A vila que vira mar

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8. EMERGÊNCIA

problema de planejamento em toda a cidade

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ona Ana não consegue manter a casa limpa. Envergonhada, ela mostra o banheiro coberto por lama preta que parece estar parada ali há muito tempo. As paredes da casa, mesmo pintadas, estão cobertas de limo e mofo e os móveis, que eram novos, estufam por causa da umidade e se desmancham a cada movimento mais brusco. Nada disso, no entanto, é por descuido ou falta decuidado. Para Ana Izabel Oliveira, assim como para grande parte dos moradores do bairro Vicentina, a água é o problema. As enchentes são uma constante na região. Na realidade, as enchentes são um problema antigo da cidade. Em 2013 São Leopoldo teve a pior cheia desde 1965. A administração pública apresenta dificuldades em resolver esse tipo de problema. Os alagamentos são consequência da falta de planejamento urbano e da redução das áreas de banhados, que auxiliam no amortecimento das cheias. O bairro Vicentina é um dos exemplos mais claros deste problema. Moradora do bairro há dois anos, Ana vendeu um terreno que tinha no bairro São Miguel para comprar a casa onde mora com a filha e dois netos. A esperança de um lugar onde pudesse viver sem pagar aluguel e dar conforto para as crianças virou um pesadelo logo na primeira chuva intensa que atingiu o local. Ana mostrou que o esgoto não tem vasão para a rua e, por isso, não conseguem puxar a descarga do vaso sanitário ou manter o box limpo. Sem condições de corrigir o problema, ela já buscou ajuda com entidades competentes, mas só ouviu promessas. Não é só dentro da casa, no entanto, que a água transborda. A rua, que fica um nível acima da construção, enche quando chove intensamente, e a inundação invade a residência. “Quando começa a chover, eu já me apavoro e deixo a minha irmã de sobreaviso. Se vejo que vai inundar, alguém vem buscar as crianças e ajudar a salvar as coisas”, relata a moradora. Nem sempre a ajuda da família e dos amigos é suficiente. Em março, a última vez que o local encheu de água, só deu para salvar a televisão e a geladeira. Além disso, Ana precisou ficar um mês morando na

casa da irmã, esperando a água baixar. Até hoje, nunca recebeu nenhuma visita ou orientação da Defesa Civil sobre essa situação. O sol e o calor têm sido os melhores amigos dessa população. “Temos medo da chuva”, diz Diovana Cassol Araújo, que já precisou sair de casa com o filho mais novo, quando a água estava chegando no joelho. Mãe de três filhos, Diovana afirma ter medo das doenças que a água suja pode trazer. O marido, que tem artrose, sofre para sair de casa nos dias de chuva, já que a umidade piora as dores e dificulta a caminhada. Moradora da Vicentina há 15 anos, ela teme pelas enchentes, que vem piorando nos últimos anos. “Antes a água ficava na rua. Na última, faltou muito pouco para entrar em casa”, lembra Diovana.

LAURA PAVESSI

ESGOTO E ALAGAMENTOS CRIAM CÍRCULO VICIOSO Próximo ao arroio que corta o bairro os alagamentos tem outra origem. Recém-criado e não concluído, um duto frequentemente transborda e enche as casas mais humildes do Vicentina. No ano passado, a água invadiu duas vezes as residências que ficam em frente ao valo. Nos últimos anos, no entanto, a situação dos alagamentos parece piorar. João Luiz Cazulo, dono de uma estofaria no Vicentina, viu sua casa ser invadida pela primeira vez há oito meses. Ele conta que o problema é o sistema de esgoto que foi feito da forma errada. “Eu não trabalho na Prefeitura, mas não sou burro. Isso aqui tudo foi mal planejado, porque se tivessem feito o projeto certo, não enchia assim aqui”, desabafa João. Para Jesus da Silva Damasceno, o problema é que, com a construção do canal, as tubulações que escoavam a chuva ficaram sem vasão, o que faz com que a água volte e encha as casas. De acordo com os moradores, uma casa de bombas construída para ajudar com a pressão da água não parece colaborar. Quando alguém percebe que a água começa a encher, avisa os guardas para abrirem as comportas. Depois da chuva, o que fica é a lama preta dentro das casas e um cheiro forte misturado ao sentimento de revolta, impotência e tristeza. A água que baixou e deixou suas marcas nas paredes e na vida de Ana e sua família é a mesma que indigna João e que assusta Diovana e outros moradores do Vicentina. A única

coisa que esperam, agora, é que não chova tão cedo, ao menos não antes de conseguirem solucionar tantos problemas. ENTENDA AS ENCHENTES DO BAIRRO VICENTINA “O Vicentina foi construída em uma parte muito baixa da cidade. Ele é uma área de alagamento e começou a ser liberada para ser loteada onde não deveria. Ele teria que ser no mínimo um metro mais alta, o que é inviável de se fazer”. A explicação é do Engenheiro Civil Nilson Karam, diretor de drenagem urbana do Serviço Municipal de Água e Esgoto (SEMAE). Ele acredita que já foi realizada a manutenção nas redes de escoamento fluvial e que o problema das enchentes no Vicentina nasceu com o bairro. Sobre as soluções e os pedidos para aumentar o número das proteções chamadas de bocas de lobo nas ruas, Karam não ilude. “As bocas de lobo não resolveriam o problema. Podem ajudar quando for pouca chuva, mas se o volume de água for muito, vai inundar”, ressalva ele. Para o engenheiro o ideal seria um novo canal para escoamento da água da chuva. O atual deságua na via da Avenida João Correa, que recebe um volume muito grande, quando enche, as comportas são fechadas e a água acaba voltando para o lugar de origem e alaga as ruas.

Sobre as bombas que parecem não ajudar, Karam tem outra versão. Ele aponta o lixo como principal vilão. “Não podemos ligar as bombas se tem lixo que impede a passagem de água pelas grades de contenção. Primeiro tiramos os entulhos que atrapalham para depois ligá-las, o que demora um certo tempo”. O engenheiro ainda afirma que o problema do lixo só aumentou nos últimos tempos e diz que estão buscando formas mecanizadas para melhorar essa situação, mas o orçamento é pouco.

Segundo Karam já está confirmado o valor de R$ 76 milhões para a construção de uma estação de tratamento de esgoto no Vicentina. O investimento viria do Governo Federal e estaria previsto para 2015. “Vai mudar a cara do Vicentina tratando-se de esgoto”, afirmou Karam. Com a obra, a água tratada poderá ser devolvida diretamente para o Rio dos Sinos, tendo maior vasão e amenizando os problemas que sofrem os moradores.

- ANA LERSCH - SABRINA STIELER

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