educação em Economia Solidária trata de um processo pedagógico que parte da construção coletiva propiciando conhecimentos organizados, analíticos e críticos sobre as experiências. Conhecimentos que permitiram, tanto em Oficinas e Plenárias do Movimento da Economia Solidária como em Seminários e Conferências das Políticas Públicas para a Economia Solidária, construir e afirmar referências sobre a compreensão da Educação em Economia Solidária, que integra, numa mesma concepção político-pedagógica, a formação e a assessoria técnica. Esses Referenciais Metodológicos estão organizados em quatro capítulos em torno dos quatro eixos temáticos das ações de políticas públicas da SENAES/MTPS com o objetivo de apresentar um conjunto de referências de concepção e de diretrizes político-pedagógicas

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sobre a educação em Economia Solidária para orientar as reflexões e as práticas educativas realizadas pela Economia Solidária, principalmente as que são realizadas enquanto ações formativas e de assessoria técnica de políticas públicas. Por ser a Economia Solidária um ato pedagógico em si mesmo, à medida que propõe nova prática social e um entendimento novo dessa prática, todas as pessoas que fazem parte dela são ou se caracterizam como educadores e educadoras. Com essa compreensão, este documento se destina a todos e todas. Contudo, pelo seu formato e linguagem, se torna mais acessível e útil para aqueles educadores e educadoras que realizam a tarefa de organizar e coordenar os processos e atividades educativas que acontecem entre os trabalhadores e trabalhadoras nos espaços de trabalho das diversas formas econômicas associativas da Economia Solidária e aquelas que são realizadas fora desses espaços de trabalho. Os relatórios de plenárias e conferências de Economia Solidária e a recomendação nº 8 de 2012 do Conselho Nacional de Economia Solidária (CNES) já atendiam em parte um registro das referências da Educação em Economia Solidária. Esses referenciais, ao fundamentar as concepções e referências da Recomendação nº 8 e reunir um conjunto maior das referências político-metodológicas da formação e assessoria técnica nos quatro eixos das ações das Políticas Públicas de Economia Solidária, reforçam e ampliam as referências dessa recomendação. Por reunir um conjunto de concepções, princípios e diretrizes, torna-se também um instrumento ou um produto para divulgar outras organizações, movimentos sociais e instituições ou pessoas interessadas na compreensão, na intencionalidade e na forma como a educação acontece na Economia Solidária.

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Capítulo I

A Educação em Economia Solidária



O capítulo sobre a Educação em Economia Solidária está organizado em quatro tópicos de reflexões e descrição das compreensões e diretrizes político-metodológicas da educação em Economia Solidária. No primeiro tópico, encontra-se uma reflexão sobre as concepções de educação e construção do conhecimento, com o objetivo de explicitar uma crítica à educação voltada para a reprodução do capital e contrapor uma perspectiva de educação voltada para a transformação social e reprodução da vida. No segundo tópico, encontra-se uma reflexão e descrição das referências da Economia Solidária sobre o trabalho como princípio educativo; sobre a pedagogia do trabalho associado e autogestionário e a autogestão da pedagogia; e uma indicação da diversidade dos sujeitos da Economia Solidária. No terceiro tópico, sobre o território e a territorialidade na Economia Solidária, encontra-se uma reflexão sobre a comunidade e o território na Economia Solidária; a construção de identidade num território; uma aproximação sobre a abordagem territorial do desenvolvimento; compreensões sobre o desenvolvimento territorial na Economia Solidária; e o território e a territorialidade na Educação em Economia Solidária. No quarto tópico, encontram-se as referências político-pedagógicas da Educação em Economia Solidária, com uma reflexão sobre a Educação em Economia Solidária e a educação popular; a concepção, princípios e diretrizes político-metodológicas da Educação em Economia Solidária; as diretrizes para as políticas públicas de formação e assessoria técnica em Economia Solidária; e uma reflexão sobre os princípios e conteúdos do percurso formativo. E, por fim, uma contribuição sobre alguns desafios e possibilidades para a ação dos educadores e educadoras da Economia Solidária.

1. A EDUCAÇÃO PARA O ENSINO DO APRENDIZADO DAS COMPETÊNCIAS E PROCEDIMENTOS PARA A REPRODUÇÃO DO CAPITAL E A EDUCAÇÃO PARA A TRANSFORMAÇÃO SOCIAL E A REPRODUÇÃO DA VIDA. Para a Economia Solidária, as diferentes compreensões sobre o que é educar e como a educação acontece e quem educa e é educado se configuram em torno de duas perspectivas de compreensão sobre os processos de construção do conhecimento:

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a primeira parte dos significados das tensões e conflitos resultantes das relações sociais de produção e reprodução da vida; e a segunda tem como base as perspectivas de história e de futuro que se propõem para a humanidade. Há muito tempo se afirma que as condições da vida e o jeito que as pessoas são e as possibilidades do seu futuro têm uma forte relação com a sua educação. O que as pessoas sabem fazer e as possibilidades que elas têm de melhorar o seu futuro, em grande parte, é resultante da educação. Todos reconhecem a importância da educação, mas existem compreensões diferentes sobre o que é educar, para que educar, como organizar e realizar as atividades educativas, quais são os espaços onde acontece a educação e quem educa quem. Para uns, a educação tem seus espaços determinados, em que profissionais com competências específicas para a utilização de métodos apropriados realizam a tarefa de produzir o conhecimento científico. A escola passou a ser a instituição central para transmitir valores, crenças, comportamentos, conhecimentos e habilidades para preparar as pessoas para viver e desempenhar as suas funções em sociedade.¹ Porém, a educação centrada na escolarização nas sociedades capitalistas, em última análise é definida, nas suas concepções e práticas, pelos donos dos meios de produção, os que detêm o poder econômico e querem que a escola esteja a serviço do mercado do lucro. Nessa perspectiva, o trabalho, a tecnologia e a educação são concebidos como fatores dos processos de produção. E, para os trabalhadores, a educação, nessa lógica capitalista, não passa de um conjunto de ações e procedimentos de transmissão de conhecimentos, um treinamento para executar tarefas de modo eficiente. No decorrer do século XX, principalmente depois da Segunda Guerra Mundial, a escola passa a ser oficializada como espaço e instituição competente e reconhecida para educar as gerações jovens e requalificar adultos para que tivessem condições de ocupar uma função e serem úteis na sociedade onde vivem. Até os dias atuais, a atividade educativa concentra-se nas instituições reconhecidas como escolas, universidades e institutos de educação profissional onde se realizam atividades de ensino, pesquisa e extensão. Nos anos recentes, com a expansão do acesso às tecnologias de informação e comunicação (TICs), a ¹ Visão de Émile Durkheim, conforme livro Educação e sociologia. 10ª ed. São Paulo: Melhoramentos, 2007.

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educação a distância (EAD) vem se ampliando em cursos oferecidos pelas instituições formais de ensino nas mais diversas áreas do conhecimento. Embora a educação tenha sido muito associada ao ensino formal escolar, ela nunca deixou de acontecer em todos os espaços da vida. A educação realiza-se sempre por meio de múltiplas mediações em todos os espaços da vida, de modo especial na atividade do trabalho (não só o remunerado). O conjunto das atividades e ações das quais as pessoas participam, principalmente ações relacionadas e decorrentes das relações de trabalho e de reprodução da vida, em que se incluem também as atividades da educação escolar, forma o conjunto de referências de valores e perspectivas com que as pessoas entendem o mundo e dão significado à vida em sociedade. Aprendendo com a experiência individual e coletiva, construímos referências que orientam os nossos comportamentos de convivência na sociedade e com os demais seres encontrados na natureza. Para essa perspectiva, a educação se desafia a uma prática de construção social de conhecimento, partindo dos problemas reais em busca de soluções sempre em vista de transformações que contribuam para o bem viver da população. A construção de conhecimentos socialmente úteis passa por práticas educacionais, culturais, técnicas e profissionais. E, quanto mais forem conhecimentos construídos coletivamente, tanto mais serão válidos para os grupos e comunidades envolvidos. A educação, como todas as coisas na sociedade, é um projeto em disputa, que inclui o controle hegemônico do progresso técnico, do avanço do conhecimento e da qualificação dos trabalhadores. Para que estes últimos tenham o controle desse projeto, é necessário submeter o conhecimento técnico e científico ao controle democrático da esfera pública, isto é, do projeto da maioria dos que vivem do trabalho, fazendo valer a solidariedade, a igualdade e a democracia participativa. A Economia Solidária compreende que a educação escolar e a não escolar são partes indissociáveis de um mesmo processo. É nesses dois âmbitos que as pessoas desenvolvem as suas capacidades individuais e coletivas de observação crítica e construção de leituras da realidade em que vivem. Assim elaboram, individual e coletivamente, alternativas que permitem melhorar as condições de vida da sua geração e das gerações futuras. É por isso que a educação tem sempre uma clara direção política, um projeto com intencionalidades, seja para manter a vida como está ou para modificá-la.

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A acumulação flexível que substituiu o modelo fordista/teylorista tem demandado da educação a necessidade da formação de profissionais flexíveis apropriados das mudanças tecnológicas. Nesse sentido, há uma demanda de extrema exigência por competências, entre as quais estão: a escolaridade crescente; a capacidade de tomar decisões e gerir imprevistos; a capacidade de comunicação, auto-organização e trabalho conjunto; a habilidade manual e intelectual autônomas. Se a escola tradicional preparasse todos os jovens com a mesma qualidade, inclusive a Economia Solidária poderia se beneficiar com muitos desses elementos da formação dos trabalhadores. Entretanto, essa formação é para um número limitado, porque limitados são esses empregos que só têm lugar para uma parcela reduzida de trabalhadores e trabalhadoras extremamente preparada. E, portanto, não há interesse que essa formação profissional seja para todos. Diante disso, segue a tendência de uma educação dualista que prepara uns para esses postos mais elitizados, enquanto a maioria, os filhos dos trabalhadores, continua frequentando as escolas e cursos que lhes permitirão disputar postos de trabalho em funções de auxiliares, como simples operadores de comandos no uso de tecnologias. A Economia Solidária vem realizando e socializando experiências de educação, refletindo sobre como elas são realizadas, quais as contribuições delas para a vida das pessoas e para o desenvolvimento das comunidades e territórios. Registra os aprendizados que elas permitem construir para socializar com outros praticantes da Economia Solidária e para o conjunto da sociedade brasileira. Ao fazer isso, melhora a compreensão e realização das suas práticas de Educação em Economia Solidária. Como resultado desse movimento regional e nacional, foram elaborados diversos documentos, nos quais estão registrados as concepções e princípios da Economia Solidária, entre eles os que fundamentam a sua concepção de educação: • A construção de uma economia que possa se constituir no fundamento de uma globalização humanizadora, de um desenvolvimento sustentável, socialmente justo e voltado para a satisfação racional das necessidades de cada uma das pessoas e de todos os cidadãos da Terra, seguindo um caminho intergeracional com qualidade de vida.

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• O valor central da economia é o trabalho, o saber e a criatividade humana, e não o capital-dinheiro e sua propriedade sob quaisquer de suas formas. • As relações econômicas são fundadas em relações de colaboração solidária, inspiradas por valores culturais que colocam o ser humano como sujeito e finalidade da atividade econômica, em vez da acumulação privada de riqueza em geral e de capital em particular (Carta de Princípios da Economia Solidária, FBES, 2003). As experiências de Educação da Economia Solidária já propiciaram reflexões e sínteses que vêm possibilitando avanços na ampliação de novas experiências e na afirmação de referências para o conjunto das atividades de Educação e Assessoria Técnica em Economia Solidária. Referências fundamentais para a continuidade do processo da reflexão e avaliação, que vão resultando em constantes reformulações e renovações dos saberes e das ações da Economia Solidária. Mas diante do contexto econômico, social e político o trabalho, a produção do conhecimento e a educação são considerados fatores de produção para manter e reproduzir as relações de produção e consumo vigentes e hegemônicas na sociedade brasileira. Frente a isso, quais são as possibilidades e quais os desafios operacionais para a afirmação e expansão de uma Educação em Economia Solidária enquanto construção social que tem o trabalho associado e autogestionário como seu princípio educativo para a construção de conhecimentos e de outras relações sociais que vão configurando outro modo de produção e de desenvolvimento? O que significa o trabalho como princípio educativo e como se dá a construção de uma pedagogia do trabalho?

2. O TRABALHO COMO PRINCÍPIO EDUCATIVO DA CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTOS E RELAÇÕES SOCIAIS E A PEDAGOGIA DO TRABALHO ASSOCIADO E AUTOGESTIONÁRIO. 2.1. O trabalho como princípio educativo Entre as principais motivações que levaram e levam as pessoas a se unir em grupos para organizar coletivos de trabalho estão as motivações associadas ao trabalho. No Brasil, essas organizações são identificadas como Empreendimentos Econômicos Solidários (EESs).

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Frente ao processo de reestruturação produtiva do capitalismo, uma das motivações é a necessidade de somar forças com seus semelhantes para ter ou manter uma possibilidade de trabalho cooperativo com maior autonomia para suprir as necessidades básicas para uma vida digna, e não apenas se sujeitar a uma relação exploradora pela simples luta pela sobrevivência física. E a outra motivação é o desafio existencial de, enquanto ser humano, não repetir as relações de trabalho que mantêm o trabalhador na mesma lógica do desenvolvimento predador das condições da vida humana e dos demais seres e recursos deste planeta. Os empreendimentos solidários propõem-se a possibilitar as condições para que os trabalhadores participem das decisões sobre como organizar e realizar o seu trabalho sendo sujeitos do que produzem. Assim podem construir conhecimentos e vivenciar relações sociais que criam novas bases materiais e espirituais para a vida humana. Para que o trabalho possa tornar-se um princípio educativo, é necessário compreendê-lo no processo histórico. Em outros períodos da história, mais do que hoje, o trabalho era determinante na construção da identidade social e profissional das pessoas. À medida que o modo de produção capitalista foi transformando o trabalho num fator de produção, o processo produtivo e o fruto do trabalho foram se separando do trabalhador, que deixou de ser o sujeito capaz de criar novos produtos, construir com outros trabalhadores novas relações de produção e novas tecnologias. Com isso, o trabalho perdeu a sua importância na construção da identidade social e de novas relações sociais para maioria dos seres humanos. Essa condição de alienação do trabalhador em relação ao processo e produto do seu trabalho gerou atitudes de conformação, mas também de resistência à exploração do trabalho, resistência à ampliação das desigualdades sociais e à precarização das condições de reprodução da vida. A Economia Solidária, além de uma luta de resistência, pretende ser uma alternativa em gérmen para toda a sociedade. Ao se desafiar a construir, por dentro do modo de produção capitalista, uma economia baseada no trabalho associativo e autogestionário e numa forma de comercializar e consumir justa, solidária e sustentável, afirma uma compreensão que “o trabalho humano congrega toda a atividade produtiva e criativa de bens materiais e imateriais, produzindo assim o mundo, o próprio ser humano: a cultura. Nessa concepção, o trabalho não se restringe à ação produtora de mercadorias, mas abrange o sentido mais amplo de

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toda a atividade humana transformadora do ambiente pelas relações com outras pessoas, consigo mesmo e com a natureza. Pela ação humana do trabalho, o ser humano se insere na experiência de participação ativa como sujeito social. As experiências de empreendimentos de trabalho associativo da Economia Solidária se somam a muitas outras formas de resistência com criação de espaços coletivos que buscam fortalecer atores e projetos emancipadores desde as margens da economia dominante. Os empreendimentos de trabalho associado pretendem cultivar um espaço real de trabalho emancipado que se propõe um novo sentido do trabalho. Este tem como horizonte a constituição de uma nova sociedade, na qual o trabalhador supere sua condição de mercadoria, em que ele pode conquistar seu direito de ser proprietário coletivo dos meios de vida. Assim supera a desvinculação entre si e seu produto (alienação), controlando o ritmo e o tempo de trabalho. Ao mesmo tempo que os empreendimentos da Economia Solidária se desafiam a um trabalho emancipado, não dá para esquecer que eles estão dentro de uma sociedade em crescente globalização capitalista. Significa que os trabalhadores associados também são influenciados pelos meios tecnológicos, principalmente da comunicação, que provocam mudanças culturais capazes de afetar todas as dimensões da vida, reforçando os estímulos ao consumismo, ao comodismo e individualismo. Dentro da lógica de flexibilização e precarização do trabalho, o empreendedorismo, o cooperativismo induzido, a terceirização e a quarteirização são estimuladas e permitidas para reduzir os custos do trabalho. E os empreendimentos não são imunes a essa inserção precarizada, na qual a terceirização se transformou num modo de reestruturação produtiva. O trabalho associado dentro dos princípios da autogestão se organiza e busca se afirmar por dentro do modo de produção e mercado capitalista. Ou seja, em boa parte, a concretização da atividade e finalidade econômica de Empreendimentos de Economia Solidária se realiza através da venda dos produtos e serviços do seu trabalho para empresas ou instituições públicas desse mercado hegemônico. Em muitos casos, essas relações de contratos são relativamente justas. Mas, em outros, fica evidente que parcerias por parte de gestores públicos ou privados são feitas muito mais pela intenção de reduzir custos e divulgar uma imagem de responsabilidade social do que por compreensão e afirmação do

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direito dos Empreendimentos Econômicos Solidários de produzir e viver em cooperação de maneira sustentável. O trabalho associado pressupõe um conjunto de ações de caráter associativo e solidário, uma organização intencional dentro das concepções e sentidos da autogestão. A finalidade de empreendimentos de trabalho associado é, em primeiro lugar, a cooperação em vista da satisfação das necessidades humanas fundamentais e, como objetivo principal, o exercício da liberdade e autonomia possível, com a construção de relações sociais de convivência solidária. Os participantes se desafiam a não ser executores de tarefas, mas sujeitos de criação e recriação, assumindo um envolvimento ativo em todo o processo de gestão, de controle e apropriação dos resultados, que são divididos pelo critério do igual valor do trabalho. 2.2. A construção de uma pedagogia do trabalho associado ou pedagogia da autogestão A práxis como uma ação intencional e criticamente refletida ocorre no dia a dia do trabalho, em meio a muitos desafios que se expressam por perguntas que exigem esforço coletivo na busca de respostas. A necessidade de aprender a fazer muitos estudos unindo a ação produtiva e a reflexão conjunta sobre esse processo se constitui na prática em um princípio educativo. O esforço para tornar viável a organização econômica passa pela possibilidade de os trabalhadores poderem tornar viável tecnicamente seu projeto político, unindo os objetivos econômicos e sociais. Dizendo em outras palavras, a Educação na Economia Solidária quer preparar da melhor forma possível os trabalhadores e trabalhadoras para a autogestão da sua organização econômica. Compreender os princípios e a prática para ir além das questões da realização do trabalho de forma cooperada. Todos precisam se tornar capazes de compreender, refletir e se manifestar sobre as questões e cálculos da viabilidade, da contabilidade, das legislações, impostos e contribuições sociais, do mercado (mercado global hegemônico e outros mercados solidários), das implicações dos investimentos, da forma e instrumentos da gestão e administração dos resultados, entre outros aspectos que envolvem dimensões econômicas, sociais, culturais, educacionais, ambientais, éticas e políticas.

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No processo de produção, a prática de uma pedagogia da autogestão propõe-se a vivenciar coletivamente os processos de uma produção planejada, incluindo a escolha das máquinas e equipamentos, o que, por sua vez, pressupõe conhecimentos mínimos sobre os meios de produção, sobre o desenvolvimento tecnológico e os significados para a vida na perspectiva local e da sociedade como um todo. Na prática, significa que a socialização e a produção do conhecimento não acontecem depois do processo de trabalho: nas reuniões, assembleias, nos cursos de capacitação. A pedagogia da autogestão compreende que o processo formativo se dá na atividade do trabalho, na troca de saberes para compreender e decidir pela melhor forma de como organizar a produção e o modo de trabalho. Isso pressupõe aprendizado técnico, definição e redefinição de um projeto político relativo à possibilidade de estabelecer novas relações sociais e econômicas, mesmo sabendo que se está ainda imerso na lógica da sociedade capitalista. Por isso, uma pedagogia da autogestão ou pedagogia da produção associada compreende que o trabalho torna-se não apenas um princípio educativo, mas também um fim educativo na luta permanente por uma vida digna. Daí segue que os processos de discussão, participação e decisão permitem aos trabalhadores e trabalhadoras ampliar seus saberes sobre o mundo do trabalho e a vida em sociedade. À medida que os membros de empreendimentos econômicos aprendem os conhecimentos específicos para produzir os bens materiais para sua sobrevivência, aprendem também os valores, os comportamentos que são necessários para o estabelecimento de determinadas relações de produção. Mas esse caminho da autogestão é sempre cheio de contradições, pois nenhuma economia se torna solidária porque as pessoas individualmente tornam-se boas ou generosas. A solidariedade real acontece à medida que esta se incorpora na própria organização do trabalho. E para isso não basta idealizar como deveria ser uma Economia Solidária. É preciso aprender a construí-la, materializando-a no dia a dia da produção. 2.3. A autogestão da pedagogia A Educação em Economia Solidária se constitui numa construção social que envolve uma diversidade de sujeitos e ações. Entendemos as relações e sentidos do trabalho autogestionário como princípio educativo da construção do conhecimento e de

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outras relações sociais. Dessa compreensão deduzimos que todas as atividades de um processo educativo na Economia Solidária têm como referência e deveriam acontecer num processo de autogestão. As reflexões sobre a Educação em Economia Solidária afirmam que as ações político-pedagógicas pressupõem conteúdos e metodologias de trabalho sintonizadas com os horizontes e princípios da Economia Solidária. Isso indica que seria incoerente promover um processo de trabalho a partir de uma gestão coletiva e horizontal e não fazer o mesmo no processo educativo. Portanto, a Economia Solidária vem afirmando que a dinâmica de educação da Economia Solidária necessita valorizar e assumir a autogestão do processo de trabalho e, em consequência, também autogerir a pedagogia. A metodologia da formação e assessoria técnica em Economia Solidária – externa ao espaço e às relações de trabalho associado – também precisa ser realizada num processo de gestão participativa envolvendo todo o planejamento e realização. Na prática, essa compreensão indica que nos processos educativos em Economia Solidária todas as pessoas são educandas e educadoras e, portanto, todas deveriam participar de todo o processo formativo: da definição e planejamento das atividades; na realização das atividades ou momentos formativos, na organização das reflexões, dos registros, sínteses e avaliação, envolvendo-se nas tarefas necessárias para o melhor desenvolvimento possível da atividade. Assim todas e todos os participantes contribuem para que a atividade planejada aconteça em conformidade com a metodologia e objetivos indicados e desejados. Para que a prática da autogestão da pedagogia possa ser um aprendizado real de uma nova cultura do trabalho e de construção do conhecimento, ela não pode ser definida e realizada de forma simplista e ingênua. O voluntarismo não pode tornar corriqueiras as improvisações relativizando uma metodologia que garanta o alcance dos resultados. Para chegar aos aprendizados desejados, o processo participativo não pode abrir mão de uma estratégia pedagógica planejada e processualmente desenvolvida num processo de ação-reflexão-ação. O desafio é iniciar com consciência do que e como se vai participar para que toda a metodologia dessa pedagogia seja pensada e organizada com os participantes das atividades educativas.

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2.4. A diversidade dos sujeitos da Economia Solidária e as possibilidades de pedagogias da autogestão A Economia Solidária como um movimento histórico e temporal se constitui num sujeito econômico, social e político. Este propõe a construção de um desenvolvimento que viabilize a reprodução social ampliada da vida, sem desigualdades, injustiças e degradação do conjunto da vida do planeta. Contrapõe-se às regras das relações capitalistas de reprodução do capital. É constituída por um conjunto de atores que não são iguais na forma da sua existência e na forma e tipo de atividades que realizam. O movimento é formado tanto por Empreendimentos Econômicos Solidários (EESs) – em suas diversas formas de organização social e econômica, como por Entidades de Apoio e Fomento (EAFs) e Gestores Públicos (GPs). Os EESs são considerados os atores prioritários do movimento por serem formados por trabalhadores(as) que vivem do trabalho associado e autogestionário. Esses empreendimentos são caracterizados como organizações coletivas, suprafamiliares, cujos participantes ou sócios(as) são trabalhadores(as) dos meios urbano e rural. Porém, esses atores, que configuram uma diversidade de sujeitos, têm afinidades enquanto construtores de relações sociais e de projeto de sociedade, apesar de trazerem distintas histórias e formas de organização social e de dinâmicas cotidianas de trabalho e de reprodução da vida. Em outras palavras, o cotidiano das relações de trabalho e as demais relações sociais de reprodução da vida de um(a) trabalhador(a) de uma empresa recuperada é diferente de um(a) trabalhador(a) de uma comunidade indígena, quilombola ou de pescadores. A realidade da vida de um grupo ou EES de jovens de uma periferia urbana que trabalham com atividades culturais difere de um grupo de portadores de necessidades especiais ou de presidiárias que trabalham com artesanato ou confecção. Do mesmo modo, também difere de um EES de recicladores de materiais recicláveis, de agricultores familiares ou camponeses assentados da reforma agrária que produzem alimentos. Em síntese, a Economia Solidária é formada por diferentes sujeitos que têm diferentes histórias de vida, que resultam de diferentes atividades econômicas e de formas de organizar e realizar o trabalho e a reprodução da vida. Utilizam também diferentes métodos, dinâmicas e linguagens de percepção e significação do mundo e da vida, inclusive de disposições e capacidades de se manifestar em público e estabelecer relações de articulação e parcerias com outros atores.

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Os referenciais dos princípios político-metodológicos são os mesmos para os diversos sujeitos e atores da Economia Solidária, mas as metodologias e os instrumentos utilizados nos processos educativos precisam ser construídos com os educadores dos diferentes atores da Economia Solidária. A linguagem e o ordenamento entre as perguntas para problematizar a realidade da viabilidade econômica e a construção de outra cultura do trabalho e de relações sociais de solidariedade e sustentabilidade se modificam porque as dificuldades, necessidades e percepções das pessoas e dos empreendimentos são diferentes. Desde as primeiras Plenárias e Conferências, ficou compreendido que a Economia Solidária “compartilha valores, princípios e práticas de um conjunto de lutas históricas dos trabalhadores e de setores excluídos da sociedade que tenham como foco principal a valorização do ser humano e a construção de outro desenvolvimento”. Entre essas lutas se destacam: • A luta dos(as) trabalhadores(as) contra a subordinação do trabalho pelo capital e valorização da propriedade privada e a favor da gestão coletiva dos meios de produção e da renda. • A luta da agricultura familiar e dos camponeses, baseada em princípios agroecológicos que prezam a gestão coletiva e democrática do uso da terra, da água e de todos os elementos da natureza. • A luta das comunidades tradicionais (quilombolas, negras, terreiros de matrizes africanas, indígenas, extrativistas, pescadores artesanais, ribeirinhas, etc.) pelo reconhecimento e valorização de conhecimentos e práticas tradicionais, valorização da diversidade étnica e cultural, promoção dos direitos territoriais (reconhecimento e demarcação de suas terras) e de sua autodeterminação. • A luta pela reforma agrária e reforma urbana com a gestão coletiva dos espaços de trabalho e de moradia. • A luta pelo manejo sustentável dos resíduos sólidos por meio da autogestão e inclusão social dos(as) catadores(as) de materiais recicláveis.

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• A luta das mulheres pela igualdade de gênero, raça, etnia, classe e pelo reconhecimento do papel da mulher como sujeito do desenvolvimento econômico e social numa economia fundada na solidariedade. • A luta pela inclusão social das pessoas com deficiências, idosas, portadoras de HIV, egressas do sistema prisional, com transtornos mentais, entre outras. • A luta pela valorização das identidades e manifestações culturais rurais e urbanas, indígenas e outras. • A luta da juventude urbana e rural por acesso à educação, à cultura, geração de trabalho e renda.² Não parece haver dúvidas sobre a afirmação da diversidade das pessoas e organizações que formam a base social da construção do projeto de desenvolvimento e de sociedade da Economia Solidária. O desafio está na construção da unidade nessa diversidade de atores e formas de organização econômica, social e política. Quais são os espaços, os conteúdos e as metodologias da construção dessa unidade na diversidade? Possivelmente as experiências de vivência das relações de produção e de reprodução da vida sejam a referência para a identificação dos desafios comuns da ação política do conjunto dos atores da Economia Solidária. Essas experiências tornam-se a base da reflexão e renovação das relações do cotidiano do trabalho e da vida de cada um. Os processos educativos nos diferentes espaços de trabalho e de articulação da Economia Solidária têm uma contribuição importante no desafio da construção da unidade nessa diversidade.

3. O TERRITÓRIO E A TERRITORIALIDADE NA ECONOMIA SOLIDÁRIA. 3.1. A comunidade e o território para a Economia Solidária A maioria dos grupos e empreendimentos econômicos solidários se forma a partir de diferentes atividades coletivas numa comunidade ou no município. Atividades promovidas ou apoiadas por alguma entidade de apoio, prefeitura ou alguma outra organização ou movimento social. São atividades para conversar sobre as ² I CONAES, 26-29/06/06 – A Economia Solidária como Estratégia e Política de Desenvolvimento.

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necessidades e possibilidades de trabalho e renda das pessoas naquela comunidade ou município ou, então, para oferecer oficinas ou cursos de formação e qualificação técnica junto com a proposta de organizar um grupo ou empreendimento de trabalho associativo e solidário. Depois que um grupo passa a se organizar e realizar atividades de produção ou de prestação de serviços, também é na comunidade que aparecem as primeiras oportunidades para a comercialização. A maioria inicia as suas atividades de comercialização numa feira municipal, num bairro, numa universidade, em alguma lojinha ou espaço da administração pública. Ou, ainda, prestando serviços em eventos organizados por administrações públicas ou entidades de apoio e fomento da Economia Solidária. A maioria dos grupos e empreendimentos de Economia Solidária, para poder participar em feiras ou outras oportunidades, também inicia articulações entre si nas comunidades, nos municípios e microrregiões. Desse modo, preparam-se para conseguir atender aos serviços de algum evento ou para negociar o acesso a políticas públicas. Poder contar com oportunidades de prestar serviços, comercializar e se articular na comunidade, município e região se torna importante e necessário para que os grupos consigam se formar e ter alguma perspectiva de sustentabilidade econômica, social, política e ambiental. Em meio a essa experiência, fortalecem relações de cooperação e solidariedade e vivenciam os princípios e objetivos da Economia Solidária. Tais processos, embora sempre ocorram em meio a contradições, são fundamentais para a organização e fortalecimento dos Empreendimentos e do conjunto do movimento da Economia Solidária. Quando os Empreendimentos Econômicos Solidários se juntam para dialogar, se organizar para ocupar espaços, utilizar estruturas e equipamentos e realizar atividades de forma coletiva e solidária, acontecem as vivências e, com elas, os aprendizados reais de construção de novas relações econômicas, sociais e políticas. Os aprendizados resultam de vivências positivas de cooperação e solidariedade, mas também são oportunizados pelas vivências de conflitos e disputas. Essas relações conflitivas por vezes ocorrem entre os próprios grupos e empreendimentos solidários e, muitas vezes, entre os atores da Economia Solidária com outras organizações que também se organizam e se movem para comercializar produtos e serviços e igualmente disputam o acesso às políticas públicas nas mesmas comunidades e municípios.

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Para viabilizar as suas atividades de comercialização de bens e prestação de serviços, tanto os grupos e empreendimentos de Economia Solidária como os diferentes tipos de empresas, microempreendedores e cooperativas de fachada precisam conhecer e estabelecer relações de parceria e confiança com os potenciais e reais consumidores nas comunidades, municípios e microrregiões. Ao estabelecer relações e atender às necessidades das pessoas, também acabam sabendo e se desafiando a conhecer quem mais se move no mesmo espaço. Se os grupos e empreendimentos da Economia Solidária querem continuar e ampliar o atendimento das necessidades das pessoas num determinado espaço, eles também precisam assumir o desafio de conhecer melhor quem são as pessoas e organizações que ali vivem e o que essas pessoas e atores consideram e valorizam na busca da satisfação das suas necessidades, sejam elas da Economia Solidária, da economia popular ou da economia capitalista. A intenção de ampliar o atendimento das necessidades das pessoas e atores num mesmo espaço também os desafia para saber e conhecer quem está disputando com eles o atendimento das necessidades das mesmas pessoas e atores. Como se movem e com quem e como se articulam, em que condições oferecem os seus produtos e serviços? Onde, por quem e como os produtos e serviços dos seus adversários são produzidos e consumidos? O processo de atender e querer ampliar o atendimento das necessidades das pessoas e dos atores de um determinado espaço geográfico (comunidade, município, microrregião) desafia a identificar e conversar com quem se organiza e se orienta por princípios e objetivos semelhantes. Assim é possível verificar como enxerga e como identifica as pessoas e atores com quem está se relacionando, quais os desafios e possibilidades que o conjunto daquele espaço geográfico oferece e quais são as possibilidades de parcerias e integrações entre quem já se conhece (no caso da Economia Solidária, os Empreendimentos Econômicos Solidários, as Entidades de Apoio e Fomento e os Gestores Públicos). Mas também possibilita a identificação e aproximação com mais pessoas e atores (organizações, movimentos sociais) no mesmo espaço geográfico. Isso facilita até mesmo a busca de parceiros fora daquele espaço para atender às necessidades nesse e em outros espaços. É nisso que consiste o processo de construção de identidades nas comunidades e nos territórios.

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3.2. A construção de identidades num território e o desenvolvimento territorial Os movimentos de diálogo e aproximações entre pessoas e entre entidades e organizações sociais, econômicas e políticas para atender às suas necessidades e incidir no atendimento das necessidades dos outros em um determinado espaço geográfico podem ser caracterizados e identificados como construção de identidades num território. E o processo de construção e reconstrução de diferentes identidades e de ações e relações para atender às necessidades das pessoas e dos atores num determinado espaço geográfico pode ser caracterizado e identificado como desenvolvimento territorial. Para a reflexão das relações da Economia Solidária com a realidade e perspectivas do desenvolvimento territorial, pode-se indicar que a constituição e finalidade dos grupos, empreendimentos e coletivos (comunidades, redes e cadeias de produção, comercialização e consumo) de Economia Solidária tem uma relação de duplo sentido ou significado que os vincula com o seu território. a) Um sentido está relacionado com a importância e a necessidade de os grupos e empreendimentos de Economia Solidária poderem contar, no início da sua caminhada, com as possibilidades de apoios e oportunidades para iniciar as suas atividades econômicas no seu território (comunidade/bairro, município e região). Esse sentido e significado estão relacionados com a intencionalidade da maioria dos participantes dos grupos e empreendimentos solidários em somar forças individuais para satisfazer as necessidades básicas da sua sobrevivência humana e da sua reprodução social. b) O outro sentido e significado estão relacionados à finalidade da perspectiva política dos grupos e empreendimentos solidários. Trata-se da busca e vivência de novos valores e novas práticas que permitem transformar permanentemente as relações de convivência no trabalho dentro do empreendimento e na comunidade onde os trabalhadores e trabalhadoras autogestionárias vivem e convivem, inserindo-se intencionalmente na transformação do desenvolvimento da comunidade e do território.

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A Economia Solidária vem há algum tempo refletindo e incorporando o espaço territorial como uma dimensão e perspectiva da sua estratégia de construção de um desenvolvimento sustentável e solidário, com a intenção de construir outras relações de produção e de economia para outro modelo de desenvolvimento e de reprodução da vida. As reflexões e afirmações em Plenárias do Movimento e em Conferências Públicas sobre a importância da construção de identidades territoriais e do desenvolvimento territorial para a construção do modelo de desenvolvimento e de projeto de sociedade da Economia Solidária ainda não produziram uma compreensão comum sobre a construção social de territórios de desenvolvimento. Devido à curta história do movimento, ainda não foi possível assimilar a abordagem territorial do desenvolvimento e, consequentemente, as referências conceituais e metodológicas para a construção dos processos educativos para concretizar (na perspectiva da experimentação e vivência) um conjunto de ações e relações necessárias para a gestão de um desenvolvimento territorial na perspectiva da Economia Solidária. No âmbito da sociedade, a referência e incorporação do território, enquanto perspectiva e estratégia de ação de outra compreensão e processo de construção de desenvolvimento, vem se constituindo em estudos e discussões em diversas áreas do conhecimento e vem ganhando espaços em várias organizações e movimentos sociais e órgãos das políticas públicas. Para contribuir com algumas orientações para os processos educativos em Economia Solidária, estamos descrevendo algumas referências sobre as discussões em torno do conceito de território. São referências que a Economia Solidária já vem utilizando nas suas atividades educativas. Neste item que segue, vamos abordar o que a Economia Solidária vem refletindo sobre o tema e as implicações para suas ações e também referências utilizadas em ações de políticas públicas da Economia Solidária. 3.3. Abordagem Territorial do Desenvolvimento: uma aproximação Tratar ou falar em conhecer a realidade, refletir o processo, identificar e propor alternativas de desenvolvimento de qualquer espaço geográfico – seja de uma comunidade, de um município,

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uma região, um estado ou um país – sempre trata de alguma forma de intervenção humana na realidade de algum espaço geográfico; um espaço onde existe, coexiste e convive um conjunto de elementos que formam a vida da Terra. Quando se trata do contexto e condições de desenvolvimento de um espaço geográfico na perspectiva do desenvolvimento capitalista que se move para desenvolver uma atividade econômica para dar lucro, todas as formas e elementos da vida de um espaço geográfico se transformam em fatores que geram ou interferem nos custos de produção. A questão principal para as decisões é o custo que esses fatores vão gerar para desenvolver o negócio e, com isso, quais são as perspectivas de lucro. Geralmente a decisão se dá com base em estudos desses custos em mais de um lugar. Para essa compreensão, as possibilidades de desenvolver um determinado lugar passam a depender, prioritariamente, da possibilidade da intervenção de algum grande agente econômico que vem de fora. No discurso ideológico, a empresa se apresenta como benfeitora do lugar por trazer possibilidades de emprego e de produção de mercadorias que vão movimentar e criar condições para atrair outras empresas para novos negócios para aquela região. Mas a decisão de se implantar ou não em determinado município sempre vai depender das vantagens que os fatores de produção do lugar podem oferecer para realizar um negócio lucrativo. Nessa compreensão convencional, os conceitos de lugar, espaço, território e região na perspectiva das possibilidades e processos do seu desenvolvimento acabam não tendo muitas diferenciações. Praticamente se tornam sinônimos. Os critérios para a delimitação de regiões ou territórios priorizam a organização da estrutura de órgãos da administração pública, em que se conjugam alguns critérios da realidade dos lugares com outros da estrutura dos serviços da administração pública e dos fatores favoráveis e desfavoráveis dos recursos de produção já existente. Numa compreensão de desenvolvimento que prioriza ou que dialoga com os princípios e objetivos da Economia Solidária, a compreensão e as possibilidades de desenvolvimento de um determinado lugar partem de outras bases. Priorizam-se as atividades que de alguma forma já são realizadas num determinado lugar e que têm condições de ser ampliadas e qualificadas na articulação com outras atividades numa conjugação com o conjunto de elementos da vida local.

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Para a Economia Solidária, a avaliação do desenvolvimento de um lugar não se dá pelo tamanho do seu Produto Interno Bruto (PIB) nem pelas condições de atração de grandes investidores externos. Um dos critérios de avaliação do desenvolvimento passa a ser o bem viver do conjunto dos elementos que formam a vida de um determinado lugar. O bem viver para a Economia Solidária está relacionado a um questionamento acerca das compreensões de desenvolvimento que priorizam o crescimento econômico e o consumo material como indicadores de bem-estar, mas que não resolvem os problemas da pobreza, das desigualdades e da degradação ambiental. As críticas não se limitam à compreensão e resultados do desenvolvimento. Elas questionam também as formas de cada um se entender como pessoa e a maneira como se concebe o mundo e as perspectivas de futuro. É uma proposta que se apoia na cosmovisão dos povos originários (indígenas), que indica que a luta por melhores condições sociais é uma compreensão em permanente construção e reprodução e todos os seres vivos fazem parte da mesma natureza, da mesma cultura de vida e de visão de futuro. Os critérios para a delimitação de um determinado lugar enquanto espaço geográfico de desenvolvimento não se orienta por questões administrativas e por demarcações cartográficas. A compreensão de território de desenvolvimento ganha um significado próprio a partir de características específicas de cada espaço geográfico. Trata-se de um espaço social identificado por um conjunto de sentidos específicos e relações sociais construídas pelos atores em cada território. Estudiosos do assunto, como Milton Santos, nos alertam que o espaço, ou mesmo o território, possui diversos modos de compreensão, de forma que toda e qualquer conceituação não é uma definição imutável, fixa, eterna; ela é flexível e permite mudanças. Isso quer dizer que os conceitos têm diferentes significados, historicamente definidos, como ocorreu com o espaço e com o território. A origem da palavra território deriva do vocábulo latino “terra” e corresponde a territorium. Embora não ocorrendo consenso sobre essa origem etimológica, território diz respeito a um duplo sentido: a terra, o território como materialidade, e os sentimentos que o território inspira, por exemplo medo (para quem é dele excluído) e satisfação (para quem dele usufrui ou com ele se identifica).

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As diversas concepções de território podem ser agrupadas, apenas para efeito de análise, em quatro vertentes básicas de enfoques: política, cultural, econômica e natural. Mas essas dimensões só têm validade e sentido para fins de análise, porque a dinâmica territorial real conjuga sempre várias dessas dimensões. Entre algumas das referências de conceitos de território refletidas na Economia Solidária estão as de Milton Santos: “O território não é apenas uma base material de ‘recursos naturais’, mas, sobretudo, a base com relação à produção humana numa dimensão ampla, com cooperação, conflito, solidariedade e subordinação a partir da disputa pelo espaço” (Citado no Documento: Território, territorialidades e educação em Economia Solidária – CG CFES Nacional – fevereiro 2015). “O território se constitui num espaço geográfico formado por um conjunto indissociável, solidário e contraditório de sistemas de objetos e sistemas de ações que não devem ser considerados isoladamente, mas como marco único, onde a história evolui” (Milton Santos, 2001).³

Nessa compreensão se trata do território de uso, e não aquele delimitado geograficamente de forma estática, imóvel, imutável, como às vezes faz a gente pensar ao ver mapas, atlas geográficos e estratégias governamentais. Esse uso no chão da vida e trabalho é movido pelas relações sociais entre as pessoas e suas organizações; e destas com o ambiente natural, o que gera uma identidade territorial (Documento: Território, territorialidades e educação em Economia Solidária – CG CFES Nacional – fevereiro 2015). Dito de outra maneira, “O território não é apenas um espaço físico objetivamente existente, é uma construção social, isto é, um conjunto de relações sociais que dão origem e expressam uma identidade e um sentido de propósito compartilhados por múltiplos atores públicos e privados”4. A compreensão do território como construção social coloca em evidência que esse resulta de um processo de relações de identidade das pessoas com um território, criadas pela sua participação em espaços constituídos e em atividades que acontecem no território. ³Conceito destacado por Carlos Eduardo Arns, professor e coordenador ITCP/UNOCHAPECÓ (SC) – Em Módulo de Curso Estadual do CFES Regional Sul sobre Desenvolvimento Territorial Sustentável e Solidário. 4

Conceito trazido por Miriam Fuckner – EMATER – PR – Coordenadora Programa Território Rurais no Paraná, com base em Schejtman e Berdegué, 2004.

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“A identidade é o sentimento de pertencer àquilo que nos sentimos parte. O território é o fundamento do trabalho, o ‘lugar’ construído ao longo da história para morar, produzir, intercambiar bens materiais e imateriais e a espiritualidade no exercício da vida.” 5 O espaço geográfico e seus componentes (naturais, sociais, econômicos, culturais e políticos) adquirem expressão territorial ao possibilitar a identificação pelas pessoas e suas organizações de sentidos de pertença, empoderamento, apropriação e até mesmo de subordinação em relação aos componentes desse espaço. Sentidos que se convertem em mobilização concreta a partir da explicitação das diferentes identificações e das suas intencionalidades com o território. Com a explicitação das identificações, o território adquire ação e expressão política. Nesse sentido, a territorialização se constitui nos territórios e na construção dos espaços de expressão da territorialidade por meio da ação política desses atores. A territorialização é dinâmica. Encontram-se diferentes tipos superpostos de processos de construção de territórios sobre um mesmo espaço geográfico. Em outras palavras, a territorialização é o próprio conteúdo do território, suas relações sociais cotidianas que dão sentido, valor e função aos objetos espaciais. Está associada a grupos sociais, eventos culturais e religiosos, intervenções públicas, investimentos privados. Pode também ser chamada de enraizamento territorial. No sentido contrário, a desterritorialização caracteriza a quebra de vínculos, perda de território, afastamento dos nossos territórios, havendo assim uma interrupção no controle das territorialidades pessoais ou coletivas, uma perda de acesso a territórios econômicos e simbólicos. 3.4. O território e a territorialidade na Educação em Economia Solidária A Economia Solidária indica, nas suas reflexões em Plenárias e Conferências, que precisa debater mais o tema do território e territorialidade e a perspectiva da abordagem territorial do desenvolvimento. Necessita afirmar uma compreensão mais precisa que oriente as suas ações e o foco das suas aproximações e diálogos com o conhecimento já produzido e com as compreensões e estratégias de outros atores da sociedade civil e 5

Ideia de Milton Santos citada no Documento: Território, territorialidades e educação em Economia Solidária – CG CFES Nacional – fevereiro 2015.

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de órgãos públicos que incorporam e desenvolvem ações na perspectiva do desenvolvimento territorial. Nos documentos em que se encontram indicações sobre limites na afirmação da compreensão e das estratégias de ação, também se encontram elementos de desafios para a ação da Economia Solidária. Na II Conferência Nacional de Economia Solidária, foi afirmado o tema da territorialidade, indicando que “na promoção do desenvolvimento territorial sustentável, endógeno e solidário, deve-se ampliar o conhecimento sobre processos e redes produtivas da Economia Solidária e envolver os atores territoriais, sobretudo aqueles oriundos de comunidades e povos tradicionais. Faz-se necessário desenvolver diagnósticos e construir novos indicadores socioeconômicos, medindo os impactos da Economia Solidária e estimulando o aproveitamento sustentável dos recursos naturais com base em planejamentos territoriais. Esses estudos e debates devem servir também como instrumento estratégico de confronto com a implantação dos grandes projetos insustentáveis na região”. Em relação aos critérios, a II Conferência Nacional indica que “os critérios de territorialidade devem ser concebidos para além da definição por territórios da cidadania (IDH – Índice de Desenvolvimento Humano), percebendo como desafio definir esses territórios também pelos elementos culturais, dos povos tradicionais, ambientais, geográfico e das potencialidades econômicas e os problemas desse espaço socioeconômico solidário”. As reflexões na execução do CFES I em torno do Projeto Político-Pedagógico Participativo (2010) indicam que “aqui são fundamentais os princípios de rede e território que apontam para o estabelecimento de um processo de intersetorialidade e complementaridade. Com isso, ações e políticas de fomento e apoio à Economia Solidária podem constituir-se numa estratégia fundamental. Entre tais ações podem ser destacadas: a assessoria (no sentido geral), a incubação, a assessoria técnica, a promoção do desenvolvimento local, o desenvolvimento de estudos, a realização de pesquisas e tecnologias aplicadas à Economia Solidária, a ampliação do crédito e das finanças solidárias, etc.”. “Pensar a política territorial significa ir além de pensar os territórios atualmente organizados de acordo com organizações governamentais ou não governamentais, como o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), entre outros. Quando se discute a

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educação em Economia Solidária, é importante considerar a territorialidade produzida pela articulação do movimento em diálogo com tais organizações de base territorial, visto que, por vezes, muitas delas atuam com os mesmos grupos de pessoas.” As reflexões em torno do Projeto Político-Pedagógico Participativo (PPPP) no CFES I indicam para uma compreensão da abordagem do tema do território e territorialidade nas atividades de formação e assessoria técnica como: • O espaço enquanto lugar de criação de identidades (cultural, social e política), espaço do enfrentamento do cotidiano, dos fluxos (de consumo – produção) e de enfrentamento de projetos políticos. • O território como local de reconhecimento dos laços afetivos de vizinhança e de solidariedade; é espaço de construção das identidades e da relação entre o urbano e o rural. • O espaço como possibilidade de integração da política social, cultural econômica; e valorização da cultura, dos saberes, das experiências locais e das linguagens. • Na perspectiva dos territórios temáticos e da cidadania, pode incorporar as contribuições da educação do campo e da educação ambiental e articular a Economia Solidária. • O lugar para desenvolver o sentimento de territorialidade na perspectiva da gestão, em articulação com os movimentos sociais locais. • O local favorece os processos formativos, os vínculos com o território, com os lugares de vida e de referência dos empreendimentos. E o conjunto do Movimento da Economia Solidária na sua V Plenária, em 2012, indica: • A importância de planejar as suas ações considerando a perspectiva do território, porque permite trabalhar as dimensões da produção, da comercialização e do consumo de forma direta e articulada.

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• O território é o espaço onde ocorrem as relações sociais, potencializando o que é comum, respeitando as diferenças e construindo, a partir do diálogo, o sentimento de pertencimento e laços de identidade. • Para fortalecer a identidade da Economia Solidária, ela precisa articular dois movimentos. Um é o resgate da história e das tradições locais, encontrando e trabalhando os elementos que possam servir de referência para o fortalecimento da identidade da Economia Solidária com o território. O segundo é buscar estratégias para criar e consolidar as relações entre aqueles(as) que atuam nesse território com os princípios e valores da Economia Solidária. • A Economia Solidária não restringe a noção de território apenas aos empreendimentos solidários, às entidades de apoio e aos(às) gestores(as) públicos(as) que trabalham diretamente com a temática, pois é nesse espaço também que interagimos com outros movimentos sociais e com outros atores do local, o que faz do território um espaço de construção da autogestão para além dos empreendimentos. • A importância e necessidade de participar de debates políticos mais amplos e do incentivo à frequência dos atores da Economia Solidária em instâncias de participação popular (como conselhos, orçamentos participativos e conferências) pode contribuir para a ampliação do entendimento sobre o próprio território e sobre as formas de fortalecer a luta do fortalecimento das ações em apoio à Economia Solidária e pela construção de um desenvolvimento sustentável e solidário no território. As reflexões e afirmações da II Conferência Nacional de Economia Solidária (2010) e da V Plenária Nacional da Economia Solidária (2010) foram incorporadas pelas políticas públicas da Secretaria Nacional de Economia Solidária – SENAES no Plano Trienal 2012-2015. A Abordagem Territorial do Desenvolvimento através dos Referenciais Conceituais nos Termos de Referência dos Editais de Chamadas Públicas e da Recomendação nº 8, de 04/07/12, recomenda o Termo de Referência contendo princípios e diretrizes político-metodológicas para orientar os planos, programas e ações

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de formação e assessoria técnica em Economia Solidária desenvolvidos no âmbito do Plano Plurianual (PPA 2012 – 2015) do governo federal. Essa abordagem consiste na seguinte definição e caracterização: Nessas especificações, considera-se território o espaço físico, geograficamente definido com afinidades socioculturais, caracterizado por critérios multidimensionais, tais como o ambiente, a economia, a sociedade, a formação histórica e cultural, e as instituições políticas, e grupos sociais distintos que se relacionam interna e externamente por meio de processos que indicam identidade e coesão social, cultural e territorial. A partir daí, assume as seguintes características da Abordagem Territorial: a) A existência de uma metodologia capaz de fortalecer processos de desenvolvimento com uma escala ascendente de inclusão dos sujeitos individuais e coletivos. b) A criação de condições para que os agentes locais, públicos e da sociedade civil organizada se mobilizem em torno de uma visão de futuro, de um diagnóstico de suas potencialidades e constrangimentos, e dos meios para perseguir um projeto próprio de desenvolvimento sustentável. c) A possibilidade de implantar ações de Economia Solidária de maneira integrada, visando garantir o acesso a investimentos, a formação, a assessoria técnica e a comercialização aos empreendimentos econômicos solidários articulados territorialmente. Uma visão integradora de espaços, atores sociais e políticas públicas de intervenção, através da qual se pretende alcançar: a geração de riquezas com equidade; o respeito à diversidade; a solidariedade; a justiça social; o uso sustentável dos recursos naturais; a inclusão social; a valorização dos conhecimentos tradicionais e da diversidade cultural e 6 étnica dos povos e comunidades. A Recomendação nº 8 – 04/07/12 afirma como uma das diretrizes político-metodológicas “considerar as perspectivas de desenvolvimento territorial como estratégia de reorganização social, econômica, política, cultural e ambiental”. E como um dos 6

Edital de Chamada Pública SENAES/MTE n.º 01/2012 – Rede Nacional de Centros de Formação e Apoio a Assessoria Técnica em Economia Solidária – REDE CFES – Anexo I – Termo de Referência.

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Princípios do Percurso Formativo afirma “o território como ponto de partida da imersão na realidade”. A III Conferência Nacional de Economia Solidária, realizada em Brasília nos dias 27 a 30/11/14, tinha como tema “Construindo um Plano Nacional da Economia Solidária” para promover o direito de produzir e viver de forma associativa e sustentável. Ela não produziu uma reflexão com definições e orientações específicas sobre a compreensão da construção de territórios de desenvolvimento e o processo de gestão de planos de desenvolvimento territorial da ou para a Economia Solidária. Na Chamada Pública 01/2015 – SENAES/MTE Anexo I – Termo de Referência para o edital de fomento e fortalecimento de redes de cooperação constituídas por empreendimentos econômicos solidários em cadeias produtivas, visando ao adensamento e verticalização da produção, comercialização e consumo sustentáveis e solidários –, a SENAES ressalta que: “esta chamada coloca-se em consonância com as Diretrizes do I Plano Nacional de Economia Solidária no que diz respeito às abordagens territoriais e setoriais: Com base nessas características, as políticas públicas de Economia Solidária devem enfrentar o desafio de incorporar critérios e mecanismos de reconhecimento e priorização de espacialidades territoriais, identificando claramente as suas vantagens e desvantagens. No entanto, não podem ficar limitadas a uma simples territorialização de suas ações, buscando alcançar uma perspectiva mais ampla de política de desenvolvimento territorial, inclusive explicitando a concepção de território como espaço privilegiado de ampliação do exercício da autogestão”. No que se refere à definição de território e das características da abordagem territorial, a SENAES manteve, na Primeira Chamada Pública de 2015, as mesmas referências dos Editais das Chamadas Públicas anteriores. Acrescenta uma definição do que entende por abordagem territorial: “a abordagem territorial é uma metodologia de formulação e implantação de políticas públicas que têm por base uma visão integradora de espaços, atores sociais e políticas públicas de intervenção, através da qual se pretende alcançar: a geração de riquezas com equidade; o respeito à diversidade; a solidariedade; a justiça social; o uso sustentável dos bens naturais; a inclusão social; a valorização dos conhecimentos tradicionais e da diversidade cultural e étnica dos povos e comunidades”. Como aprender se não mergulhamos no nosso ambiente cultural, social, econômico, político e ambiental? Qual a

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nossa identidade nesse contexto? Até onde alcança a nossa ação? Como nos movimentamos? Como nos comunicamos? Tudo isso é território da ação educativa e da prática pedagógica. Na Secretaria de Desenvolvimento Territorial do Ministério do Desenvolvimento Agrário, a Política de Desenvolvimento Territorial (SDT/MDA) vem se desenvolvendo desde 2004. As políticas públicas desenvolvidas por essa Secretaria dialogam com uma parte dos Empreendimentos da Economia Solidária que é formada por agricultores familiares e camponeses dos assentamentos de reforma agrária. No Documento sobre Território, Territorialidades e Educação em Economia Solidária do CG Rede CFES Nacional – 02/2015, encontra-se a indicação que “a educação popular como fundamento da pedagogia da autogestão entende que as pessoas estão em um ambiente e contexto e é sobre essa realidade que se inicia um processo de educação. Isto é, de apropriação da realidade, de reflexão sobre ela para podermos transformá-la. Se a educação não vem com esse propósito, ela assume um papel para reprodução de um saber e um poder alheios aos sujeitos do processo educativo”. Com base nessas referências, entende-se que o tema do território e da construção de identidades e do desenvolvimento territorial, ou abordagem territorial do desenvolvimento, já faz parte da concepção e dos processos educativos em Economia Solidária. Uma das questões a serem verificadas nos momentos de socialização e reflexão das experiências educativas é a forma como refletem e que ações indicam em relação ao território e à construção de identidades e do desenvolvimento territorial no conjunto das atividades educativas. Como potencialidade do tema território e da perspectiva da abordagem territorial, pode-se indicar que as ações no espaço do território e o tema das identidades e do desenvolvimento territorial se constituem num eixo motivador de mobilização e com potencial de integração da diversidade dos sujeitos que se identificam e que são identificados como de ou do campo da Economia Solidária, para socializar as leituras da realidade do território, o que fundamenta quais são os objetivos e as estratégias das suas ações, com ênfase para a socialização e reflexão dos processos educativos.

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Apesar da identificação de limites e desafios nos processos educativos realizados pela Economia Solidária, as socializações, sistematizações e reflexões sobre as experiências educativas que já se tornaram possíveis permitiram organizar um conjunto de referências debatidas e referendadas em espaços (Encontros e Plenárias) do Movimento da Economia Solidária e das Políticas Públicas de Economia Solidária (Conferência Conselho Nacional de Economia Solidária – CNES). No próximo ponto, está uma descrição das referências político-pedagógicas da educação em Economia Solidária.

4. REFERÊNCIAS POLÍTICO-PEDAGÓGICAS DA EDUCAÇÃO EM ECONOMIA SOLIDÁRIA. 4.1. A Educação em Economia Solidária e a educação popular A prática do trabalho associado e autogestionário proposta e vivenciada pela Economia Solidária oferece as condições para criar um processo pedagógico que produz uma nova cultura do trabalho, o que significa na prática um processo educativo. A prática da pedagogia da autogestão com base na Educação Popular se propõe a uma prática educativa que parte da socialização da experiência de vida das pessoas e da sua compreensão da sociedade e do mundo. Assim, cria condições para que na reflexão coletiva sobre as experiências de vida e das percepções da realidade e do mundo se construa novos conhecimentos/entendimentos que permitam às pessoas enquanto indivíduos e na sua coletividade se tornarem sujeitos capazes de construir ações e vivenciar práticas de novas relações de produção e de consumo. Consequentemente abre caminho para transformar a sua realidade mudando as relações de injustiça e desigualdade para relações com mais justiça, igualdade, fraternidade e solidariedade. A educação popular no Brasil tem sido utilizada com vários sentidos, conforme a compreensão e objetivos de quem a utilizava. O Marco de Referência da Educação Popular para as Políticas Públicas (Brasília – 2014) destaca três entendimentos e objetivos dados à educação popular. Em um deles, a educação popular era “referida como o direito de todos à escola, ou seja, a educação do povo e que deve ser assumida pelo Estado.” Outro sentido dado à

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educação popular pode ser identificado como o de “educação para o povo”, numa concepção dos governos militares em reação ao Movimento da Educação pela Base (MEB) e das experiências de alfabetização que priorizavam a formação humana. A formação para o povo passa a valorizar a leitura e escrita para transmitir conteúdos e técnicas com o objetivo da formação de mão de obra para o crescimento econômico. E, em um terceiro sentido, a educação popular é tratada como “práticas educativas numa concepção emancipatória e que se vinculam a um projeto de sociedade em disputa e na defesa da transformação da realidade em curso. A educação popular vista como formadora da consciência nacional, de um projeto de nação soberano e igualitário, potencializadora de transformações político-sociais profundas, formadora da cidadania e da relação com o mundo do trabalho”. Não cabe aqui descrever um histórico detalhado da educação popular no Brasil, mas fazer uma referência que historicamente a educação popular como práticas educativas emancipatórias se constituiu e continua se constituindo na experiência dos movimentos sociais e organizações da sociedade civil no Brasil. Num contexto de lutas de classes, essas organizações da sociedade realizam dentro do sistema capitalista a disputa de um projeto alternativo a esse sistema. Dentro dessa perspectiva de educação popular, estavam os movimentos anarquistas (sindicais) desde a década de 1920, passando pelas organizações sob o ideário comunista, os movimentos de base e populares estimulados pela igreja católica e setores de igrejas evangélicas e protestantes, as organizações estudantis e as campanhas de alfabetização (algumas anteriormente mencionadas) nas décadas de 1940, 1950 e início de 1960. Nesse âmbito, vale registrar que esses mesmos atores reafirmaram a educação popular a partir da década de 1980 em defesa da redemocratização, do acesso e garantia de direitos e de contraposição ao Estado e ao que esse instituiu enquanto políticas sociais e econômicas, ou seja, de acordo com seu modelo de desenvolvimento. Para os brasileiros, o educador de maior referência é Paulo Freire, que iniciou suas experiências de educação humanizadora e libertadora nos anos de 1950 e 1960, vindo a refletir e elaborar sobre os fundamentos da educação popular durante o seu exílio no Chile, quando escreveu “A educação como prática da liberdade” (1965) e a “Pedagogia do Oprimido” (1968) e depois “A Pedagogia da

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da Esperança” (1992) e “A Pedagogia da Autonomia” (1997). Paulo Freire utiliza muito nos seus escritos o termo pedagogia para refletir sobre a intencionalidade, o sentido e as metodologias das práticas educativas. A Economia Solidária utiliza ou faz referência ao termo pedagogia para se referir a como são entendidos os processos de construção do conhecimento e como se dão as aprendizagens nas diversas ações da Economia Solidária e como são realizadas as suas práticas educativas. Conforme já referido neste texto, um dos elementos da concepção da educação em Economia Solidária indica o trabalho como princípio educativo na construção de conhecimentos e de outras relações sociais. O princípio educativo acontece especialmente por meio da pedagogia da autogestão do trabalho associado aos empreendimentos de Economia Solidária. Essa compreensão resulta das sistematizações e reflexões sobre as práticas educativas em Economia Solidária e também da compreensão dos princípios e finalidade da Economia Solidária e da ação humana. A reflexão de Paul Singer traduz bem essa concepção de educação a partir da finalidade da Economia Solidária e da natureza da ação humana. “Devemos a Paulo Freire esta formulação lapidar: ‘Ninguém ensina nada a ninguém; aprendemos juntos. Isso se aplica inteiramente à Economia Solidária, enquanto ato pedagógico. A Economia Solidária é um ato pedagógico em si mesmo, na medida em que propõe nova prática social e um entendimento novo dessa prática’. A única maneira de aprender a construir a Economia Solidária é praticando-a. Mas seus valores fundamentais precedem sua prática. Não é preciso pertencer a uma cooperativa ou empreendimento solidário para agir solidariamente. Esse tipo de ação é frequente no campo político e no campo das lutas de classe, sobretudo do lado dos subalternos e desprivilegiados.” Para contribuir na compreensão dos fundamentos da educação popular, que são incorporados e assumidos pela Economia Solidária, convém descrever algumas compreensões sobre pedagogia e ato pedagógico. Não se trata de uma descrição exaustiva sobre as compreensões e implicações práticas sobre a pedagogia, o ato pedagógico e as mediações pedagógicas, mas pelo objetivo desta publicação entende-se que algumas referências podem contribuir para a compreensão das referências da Educação em Economia Solidária e também com as reflexões sobre elas.

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As reflexões e elaborações sobre as compreensões de um conceito de pedagogia estão relacionadas a concepções e práticas educativas. Está identificado na parte inicial deste texto que existem várias compreensões sobre o que é educar, quais são os objetivos, onde e como acontecem as práticas educativas, o que indica que as diferentes compreensões e práticas educativas foram e continuam sendo observadas e estudadas, tornando-se o objeto de uma área de conhecimento. A origem da palavra Pedagogia tem seu registro na Grécia e designava a educação dos meninos. O pedagogo era o servo condutor de crianças, que ajudava na formação delas. Até hoje a preocupação da pedagogia é encontrar formas de levar o indivíduo ao conhecimento. Acreditando que o ser humano é educável, as compreensões e definições de pedagogia estão relacionadas às diferentes compreensões e práticas de educação. Uma definição que contribui para a reflexão das concepções de educação popular e de educação em Economia Solidária indica que: a educação é uma prática social que tem por finalidade a humanização dos homens. A pedagogia e a educação estão numa relação permanente de interdependência recíproca, na qual a educação depende de uma orientação de alguma diretriz pedagógica já formulada. E a diretriz pedagógica resulta de uma teorização sobre uma práxis educacional já realizada. Essa interdependência indica que a pedagogia se constitui num campo de conhecimento em constante movimento, não de concepções estáticas e fechadas. A educação e a pedagogia, como práticas sociais históricas, são parte do movimento dialético de disputa de projetos de sociedade. Nesse processo, as concepções pedagógicas ou educativas nunca são neutras, mas sempre estão a serviço de um determinado projeto de vida em sociedade. Paulo Freire usava a Pedagogia dentro de uma concepção plural, identificando nas diferentes possibilidades da prática educativa as bases teóricas, com múltiplas maneiras de focar as intencionalidades da educação, partindo da análise da Pedagogia do Oprimido, à qual se contrapõe a Pedagogia da Libertação. A primeira corresponde a uma educação bancária ou opressora, definida pela classe dominante da sociedade; a segunda, a uma educação problematizadora, crítica ou libertadora, na qual se embasa a educação popular. Depois vai retomando e formulando outros focos da Pedagogia: da esperança, da indignação, da autonomia, do conflito, do diálogo, dos círculos de cultura, sempre defendendo uma educação com sentido político libertador.

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Podemos concluir que a educação abrange os aprendizados em todos os espaços da vida, independentemente de haver uma estratégia pedagógica. Já o saber pedagógico se refere a uma intencionalidade, um planejamento explícito sobre por que e para que se educa, com quem e como se educa. Mesmo que haja processos espontâneos de aprendizados em qualquer relação social, especialmente nas relações de trabalho associado na Economia Solidária, a educação pode ser potencializada pela ação pedagógica por meio da atuação de educadores e educadoras internas ou externas aos empreendimentos. Trata-se de educadores e educadoras populares que assumem uma relação pedagógica horizontal, dialógica, democrática dentro dos princípios da autogestão. Pela sua postura estimuladora do processo participativo, proporcionam a partilha dos saberes, do poder, das responsabilidades e dos benefícios entre o grupo, com a motivação para o processo de formação permanente. Mas a base do papel mediador dos educadores e educadoras está intimamente relacionada aos contextos, às circunstâncias, aos processos sempre relacionais, conflitivos ou de complementaridade solidária. Essa experiência de vida constitui a base das mediações pedagógicas para o aprendizado que ocorre na relação espontânea, ou em dinâmicas intencionalmente planejadas. É nesse segundo tipo de mediação que entra normalmente a contribuição dos educadores e educadoras.7 Estudos sobre as práticas de educação popular desde a década de 1990 dão conta que essas foram se multiplicando em novos espaços. Houve um alargamento da consciência política para outras dimensões, como a ecológica, com respeito à diversidade cultural, geracional, religiosa, étnica, de gênero, fortalecendo o ingrediente ético e estético; e de modo especial a que aqui destacamos: a dimensão produtiva que (re)valoriza o trabalho como princípio educativo. Essa dimensão, marca a especificidade de articular Educação Popular e Economia Solidária, destacando-se como estratégia a mediação da dimensão econômica da vida. Portanto, como prática educativa e corrente pedagógica, a educação popular compõe-se por uma multiplicidade de práticas e propostas teórico-metodológicas com características diversas e complexas, mas que tem em comum a intencionalidade transformadora. 7 O estudo das mediações pedagógicas tem sido trabalhado pelo Prof. Telmo Adams juntamente com

o grupo de pesquisa Mediações Pedagógicas e Cidadania, coordenado pelo Prof. Danilo Romeu Streck, do Programa de Pós-Graduação em Educação – Unisinos.

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Um conceito de educação popular na América Latina 8 pode ser descrito como um conjunto de atores, práticas e discursos que se identificam em torno de ideias centrais: seu posicionamento crítico frente ao sistema social imperante, sua orientação ética e política emancipadora, sua opção com os setores e movimentos populares, sua intenção de contribuir para que esses se constituam em sujeitos a partir da ampliação de sua consciência e subjetividade, e pela utilização de métodos participativos, dialógicos e críticos. Entre as principais características da educação popular, como concepção pedagógica e como prática social, está a indissociável relação entre o educativo e o político numa perspectiva emancipadora. Além dessa característica da educação popular, podemos destacar outras, como sua alta sensibilidade aos contextos políticos, sociais e culturais, o questionamento e resistência às realidades injustas, sua articulação com as lutas e movimentos populares, a sua permanente realização de leituras críticas dos contextos locais, nacionais e continentais em que se desenvolve; a interação entre trabalhar o coletivo e a dimensão pessoal, subjetiva das pessoas; e, por fim, a articulação dessas dimensões com a incidência em políticas públicas. Como já está indicado na introdução, este documento tem como objetivo apresentar um conjunto de referências de concepção e de diretrizes político-pedagógicas sobre a Educação em Economia Solidária para orientar as reflexões e as práticas educativas em Economia Solidária, principalmente as ações educativas realizadas pelas políticas públicas de Economia Solidária. Pela concepção político-pedagógica em que este documento se referencia, o diálogo com outras referências fundamentadas na mesma concepção e voltadas para os mesmos objetivos é educativo e reforça a importância da construção e afirmação das referências descritas neste documento. Com essa compreensão e finalidade, indica-se a leitura das referências das bases epistemológicas da educação popular citadas no Marco de Referência da Educação Popular para as Políticas Públicas. Esse marco indica como bases epistemológicas sete categorias da compreensão de Educação Popular, de Paulo Freire, que contém em si uma ideia-força capaz de orientar os agentes públicos em seu trabalho cotidiano de implementação de 8

Conceito formulado por Alfonso Torres em pesquisa realizada para o CEAAL – Consejo de Educación de Adultos de América Latina, em 2008.

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políticas públicas. As sete categorias são: a dialogicidade; a amorosidade; a conscientização; a transformação da realidade e do mundo; a educação a partir da realidade concreta; a construção do conhecimento e pesquisa participante; a sistematização de experiências e do conhecimento. Retomando as referências de Lia Tiriba e Paul Singer no início deste tópico sobre o significado do trabalho na Economia Solidária, pode-se reforçar por fim que é a dimensão produtiva que (re)valoriza o trabalho como princípio educativo – é a intervenção educativa histórica própria da Economia Solidária que desafia os educadores à reflexão permanente sobre os referenciais político-pedagógicos da Educação Popular. Reflexões e sistematizações das experiências educativas permitem (re)criar elementos da concepção e das diretrizes pedagógicas da educação popular para que as práticas educativas nos diferentes espaços e atividades da Economia Solidária possam contribuir com a utopia da constituição de uma nova sociedade. Desse modo, o trabalhador pode superar sua condição de mercadoria, resgatar o direito de ser proprietário coletivo dos meios de vida, superar a desvinculação entre si e seu produto, controlando o ritmo e o tempo de trabalho. Assim caminha em direção à utopia baseada em outros modos de construção do conhecimento, outro padrão tecnológico e outra visão de desenvolvimento e de futuro. 4.2. Concepção, princípios e diretrizes político-metodológicas das atividades educativas em Economia Solidária As referências político-pedagógicas da Economia Solidária foram construídas a partir da socialização e reflexões sobre as práticas das experiências de educação e assessoria técnica em Economia Solidária. Essa socialização e reflexão aconteceram em atividades estaduais, macrorregionais e nacionais. Entre as atividades nacionais que propiciaram as reflexões e as elaborações das referências se destacam Plenárias do Movimento da Economia Solidária e Seminários e Conferências Públicas da Economia Solidária. Na I, III, IV e V Plenárias Nacionais do Movimento da Economia Solidária, realizadas em 2002, 2003, 2008 e 2012, respectivamente, a

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Educação em Economia Solidária foi debatida e as principais indicações dos debates dessas Plenárias contribuíram para os debates e afirmações de três Oficinas e um Seminário nacionais sobre o tema, realizados em 2005, 2007, 2009 e 2010, que contribuíram para as reflexões e afirmações das três Conferências Públicas sobre Economia Solidária, realizadas em 2006, 2010 e 2014. As Conferências de 2010 e 2014 foram precedidas de duas Plenárias Temáticas Nacionais sobre o tema, que tiveram as suas indicações afirmadas e incorporadas pelas Conferências Nacionais, pelo Conselho Nacional de Economia Solidária (CNES) e pelas políticas públicas de Economia Solidária do MTE/SENAES. 4.2.1. A concepção de Educação em Economia Solidária A Educação em Economia Solidária é definida como uma “construção social”, que envolve uma diversidade de sujeitos e ações orientados para a promoção do desenvolvimento territorial sustentável que considera as dimensões econômica, ambiental, cultural, social e política. A Economia Solidária reconhece o trabalho como princípio educativo na construção de conhecimentos e de outras relações sociais. Assim, as ações político-pedagógicas inovadoras, autogestionárias e solidárias são fundamentadas na perspectiva emancipatória de transformação dos sujeitos e da sociedade. A formação e a assessoria técnica são processos inerentes à Educação em Economia Solidária e, portanto, compartilham dessa mesma concepção. Esses processos são concebidos como práxis de aprendizagens coletivas, construção e partilha de saberes, reflexões e pesquisas sobre a (e a partir da) realidade dos trabalhadores e trabalhadoras da Economia Solidária, entendendo práxis como a inter-relação entre teoria(s) e prática(s) a partir da observação sobre a realidade, num constante movimento de reflexão e avaliação, resultando em novas ideias e ações. A formação e a assessoria técnica são processos contínuos de promoção, apoio e fomento à Economia Solidária, tanto através da apropriação/tradução de conhecimentos como pelo aperfeiçoamento dos processos de autogestão no interior das unidades de produção (de bens e serviços), comercialização, consumo e finanças solidárias, bem como pela construção e fortalecimento de cadeias econômico-solidárias e redes de cooperação. Envolvem a apropriação de técnicas e tecnologias sociais pelos trabalhadores e trabalhadoras da Economia Solidária e consideram o contexto específico em que se realiza o processo de produção e reprodução dos meios de vida.

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4.2.2. As diretrizes político-metodológicas da Educação em Economia Solidária São diretrizes político-metodológicas da Educação em Economia Solidária: a) Utilização como referência metodológica dos princípios e valores da Economia Solidária, bem como os fundamentos, práticas e metodologias da Educação Popular, estabelecendo como pressuposto o respeito e a valorização dos saberes locais, a formação contextualizada no tempo e no espaço e a socialização de conhecimentos e saberes. b) Desenvolvimento participativo de processos e metodologias adequadas de reconhecimento, validação e certificação de saberes dos trabalhadores e trabalhadoras. c) Reconhecimento das experiências e dos saberes dos trabalhadores e trabalhadoras envolvidos nos atos formativos autogestionários. A orientação pedagógico-metodológica da Educação em Economia Solidária valoriza os trabalhadores e trabalhadoras da Economia Solidária como sujeitos dotados de saberes e identidades socialmente construídas, assim como o uso sustentável dos recursos naturais e a diversidade cultural, étnica, social, geracional e de gênero. d) Valorização da diversidade e pluralidade das experiências educativas de formação e assessoria técnica em Economia Solidária. Reconhecimento do acúmulo dos saberes e concepções dos sujeitos formadores e educadores em Economia Solidária, buscando a unidade na diversidade com referência nos princípios da Economia Solidária e da pedagogia de uma Educação Popular transformadora e libertadora. e) Afirmação da gestão participativa dos trabalhadores e trabalhadoras de empreendimentos solidários na construção e no desenvolvimento das atividades educativas, afirmando o princípio da pedagogia da autogestão e da autogestão da pedagogia.

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f) Valorização da “Pedagogia da Alternância”, que permite alternar momentos presenciais de reflexão e aprendizados coletivos de um processo formativo com momentos de experimentação. As reflexões e aprendizados do momento presencial são praticados no espaço de trabalho e vivência comunitária dos Empreendimentos Econômicos Solidários, favorecendo a experimentação e a multiplicação dos aprendizados do momento presencial e a realimentação das reflexões coletivas no próximo momento presencial. As experimentações da Pedagogia da Alternância também possibilitam questionamentos e reflexões coletivas para o enriquecimento e reformulações dos processos e práticas educativas em Economia Solidária. g) Articulação com o conjunto das ações de políticas de fomento e apoio à Economia Solidária, permitindo a integração e a complementaridade entre as políticas públicas e os órgãos governamentais e a relação com outras organizações da sociedade civil na gestão participativa de políticas públicas e do desenvolvimento territorial. h) Integração das ações educativas de formação e assessoria técnica para o desenvolvimento de tecnologias adequadas para a sustentabilidade de empreendimentos e de redes e cadeias de cooperação solidária, integrando a autogestão do trabalho e os resultados econômicos. i) Formação continuada de educadoras(es) da Economia Solidária com utilização e apoio à construção de tecnologias sociais pela Economia Solidária. j) Articulação e socialização da diversidade de ações educativas de formação e assessoria técnica da Economia Solidária, desde o planejamento de produção, prestação de serviços, comercialização, consumo e finanças solidárias dos Empreendimentos Econômicos Solidários até as suas articulações em Redes e Cadeias de Produção, Prestação de Serviços, Comercialização, Consumo e Finanças Solidárias.

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k) Planejamento e realização de processos estruturados de avaliação e sistematização das experiências educativas em Economia Solidária, possibilitando reformulações nas práticas educativas e contribuindo com a produção e a socialização de conhecimentos e de tecnologias sociais. l) Utilização da abordagem do desenvolvimento territorial como estratégia de reorganização social, econômica, política, cultural e ambiental. m) Construção do conhecimento e do desenvolvimento na perspectiva do Bem Viver do conjunto dos elementos que formam a vida de um território e do Planeta, numa compreensão baseada na cosmovisão dos povos originários, em que todos os seres vivos fazem parte da mesma natureza, da mesma cultura de vida e de visão de futuro. n) Utilização da pesquisa participante, o intercâmbio e a sistematização de experiências como elementos metodológicos do processo político-pedagógico de criação participativa de conhecimentos teórico-práticos a partir da e para a ação de transformação da realidade na perspectiva da construção da capacidade protagonista do povo. o) Valorização e diálogo entre a diversidade política, econômica, social e cultural dos movimentos sociais populares que integram a Economia Solidária para fortalecer a construção da unidade na diversidade das formas de resistência às discriminações e desigualdades e fortalecer a utopia inspiradora de outro mundo possível. p) Contribuição para a articulação territorial e nacional de Rede de Educadores Populares da Economia Solidária e de outros movimentos e organizações sociais que dialogam com os princípios e perspectivas da Economia Solidária. q) Contribuição na reflexão sobre os Fóruns de Economia Solidária como espaços de convergência das ações dos empreendimentos econômicos solidários e de todas as ações em rede e cadeias de produção, finanças solidárias, comercialização e consumo, contribuindo com as

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possibilidades de fortalecimento dos circuitos e oportunidades de comercialização existentes e com a construção de experiências de outros mercados de consumo consciente e responsável da Economia Solidária. r) Construção de um Projeto Político-Pedagógico da Economia Solidária (PPPES), explicitando a concepção de sociedade, de mundo e de educação que se quer construir, com a participação dos sujeitos sociais, transformando-o num instrumento de referência da concepção político-pedagógica da Educação em Economia Solidária. 4.3. Referências para as Políticas Públicas de Educação em Economia Solidária Como o presente documento integra uma publicação que faz parte de um projeto de ações de políticas públicas de Educação em Economia Solidária, ele indica um conjunto de diretrizes para orientar as políticas públicas que desenvolvem atividades de Educação em Economia Solidária. 4.3.1. Diretrizes a) “O acesso às políticas públicas de ações educativas de formação e assessoria técnica em Economia Solidária é considerado direito do trabalho associado, cabendo ao Estado garantir recursos permanentes para o financiamento de ações voltadas para o desenvolvimento das capacidades técnicas e tecnológicas dos empreendimentos econômicos solidários e para processos formativos continuados e sua universalização. b) Articulação das ações de Educação em Economia Solidária com outras políticas de fortalecimento do trabalho associado, tais como crédito orientado, marco jurídico, comercialização, consumo ético, desenvolvimento local, saneamento básico, agricultura familiar, segurança alimentar, meio ambiente, entre outros, com os programas que ofertam atividades de assessoria técnica e/ou tecnológica ao trabalho associado.

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c) Institucionalização de uma política democrática de participação ativa e controle social pelos sujeitos da Economia Solidária nos processos de decisão, implementação, acompanhamento, monitoramento e avaliação da política de Educação em Economia Solidária, com o envolvimento efetivo dos fóruns de Economia Solidária. d) Fortalecimento da experiência histórica de Educação em Economia Solidária, tendo como base a constituição de uma Rede Nacional de Educadores, com acúmulo nas ações educativas em Economia Solidária. e) Implementação de processos específicos para a Educação em Economia Solidária, incluindo a formação de educadores, a sistematização e socialização de metodologias e materiais pedagógicos. f) Articulação com outras políticas de educação, ciência e tecnologia, tais como alfabetização, educação de jovens e adultos, ensino fundamental, médio e superior, pós-graduação, ensino profissionalizante, qualificação profissional e social, incubagem e tecnologia social, extensão rural, entre outros. g) Incorporação da Economia Solidária nas políticas de educação e de qualificação social e profissional (básica a superior), em especial nos programas de alfabetização, educação de jovens e adultos, ensino profissionalizante e qualificação social e profissional. h) Ampliação e potencialização dos instrumentos e políticas públicas para as ações educativas de formação e assessoria técnica aos Empreendimentos Econômicos Solidários, inclusive prevendo-se o acesso aos fundos públicos existentes, tendo em vista a construção de ações permanentes e sistemáticos de assessoria técnica e tecnológica, em conformidade com os princípios e diretrizes aqui estabelecidos. i) A pesquisa-ação e a experimentação devem estar acompanhadas do compromisso de devolução dos conhecimentos resultantes dos processos investigativos.

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j) Afirmação dos(as) trabalhadores(as) associados(as) dos Empreendimentos Econômicos Solidários como sujeitos da política pública e o seu reconhecimento como educadores e educadoras na realização de processos estruturados e planejados de troca de experiências entre empreendimentos econômicos solidários, propiciando a interação dos seus conhecimentos com os dos educadores das instituições de apoio e dos órgãos das administrações públicas.” 4.4. Os princípios e conteúdos do percurso formativo em Economia Solidária Nas reflexões em atividades, relatórios e nos documentos sobre a educação em Economia Solidária, são recorrentes as referências ao percurso formativo; processo(s) formativo(s) ou educativo(s); e prática(s) formativa(s) ou educativa(s). A Economia Solidária ainda não construiu uma compreensão e elaboração que possa ser indicada como referência sobre o(s) entendimento(s) e a relação entre esses termos ou conceitos. Em algumas referências, como a do CFES do Centro-Oeste, o percurso formativo está relacionado ao planejamento de todos os elementos (materiais físicos, administrativos e metodológicos) e momentos necessários para a realização de uma ou mais atividades formativas em que se afirma que “pensar o percurso formativo... não é a programação... o percurso não é estático... percurso é caminho... trajetória... caminhada...” (Equipe da ECOCUT, gestora do CFES Centro-Oeste – 04/2010). Para contribuir com as reflexões das referências da Educação em Economia Solidária, socializamos a seguir algumas compreensões e relações possíveis entre esses termos ou conceitos. A Recomendação nº 8 indica, no item 1.3, três princípios do percurso formativo em Economia Solidária sem apresentar uma descrição da compreensão e caracterização de um percurso formativo da Educação em Economia Solidária. E no item 1.4 trata dos conteúdos do percurso formativo. O Relatório da I Conferência Temática de Formação e Assessoria Técnica em Economia Solidária, que foi transformado em orientação para as ações educativas de formação e assessoria técnica das ações de políticas públicas para a Economia Solidária pela Recomendação nº 8, também não apresenta uma descrição do que é e como se caracteriza um percurso formativo em Economia Solidária.

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Nos conteúdos, a Recomendação nº 8 indica que eles são definidos a partir de um levantamento das demandas dos sujeitos da Economia Solidária, voltados para a construção de uma concepção crítica da realidade. E que eles devem conferir autonomia crescente aos trabalhadores e trabalhadoras e aos Empreendimentos Econômicos Solidários, na perspectiva do desenvolvimento local sustentável e solidário, das articulações em redes e cadeias de cooperação e com outros movimentos sociais. Na sequência a essa caracterização dos conteúdos, faz uma sugestão de organização dos conteúdos em cinco eixos e no final indica que outros temas poderão ser incorporados, tendo em vista as demandas dos sujeitos da Economia Solidária. Os cinco eixos têm a seguinte identificação: Eixo temático 1. A Economia Solidária como estratégia de desenvolvimento. Eixo temático 2. A Economia Solidária como estratégia de superação da miséria e da desigualdade. Eixo temático 3. Formação sociopolítica e constituição dos sujeitos. Eixo temático 4. Formação e assessoria técnica para autogestão. Eixo temático 5. Processos de produção, comercialização, consumo e finanças solidárias. 4.4.1. Os princípios do percurso formativo, indicados pela Recomendação nº 8: A palavra princípio tem dois significados que podem ser entendidos numa relação de complementação, mas também expressar dois sentidos em relação a caracterização das ações decorrentes desses sentidos. O primeiro baseia-se no sentido da origem da palavra, em que o princípio é o primeiro instante de algo, tratando-se do começo ou início, aquilo que vem antes, nascedouro. No outro sentido, princípio é entendido como os valores mais caros e inarredáveis de determinada pessoa e coletivo, tratando-se dos valores fundamentais que regem o pensamento e a conduta de um indivíduo e de um coletivo.

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Numa tentativa de interpretação do sentido e sobre o que se referem os três princípios do percurso formativo indicado pela Recomendação nº 8, entendemos que eles se colocam como elementos centrais ou fundantes das referências político-metodológicas da Educação em Economia Solidária. Os princípios indicados pela Recomendação nº 8 são: a) “O território como ponto de partida da imersão na realidade. b) A investigação como produção de conhecimento. Afirmando que a investigação é o ponto de partida essencial para mergulhar na realidade e estimular a prática da investigação participante e a ação ativa dos sujeitos formadores-educandos. Consiste na afirmação da indissociabilidade entre teoria e prática e um processo formativo que envolve formadores e comunidades, formadores e empreendimentos, entre outros. c) A alternância, compreendida por tempos presenciais de jornadas pedagógicas e tempos de experimentação formativa nos empreendimentos, comunidades e territórios”. No item 1.5, a Recomendação nº 8 trata da sistematização definindo-a como resultado dos processos de construção do conhecimento e, ao mesmo tempo, parte do processo formativo que deve ser realizada pelos e com os sujeitos envolvidos na ação. Reafirma que, para a Economia Solidária, a sistematização faz parte dos referenciais político-metodológicos da educação como uma metodologia de autocrítica das práticas e de construção coletiva de conhecimentos a partir de experiências vividas. Desse modo, indicamos que, da mesma forma como os três princípios dos percursos formativos indicados pela Recomendação nº 8, a sistematização se constitui num princípio do percurso formativo. Conforme já descrito no item 4.1., sobre a Educação Popular e a Educação em Economia Solidária, um dos principais entendimentos sobre o que é a sistematização indica que se trata da interpretação crítica de uma ou várias experiências. Tal prática inclui o seu ordenamento e reconstrução, descoberta ou explicitação da lógica do processo da experiência vivida, os fatores que intervieram no

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processo, como esses elementos que constituíram a experiência se relacionaram entre si e por que essa se desenvolveu desse e não de outro modo. A reconstrução e explicitação da lógica e das razões das interveniências dos fatores no processo da experiência permite realizar uma autocrítica de práticas e identificar e registrar aprendizados. Nessa dinâmica, produzem-se conhecimentos que ajudam a modificar e melhorar as práticas das experiências sistematizadas e também contribuir para a caminhada de outras experiências. Como a sistematização se caracteriza pela construção coletiva de autocrítica e de conhecimentos a partir dos significados e aprendizados dos participantes de experiências vividas, a indicação é que todos os participantes da experiência participem da sistematização. Se a participação de todos não se torna possível de ser viabilizada, o indicativo é que se utilizem instrumentos individuais e coletivos para que de alguma forma todos possam manifestar as suas reflexões sobre os significados, destaques positivos, limitações da experiência realizada e recomendações para a continuidade da experiência sistematizada ou para outras semelhantes. Pela compreensão que a sistematização se constitui num princípio político-pedagógico da prática educativa em Economia Solidária, a recomendação é, principalmente quando se trata de experiências de ações educativas de uma política pública, que a sistematização seja incluída no processo formativo desde a construção da proposta, na sensibilização e mobilização dos participantes, no plano das atividades educativas realizadas, até as atividades de conclusão e produtos (registros de conclusão e divulgação das atividades e reflexões realizadas) da experiência enquanto projetos e ou programas de ações de políticas públicas. 4.4.2. Contribuição para as reflexões sobre percurso, processos e práticas educativas em Economia Solidária Para iniciar essa contribuição, tomamos emprestado do Termo de Referência da Educação Popular para as Políticas Públicas uma descrição do que é uma proposição de um percurso metodológico baseado nos princípios da Educação Popular.

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“Partindo do pressuposto que a Educação Popular tem na sua essência político-pedagógica o avanço da consciência crítica organizativa das classes populares para o exercício do poder, é necessário um processo de educação com intencionalidade concreta e planejada, que parte da realidade dos sujeitos, mulheres e homens envolvidos e que seja construído coletivamente. Logo, uma educação para fomentar a articulação e a mobilização para organização e transformação social não existe fora da luta popular, que, por sua vez, é a própria Educação Popular na sua aplicabilidade”. “Nesse sentido, a concepção de formação e organização de uma ação na perspectiva da Educação Popular exige coerência epistemológica, construção coletiva e respeito aos diferentes saberes. Dessa forma, seguindo o conselho do próprio Paulo Freire, que pediu para reinventá-lo, sobretudo num contexto da intersecção da Política Pública com os seus sujeitos de direitos, propomos a seguir um percurso metodológico, baseado nos princípios da Educação Popular, que aproxime o referencial epistemológico e metodológico com o ciclo, o fazer e a construção de políticas públicas mais participativas. Por conta disso, os seis espaços apresentados a seguir são para fazer valer a proposta metodológica da Educação Popular”. Os seis espaços estão dispostos num desenho circular porque eles se complementam e se realimentam num processo contínuo de mudanças e transformações em cada espaço conforme vão se processando as transformações da realidade e dos sonhos. São eles: O espaço do cenário – parte da realidade concebida como um espaço que integra o sonho e a realidade, ou seja, é o “esperançar”, em que o sonhar com os pés no chão da realidade é a força motriz. O espaço de encontro – esse deve explicitar o sonho e, para isso, mobilizar e articular parceiros, envolver os sujeitos políticos para o momento do encontro é essencial na Educação Popular. O espaço de problematização – esse define os objetos da ação, fomenta a reflexão questionando as causas dos fatos, desmonta a visão mágica ao propor falar dos problemas cotidianos com a comunidade, refletindo em torno da situação conjuntural e de suas causas econômicas, políticas, culturais, sociais, etc. O espaço da ação e reflexão – nesse momento, é importante considerar as demandas, os desejos e o conhecimento acumulado e

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sistematizado dos movimentos sociais, dos grupos organizados, das instituições de ensino e pesquisa e dos governos. É um momento do diálogo ampliado com todos os sujeitos que produzem saberes e ação política. O espaço da aprendizagem criativa – num processo de construção coletiva, pactuam-se propostas e ações com os diferentes sujeitos e em diferentes níveis de envolvimento. O espaço da reinvenção – reinventar é sempre uma possibilidade de renovar e de rever o proposto. Nesse sentido, a reinvenção é o momento de se fazer uma avaliação que busque evidenciar os resultados alcançados e, assim, poder retornar ao ciclo. Nessa indicação do Termo de Referência da Educação Popular para as Políticas Públicas, o percurso é claramente identificado como metodológico. Explicita que “os seis espaços apresentados são para fazer valer a proposta metodológica da Educação Popular”. Um percurso para desenvolver uma educação para fomentar a articulação e a mobilização para organização e transformação social. Pelos elementos afirmados na concepção e nas diretrizes político-metodológicas da Educação em Economia Solidária, pode-se indicar que o percurso formativo da Educação em Economia Solidária dialoga com a compreensão do percurso metodológico afirmado pelo Termo de Referência da Educação Popular para as Políticas Públicas. Por essa aproximação, pode-se indicar que o percurso formativo trata do fio condutor que articula e orienta a realização da intencionalidade – o para que; do sentido – o por quê; e da metodologia – o como – da prática educativa da Educação em Economia Solidária. O que também indica que se está utilizando o conceito de prática educativa numa compreensão relacionada aos elementos do percurso formativo. Portanto, pode-se indicar que o percurso formativo identifica a concepção político-pedagógica da educação em Economia Solidária e a prática educativa é a concretização dessa concepção na realização dos processos e atividades educativas. Ou seja, a prática explicita se o como – a metodologia – das atividades educativas é coerente com a afirmação da concepção político-pedagógica – do para que e do por quê. O processo educativo se refere a como se articula um conjunto de atividades educativas de formação e assessoria técnica que pode ocorrer com diferentes características, como oficinas, rodas de conversas, seminários e cursos ou mesmo momentos diferentes de

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uma mesma atividade, como etapas ou módulos de um curso, numa perspectiva de continuidade da construção de outra cultura do trabalho e da reprodução ampliada da vida. Um processo educativo também pode articular diferentes atividades educativas da organização do trabalho entre diferentes empreendimentos solidários, como as atividades educativas da organização de ações em rede e cadeias de produção de empreendimentos solidários e também as atividades educativas de diferentes ações de articulação territorial de um conjunto de atores da Economia Solidária (empreendimentos, entidades de apoio, gestores públicos, movimentos sociais). O desafio e objetivos desses processos educativos estão relacionados à socialização das experiências, reflexão sobre a compreensão e desafios da realidade para identificar objetivos e ações comuns entre a Economia Solidária, com prioridade para ações de intercâmbio e de consumo responsável e solidário entre a Economia Solidária no território e o fortalecimento de ações comuns de intervenção nos demais espaços e políticas de desenvolvimento do território. E a atividade educativa trata de como se organiza e realiza cada atividade específica articulada a um processo educativo e com uma concepção político-pedagógica que indica qual é a sua intencionalidade e metodologia. A organização e realização de processos educativos em Economia Solidária que conseguem articular um conjunto de diferentes tipos de atividades (oficinas, intercâmbios, seminários, cursos, visitas) de um conjunto de diferentes Empreendimentos Econômicos Solidários e das suas diferentes Redes e Cadeias de Produção, Comercialização, Consumo e Finanças Solidárias na perspectiva da construção da identidade e do desenvolvimento territorial é a concretização da concepção da Educação em Economia Solidária. Por fim, pode-se indicar que para a Educação em Economia Solidária a reflexão e visualização de um percurso formativo está relacionada a ter referências comuns sobre os principais momentos ou passos da construção e implementação da concepção político-pedagógica da Educação em Economia Solidária. Não se trata de definir um percurso formativo enquanto um roteiro único predeterminado de eixos temáticos, conteúdos e metodologias e técnicas ou dinâmicas da Educação em Economia Solidária.

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5. FONTES DE REFERÊNCIAS PARA FORMAÇÃO EM ECONOMIA SOLIDÁRIA Documentos/Relatórios de Oficinas, Reuniões, Seminários, Plenárias, Conferências da Economia Solidária. I Oficina Nacional sobre Formação/Educação em Economia Solidária – “Princípios e diretrizes do processo formativo em Economia Solidária”. Brasília, 26-27/10/2005. Organizado pelo Fórum Brasileiro de Economia Solidária – FBES. II Oficina Nacional sobre Formação/Educação em Economia Solidária – “Uma outra prática educativa acontece”. Brasília, 16-18/04/2007. Organizado pelo Fórum Brasileiro de Economia Solidária. Seminário Nacional de Assistência Técnica para a Economia Solidária. Brasília, 2009. Organizado pela Rede CFES Nacional e CTFAT/CNES. III Oficina Nacional sobre Formação/Educação em Economia Solidária – “A educação popular no processo educativo da Economia Solidária”. Brasília, 2010. Organizado pela Rede CFES Nacional. Projeto Político-Pedagógico Participativo da Educação em Economia Solidária, 2010. Construído pela Rede CFES Nacional. Memória da construção da concepção, princípios e diretrizes metodológicas sobre formação e assessoria técnica em Economia Solidária, por Rosana Kirch, Coordenadora do CFES Nacional, para instrumentalizar um debate sobre “educação e Economia Solidária”, do Conselho Gestor do Projeto Rede CFES Nacional. 2012, Brasília. Território, territorialidades e educação em Economia Solidária – Documento do Conselho Gestor Rede CFES Nacional – fevereiro 2015. I Plenária Nacional da Economia Solidária. São Paulo, 2002. Organizada pelo GT Nacional de Economia Solidária. III Plenária Nacional da Economia Solidária. Brasília, 2003. Organizada pelo FBES. IV Plenária Nacional de Economia Solidária. Brasília, 2008. Organizada pelo FBES. V Plenária Nacional de Economia Solidária. Brasília, 2012. Organizada pelo FBES.

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I CONAES – A Economia Solidária como Estratégia e Política de Desenvolvimento. Brasília, 26-29/06/2006. Organizada pela SENAES/MTE e CNES. Conferência Temática de Formação e Assessoria Técnica. Brasília, 16-18/04/2010. Organizada pela Rede CFES Nacional. II CONAES – Pelo Direito de Produzir e Viver em Cooperação de Maneira Sustentável. Brasília, 16-18/06/2010. Organizada pela SENAES/MTE e CNES. III CONAES – Construindo um Plano Nacional da Economia Solidária. Brasília, 16-18/11/2014. Organizada pela SENAES/MTE e CNES. Editais e Termos de Referência das Chamadas Públicas SENAES/MTE de 2007 e 2012 para constituição da Rede Nacional de Centros de Formação e Apoio a Assessoria Técnica em Economia Solidária – REDE CFES. Recomendação nº 8, de 04/07/12, do Conselho Nacional de Economia Solidária, recomenda o Termo de Referência contendo princípios e diretrizes político-metodológicos para orientar os planos, programas e ações de formação e assessoria técnica em Economia Solidária. Termo de Referência da Chamada Pública 01/2015 – SENAES/TEM para o Fomento e Fortalecimento de Redes de Cooperação. 1º Plano Nacional de Economia Solidária de 2015-2019, para promover o direito de produzir e viver de forma associativa e sustentável. Marco de Referência da Educação Popular para as Políticas Públicas. Secretaria Geral da Presidência da República, 2014, Brasília. Esses documentos/relatórios podem ser acessados em: www.fbes.org.br http://cirandas.net http://www.mtps.gov.br/trabalhador-economia-solidaria www.participa.br Documentos, artigos e livros relacionados aos temas da educação, educação popular, trabalho, Economia Solidária, território e territorialidade. Nem todas as referências a seguir foram consultadas e utilizadas diretamente na construção do documento, mas todas elas são destacadas pelas referências utilizadas. Incluímos esse conjunto de referências para que os(as) educadores(as) da Economia Solidária tenham informações em que possam buscar subsídios para reforçar e

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ampliar as suas reflexões sobre os temas que fundamentam a concepção, princípios e diretrizes da Educação em Economia Solidária. ADAMS, Telmo. Prática social e formação para a cidadania. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001. ADAMS, Telmo. Educação e economia popular solidária. Aparecida: Ideias & Letras, 2010. ADAMS, Telmo. A finalidade da EP: contribuir no processo de emancipação social (artigo extraído do Livro: Educação e Economia Popular Solidária. Telmo Adams, 2010) ADAMS, Telmo. Economia popular solidária: (re)construindo caminhos. Publicado em Sistematização da Escola de Formação Básica Multiplicadora da EPS, Curitiba: CEFURIA, 2012, p. 117-122. ADAMS, Telmo; SANTOS, Aline Mendonça dos. Economia Solidária: Um Espaço Peculiar de Educação Popular. In: Danilo Romeu Streck e Maria Teresa Esteban. (Org.). Educação Popular: Lugar de Construção Social Coletiva. 1ª ed. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2013, v. 1, p. 260-273. ADAMS, Telmo. Educação na economia solidária: desafios e perspectivas. Educação (UFSM), v. 39, p. 577-588, 2014. Disponível em: http://cascavel.ufsm.br/revistas/ojs-2.2.2/index.php/reveducacao/a rticle/view/6481 ADAMS, Telmo. Compreensões de educação e pedagogia. Texto em construção, inacabado. Contribuíram na composição deste texto: Marina da Rocha e Lilian Reis (graduandas do Curso de Letras – Unisinos, bolsistas de iniciação científica, PRATIC e UNIBIC, respectivamente), Jonas Hendler da Paz (mestrando – PPGEdu Unisinos) e Luciane da Rocha (doutoranda, PPGEdu Unisinos), 2015. ANTUNES, R. Século XXI: nova era da precarização estrutural do trabalho? In: _____; BRAGA, R. (Orgs.). Infoproletários: degradação real do trabalho virtual. São Paulo: Boitempo, 2009. p. 231-238. BEILLEROT, Jacky. A sociedade pedagógica. Portugal: RÉS, 1978. BEZERRA, A. Conexões da educação popular com a demanda de formação da economia dos Setores Populares. In: SOARES, S.E. et al (org.) Economia dos Setores Populares: pensamentos, ferramentas e questões. Porto Alegre: Catarse, pp. 13-22, 2009. BRUNO, L. Educação e desenvolvimento econômico no Brasil. Revista Brasileira de Educação, v. 16, n. 48, p. 545-562, set.-dez. 2011.

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THIOLLENT, Michel. Construção do conhecimento e metodologia da extensão. Texto apresentado em mesa-redonda, coordenada pelo Prof. José Willington Germano (Pró-reitor de Extensão da UFRN), no I CBEU – Congresso Brasileiro de Extensão Universitária – João Pessoa (PB), em 10 de novembro de 2002. TIRIBA, Lia. Trabalho, educação e autogestão: desafios frente à crise do emprego. III Seminário Internacional Universidade, Trabalho e Trabalhadores, promovido pela Unitrabalho e NESTH – Núcleo de Estudos sobre Subjetividade e Trabalho Humano/FAFICH-UFMG. Belo Horizonte, 10 a 14 de junho de 2002. TIRIBA, Lia. Cultura do trabalho, produção associada e produção de saberes. Educação Unisinos, São Leopoldo, v. 10, n. 2, 2006, p. TIRIBA, Lia. Economia popular e cultura do trabalho. IHU Online. São Leopoldo: n. 173, p. 65-67, 17 mar. 2006. TIRIBA, Lia. Educação Popular e pedagogia(s) da produção associada. Cadernos CEDES, Campinas, vol. 27, n. 71, p. 85-98, jan./abr. 2007. TIRIBA, Lia. Cultura do trabalho, autogestão e formação de trabalhadores associados na produção. In Perspectiva. Revista do Centro de Ciências da Educação/UFSC, Volume 26, nº 1, jan./jun. Florianópolis: Editora da UFSC: NUP/CED, 2008, p. 69-94. TORRES C., Alfonso. Por una investigatión desde el margen. In: ______. JIMÉNEZ B., Absalón (orgs.). La práctica investigativa en ciências sociales. Bogotá, Fondo Editorial Universidad Pedagógica Nacional, 2006. p. 61-79. TORRES, C., Alfonso. A educação popular como prática política e pedagógica emancipadora. In: Danilo Romeu Streck e Maria Teresa Esteban. (Org.). Educação Popular: Lugar de Construção Social Coletiva. 1ª ed., Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2013, v. 1, p. 260-273. FBES. Caderno com o aprofundamento dos temas: Formação; Marco Jurídico; Economia Solidária e Desenvolvimento; Finanças Solidárias; Gênero; Raça e Etnia e Produção, Comercialização e Consumo. Material de subsídio aos debates das Plenárias Estaduais de Economia Solidária rumo à IV Plenária Nacional de Economia Solidária. http://www.fbes.org.br/index.php?option=com_docman&task=cat_vi ew&Itemid=99999999&gid=407

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Capítulo II

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1. CONTEXTUALIZANDO AS FINANÇAS SOLIDÁRIAS O aumento da desigualdade no mundo pode ser percebido de muitas formas. Uma delas é quando vemos o relatório da Oxfam¹ que nos mostra que a renda conjunta de 3,5 bilhões de pessoas representa o mesmo que a renda das 85 pessoas mais ricas do planeta. O mesmo relatório nos indica que 7 em cada 10 pessoas vivem em países onde a desigualdade econômica tem aumentado nos últimos 30 anos. Esse panorama não é diferente no Brasil, pelo contrário, a luta pela diminuição da desigualdade é constante. Esses números só reafirmam o caráter excludente do sistema capitalista, que conduz à acumulação da riqueza nas mãos de poucos e o empobrecimento dos trabalhadores. A atual financeirização da economia como forma de acumulação capitalista coloca as finanças e seus instrumentos como centrais na manutenção e no aprofundamento dessas desigualdades. Ao passo que os bancos atingem recordes de lucratividade, mesmo em tempos de crise, vemos uma parte importante da população excluída do sistema financeiro ou, quando incluída, sujeita às regras dessas instituições financeiras que aprisionam seus beneficiários em um ciclo de exploração. A atual lógica capitalista financeira (CORRAGIO, 2007) se constrói a partir de dois elementos importantes: a financeirização da economia, em que os investimentos produtivos perdem espaço para o investimento financeiro, e a desintermediação bancária, em que os bancos deixam de ter a função de intermediação (depositantes e credores) e passa a ser um organismo de gestão do dinheiro, a partir de fundos de investimentos dos mais diversos. Os efeitos dessa lógica são perversos, seja quanto à drenagem dos recursos locais e concentração cada vez maior dos recursos, seja quanto ao aprisionamento da população em uma lógica ininterrupta de exploração e endividamento, já que o crédito passa a ser o motor desse funcionamento. A Economia Solidária é o contraponto a esse quadro ao defender uma visão radical de apropriação coletiva e o trabalho como centro da produção do bem viver. Nessa perspectiva, as Iniciativas de Finanças Solidárias buscam organizar-se tendo em vista esses princípios e, portanto, subvertem a lógica capitalista da financeirização da economia com o objetivo da maximização do lucro. O uso de ¹Cf.https://www.oxfam.org/sites/www.oxfam.org/files/file_attachments/bp-working-for-few-po litical-capture-economic-inequality-200114-es_3.pdf

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modalidades de finanças solidárias e o seu conjunto de serviços e produtos passam a se caracterizar como ferramentas de mediação de relações econômicas e metodologias pedagógicas voltadas para a construção de outras relações sociais e outro modelo de desenvolvimento, que fomentam e contribuem para o crescimento e a consolidação da Economia Solidária. Elas estão a serviço da Economia Solidária, seus empreendimentos, suas organizações, seus trabalhadores, mobilizando, organizando e fornecendo os recursos financeiros necessários para que ela exista e prospere, de modo a democratizar o acesso a esses recursos, tornando-os instrumentos das necessidades coletivas. Colocar-se em contraposição ao sistema vigente não é uma tarefa simples, mas as finanças solidárias têm avançado nos últimos anos em dois âmbitos: nas suas práticas e nas suas formulações. Em relação às práticas, seguem recuperando e valorizando as suas origens históricas de ações de solidariedade, em que grupos e comunidades organizavam alternativas de finanças para dar conta das suas necessidades de sobrevivência, e continuam resistindo em seus territórios de atuação, ampliando as ações e as parcerias. Do ponto de vista institucional, houve um importante esforço do governo federal, através da Secretaria Nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego (SENAES/MTE), que reconheceu a importância econômica e social das experiências históricas das Finanças Solidárias e, através de Editais de Chamada Pública, estabeleceu convênios que permitiram a articulação e fomento de iniciativas existentes, bem como o estímulo à criação de novas iniciativas. As ações de apoio às Finanças Solidárias iniciaram-se em 2005 por meio de dois projetos: o primeiro, “Apoio a Difusão de Metodologia dos Bancos Comunitários nos Municípios do Brasil”, realizado em parceria com Fundação Banco do Brasil, e o segundo, “Programa de Apoio a Projetos Produtivos Solidários (PAPPS)”, em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e o Banco do Nordeste Brasileiro (BNB). Os resultados dessas iniciativas confirmaram a importância do apoio de políticas públicas às Finanças Solidárias, afirmando a importância da disseminação de metodologias voltadas a apoiar organizações sociais de caráter local, comunitário e territorial como estratégia de apoio ao desenvolvimento territorial e o fomento e articulação de empreendimentos econômicos solidários, com prioridade para a geração trabalho e renda para os mais pobres.

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A partir de 2010, foi criado pela SENAES/MTE o Programa Nacional de Finanças Solidárias, que destinou recursos para projetos de fortalecimento, implantação e articulação de Bancos Comunitários de Desenvolvimento e Fundos Rotativos Solidários em todo o Brasil. Durante esse processo, depois de mapeados e apoiados mais de 500 Fundos Rotativos Solidários, contribuiu para o funcionamento de mais de 100 Bancos Comunitários em 19 estados do país. E a partir de 2013 também passou a apoiar as Cooperativas de Crédito Solidário. Nesse processo, foi importante a construção do Termo de Referência do Edital 01/2013 de Finanças Solidárias, que, ao definir e caracterizar quem é o sujeito dessa política, orientou as ações de fomento às Finanças Solidárias e deu visibilidade e certa legitimidade a essas ações frente a outros atores. Pela primeira vez, o Banco Central do Brasil, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social e a Caixa Econômica Federal reconheceram a existência dos Bancos Comunitários e dos Fundos Rotativos Solidários, que, através das suas metodologias e instrumentos, como a moeda social, são reconhecidos como uma tecnologia social de organização econômica e social, comunitária e territorial, que contribui para a inclusão financeira. Esse reconhecimento contribui para a redução da vulnerabilidade das Iniciativas de Finanças Solidárias, tanto pela afirmação das características do seu funcionamento, objetivos, atribuições e conceitos como pela ampliação do seu reconhecimento e visibilidade no conjunto das políticas públicas. O conjunto das ações de apoio às Finanças Solidárias têm possibilitado importantes parcerias entre e para as diversas Iniciativas de Finanças Solidárias. Entretanto, ainda existem muitos desafios e muito caminho para trilhar. Em relação às formulações sobre as finanças solidárias, muitos momentos merecem destaque, como as Plenárias Nacionais do Movimento de Economia Solidária, os Termos de Referências dos Editais de Chamadas Públicas do MTE/SENAES e as Conferências Nacionais de Economia Solidária. Damos destaque à “Conferência Temática Economia e Democracia: Políticas de Financiamento, Finanças Solidárias e Ambiente Institucional para a Economia Solidária”, realizada no âmbito da III Conferência Nacional de Economia Solidária, em 2014. Durante essa Conferência Temática, o debate se estabeleceu em dois tópicos complementares: o financiamento para a Economia Solidária e o Sistema Nacional de Finanças Solidárias.

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A proposição dos participantes dessa Conferência sobre o financiamento para a Economia Solidária é a de que, para uma mudança radical de paradigma, necessitamos de novos instrumentos e referenciais em uma ambiência institucional que dê suporte a essa nova lógica de tratar e organizar as finanças. Isso significa, por exemplo, possibilitar um tratamento diferenciado na tributação, taxa de juros, custo financeiro da captação e o avanço no uso de indicadores de eficiência e eficácia não apenas econômica, mas também social, cultural, educacional e ecológica. Essa necessidade de ambiência institucional para as Finanças Solidárias foi traduzida sob o nome de um Sistema Nacional de Finanças Solidárias. Portanto, a sua construção dialoga com a necessidade de financiamento próprio e contínuo a partir do acesso a fundos públicos como o FAT e com uma lógica e formas de financiamento de acordo com as especificidades das Iniciativas de Finanças Solidárias. A partir de uma governança coletiva, o Sistema Nacional de Finanças Solidárias mobilizaria, organizaria e forneceria os recursos financeiros para que a Economia Solidária possa prosperar. Não tendo finalidade especulativa, deve promover o direito de produzir e viver de forma associativa e sustentável. Além das próprias Iniciativas de Finanças Solidárias: Fundos Rotativos Solidários, Bancos Comunitários de Desenvolvimento e Cooperativas de Crédito Solidário, a composição desse Sistema de Finanças teria a participação de: • iniciativas reconhecidas como de Finanças Solidárias, entidades, grupos e pessoas que oferecem recursos financeiros (monetários ou não) e fazem a gestão desses recursos; • pessoas, grupos e empreendimentos que recebem e investem esses recursos como usuários, com destaque para Empreendimentos Econômicos Solidários e toda a diversidade dos sujeitos da Economia Solidária; • entidades de fomento e apoio e outras representações públicas e privadas que ajudam na construção e consolidação das Iniciativas de Finanças Solidárias e do Sistema Nacional de Finanças Solidárias.

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A participação desses atores deveria estar articulada em rede e ser vinculada aos Fóruns de Economia Solidária. Os sujeitos prioritários das Finanças Solidárias, ou seja, aqueles que fazem parte das Iniciativas de Finanças Solidárias, ocupariam um espaço fundamental no Sistema Nacional de Finanças Solidárias, que, como já apontado, são os Fundos Solidários, os Bancos Comunitários de Desenvolvimento e as Cooperativas de Crédito Solidário. Quando se debate nas Conferências Públicas de Economia Solidária e nas Plenárias e mobilizações do Movimento da Economia Solidária as demandas e as políticas de apoio ao “financiamento para a Economia Solidária” e às “Finanças Solidárias”, convém esclarecer no que consistem essas duas formas de apoio a organização e fortalecimento da Economia Solidária. Muitas vezes se confunde esses dois termos, sendo ambos utilizados como sinônimos para a ideia de “concessão de linhas de crédito específica aos Empreendimentos Econômicos Solidários”. Essa confusão entre os termos e conceitos aparece claramente na maioria dos debates e, por consequência, nas proposições vinculadas ao assunto. Vejamos a diferença entre os dois na sequência. O Financiamento para Economia Solidária se relaciona à existência de leis que reconhecem e definem a existência da Economia Solidária e que regulamentam as suas atividades e criam e oferecem linhas de crédito (em bancos públicos e privados) para capital de giro, para custeio e aquisição de bens e móveis pelos Empreendimentos Econômicos Solidários. Além disso, inclui a constituição de fundos com recursos públicos para financiar o trabalho associado. As Finanças Solidárias se constituem em ferramentas financeiras ligadas às noções de desenvolvimento territorial, dinâmicas locais e a organização comunitária. Ou seja, as Finanças Solidárias não são apenas instrumentos que permitem a mobilização de recursos (monetários e não monetários), mas são metodologias de empoderamento financeiro da, com e para a Economia Solidária. A gestão das Iniciativas de Finanças Solidárias é realizada pelos Empreendimentos Econômicos Solidários, formais e informais². ²Cartilha dos Fundos Solidários da Região Sul: histórico, organização e gestão. 2015. Convênio: 749630/2010 – SENAES/MTE – CAMP

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2. PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DAS FINANÇAS SOLIDÁRIAS As Finanças Solidárias constituem um conjunto de iniciativas de mobilização e metodologias de gestão, cuja finalidade é democratizar o acesso a recursos em moedas, produtos e serviços, fazendo com que as Finanças Solidárias operem a serviço das necessidades coletivas, caracterizando-se como um conjunto de recursos (monetários e não monetários), serviços de mobilização e organização social e de ferramentas pedagógicas que fomentam e contribuem para o crescimento e a consolidação da Economia Solidária. Para alcançar os seus fins, as Finanças Solidárias trabalham com ferramentas financeiras ligadas às noções de desenvolvimento territorial, dinâmicas locais e organização comunitária, como já citamos na primeira parte do texto. Entre seus instrumentos mais conhecidos no Brasil, encontramos as Cooperativas de Crédito Solidário, os Bancos de Desenvolvimento Comunitário e os Fundos Solidários (em suas mais diversas modalidades). Sendo assim, as Finanças Solidárias são uma alternativa de democratização, não apenas de acesso ao crédito, mas de gestão e participação das pessoas no processo econômico, tendo ainda o potencial de promover a inclusão financeira e o desenvolvimento endógeno das comunidades nos territórios. Os Bancos Comunitários de Desenvolvimento têm como principal objetivo a reorganização das economias locais, a apropriação dos meios de produção e financeiros através do crédito, e a autogestão na produção do desenvolvimento de determinado território. Os Fundos Rotativos Solidários organizam poupanças comunitárias geridas coletivamente que proporcionam o apoio tanto às atividades dos seus participantes e associados quanto ao desenvolvimento da comunidade e território. As Cooperativas de Crédito Solidário, em grande medida rurais, apoiam não apenas os produtores associados locais, mas, ao gerir as poupanças e riquezas locais, promovem a socialização dos ganhos ao reinvestir essas poupanças localmente.

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Entre as principais características das Finanças Solidárias destacam-se: • a rearticulação das ferramentas financeiras às noções de desenvolvimento, território, produção e organização comunitária; • em oposição à finalidade especulativa do sistema capitalista, as Finanças Solidárias têm como finalidade viabilizar a Economia Solidária, organizada para promover o direito de produzir e viver de forma associativa e sustentável; • a articulação com a dinâmica da construção da identidade e desenvolvimento territorial; • a não separação entre donos e usuários dos recursos financeiros, sendo os usuários dos recursos também os donos/sócios/gestores/controladores das diversas Iniciativas de Finanças Solidárias; • a viabilidade e sustentabilidade das suas iniciativas está baseada nas relações de confiança e no compromisso solidário que se estabelece entre os seus associados e beneficiários na execução das ações apoiadas pelas Iniciativas das Finanças Solidárias e na autogestão dessas iniciativas. Entender como se dá a formação e a assessoria técnica no conjunto das Finanças Solidárias é fundamental para avançarmos nos elementos que unem o “modo de fazer” das Iniciativas de Finanças Solidárias. Esse trabalho vai possibilitar a percepção dos elementos centrais que nutrem a prática das iniciativas e as dimensões educativas dessa forma de organizar as finanças. Permite perceber que os trabalhos formativos em finanças solidárias corroboram com a concepção de educação em Economia Solidária, entendida como uma “construção social que envolve uma diversidade de sujeitos e ações orientados para a promoção do desenvolvimento territorial sustentável”³. Nesse sentido, também reconhece o trabalho como princípio educativo e empreende suas ações na perspectiva emancipatória de transformação dos sujeitos e da sociedade. ³Resolução n. 74 da II Conferência Nacional de Economia Solidária.

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Apontar os elementos centrais do trabalho metodológico dessas iniciativas estimula e potencializa a organização de novos grupos que queiram fazer das Finanças Solidárias uma alternativa pedagógica e instrumental para um outro modelo de gerir recursos financeiros e outro modelo de desenvolvimento. A formação e assessoria em finanças solidárias compreende ainda como ponto de partida o compromisso com a redução das desigualdades econômicas e sociais. Esse processo educativo permite olhar criticamente o mundo financeiro e estabelecer relações entre ele e as nossas relações econômicas cotidianas, não apenas problematizando-as, mas se implicando na construção de alternativas consistentes que permitam às pessoas um outro modo de se relacionar com o mundo das finanças. Assim, a assessoria e formação em finanças solidárias devem ser entendidas como um ato pedagógico 4, pois, à medida que os atores se inserem nas suas diversas modalidades (Bancos Comunitários de Desenvolvimento, Fundos Rotativos Solidários e Cooperativas de Crédito Solidário), eles próprios aprendem, constroem e reconstroem o que é pensar e agir no campo das finanças a partir dos princípios da autogestão e da solidariedade. Nesse sentido, um campo amplo de aprendizados acontece na própria tensão presente em todo o trabalho na Economia Solidária. Sabemos que estamos construindo novas relações econômicas em meio a um processo intenso de homogeneização e economicização das relações sociais, de forma que é na tensão entre as diversas experiências do vivido que se torna possível a emergência e a sustentação dos novos referenciais trazidos pela Economia Solidária. Assim, a territorialização da Economia Solidária cria não só uma ambiência para as iniciativas de forma concreta, como permite a formação de um substrato sólido para a produção de uma nova sociabilidade. O debate sobre crédito, financiamento, mobilização de recursos e poupança está hoje carregado de significações ligadas à lógica do individualismo e da acumulação. Os bancos convencionais, as financeiras e os agiotas são práticas que compõem o imaginário sobre o mundo financeiro. É em meio a esse caldo e à tensão que ele produz que construímos novos sentidos e práticas. Trata-se de um processo contínuo que não apenas fortalece práticas já existentes, mas desafia para a renovação e construção de novas práticas. 4

Cf. “A Economia Solidária como ato pedagógico” (Paul Singer) em KRUPPA, Sonia M. P. (org). Economia solidária e educação de jovens e adultos. Brasília: Inep, 2005.

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Cabe agora apontarmos, ainda que de modo introdutório, algumas diretrizes metodológicas gerais do trabalho de formação e assessoria técnica em Finanças Solidárias para que depois possamos evidenciá-las nas principais Iniciativas de Finanças Solidárias apoiadas pelas políticas públicas de Economia Solidária.

3. DIRETRIZES METODOLÓGICAS PARA FORMAÇÃO E ASSESSORIA TÉCNICA EM FINANÇAS SOLIDÁRIAS 3.1. As principais dimensões da formação e assessoria técnica em Finanças Solidárias Um olhar para as experiências de Finanças Solidárias na perspectiva pedagógica permite identificar três dimensões pedagógicas nas práticas das Iniciativas de Finanças Solidárias, que comumente se interseccionam e se complementam na concretização dos princípios e objetivos da Economia Solidária. Elas tratam: a) da prática e gestão das Finanças Solidárias como ato pedagógico; b) da articulação da Economia Solidária no território; e c) da apropriação das ferramentas financeiras. 3.1.1. Finanças Solidárias como ato pedagógico As experiências em Finanças Solidárias são também em si uma experiência pedagógica, ou seja, ensinam aqueles que dela participam. Quando alguém pega um crédito em um Banco Comunitário, entra em uma Cooperativa de Crédito Solidário ou se une a um Fundo Solidário, começa a participar de um conjunto de processos educativos que podem transformar as suas percepções e práticas, tornando-o um sujeito de um outro modo de organizar e gerir um conjunto de instrumentos e práticas de Finanças Solidárias. “A prática da Economia Solidária, no seio do capitalismo, nada tem de natural. Ela exige dos indivíduos que participam dela um comportamento social pautado pela solidariedade, e não mais pela competição. ” Paul Singer, A Economia Solidária como ato pedagógico

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Esses processos podem ser formações propriamente ditas, mas também podem ser a própria participação dos envolvidos na experiência de Finanças Solidárias, propiciando a esses participantes aprendizados sobre modos de lidar com o mundo das finanças de modo solidário, a partir da autogestão das suas experiências. É uma prática diferente de acessar e conceder créditos ou recursos monetários e não monetários, utilizar uma moeda social própria, fomentar empreendimentos econômicos solidários, possibilitando aos participantes uma verdadeira experiência pedagógica, transformando o seu modo de compreender o mundo financeiro e as suas relações de troca e de ajuda mútua. Nesse sentido, há a preocupação de que as experiências em finanças solidárias sejam pedagógicas, ou seja, contemplem em todas as suas atividades a possibilidade de ensino e aprendizagem. Essa formação se amplia desde espaços convencionais de formação e assessoria e se espalha por todas as relações que acontecem no seio de cada experiência de Finanças Solidárias. É formativo participar de uma experiência de Fundos Solidários, Cooperativa de Crédito Solidário e de um Banco Comunitário, porque a participação nessas experiências requer e implica num comprometimento dos associados com a gestão e práticas dessas experiências, não se tratando apenas de acessar um recurso ou serviço financeiro. Desse modo, a experiência em Finanças Solidárias deve sempre ter uma preocupação didática, de modo que cada um dos seus processos e interações possa gerar aprendizados entre os seus participantes. Atividades como a concessão de um crédito por um Banco Comunitário, a elaboração de um regimento para o funcionamento de um Fundo Solidário ou a entrada em uma Cooperativa de Crédito devem ser sempre entendidas como etapas de um percurso formativo para que aqueles que estão se inserindo nesse processo compreendam o sentido de uma experiência de Finanças Solidárias, em contraponto à comercialização ou venda de um produto do mundo financeiro convencional. 3.1.2. Articulação da Economia Solidária no território Entendendo o território como um espaço socialmente construído e “espaço privilegiado de ampliação do exercício da autogestão” 5 é fundamental, para qualquer ação de formação e assessoria em Finanças Solidárias, um olhar atento aos sujeitos e relações sociais e econômicas dentro do território onde se desenvolvem as experiências 5 “Conferência Temática de Economia Solidária, Educação e Autogestão”, parte da III Conferência Nacional de Economia Solidária.

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de Finanças Solidárias. É importante compreender a multiplicidade de atores que o território abarca, bem como a sua potencialidade de articulação. A formação e a assessoria técnica em Finanças Solidárias é territorializada e, tendo o território como ponto de partida para o seu percurso formativo, deve reconhecer e potencializar as ações que ali acontecem. Isso permite um olhar atento à realidade concreta das relações econômicas nos territórios para entender as noções e práticas de desenvolvimento implicadas nessas relações e assim potencializar ações econômicas solidárias, fortalecendo a construção de um outro Sistema de Finanças e um outro Desenvolvimento Solidário e Sustentável. As experiências de Finanças Solidárias possuem uma posição privilegiada para a articulação territorial da Economia Solidária, não apenas na oferta de crédito, mas na proposição de espaços e fóruns de debate, no fomento a canais de comercialização, no apoio à construção ou fortalecimento de Empreendimentos Econômicos Solidários e redes e cadeias produtivas solidárias. Esse princípio geral de atuação das Finanças Solidárias deve estar no olhar dos formadores em todas as atividades pedagógicas. Se o território é o ponto de partida para as formações e assessorias, a dimensão organizadora da Economia Solidária que as experiências das Finanças Solidárias podem ter deve ser estruturante, tanto na metodologia quanto nos próprios conteúdos das formações e assessorias. Essa discussão territorial nas Finanças Solidárias é inseparável da discussão sobre as ferramentas financeiras como o crédito, a moeda e a poupança, normalmente utilizadas pelo sistema capitalista de modo a explorar ainda mais aqueles que se veem reféns dessas ferramentas. As Finanças Solidárias rearticulam as ferramentas financeiras às noções de desenvolvimento, território, dinâmicas locais, organização comunitária e produção material. Elas rearticulam essas ferramentas numa outra compreensão e sentido porque não há, em suas operações, finalidade especulativa, ou seja, não há objetivo de gerar lucros, mas sim de promover o desenvolvimento local sustentável e solidário. As ferramentas financeiras que cada experiência de Finanças Solidárias possui, por exemplo, o crédito e a moeda social nos Bancos Comunitários de Desenvolvimento, o crédito e a poupança nas Cooperativas de Crédito Solidário e nos Fundos Rotativos Solidários, são ferramentas financeiras que estão aliadas à construção de uma outra identidade e outro desenvolvimento nos territórios. Assim, toda formação e assessoria que envolver as ferramentas financeiras das

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experiências de Finanças Solidárias deve se voltar para o diálogo com o território, o desenvolvimento, as dinâmicas locais e organização comunitária não apenas como conteúdos, mas como elementos que influenciem a formação em todos os seus aspectos. Pensando numa perspectiva integradora das Iniciativas de Finanças Solidárias nos territórios, pode-se propor a construção de Sistemas Territoriais de Finanças Solidárias, como forma de explicitar e reforçar a relação das Finanças Solidárias com a construção de identidades sociais e o desenvolvimento territorial. Não há como incentivar a produção, comercialização e consumo justo, solidário e sustentável sem considerar o caráter do desenvolvimento de todo um território. Por isso, é fundamental fortalecer a articulação e complementação das Iniciativas de Finanças Solidárias a partir das experiências locais onde se tem maior incidência para o reconhecimento e o pertencimento a práticas econômicas solidárias. A proposição e organização de uma estratégia de promoção de um Sistema Territorial de Finanças Solidárias pode se orientar pelos seguintes componentes: assessoramento técnico; modelo de organização com base em gestão social; educação formal e financeira e articulação de um conjunto de políticas públicas específicas, com destaque para uma política de financiamento aos empreendimentos de Economia Solidária e popular.

“A ordem global funda as escalas superiores ou externas à escala do cotidiano. Seus parâmetros são a razão técnica e operacional, o cálculo de função, a linguagem matemática. A ordem local funda a escala do cotidiano, e seus parâmetros são a copresença, a vizinhança, a intimidade, a emoção, a cooperação e a socialização com base na contiguidade. E é nessa tensão que constroem suas ações. ” (SANTOS, 2006, p.137)

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Há ainda um elemento importante para o debate das Finanças Solidárias e sua relação com o território, que é a apropriação contra-hegemônica das finanças com instrumentos vinculados às dinâmicas locais e suas relações sociais, que buscam potencializar os recursos e riquezas presentes nos territórios. Milton Santos entende que o desenvolvimento das tecnologias da informação e da comunicação permitiram que os territórios fossem cada vez mais incorporados à lógica de acumulação do capital, produzindo a homogeneização da lógica e das relações sociais estabelecidas, marcando o mundo atual como um período de unicidade técnica (SANTOS, 2001). Entretanto, ele também assume que há uma apropriação diferenciada dos grupos que produz o que ele chama de lugar, que para nós tem sido definido como território. Porém, como há atores excluídos e lugares menos modernizados, é produzida uma coexistência de territórios, sendo uns dominados pelos sistemas técnicos mais desenvolvidos e outros menos submetidos a tais totalizações. Esses últimos tornam-se, assim, mais livres da lógica centralizadora, o que permite usos diferenciados e contra-hegemônicos do território, resultado do conflito da lógica hegemônica com outros usos dos sistemas técnicos. As Finanças Solidárias podem ser pensadas como uma mediação dentro dessa chave de possibilidades contra-hegemônicas. Se por um lado os Fundos Solidários revitalizam e fortalecem práticas comunitárias menos vinculadas aos processos de homogeneização, os Bancos Comunitários se encontram num território espinhoso, que são as áreas urbanas, e dessa forma buscam com suas ações fortalecer as redes existentes e produzir novas relações. Já as Cooperativas de Crédito Solidário trazem um arranjo que se realiza no território rural, semelhante aos Fundos Solidários, ainda regido por relações de maior comunitarismo. O reconhecimento e fomento de Iniciativas de Finanças Solidárias também suscita a sua identificação como instituições financeiras, portanto com processos de maior controle. Assim, se estabelece uma tensão entre a lógica verticalizada das finanças tradicionais e a lógica de apropriação territorial. O nome já anuncia essa tensão: “finanças”, que indica uma instituição caracterizada pela centralização, e “solidárias”, indicando o processo de apropriação autogestionado e, portanto, horizontal. Qualquer ação de formação e assessoria técnica em Finanças Solidárias consistente deve estar

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atenta a essa tensão e suas configurações particulares em cada território onde se atua, pois elas implicam diferentes modos de compreensão não só do território, mas do próprio fazer pedagógico. 3.1.3. Apropriação das ferramentas financeiras A educação financeira, em seu sentido amplo, é um compromisso de todas as experiências de Finanças Solidárias. Porém é necessário entender o sentido que se dá a essa ideia. Normalmente a ideia de educação financeira está ligada ao ensino de controle dos gastos pessoais, a melhor forma de empregar os ganhos financeiros, a melhor gestão do dinheiro. Entretanto, a ideia de educação financeira em Finanças Solidárias é mais ampla e se relaciona com um processo educativo que mostra às pessoas as implicações do sistema econômico em seu cotidiano. Essa ideia parte do pressuposto que grande parte das famílias empobrecidas já faz a gestão do seu dinheiro de forma bastante eficiente, já que muitas famílias conseguem sobreviver com ganhos baixíssimos. Propor ensino de controle financeiro, de como poupar, como não entrar no crediário, parece partir do preconceito que as famílias são pobres por não gerirem bem o dinheiro, o que implica num pensamento ainda mais perverso, o de que a causa da pobreza seria apenas a má gestão dos parcos recursos que a família possui. Não acreditamos que a miséria e a pobreza possam ser geridas nem que a sua causa seja a má gestão dos recursos por parte da família. Isso seria culpabilizar as famílias pelo sistema econômico, social e financeiro absolutamente excludente que gera a pobreza. Se a educação financeira não deve ser concebida como o ensino da gestão da pobreza, o que ela seria? Pensamos que a educação financeira só pode ser consistente se ela se propuser a olhar criticamente o mundo financeiro e estabelecer relações diretas entre ele e as nossas relações econômicas cotidianas. Que implicações há no uso de cartão de crédito? Nos crediários? Responder criticamente a essas questões (e tantas outras) pode nos ajudar a entender o modo de funcionamento do sistema econômico capitalista e também que alternativas as Finanças Solidárias podem dar a essa forma e entender e gerir as finanças. Desse modo, esse tipo de educação não apenas estabelece relações entre as ações cotidianas e o sistema financeiro, problematizando-o, mas deve propiciar a reflexão e construção de alternativas consistentes que permitam às pessoas outro modo de se relacionar

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com o mundo das finanças. É uma educação que não apenas problematiza, mas se engaja na construção de outros modos e práticas de organizar e gerir as finanças e propor outro sistema de finanças voltadas para outra compreensão e modelo de desenvolvimento em conformidade com os princípios e objetivos da Economia Solidária. Para que essas diretrizes fiquem mais claras e para que possamos visualizar como podem ser praticadas, passaremos agora a apresentar as Iniciativas de Finanças Solidárias: Bancos Comunitários de Desenvolvimento; Cooperativas de Crédito Solidário e Fundos Rotativos Solidários. Inicialmente apresentaremos o conceito da iniciativa e suas principais características. Depois faremos uma apresentação de alguns tópicos importantes sobre a formação e assessoria técnica para a prática dessas iniciativas.

4. AS INICIATIVAS DE FINANÇAS SOLIDÁRIAS – IFSs 4.1. Os Fundos Solidários – FSs O Fundo Solidário é uma metodologia de organização da comunidade para o financiamento de iniciativas produtivas e sociais, de caráter comunitário e associativo, voltado a promover atividades socioeconômicas diversas, a partir dos princípios da Economia Solidária, objetivando o desenvolvimento local solidário e sustentável 6. Além disso, trata-se de uma prática pedagógica, ou seja, entende a sua prática como uma experiência formativa, transformando nos seus participantes o modo de compreender o mundo financeiro e as suas relações. 4.1.1. Conceito e principais características dos FSs Os Fundos Solidários são “processos de gestão coletiva de recursos, voltados para a sustentabilidade local e territorial e para a mobilização social, constituindo-se em espaços geradores de riquezas e saberes”. Eles passam a ter maior expressão no Brasil a partir da década de 80, na articulação dos movimentos sociais e também nos trabalhos comunitários das igrejas. A diversidades das experiências de Fundos Solidários pode ser caracterizada em torno de dois tipos de fundos. 6

Cf. TR

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Os Fundos Solidários de Fomento são geridos por uma entidade (religiosa, sindical, ONGs, associação, movimento, etc.) que estabelece os critérios para a seleção dos projetos e grupos que serão beneficiados pelos recursos do Fundo. Esse tipo de fundo pode operar com a lógica da devolução ou não dos recursos, e o beneficiário não participa, necessariamente, da gestão, acessando, contudo, o recurso de forma solidária. São organizações formalizadas que fornecem subsídios, sejam financeiros e/ou técnicos, para que o Fundo Solidário seja criado e mantido. E os Fundos Rotativos Solidários – de Base ou Comunitários – se constituem em experiências onde o(a) beneficiário(a) do Fundo é também seu/sua gestor(a). Compreende organizações, normalmente informais, gestoras de Fundos Solidários. Caracterizam-se pela obrigatoriedade da devolução. Em outros termos, os Fundos Rotativos Solidários são “poupanças” comunitárias informais geridas coletivamente para fortalecer as atividades econômicas exercidas por seus participantes. Essa poupança pode ser formada por meio de doação voluntária de recursos de cada membro participante do Fundo ou a partir de recursos externos destinados à comunidade. Funcionam como um processo pedagógico de emancipação e organização comunitária 7. Podemos elencar como principais características dos Fundos Solidários: • é uma espécie de “poupança comunitária”, gerida coletivamente e formada por meio de doações voluntárias de recursos sejam pelos membros participantes e/ou acrescidas ou não por ações de captação ou doação de recursos externos destinados a própria comunidade; • é gerenciado pelos(as) próprios(as) sócios(as), em muitos casos com a ajuda de uma entidade de apoio, sem fins lucrativos; • Fundo Solidário não é uma entidade jurídica. Ele não é inscrito no Cadastro Nacional de Pessoa jurídica (CNPJ) e funciona sem intermediação de um banco ou outra instituição financeira; 7 Cartilha dos Fundos Solidários da Região Sul: histórico, organização e gestão. 2015. Convênio: SENAES/MTE – CAMP

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• pode financiar inúmeras atividades, como aquisição de infraestruturas físicas comunitárias de produção e de organização comunitária, de pequenos animais, apoio à produção artesanal, apoio à produção da pequena agricultura familiar, apoio a utilidades domésticas, apoio à comercialização e ao pequeno consumo local, atuando como um verdadeiro estimulador do desenvolvimento local comunitário; • o Fundo pode estabelecer diversas condições de retorno dos recursos repassados (monetárias e não monetárias); • as contribuições para o Fundo são voluntárias. A não adesão pode levar a pessoa a ser excluída do grupo, mas não tem como consequência a retirada de bens ou denúncia da pessoa no SPC e SERASA; • a política das contribuições para o Fundo e da aplicação dos recursos é definida pelos próprios sócios, em muitos casos com orientação de uma entidade de apoio; • um Fundo é rotativo quando os seus recursos giram, circulam entre as famílias, grupos e Empreendimentos Econômicos Solidários que participam e são beneficiários dos Fundos, que assumem o compromisso voluntário de devolver os recursos acessados para partilhar/contribuir mais adiante com outra família, grupo ou empreendimento.

“Os Fundos Rotativos Solidários ampliam nossas capacidades organizativas, promovem mais autonomia e democratizam a gestão dos recursos. Não nos pautamos por critérios meramente financeiros; a confiança e a vivência comunitária são valores fundamentais. Estamos em toda a Bahia, do semiárido ao litoral, gestando um novo jeito de construir o bem viver e contribuindo para a construção da economia solidária e de um outro modelo de desenvolvimento” (Trecho da Carta dos Fundos Solidários da Bahia. Setembro de 2012)

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4.1.2. Fases metodológicas para a organização de Fundos Solidários Indica-se para a organização de Fundos Solidários duas fases metodológicas: a) sensibilização e processo de formalização dos Fundos Solidários e b) operacionalização dos Fundos Solidários. Fases metodológicas para a organização de Fundos Solidários Fase 1 Sensibilização e processo de criação dos Fundos Solidários Diagnósticos nas comunidades para a confirmação se a comunidade reúne as condições necessárias para organização de um Fundo Solidário. Realização de sensibilização com a comunidade.

Fase 2 Operacionalização dos Fundos Solidários Aprovar o regimento de funcionamento (regimento interno com modalidades de financiamentos, sistema de doações periódicas, contabilidade mensal simplificada das atividades, prestação de contas...), bem como eleger responsáveis pela movimentação dos recursos do Fundo.

Fase de sensibilização e criação (F1). A fase de sensibilização e processo de criação do Fundo Solidário compreende: • a metodologia começa quando uma comunidade ou grupos e Empreendimentos de Economia Solidária decidem organizar um Fundo Solidário, normalmente a partir de alguma demanda bem específica, relacionada a alguma necessidade para desenvolver atividades econômicas da comunidade; • a partir dessa demanda inicial de uma comunidade, busca-se a ajuda de outros fundos solidários já constituídos ou de entidades que têm experiência no apoio a Fundos Solidários para realizar diagnósticos e esclarecimentos para entender o que é, qual é a potencialidade, como pode ser organizado um Fundo Solidário na comunidade que começa a se organizar para a construção do seu Fundo,

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momento em que é importante observar se na comunidade há organizações locais que podem apoiar o Fundo e se existem no território Empreendimentos Econômicos Solidários; • a partir da vontade de um grupo de pessoas e de empreendimentos de Economia Solidária em organizar um Fundo Solidário, o próximo passo é a realização de encontros de sensibilização e mobilização para agregar mais pessoas ao processo e iniciar a construção das regras de funcionamento do Fundo; • a definição e o início da criação de um Fundo Solidário acontecem através de uma reunião de todos os interessados em uma Assembleia para definir a constituição do Fundo e que tipo de Fundo Solidário vão organizar. A fase de operacionalização do Fundo Solidário (F2) compreende: • a construção de um regimento que vai definir as regras do funcionamento do Fundo Solidário, em que devem constar as fontes ou a origem dos recursos do Fundo, para que e como eles serão utilizados e as modalidades ou formas de devolução dos recursos repassados pelo Fundo para os seus beneficiários; • a gestão do Fundo Rotativo Solidário deve ser compartilhada e amplamente dialogada com todos os participantes em cada reunião dos participantes do Fundo; • para uma boa gestão, é importante organizar um modelo de registros de atas e de contabilidade para garantir a transparência de suas atividades e a prestação de contas das contribuições para os recursos do Fundo, quem foi beneficiado e os recursos existentes no Fundo; • os recursos que vão constituir um Fundo Solidário vão formando uma poupança coletiva, que deve ser controlada e movimentada por ao menos três pessoas, que vão abrir uma conta poupança, onde vão depositar os recursos do Fundo, e também vão fazer as retiradas dos recursos que o Fundo vai emprestar para os seus participantes;

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• as contribuições dos participantes, que são realizadas conforme a periodicidade definida no Regimento Interno do Fundo, são anotadas pelos participantes em um carnê individual; • as demandas/pedidos de empréstimo de algum participante do Fundo podem ser avaliadas por um agente de crédito a partir de uma visita para verificar a finalidade e a viabilidade da solicitação de empréstimo, o que vai subsidiar a decisão do grupo que analisa e decide sobre os empréstimos concedidos pelo Fundo; • as decisões sobre os empréstimos acontecem numa reunião convocada para essa finalidade. A periodicidade dessas reuniões é definida pelos participantes do Fundo e consta no Regimento Interno do Fundo; • a aprovação do empréstimo também pode utilizar uma carta de aval solidário que pode ser dada por qualquer membro participante do Fundo, ou de outros membros da comunidade ou de um Empreendimento Econômico Solidário; • o prazo de carência para a devolução dos recursos emprestados pelo Fundo Rotativo Solidário é definido pelos participantes do Fundo, que levam em conta a atividade econômica na qual foram utilizados os recursos do empréstimo, podendo estabelecer diferentes prazos de carência e diferentes percentuais de abatimento ou ainda de taxas de remuneração dos recursos emprestados, conforme diferentes atividades econômicas e diferentes perfis de condições de vida de quem fez o empréstimo junto ao Fundo; • o pagamento é feito por meio de boleto bancário na conta do Fundo. Recomenda-se a utilização de um boleto bancário para reforçar o compromisso da devolução de quem fez um empréstimo junto ao Fundo, contribuindo para reduzir as inadimplências e também para ajudar no controle contábil e na prestação de contas dos recursos do Fundo.

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4.1.3. A multiplicidade de experiências de Fundos Solidários Os Fundos Solidários são uma metodologia muito diversa, abarcando um conjunto de práticas que configuram uma multiplicidade rica e educativa. Um exemplo dessa diversidade é o UMOJA, Fundo Rotativo Solidário urbano, administrado pela Associação dos Moradores do Conjunto Santa Luzia, em Salvador (BA). O Fundo Rotativo Solidário UMOJA utiliza uma metodologia híbrida, estabelecendo um diálogo entre as práticas de Fundos Solidários e Bancos Comunitários. A atuação do UMOJA baseia-se no fomento a poupanças coletivas, na criação de um Fundo Rotativo Solidário e na assessoria técnica aos empreendimentos fomentados. O fomento às poupanças coletivas tem foco no consumo, pois o crédito que se tem não é suficiente para dar conta da demanda. Esse trabalho ainda inclui a conscientização sobre a necessidade de poupar. A criação de um Fundo Rotativo Solidário objetiva atender quem quer produzir, disponibilizando um crédito que cobre a diferença entre o que tem de lastro e a demanda de crédito. Para isso, é necessário que o grupo tenha o lastro em uma poupança coletiva e que seus membros participem das reuniões da associação de moradores. A taxa de juros da poupança, que é definida pelos próprios membros, é extremamente baixa ou inexistente. Há ainda a assessoria técnica aos empreendimentos fomentados. Um outro exemplo é o trabalho da ARESOL (Associação Regional dos Grupos Solidários de Geração de Renda), criada em 2007, com 32 grupos beneficiados. O objetivo era gerenciar um Fundo Rotativo Solidário composto das devoluções voluntárias dos beneficiados. A iniciativa de sucesso contou com o apoio do BNB, a partir do Programa de Apoio a Projetos Produtivos Solidários (PAPPS). O trabalho da ARESOL vem das ações de geração de renda do Projeto Vencer Juntos. São fomentados empreendimentos rurais que têm as atividades mais diversas, como caprinocultura, beneficiamento de fruta, casa de farinha, horticultura, avicultura, apicultura, etc. Para dar conta de um desenvolvimento local consistente, a ARESOL precisa não apenas gerenciar o Fundo Rotativo Solidário, mas se preocupar com a assistência técnica dos empreendimentos, considerando a diversidade das atividades dos empreendimentos e a diversidade das atividades dos projetos apoiados pelo Fundo.

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A riqueza da diversidade da atuação dos Fundos Solidários pode ser conferida no Mapeamento dos Fundos Solidários8. São experiências rurais e urbanas, que articulam recursos financeiros com produtos (animais e sementes) e serviços (mutirões), das quais participam agricultores familiares, camponeses, remanescentes de quilombos, acampados, catadores, indígenas, ribeirinhos, artesãs/artesãos), padeiros, confeiteiras, costureiras, cozinheiras, sapateiros e tantos outros, que estão organizados desde grupos informais a associações comunitárias, pastorais, cooperativas, sindicatos e outras formas de organização. As ações apoiadas pelos Fundos Solidários também são de uma diversidade inominável, atendendo às mais diversas necessidades para a sobrevivência e emancipação de trabalhadores excluídos do sistema produtivo hegemônico. Entre as inúmeras atividades apoiadas pode-se destacar o acesso à água através de cisternas; o acesso e recuperação de sementes crioulas e sementes adaptadas aos diferentes territórios; máquinas, equipamentos e sementes para hortas e padarias comunitárias rurais e urbanas; galpões, máquinas e equipamentos para os catadores de materiais recicláveis; criação de pequenos animais; máquinas e equipamentos para confecção, alimentação, calçados e artesanato; máquinas, equipamentos e infraestrutura para feiras e outros espaços de comercialização. Além da diversidade de ações e atividades econômicas, os Fundos Solidários também apoiam atividades de mobilização e organização social na realização de várias atividades de intercâmbio e formação; participação em conferências, congressos e plenárias; participação em mobilizações para incidência em políticas públicas. Entre essa enorme diversidade de atividades apoiadas pelos Fundos Solidários também se destacam algumas ações que atendem a necessidades específicas, mas estruturais, de algumas regiões e territórios, como o acesso à agua e a convivência com o semiárido no nordeste brasileiro. 4.1.4. A formação e assessoria técnica para os Fundos Solidários Na diversidade de atividades e formas de organização apoiadas pelos Fundos Solidários, acontece também uma variedade de práticas pedagógicas em atividades de formação e assessoria técnica. Em cada Fundo Solidário, são construídas estratégias coletivas de formação, acompanhamento e assessoria, buscando 8

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http://caritas.org.br/wp-content/files_mf/1383061597Cartilhawebfundos_solidarios.pdf

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dar conta das necessidades e das peculiaridades de cada grupo ou empreendimento e das articulações deles para participar e intervir no desenvolvimento das comunidades e territórios. Muitas vezes o foco da construção de um processo pedagógico se volta para a participação e engajamento dos participantes dos Fundos Solidários na resolução dos entraves e melhorias nas práticas de gestão dos próprios Fundos. Para organizações ou entidades de apoio que atuam no fomento a Fundos Solidários ou, ainda, os próprios Fundos Solidários que atuam no fomento a outros Fundos, recomenda-se um conjunto de ações que podem ser realizadas para fomentar a organização e o fortalecimento de Fundos Solidários, que são visitas, cursos, oficinas, encontros, intercâmbios e sistematizações. De acordo com as necessidades de cada Fundo Solidário, identificadas entre educadores com experiência em Finanças Solidárias e lideranças dos Fundos e das comunidades e/ou Empreendimentos Econômicos Solidários, podem ser realizadas visitas de educadores com experiência em Finanças Solidárias e também visitas a outros Fundos com o objetivo de refletir sobre a gestão de Fundos Solidários para identificar e entender as necessidades da organização e qualificação da gestão das experiências de Fundos apoiados e fomentados. As visitas e reflexões permitem realizar um diagnóstico inicial sobre as ações do(s) Fundo(s) Solidário(s) e identificar o histórico da comunidade e território e os vínculos que as comunidades e territórios têm com a metodologia de Fundos Solidários. As visitas e diagnóstico ajudam na identificação do que podem ser um conjunto de atividades e os conteúdos centrais e condutores de um processo formativo. Essa primeira etapa da realização de visitas e diagnóstico servirá de base para uma segunda etapa, a da formação propriamente dita, em que se realiza várias atividades articuladas por um conjunto de temas e conteúdos que vão ajudar numa melhor compreensão das Finanças Solidárias e na elaboração e aprimoramento de instrumentos de gestão. À medida que as experiências ou iniciativas de Fundos Solidários vão qualificando a sua gestão e práticas, podendo ser caracterizadas como em fase de consolidação, passa-se a estimular

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e organizar de forma mais permanente a sua articulação com outros Fundos Solidários com o objetivo de formar redes territoriais e estadual de Fundos Solidários. Entre as atividades que podem ser realizadas para fomentar a construção de Redes estão as oficinas e encontros territoriais, que devem estimular e propiciar processos de construção coletiva de saberes sobre Fundos e Finanças Solidárias com base nas diferentes experiências, práticas e saberes das diversas Comunidades e dos Fundos Solidários. Os temas e formas de realizar as atividades podem ser escolhidos ou construídos com as comunidades e podem ser diversos, privilegiando o diálogo entre o conjunto das experiências e aproveitando os conhecimentos e aprendizados que as experiências mais antigas realizaram para a efetivação de seus Fundos Solidários. É comum ainda a realização de intercâmbios entre Fundos para a troca de experiências e informações sobre as práticas e gestão dos Fundos Solidários e também sobre as experiências das diferentes atividades econômicas nas comunidades e território, estimulando a construção de Redes de Produção, Comercialização, Consumo e Finanças Solidárias. Por fim, devemos lembrar que a sistematização das experiências dos Fundos Solidários e das suas articulações em Rede, enquanto reflexão crítica do seu processo de construção e dos resultados e aprendizados alcançados, torna-se uma ação fundamental, pois é assim que os aprendizados podem ser comunicados a todos os participantes de cada Fundo Solidário e aos demais Fundos e também a outras iniciativas e pessoas interessadas, tornando possível a melhoria da metodologia e articulação de Fundos Solidários e o fortalecimento da visibilidade e reconhecimento dos Fundos Solidários e do conjunto das ações de Finanças Solidárias.

4.2. Os Bancos Comunitários de Desenvolvimento – BCDs Para tratar das orientações sobre formação a assessoria técnica nos Bancos Comunitários de Desenvolvimento (BCDs), apresentaremos o conceito de BCD e as suas principais características. Em seguida, apresentaremos as fases metodológicas para a sua organização, trazendo um breve histórico da experiência pioneira nessa metodologia: o Banco Palmas. E, por fim, apresentaremos os elementos de formação e assessoria técnica na prática dos Bancos Comunitários de Desenvolvimento.

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4.2.1. Conceito e principais características dos BCDs Segundo a definição da Rede Brasileira de Bancos Comunitários de Desenvolvimento, um Banco Comunitário de Desenvolvimento é um serviço financeiro, solidário, em rede, de natureza associativa e comunitária, voltado para reorganização das economias locais, na perspectiva da geração de trabalho e renda e da Economia Solidária. São criados e pertencem a uma determinada comunidade, ajudando a pôr em prática estratégias de desenvolvimento a partir dos princípios da Economia Solidária. Seu objetivo é promover o desenvolvimento de territórios de baixa renda, através do fomento à criação de redes locais de produção e consumo. As principais características do Banco Comunitário de Desenvolvimento são: • a própria comunidade decide criar o Banco, tornando-se sua gestora e proprietária; • oferece serviço financeiro comunitário e desenvolve suas atividades de apoio à organização comunitária/territorial com base nos princípios da Economia Solidária;

Os Bancos Comunitários de Desenvolvimento apoiam empreendimentos locais a partir do financiamento às suas atividades e na construção de redes locais de produção, consumo e comercialização. Estimulam a construção de redes de consumo e produção a partir dos créditos de consumo (em moeda social) e produtivo (em reais), articulando ações no território, podendo ser um correspondente bancário, ofertar microsseguros e articular um fórum de desenvolvimento comunitário em que atores da comunidade possam se encontrar e discutir questões a respeito do desenvolvimento da comunidade.

• atua com linhas de crédito em reais e/ou em moeda social que estimulam a criação de uma rede local de produção e consumo, promovendo o desenvolvimento da comunidade/território;

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• apoia no território os empreendimentos econômicos (individuais ou coletivos), o comércio justo e solidário, a organização de feiras, lojas solidárias, central de comercialização, etc.; • atua em territórios caracterizados pelo alto grau de exclusão e desigualdade social, voltando-se a um público caracterizado pelo alto grau de vulnerabilidade social, sobretudo aqueles beneficiários de programas sociais governamentais de políticas compensatórias; • promove o desenvolvimento local, o empoderamento da organização comunitária, articulando, simultaneamente, produção, comercialização, consumo, financiamento e capacitação da comunidade local; • funda sua sustentabilidade financeira, em curto prazo, na obtenção de subsídios justificados pela utilidade social de suas práticas. 4.2.2. A utilização da Moeda Social ou Circulante Local Os Bancos Comunitários de Desenvolvimento utilizam a moeda social, conhecida também como circulante local. O objetivo é que ela facilite a circulação dos recursos monetários na própria comunidade, ampliando o poder de comercialização e consumo local/territorial, contribuindo para a ampliação da geração de trabalho e renda na comunidade e no território. A moeda social possui lastro na moeda nacional, o real (R$), e é produzida com componentes de segurança para evitar falsificação. Pode ainda haver incentivos ao uso da moeda social, como descontos dados pelos comerciantes. As moedas sociais circulantes possuem as seguintes características: • o circulante local tem lastro na moeda nacional, o real (R$), ou seja, para cada moeda emitida, existe no BCD um correspondente em real; • as moedas são produzidas com componentes de segurança (papel-moeda, marca d`água, código de barra, número serial) para evitar falsificação;

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