Revistabang5

Page 72

não era o nosso. Salomon empurrou as portas duplas do Lone Star e Palm Garden Saloon. Fazia escuro no interior, uma escuridão fumarenta e cheia de ruídos. Salomon atravessou a sala, passou no meio de bocas escancaradas a rir, onde era possível verem-se vários dentes de ouro, cruzou mulheres cujos rostos pareciam transformados em máscaras pintadas de palhaços, fixas num esgar de falsa alegria, rumo a uma figura alapardada sobre uma mesa do fundo. Deu uma pancada seca, com o cotovelo, por detrás da orelha esquerda de Tarkin, de modo a insensibilizar os centros responsáveis pelas viagens no tempo enquanto lhe picava o rabo com uma agulha que trazia amarrada ao joelho direito. Foi tudo tão rápido que ninguém no bar se deu conta de nada. Tarkin virou-se com um brilho vítreo nos olhos. Ainda conseguiu mostrar uma expressão de ódio, embora já mal pudesse controlar os músculos do rosto. — Tu outra vez ? Nunca mais aprendes, pois não ? Salomon observou-o, horrorizado, porque este homem era bem mais velho do que ele. Quase não se parecia com o jovem que o tinha capturado no Dagmar de Lübeck. O cabelo de Tarkin, que em tempos era ruivo, estava todo branco e desgrenhado. Salomon apertou-lhe brutalmente a mão. Apesar da droga, Tarkin esboçou uma careta de dor. — Onde é que foste arranjar isto, Andy ? — O anel no dedo de Tarkin tornou-se num foco conveniente para a sua raiva. Tarkin esboçou um sorriso débil mas triunfante: — Nem queiras saber. Acredita em mim, olha que não queres mesmo. — Estou farto de aturar pessoas a dizerem-me aquilo que eu não quero saber, — comentou Solomon, enquanto injectava Tempedrina na artéria carótida de Tarkin juntamente com um inibidor sináptico, de modo a diminuir a inércia temporal. Já era difícil arrastarmos uma pessoa através do Tempo, quanto mais se ela não estivesse devidamente condicionada. A mente humana, o único

instrumento capaz de viajar no Tempo, tendia a permanecer na sua época de origem. Partiram juntos, como dois velhos amigos, Solomon a rir e a cantarolar, Tarkin meio aparvalhado, aos tropeções. — Bebeste demais, Billy, — disse Salomon, para que os utentes do bar o ouvissem, mas ninguém lhe prestou atenção. — Já te expliquei, mas tu não ligaste nenhuma... é tempo de voltarmos para casa... — Tempo... — disse Tarkin. — Tempo... A viela nas traseiras era um bom local de partida. Havia uns quantos corpos caídos em redor, bêbados ou drogados, tão importantes para o caso, como os candeeiros e os gatos, que ainda não tinham parado de reclamar. Salomon poisou Tarkin no chão. — Co... mo vai o nosso marinheiro ? — disse Tarkin, com a voz entaramelada. — Fica sabendo que desisti de tentar matar-te depois do caso do Dagmar. Dei-me conta que haverias de vir ter comigo, contas feitas. E estava cheio de razão. — Depois deixou pender a cabeça sobre os tijolos do beco com um som cavo. Salomon examinou-lhe o crânio. Partido não estava, mas havia de ter ali um galo enorme, no dia seguinte. Como é que raio se dizia “galo” em Russo ? Custava-lhe a aceder aos termos correctos, mas a verdade é que, dentro em breve, não ia conseguir pensar ou falar doutra maneira. Ah, sim, Shishka. Do mal o menos. — Agora vamos lá a saber certas coisas... — disse Solomon. Murmurou as palavras de libertação e o beco ficou vazio. FEVEREIRO 1930 EC

O

Coronel Fedoseyev inclinou-se sobre a cadeira, com o queixo apoiado nas mãos, e pôs-se a olhar com todo o desprezo de que era capaz, para o prisioneiro Shishkin. Estávamos no quarto dia do interrogatório, mas já se sentia cansado até aos ossos. Devia ser da idade, de certeza. Em tempos que já lá vão, conseguia trabalhar numa cadeia de produção quase sem a ajuda de ninguém, e agora revista BANG! [ 72 ]


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.