Cartilha PIAJ

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Política Nacional de Infância, Adolescência e Juventudes da Cáritas Brasileira



Política Nacional de Infância, Adolescência e Juventudes da Cáritas Brasileira Brasília - 2016


Expediente Cáritas Brasileira Endereço: SGAN – Av. L2 Norte, Quadra 601, Módulo F CEP 70830-010 / Brasília (DF) Site: www.caritas.org.br E-mail: caritas@caritas.org.br Telefone: +55-61-3521-0350 Fax: +55-61-3521-0377 SECRETARIADO NACIONAL Diretoria Presidente: Dom João José da Costa Vice-Presidente: Ir. Lourdes Maria Staudt Dill Diretor-Secretário: Marilene Alves de Souza Diretor-Tesoureiro: Udelton da Paixão Coordenação Colegiada Nacional Diretor Executivo Nacional: Luiz Cláudio Lopes da Silva (Mandela) Coordenadora: Alessandra Miranda Coordenador: Fernando Zamban Esta Publicação l “Política Nacional de Infância, Adolescência e Juventudes da Cáritas Brasileira”. Elaboração de textos I Grupo de Trabalho de Juventudes da Cáritas Brasileira Colaboração l Assessorias regionais do PIAJ, voluntárias e voluntários Revisão de textos l Vanice Araújo l arteemmovimento.org Ilustração nanquim-aquarela l Beatriz Nery l arteemmovimento.org Projeto gráfico l arteemmovimento.org Tiragem I 2.500 exemplares Brasília, 2016.

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Sumário Prefácio

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A quem se destina a política nacional do PIAJ?

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Conceitos de infância, adolescência e juventudes

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Redes de proteção

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Processos políticos, pedagógicos e de espiritualidade

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Medidas de prevenção

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Prefácio Depois de 25 anos de criação do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente e dois anos de criação do Estatuto da Juventude, ainda há muito a ser feito para assegurar os direitos das crianças, adolescentes e jovens deste país que estão vulneráveis à violência nos mais diversos âmbitos e formas de atuação nos diferentes territórios do Brasil. Nesse sentido, se faz cada vez mais necessário o estabelecimento de normas objetivas para serem de fato o marco da legitimidade das ações com esses sujeitos. Há inúmeros esforços sendo executados pelas organizações da sociedade civil, iniciativa privada e órgãos governamentais na promoção dos direitos humanos das crianças, adolescentes e jovens. Esses esforços devem ser fortalecidos com uma política coerente com a conjuntura atual e com responsabilidade da assistência adequada dispensada às pessoas e aos grupos atendidos que, na sua maioria, são afetados pela desigualdade social. As pessoas que dedicam a sua ação ao acompanhamento e execução de projetos com crianças, adolescentes e jovens cuidam e têm uma função fundamental de cumprimento dos objetivos e princípios institucionais, organizados nessa política. Este documento oferece marcos teórico e operativo importantes e necessários para toda a Rede Cáritas no Brasil, com modo de proceder e de entender as diversas formas de vulnerabilidade desses sujeitos sociais. Uma ótima oportunidade para os educadores, educadoras, crianças, adolescentes e jovens favorecerem a cultura do direito e da proteção integral. Luiz Cláudio Lopes da Silva (Mandela)

Diretor Executivo Nacional da Cáritas Brasileira

Leon Patrick Afonso de Souza Assessor PIAJ Cáritas Brasileira

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A quem se destina a polĂ­tica nacional do PIAJ?



A quem se destina a política nacional do PIAJ? Destina-se a cada entidade-membro, agentes contratados(as) e voluntários(as), crianças, adolescentes e jovens que atuam na missão da Cáritas Brasileira. A política se destina também às organizações e instituições de cooperação nacional e internacional, parceiros que apoiam os projetos desenvolvidos e que comungam da missão de construção de sociedade igualitária.

Quem somos? A Cáritas Brasileira, fundada em 12 de novembro de 1956, é uma das 164 organizações-membro da Rede Cáritas Internacional presentes no mundo. Nacionalmente, a Cáritas é um organismo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Está organizada em rede com 182 entidades-membro, 12 regionais – Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Norte II (Amapá e Pará), Maranhão, Piauí, Ceará, Nordeste II (Alagoas, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte) e Nordeste III (Bahia e Sergipe) – e uma sede nacional. Atua em 450 municípios, sendo presença solidária junto às pessoas mais empobrecidas. Próximo a completar 60 anos de idade, a Cáritas Brasileira é uma rede solidária de mais de 15 mil agentes, a maioria voluntária, por todo o país. Nos últimos 10 anos, auxiliou mais de 300 mil famílias, contribuindo para a transformação de suas vidas e devolvendo a elas a esperança de novas conquistas. E consolidou seu trabalho solidário, atuando com múltiplas iniciativas. No fomento às iniciativas de Economia Solidária, Segurança Alimentar e Nutricional, Fundos Solidários, envolvendo jovens, mulheres, catadores(as) de materiais recicláveis, pequenos(as) agricultores(as), acampados(as) e assentados(as) de reforma agrária, ribeirinhos, quilombolas e indígenas, comunidades em situação de risco e afetadas por desastres socioambientais, a Cáritas valoriza e aposta em ações locais, comunitárias e territoriais, em relações solidárias em que a luta por direitos e a construção de um desenvolvimento local e solidário e sustentável caminhem juntos. 9


Na atuação em gestão de riscos e em situações de emergências, sendo presença solidária e mobilizadora com ações preventivas e de redução de riscos, a Cáritas busca firmar a importância de atuar na perspectiva de defesa de direitos. Nas lutas emancipatórias, a partir de processos coletivos, organizativos, promovendo o protagonismo de grupos e comunidades, bem como no fortalecimento de iniciativas em redes de articulação, fórum e ações de incidência política, a Cáritas busca animar a construção de espaços de democracia participativa, de inclusão e transformação social. Todas essas iniciativas visam a um objetivo: transformar! A Cáritas Brasileira é mudança. E tem transformado, mudado a vida de muitas pessoas no campo social, político e econômico, sendo cada uma das pessoas protagonista dessa mudança histórica. A Cáritas é Amor! Amor em movimento, traduzido em solidariedade.

Do PCA ao PIAJ No início da década de 2000¹, a Cáritas Brasileira definiu o trabalho com a infância e a adolescência como horizonte político-pedagógico para sua ação. A partir do protagonismo exercido junto aos Conselhos de Políticas Públicas incorporados às juventudes, nasceu o PIAJ – Programa de Infância, Adolescência e Juventudes da entidade, que vincula a garantia e a promoção dos direitos desse público à concepção de desenvolvimento solidário e sustentável. A Cáritas se dedica à estruturação do PIAJ em todos os regionais e entidades-membro, envolvendo articulações de coletivos para a participação de crianças, adolescentes e jovens nos processos formativos no que se refere à garantia de direitos através das políticas públicas. O PIAJ incentiva e apoia atividades educativas com foco na Declaração Universal dos Direitos da Criança, no Estatuto da ¹No II Congresso Nacional da Cáritas Brasileira, realizado em Belo Horizonte em 2003, O Programa Criança e Adolescente (PCA) passa a se chamar Programa Infância, Adolescência e Juventude (PIAJ), incorporando à defesa e promoção dos direitos das(os) jovens, compreendendo que essa geração está inserida em processos distintos da infância e adolescência.

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Criança e do Adolescente, no recém-aprovado Estatuto da Juventude e outros referenciais de apoio na defesa e proteção dessas categorias sociais, estimulando a participação política e social em suas comunidades, Conselhos de Direito e Fóruns da Criança, Adolescente e Juventude.

Como será a implantação da política nacional da Cáritas Brasileira nas ações com crianças, adolescentes e jovens? A Política foi elaborada de modo que seja implementada nas diferentes instâncias da Rede Cáritas: Cáritas paroquiais e diocesanas; Cáritas regionais e Cáritas Nacional. Existe na Cáritas Brasileira uma diversidade de ações, dependendo das regiões do país e das necessidades básicas daquele território. Assim, é importante que cada instância se adapte à Política nos contextos em que está e em que o PIAJ está incorporado como Programa ou mesmo em outros programas e projetos em que as ações estão relacionadas com crianças, adolescentes e jovens. Com a implantação da Política Nacional, as crianças, os(as) adolescentes e os(as) jovens estão protegidos(as) e o risco da vulnerabilidade está minimizado, com menos chances de abusos ou explorações e mais chances de conquista de direitos. Os(as) colaboradores(as) da organização, informados(as) e capacitados(as) sobre o comportamento e modo metodológico de proceder, estarão seguros(as) do seu papel e seus direitos. A organização deixa claro seu compromisso com as crianças, adolescentes e jovens e seus objetivos a médio e longo prazo com o PIAJ e respectivos projetos e dispõe de elementos pedagógicos e metodológicos que orientam as parcerias com outros grupos, movimentos e pastorais, bem como as parcerias na mobilização de recursos.

Como está organizada a política nacional? Foram assumidos quatro marcos fundamentais para a composição da Política Nacional. Buscamos as referências nos processos vivenciados pela Cáritas Brasileira no que diz respeito ao Programa e aos projetos executados com as crianças, adolescentes e jovens. 11


Segue uma apresentação dos quatro marcos fundamentais:

1) Conceitos de Infância, Adolescência e Juventudes: Serão apresentados os conceitos que compreendem essas categorias distintas: infância, adolescência e juventudes.

2) Redes de Proteção de Crianças, Adolescentes e Juventudes: Serão apresentados o Sistema de Garantia de Direitos e seus mecanismos.

3) Processos políticos, pedagógicos e de espiritualidade para e com crianças, adolescentes e jovens: Serão apresentadas as opções por processos nas práticas educativas com os aportes metodológicos, pedagógicos e de espiritualidade que assumimos.

4) Medidas de Prevenção: Será apresentado um conjunto de medidas e procedimentos com objetivo de prevenir possíveis violações dos direitos no que afeta as crianças, adolescentes e jovens, assim como o conjunto de funcionários(as), agentes e voluntários(as) que executam as atividades com as crianças, adolescentes e jovens.

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Conceitos de infância, adolescência e juventudes



1 Conceitos de infância, adolescência e juventudes. A Cáritas Brasileira assume infância, adolescência e juventudes como categorias historicamente construídas, a partir de vivências, experiências, estudos, rupturas e construções de diversos grupos ao redor do mundo. A partir das ideias de Michel Foucault e da Filosofia da Diferença, defendemos que os sujeitos não possuem identidades fixas e impermeáveis, mas são atravessados por uma multiplicidade de forças que os subjetivam incessantemente. Dentro disso, a noção de desenvolvimento é uma construção, pois não há um conjunto de características a serem obtidas. Preferimos pensar em termos de processo, apostando que a vida se constrói a cada momento e não pode ser reduzida a qualquer modelo ou norma. A partir disso, compreendemos os conceitos a seguir.

Infância Percebemos que os sujeitos das referidas categorias (infância, adolescência e juventudes, dentro de um processo histórico de construção, nem sempre estiveram na perspectiva do direito, mas eram vistos apenas como objeto. É a partir dos estudos de Philippe Ariès que foi possível (re)pensar a condição das crianças na sociedade, que até meados do século XX eram tidas como responsabilidade de entidades privadas e com viés assistencialista. Porém, a partir da segunda metade do século passado, passa a ser responsabilidade do Estado, o qual tinha como objetivo criar estratégias para tirar das ruas os “menores”, em sua maioria pobres e negros. É nesse período que, no Brasil, se cria o Código de Menores. Recentemente, com o avanço da compreensão dessa categoria social, promoveu-se o reconhecimento dos seus direitos, sendo instituído o Estatuto da Criança e do 15


Adolescente – ECA. Essa foi a concretização de um processo de mudança da percepção acerca da infância, iniciado anos antes da promulgação do ECA, que foi muito influenciada por tendências internacionais, grande parte devido aos estudos de Philippe Ariès. O ECA é, assim, marco fundamental conceitual para ação com os sujeitos dessa categoria.

Adolescência Assim como a infância, a adolescência também é um conceito construído em um processo histórico, sendo que no século XVIII surgem as primeiras tentativas de definição das características dessa fase. Entretanto, somente no século XX são delimitados os atributos que compreendem a adolescência. Para Coimbra (2005), “a adolescência nada mais é que um ‘fenômeno cultural’ produzido pelas práticas sociais em determinados momentos históricos, manifestando-se de formas diferentes e nem sequer existindo em alguns lugares”.² Segundo Bock (2007), foi Erickson quem institucionalizou a adolescência, apresentando-a a partir de um conceito de moratória, caracterizando-a como etapa “especial no processo de desenvolvimento, na qual a confusão de papéis, as dificuldades para estabelecer uma identidade própria a marcavam como um modo de vida entre a infância e a vida adulta”.³ Reconhecendo a diversidade cultural existente no Brasil, levamos em consideração a percepção que alguns grupos étnicos têm dessa fase. Algumas etnias indígenas, por exemplo, assumem a adolescência não como fase do desenvolvimento. Em alguns casos, a criança, ao atingir determinada idade, passa a ser considerada jovem. ²COIMBRA, Cecília. Subvertendo o conceito de adolescência. Disponível em: <http://seer.psicologia.ufrj.br/index.php/abp/article/view/6/9>. Acesso em 28/04/2015 ³BOCK, Ana Mercês Bahia. A adolescência como construção social: estudo sobre livros destinados a pais e educadores. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/pee/v11n1/v11n1a07> Acesso em: 28/04/2015

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Considerando a legislação brasileira e os estudos referentes à adolescência, a Cáritas Brasileira entende essa etapa da vida humana como o período que compreende a idade entre 12 e 18 anos. E assume o conjunto de direitos e deveres dessa categoria social como princípio fundamental. Importante afirmar que, para a legislação internacional, da qual o Brasil é signatário, o termo criança refere-se a pessoas até os 18 anos incompletos, compreendendo, assim, as fases de criança e adolescente no Brasil.

Juventudes Nos últimos anos, as reflexões sobre as(os) jovens têm ocupado arenas políticas, sociais e culturais importantes. Diante de dados que revelam altos índices de desemprego, evasão escolar, violência e extermínio das juventudes, grupos e organizações estão fortalecendo o debate sobre os direitos humanos das juventudes, numa tentativa de fazer com que essa categoria social seja reconhecida em suas formas de ser e viver. Conforme Abramovay (2004), “não há uma cultura juvenil unitária, um bloco monolítico, homogêneo, senão culturas juvenis, com pontos convergentes e divergentes, com pensamentos e ações comuns, mas que são, muitas vezes, completamente contraditórias entre si. A juventude não é uma unidade social, um grupo constituído somente com opiniões comuns, comportando, assim, diferentes sentidos. Como bem afirma Bourdieu, seria um abuso de linguagem colocar em 4 um mesmo contexto universos que são tão diferentes”. (p.32) Por isso, a Cáritas assume, como em estudos recentes, o termo “juventudes”. Justamente por considerar que não se trata de um grupo homogêneo, mas de variadas expressões juvenis: políticas, sociais, culturais, religiosas, urbanas, rurais, quilombolas, indígenas, ribeirinhas, entre outras. No Brasil, o termo jovem foi incluído à Constituição Federal somente em 2010, por meio da Emenda Constitucional nº 65 e o Estatuto da Juventude, aprovado em 2013, ambas as 4 Estar

no Papel – Cartas dos jovens do Ensino Médio. Esteves, Luiz Carlos Gil Estar no papel: cartas dos jovens do ensino médio / Luiz Carlos Gil Esteves ET alii. – Brasília: UNESCO, INEP/MEC, 2005. 139 p. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001398/139885por.pdf

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conquistas de diversos grupos e organizações da sociedade civil, que já percebiam os(as) jovens como sujeitos de direitos. A Cáritas Brasileira inseriu também em 2013 a categoria juventude em seu Estatuto, como segmento acompanhado, e reconhece a categoria juventudes como os sujeitos que têm faixa etária entre 15 e 29 anos, seguindo os marcos internacionais e nacionais que concebem os(as) jovens dentro desse período de vida. E reconhecemos a importância da efetivação das políticas públicas e processos de fortalecimento da autonomia para os sujeitos que estão imersos nessa etapa da vida. A Política cumpre sua intencionalidade, tratando a perspectiva conceitual, para gerar o debate, reflexão e nova postura, frente a algumas conceituações frequentemente difundidas sobre crianças (como sujeitos sem autonomia, que não sabem o que querem), adolescentes (como irresponsáveis, imaturos, “aborrescentes”) e jovens (como futuro do planeta, como perigo, ou tão somente motores da economia de consumo), consolidando o entendimento da Cáritas, que se deve garantir a promoção humana desses sujeitos, suas famílias e comunidades.

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Redes de proteção



2 Redes de proteção A denominação “rede” vem sendo utilizada numa perspectiva de avanço e qualificação das respostas para os processos de proteção social. Existe uma abrangência e complexidade quando o termo rede é utilizado. No caderno Redes de Proteção Social, produzido pela Secretaria de Direitos Humanos, o texto Redes de Proteção Social na Comunidade de Antônio Sérgio Gonçalves e Isa Maria F. Rosa Guará (2010, p. 22) destaca uma compreensão de redes em diferentes dimensões: proteção primária e de proteção espontânea, envolvendo família e núcleos relacionais de afetividade; redes de serviços comunitários; redes sociais movimentalistas; redes setoriais públicas e privadas. Em todos esses aspectos, podem-se enfatizar algumas de suas características voltadas para a articulação intencional de pessoas e grupos humanos, sobretudo como uma estratégia que envolve os(as) agentes sociais para a potencialização de suas iniciativas, para proteger e promover o desenvolvimento pessoal e social dos(as) envolvidos(as), que podem ser crianças, adolescentes, jovens e famílias. No campo da responsabilidade do Estado voltada para a organização e implementação de políticas públicas para a infância e adolescência, a concepção de Rede se constitui em ações integradas de instituições governamentais e não governamentais que buscam reduzir todas as formas de violação de direitos, de violências contra crianças, adolescentes e jovens.

De que tipo de proteção estamos falando? A Convenção Internacional, das Nações Unidas, sobre os direitos da criança instituiu uma nova concepção de infância e adolescência: a criança sujeito de direitos. Essa normativa regeu-se também por uma nova doutrina jurídica: a substituição das doutrinas penais e da situação irregular pela doutrina de proteção integral. A Convenção Internacional, das Nações Unidas, sobre os direitos da criança instituiu uma nova concepção de infância e

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adolescência: a criança sujeito de direitos. Essa normativa regeu-se também por uma nova doutrina jurídica: a substituição das doutrinas penais e da situação irregular pela doutrina de proteção integral. Nossa legislação não somente incorporou a filosofia da proteção integral, mas ampliou esse conceito. E, mais que isso, buscou formas concretas de operacionalizar essas concepções. A Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e demais legislações sociais ampliaram a noção de Estado e da forma de construir políticas públicas no Brasil. A dimensão conceitual do Estado fortalece a perspectiva da “re-pública”, “coisa pública” reforçando a concepção de espaço que se constitui pela sociedade política e pela sociedade civil organizada (movimentos sociais, organizações não governamentais, conselhos de políticas públicas). Essas leis criaram também um novo jeito de elaborar e gerir políticas sociais, bem como uma nova abordagem do atendimento da criança, não como práticas de favor das instituições públicas e privadas, mas como direito de todas as crianças e adolescentes e dever do Estado através da organização de políticas e serviços próprios articulados à sociedade civil. Assim, a democratização do Estado e o fortalecimento de redes para formulação, implementação, avaliação e controle de políticas públicas voltadas para a proteção da criança e do(a) adolescente de maneira integral se constituem em responsabilidade de toda a sociedade.

Que mecanismos existem? Além da legislação, órgãos de denúncia, campanhas de conscientização e mobilização, entre outros, um dos mecanismos fundamentais no que se refere à efetivação de redes de proteção é o Sistema de Garantia de Direitos – SGD. O Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do(a) Adolescente constitui-se na articulação e integração das instâncias públicas governamentais e da sociedade civil na aplicação de instrumentos normativos e no funcionamento dos mecanismos de promoção, defesa e controle para a efetivação dos direitos da criança e do(a) adolescente, nos níveis federal, estadual, distrital e municipal. Compreendem esse Sistema, prioritariamente, os seguintes eixos: 22


Eixo da Defesa dos Direitos Humanos: os órgãos públicos judiciais; Ministério Público, especialmente as Promotorias de Justiça, as Procuradorias Gerais de Justiça; Defensorias Públicas; Advocacia Geral da União e as Procuradorias Gerais dos Estados; polícias; conselhos tutelares; ouvidorias e entidades de defesa de direitos humanos incumbidas de prestar proteção jurídico-social. Eixo da Promoção dos Direitos: a política de atendimento dos direitos humanos de crianças e adolescentes operacionaliza-se através de três tipos de programas, serviços e ações públicas: 1) serviços e programas das políticas públicas, especialmente das políticas sociais, afetos aos fins da política de atendimento dos direitos humanos de crianças e adolescentes; 2) serviços e programas de execução de medidas de proteção de direitos humanos e; 3) serviços e programas de execução de medidas socioeducativas e assemelhadas. Eixo do Controle e Efetivação dos Direitos: realizado através de instâncias públicas colegiadas próprias, tais como conselhos dos direitos de crianças e adolescentes; conselhos setoriais de formulação e controle de políticas públicas; e os órgãos e os poderes de controle interno e externo definidos na Constituição Federal. Além disso, de forma geral, o controle social é exercido soberanamente pela sociedade civil, através das suas organizações e articulações representativas. Dentro do Sistema de Garantia de Direitos os Conselhos de Direitos e Tutelares, desempenha uma função estratégica: a de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do(a) adolescente. Como fruto de ações direcionadas do Estado e da sociedade civil organizada, a rede dos Conselhos Tutelares está em expansão. E esse avanço, cabe dizer, é o reconhecimento de uma luta que vem antes de 1990, ano da aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, que traz em seu cerne o paradigma da proteção integral e que ainda impõe uma série de mudanças sociais, políticas e administrativas.

Desafios encontrados na efetivação da rede de proteção Um dos principais desafios para a efetivação da rede de proteção dentro da estrutura de promoção, proteção e controle social nos estados e municípios é o fato de que os 23


atores e atrizes do Sistema de Garantia de Direitos não conseguem se visualizar dentro dos fluxos de atendimento e não se conhecem. Há desarticulação e fragmentação no SGD. Isso tudo aliado ao fato de que inexistem as estruturas suficientes para a efetivação das políticas públicas previstas pelo ECA, o que abre lacunas, como a aplicação de medidas socioeducativas. É possível constatar também que a rede de proteção está mais constituída nas regiões metropolitanas e capitais devido à presença mais articulada de organizações não governamentais de diferentes áreas de atuação, bem como a estrutura de controle social. Contudo, essa realidade é diferente nas cidades do interior do país, onde as políticas públicas já se apresentam enfraquecidas, assim como uma frágil incidência das instâncias de controle social e dos movimentos sociais. Os desafios são ainda mais alarmantes quando se olha para a realidade das crianças, adolescentes e jovens em territórios rurais, que, além de não acessarem mecanismos de controle e efetivação de políticas públicas, sofrem com o fechamento das escolas, a precarização do trabalho – quando migram para as cidades, encontram empregos precarizados, em muitos casos situações de trabalho infantil e trabalho forçado.

Relação da Cáritas com a rede de proteção Para que a relação da Cáritas Brasileira com a rede de proteção possa repercutir dentro de toda essa conjuntura, que é de desafios e oportunidades, se faz necessário haver uma maior incidência nas instâncias de controle social, bem como a realização de parcerias entre os demais atores e atrizes do Sistema de Garantia de Direitos, e proporcionar ainda a formação de seus(suas) agentes para que essa demanda possa ser atendida. A Rede Cáritas Brasileira atua hoje em nível nacional no Fórum Nacional dos Direitos da Criança e Adolescente, Fórum Nacional de Enfrentamento ao Trabalho Infantil e nas instâncias dos estados e municípios nos diversos fóruns e coletivos de controle social das políticas de crianças e adolescentes, sendo necessário o avanço da presença da Rede nos espaços de controle social ligados às juventudes. 24


Processos polĂ­ticos, pedagĂłgicos e de espiritualidade



3 Processos políticos, pedagógicos e de espiritualidade A Política Nacional de Formação Cáritas tem como pressuposto fundamental a interligação da mística, da espiritualidade e da metodologia de investigação-ação, entendendo que essa articulação é parte central da sua identidade. Um segundo pressuposto é o processo participativo que deve permear toda a metodologia, eliminando a dissociação entre quem pensa e quem executa, quem age e quem é “objeto da ação”. Os(as) agentes são animadores(as) e as pessoas envolvidas no trabalho são sujeitos da ação, protagonistas coletivos nos programas e projetos desenvolvidos sob a responsabilidade da Cáritas. A política específica do PIAJ atualiza os aspectos distintos na ação, mas permanece em consonância com a Política Nacional de Formação da Cáritas nos aspectos da sua metodologia, pedagogia e espiritualidade, sendo que ambas procuram realizar a dinamização da missão da Cáritas. Vale lembrar alguns passos que já foram dados, tais como as práticas do planejamento participativo; o planejamento, monitoramento, avaliação e sistematização (PMAS); a constituição dos GTs nacionais5 ; a reflexão sobre a política de formação da Cáritas Brasileira e a sustentabilidade da Cáritas, etc. O exercício dessas iniciativas tem refletido positivamente nos encaminhamentos e nos resultados das nossas ações. Na ação metodológica do PIAJ, propomos três eixos estratégicos: a) Promoção de direitos Promoção da cultura da paz e do respeito aos direitos humanos das crianças, adolescentes e jovens. 5 O GT Nacional de Juventudes foi instituído em 2012. Até o presente momento, tem animado, coordenado e realizado as ações propostas dentro do Marco Referencial da Cáritas Brasileira 2012-2015 para o PIAJ.

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Respeito às pessoas com deficiência e às diversidades de gênero, cultural, étnico-racial, religiosa e territorial. Desenvolvimento de ações voltadas à preservação da imagem e da identidade, conforme dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente. Promoção de ações educativas de prevenção de violências e acidentes com crianças, adolescentes e jovens. b) Defesa de direitos: Articulação com conselhos tutelares, Ministério Público, centros de defesa de direitos humanos, Segurança Pública. Fortalecimento da relação instituição/família no planejamento das atividades com crianças, adolescentes e jovens. Atuação nas manifestações e reflexões sobre os temas: identidade de gênero, diversidade religiosa, sociedade e desigualdades sociais, cultura de paz, violências, conflitos familiares, trabalho infantil, abuso e exploração infantil, Economia Solidária, sustentabilidade ambiental, cumprimento de medidas socioeducativas. c) Controle social das políticas públicas Para o controle social das políticas públicas, estamos organizados nas seguintes proposições: Articulação e mobilização social: articulação dos atores e atrizes do Sistema de Garantia de Direitos: mobilizações sociais – campanhas contra diminuição da idade penal; contra violência e extermínio de jovens; dia nacional de combate ao abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes; dia mundial contra o trabalho infantil.

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Controle social de políticas públicas para a infância, adolescência e juventudes: participação através de instâncias públicas colegiadas próprias: conselhos dos direitos de crianças e adolescentes; conselhos da juventude, conselhos setoriais de formulação e controle de políticas públicas; e os órgãos e os poderes de controle interno e externo definidos na Constituição Federal.


Sistema de garantia de direitos e conselhos tutelares: atuação junto ao SGD, desempenhando uma função estratégica: a de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do(a) adolescente. Formação: capacitação permanente dos(as) agentes contratados(as) e voluntários(as) envolvidos(as) na ação com as crianças, adolescentes e jovens, pautando uma metodologia participativa e de educação popular, subsidiando e produzindo ferramentas de métodos para a execução das atividades. O eixo principal das ações com as crianças, adolescentes e jovens deve priorizar a formação integral e a construção de saberes amplos, com temas diferenciados e correspondentes às realidades locais. Metodologia A metodologia da Cáritas Brasileira para atuação na área da infância, adolescência e juventudes é participativa, baseada nos saberes locais e na construção de novos conhecimentos. O trabalho é pautado pelo desenvolvimento da autonomia dos sujeitos e o desenvolvimento integral de suas potencialidades. Isso significa: desenvolver consciência cidadã, consciência da condição de sujeito de direitos, conhecimento das instâncias políticas e sociais que assegurem os direitos; instrumentalizar a população para construir alternativas para alterar o quadro de pobreza; oferecer acesso à produção cultural local e inserir as crianças, os(as) adolescentes e jovens na formação cultural; articular e realizar parcerias com entidades que complementem os nossos serviços para assegurar a proteção integral; participar de fóruns nacionais e locais que fortaleçam a sociedade democrática. Para isso, desenvolvemos um procedimento de diagnóstico participativo, ouvindo as comunidades, seus desejos e suas prioridades. Assim, asseguramos que o projeto tenha relevância para o grupo a quem se destina. A família é foco central, já que é a primeira e a mais importante referência social das crianças, dos(as) adolescentes e dos(as) jovens. 6

Os princípios da metodologia: Ter as crianças, adolescentes e jovens como preocupação primeira na ordem de qualquer atendimento emergencial. 6

Trechos do texto dos 50 anos da Cáritas Brasileira.

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Buscar a formação das juventudes para garantir seu ingresso no mundo do trabalho e a sua inclusão social em condições dignas. Valorizar as culturas regionais como reconhecimento das diversas manifestações humanas e fortalecimento das identidades locais. Manter intransigente posicionamento pela erradicação do trabalho infantil e pelo combate à violência e exploração sexual de crianças, adolescentes e jovens. Comprometer-se com a cultura da paz com justiça social. Comprometer-se com a democratização do Estado brasileiro e, nesse sentido, com a organização da sociedade civil e dos movimentos sociais pelas crianças, adolescentes e jovens, na deliberação e controle das políticas públicas voltadas para essas categorias. Ser PARTICIPATIVA. Buscar a valorização da participação das crianças, adolescentes e jovens desde a elaboração das propostas/projetos. Baseada na educação popular e contextualizada, considerando outras metodologias populares, a exemplo da abordagem sistêmica comunitária, considerando os diferentes saberes. Utilizar o método VER–JULGAR-AGIR e CELEBRAR: olhar a realidade através dos atores locais (crianças, adolescentes e jovens), refletir sobre ela e as práticas institucionais para intervir nessa realidade através de trocas de experiências – intercâmbios: partilha dos saberes, das práticas, da práxis. Utilizar metodologias que reconheçam os elementos e práticas culturais (dança, teatro, cinema, fotografia, etc.) como mecanismos políticos de formação e mobilização social. Utilizar o Ciclo de Planejamento, Monitoramento, Avaliação e Sistematização:7 é constituído pela definição de objetivos, estratégias, metas e ações para um determinado período, baseado na análise dos desafios internos e 7 Definição

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na Cartilha PMAS na Cáritas Brasileira: http://caritas.org.br/wp-content/files_mf/1383069495caritas_PMAS_cd.pdf


externos e na compreensão da capacidade institucional para responder a eles. Monitoramento – é o ato de verificar coletivamente a execução do planejamento e sua relação com a superação dos desafios identificados inicialmente. Avaliação – é o ato de reflexão sobre todo o processo que envolve o diagnóstico inicial e o monitoramento. Com a avaliação, busca-se compreender o grau de alcance de objetivos, medindo os resultados e comparando-os com as metas estabelecidas no planejamento. Sistematização – é o processo de reflexão e análise que busca recolher os aprendizados produzidos a partir do processo de planejamento, monitoramento e avaliação, extraindo lições da prática, das decisões tomadas e não tomadas, da estrutura de gestão construída para a execução, dos fluxos de trabalho e de informações, entre outras. Mística e espiritualidade A mística da vida e do Reino, tão evidente e forte na prática do amor libertador de Jesus, é a fonte de esperança que alimenta os(as) que decidem seguir seus passos. Essa dimensão da mística e da espiritualidade da Cáritas transformou sua prática em fermento de transformação, em luz para compreender os sinais dos tempos, em fonte de esperança para todas as pessoas que aceitam o convite de viver sua missão em favor dos irmãos e irmãs assumidos como o próximo. A mística e a espiritualidade libertadora devem permear todos os processos metodológicos, considerando: Respeito às diferentes experiências da vivência do sagrado das crianças, adolescentes e juventudes. Princípios e valores da Rede Cáritas e dos grupos – comunidades acompanhadas. Diálogo ecumênico e inter-religioso de forma criativa, leve, artística e lúdica. Valorização das simbologias que reforçam a vida e a fé. Apresentação do Reino de Deus como projeto de sociedade e protagonismo de todas as pessoas envolvidas. 31



Medidas de prevenção



4 Medidas de proteção Estabelecer responsabilidades conjuntas de segurança pelas crianças, adolescentes e jovens é o fundamento central das medidas de prevenção para uma interação com esses sujeitos. Resguardando a proteção de todos os atores e atrizes envolvidos(as) nas ações do PIAJ e/ou outras ações que envolvam as crianças, adolescentes e jovens, apresentamos as medidas de prevenção, que é o sinal do compromisso de criar e preservar um ambiente seguro através do cumprimento das medidas/normas. Cuidar do cumprimento e da divulgação da medida de prevenção em seu espaço de realização de projeto. Comunicar sem demora com a pessoa responsável pelo projeto: suspeitas, denúncias e incidentes, com atenção ao sigilo necessário para cada acontecimento e o encaminhamento à rede de proteção, caso seja necessário. Contribuir para a criação de um ambiente seguro, que incentive e encoraje as crianças, adolescentes e jovens a compartilhar as experiências ou denúncias necessárias. Levar a sério as opiniões e preocupações das crianças, adolescentes e jovens e contribuir para que se tornem sujeitos da ação. Tratar com respeito e adolescentes e jovens.

atenção

todas

as

crianças,

Garantir espaços para relações respeitosas com as crianças, adolescentes e jovens, em que qualquer comunicação ou ação violenta é proibida, como gritos, empurrões, beliscões, castigos e ofensas através de xingamentos. Esse espaço deve ser garantido na relação 35


dos(as) responsáveis pela atividade e também na relação das crianças, adolescentes e jovens com os(as) responsáveis do projeto. Os gestos pedagógicos ao lidar com os conflitos devem ter uma postura de mediação dos conflitos existentes, e não de anulação deles, buscando alcançar sempre a cultura da paz através do diálogo. A Cáritas Brasileira não imporá as crenças religiosas aos seus(suas) agentes contratados(as), voluntários(as) e crianças, adolescentes e jovens. Qualquer imposição dessa natureza será caracterizada como proselitismo religioso, ou seja, utilizar de técnicas de persuasão antiéticas e muitas vezes agressivas na imposição de outra religião.

“Sonhamos com um PIAJ mais integrado Às demais frentes institucionais Que dialogue com as outras ações Que participe das mediações Que se sustente em experiências regionais.” Trecho da Carta do Seminário Nacional de Juventudes da Cáritas Brasileira – Brasília (DF), março de 2016.

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