PROESIA E OUTRAS QUESTÕES POÉTICAS & PROÉTICAS

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poĂŠticas&

p oesia

rubens jardim


OBRAS PUBLICADAS ULTIMATUM, São Paulo, Edições Texto, 1966. ESPELHO RISCADO, São Paulo, Cadernos de Poesia 2, 1978. EM COLETÂNEAS 4 NOVOS POETAS NA POESIA NOVA, São Paulo, Edição dos Autores, 1965. CATEQUESE POÉTICA ANTOLOGIA, São Paulo, Editora ÍtaloLatino-Americana Palma, 1968. POESIA DEL BRASILE D`OGGI, Palermo(Itália), Editora ÍtaloLatino-Americana Palma, 1969. VÍCIO DA PALAVRA, São Paulo, Edições Cooperativas Garnizé, 197 FUI EU, São Paulo, Escrituras Editora,1998,organização de Eunice Arruda. POESIA PARA TODOS, Rio de Janeiro, Edições Galo Branco, 2000. ANTOLOGIA POÉTICA DA GERAÇÃO 60, São Paulo, Nankin Editorial,2000, organização de Álvaro Alves de Faria e Carlos Felipe Moisés. LETRAS DE BABEL, Montevidéo (Uruguai), Edições Bianchi, 2001. PAIXÃO POR SÃO PAULO, São Paulo, Editora Terceiro Nome, organização de Luiz Roberto Guedes, 2004. SOBRE RUBENS JARDIM

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bibliografia


“O trabalho do poeta não poderá destinar-se somente a outros poetas. Abrir o jogo do poema, para abrir o consumidor do poema, para abrir o poeta, para abrir a realidade humana, esta é a tarefa.” Quando isto foi escrito por Lindolf Bell em maio de 1969 na Universidade de Iowa (EUA), o movimento da Catequese Poética por ele iniciado em São Paulo, já completava cinco anos de atividades no sentido da divulgação de poemas e de poetas. Tudo começou em maio de 1964 na extinta boate Ela, Cravo e Canela. Ali, Lindolf Bell dizia seus poemas auxiliado por Corina, enquanto Geralda dançava o primeiro poema da série Os Convites, numa coreografia de Marika Gidali. Novas experiências foram realizadas no Teatro Oficina, com poesia aliada à dança. Posteriormente, Pomona Sforza construía, em pano e metal, uma vestimenta dentro da qual se contorcia em cena. Outra apresentação de sucesso aconteceria no antigo Teatro de Arena. Paralelamente, Lindolf Bell ia realizando uma série de conferências, recitais e debates em colégios e faculdades. Em 1964, Álvaro Alves de Faria comunica seu interesse em realizar um recital na rua, para lançar também seu livro Sermão do Viaduto. Em 22 de abril de 1965, deu-se a primeira Catequese Poética Coletiva com a leitura de poemas na rua, que reuniu também outros poetas como Eduardo de Oliveira, Maria da Penha, Eunice Arruda, Carlos Soulié do Amaral, Flávio Marx, Clarice Jacy, Roberto Biccelli, Wanderley Diniz, L.C. Barreto e outros que aderiram à última hora. Posteriormente, outro recital foi realizado em praça pública - Praça da Sé - que além destes poetas apresentou, também, Ronald Carvalho e Rubens Jardim. Em 1965, com o apoio de Paulina Kaz foi realizada a primeira Catequese Poética no Rio de Janeiro. Ainda em 1965 foi realizado o primeiro recital em estádio de esportes no Brasil (PUCdo Rio). A catequese se organiza cada vez mais e seu trabalho é cada vez mais intenso. Aderem ao movimento Ronald Carvalho, Marli Medalha, Rubens Jardim, Iraci Gentile, Luiz Carlos Mattos, Nilza Rodrigues, Maria Márcia e Milton Eric Nepomuceno. 1966 é um ano de trabalho intenso. O grupo da Catequese faz diversas viagens: São José do Rio Preto, Santo André,

Itápolis, Ibitinga, Guaxupé, São Caetano do Sul, Assis, Uberaba, Rio Claro, Lençóis Paulista, Florianópolis, Curitiba, Araraquara, Catanduva, Taubaté, Monte Aprazível, Vitória, Guarapari, Belo Horizonte (com apresentação no Teatro Marília, UFMG, boate Che Bastião, Cidade Universitária, PUC, TV Itacolomi, além de apresentaç~çoes em livrarias),Ouro Preto ( apresentações no Teatro Municipal e boate Calabouço), Americana, Campinas, um grande número de apresentações em colégios e faculdades de São Paulo e outras cidades. Nesta época foi realizada também a Feira de Poesia (Galeria Ourto Velho, Rua Augusta) que reuniu dezenas de poetas e atraiu um grande público. Em 1968, quando do lançamento da Catequese Poética Antologia o grupo estava assim constituído: Lindolf Bell, Rubens Jardim e Luiz Carlos Mattos (núcleo central); Iosito Aguiar, Edson Santana, Aghy Camargo e Germinal de Amor (núcleo de Vila Maria); Reni Cardoso (São José do Rio Preto), Érico Max Muller (Florianópolis), Érico Silveira (Niterói) e Jaa Torrano e Luiz Roberto Benatti (Catanduva). Participavam também o fotógrafo Aldo Simoncini, o compositor Naire, o poeta Carlos Vogt e Ana Cristina Mattos. Calculava-se nesta época -1968/1969 - que aproximadamente 100 mil pessoas já haviam assistido apresentações da Catequese em diversos locais. Nos anos seguintes, mesmo de maneira diversificada, o trabalho teve continuidade. Apenas para exemplificar: Bell realizou uma série de experiências e trabalhos importantes nos Estados Unidos e posteriormente uma grande tarefa na divulgação de artistas do Sul do país, principalmente de Santa Catarina. Rubens Jardim organizou e lançou Jorge,80 Anos, livro que marcou os oitenta anos de nascimento do poeta Jorge de Lima. Luiz Carlos Mattos lançou Lapidário Geral e passou a ser o editor da série Cadernos de Poesia. Em 1994, no dia 18 de maio (data da primeira apresentação de Bell na boate Ela, Cravo e Canela) a Catequese Poética estará completando 30 anos de atividades. Trinta anos divulgando poemas e poetas. “Um trabalho que é tão primário quanto eficiente” como definiu Rubens Jardim num artigo publicado em 68. Luiz Carlos Mattos

a catequese


crono


Nasci entre os abismos que me legaram. Tive, entre o irmão e a irmã, a rua redescoberta e a vila. Lá no fundo havia mistério e éramos todos inocentes. As calçadas eram brancas, os muros macios. Quando acordei não havia mais nada. A minha infância foi exata como um relógio sem ponteiros.

ologia


Na Vila Itambé, com os irmãos Eduardo e Maria Elisa e a babá Isalina. “Quem colocará os limites que separam um lugar chamado mundo de uma vila chamada Itambé? Viladorada. Advento e também evento revestes o vulto, revértices. Imensurável ângulo. Geometria dos trigos. Pão Perfeito. Susténs nossos sustos. Repercutes. E agora percursionas o sono o som o sonho”.

Os primos Dulcinha e Antonio Juvenal. Ele caiu da janela em dezembro de l955 e morreu. “Dezembro ficou em mim como coisa dúbia, cortante: pesar e festa, nascimento e morte. Nunca consegui me desvencilhar dessa emoção. É uma marca muito profunda. Necessário então libertar a rua desses meninos que nunca cicatrizam e olhar em volta perguntando: o que é partir? o que é chegar? Não, a retina não distingue. Retém. Difícil, portanto, é saber onde começa a viagem nesta viagem”.


O irmão Eduardinho em audição de piano. “Aprendi com ele, desde cedo, a gostar de música. Ele estudava várias horas por dia e isso foi me familiarizando com os fraseados, as harmonias e as soluções absolutamente poéticas dos grandes mestres. Chopin, Lizt, Beethoven, Debussy, Tchaikovsky, Rachmaninof, Mozart e Wagner transformaram-se em companheiros de muita intimidade. Sou eternamente grato a ele por ter me empurrado, através de seus estudos de piano, para os caminhos da beleza e da arte. Não sei o que seria da minha vida sem a música e sem a poesia...”

Com Ivone, ex-mulher, em Campos do Jordão.“Foi uma temporada de muito aprender. Durante quase dois anos ficamos à margem. E eu pude sentir que o ser humano é uma fonte inesgotável”.

Com os pais, Nair e Eduardo.“Eles sempre foram os melhores exemplos de beleza, dignidade e amor que eu já tive oportunidade de conhecer. É um privilégio ser filho deles”.


O primeiro filho, Thiago, com Felícia Leirner em Campos do Jordão, 1991. “Após 13 anos de casamento, eu e Ivone resolvemos ter um filho. Por sorte, tivemos o Thiago -- alegria nossa e de toda a nossa família.Foi uma surpresa geral. Ninguém mais esperava, nem mesmo nós, por acontecimento tão gratificante e significativo. E foi pra ele que eu escrevi isto: Eu te amo porque a vida inaugura em ti um lugar do meu passado, uma flor ainda sem nome, um álbum ainda sem fotografia.Eu te amo na transformação da luz, na concepção do espaço, na percepção do tempo. Eu te amo na praia. Eu te amo na montanha. Eu te amo no vale e na cordilheira. Eu te amo no muro. Eu te amo no murro. Eu te amo na aprendizagem do erro e na derrapagem do erre. Eu te amo na calha. Eu te amo na telha.Eu te amo no sobrado e no edifício.Eu te amo na casa. Eus te amo na mesa. Eu te amo nas rachaduras e nos vazamentos. Christiano, o segundo filho, na casa de Cotia,em 1992. “A Ana, minha segunda esposa, já havia feito laqueadura e eu não era considerado muito fértil. Para piorar, tive um acidente de carro com fraturas diversas e até uma perfuração pulmonar. Fiquei fora de combate por uns três meses. E foi no meio de circunstâncias tão adversas que o Chris foi gerado, semeado, plantado. Quem nos conhece sabe que isso não é exagero nenhum. O Chris é assim, meio filho do milagre. E sua disposição, vital e espiritual, é um indício claro disso. Pra ele escrevi, ainda na maternidade, este bilhete: É a primeira vodka que eu tomo como pai. Teu pai. Tênue fio sendo conduzido a uma realidade maior. Ao novelo cheio de nós. Ao entranhamento dos dedais. Ao dedilhar solidário do viver. Estou aqui do teu lado para te saudar. Para te dar as boas vindas. Para me solidarizar com você e com a força viva que você representa. Pra aprender com você sobre tudo aquilo que passou por mim e perpassou por nós. Milagre! Eu te conheci! E te chamo pela única palavra capaz de expressá-lo: meu filho!”


Com os colegas de trabalho, na Gazeta Mercantil, 1984. “Nós construímos uma relação de camaradagem, tão pessoalizada e tão especial, que trabalhar passou a ser divertimento. Era mais ou menos como brincar. E essa atitude repercutiu muito pelos espaços das nossas vidas. Praticávamos uma competitividade natural apoiada na liberdade e na lealdade. Foi uma época de fraternidade plena e companheirismo. E criamos um vínculo indissolúvel.”

No grupo escolar Godofredo Furtado, em l955, com medalha de bom comportamento no peito. “A convivência democrática e a ausência de preconceitos foram muito exercitadas na infância. Também na Cristiano Viana, rua em que eu morava um quarteirão acima, as coisas eram assim: múltiplas, plurais. Não havia uma casa igual a outra, uma família igual a outra. Os hábitos, os comportamentos-- e até os sonhos e as utopias-- não eram tão pobres e tão mesquinhos. E podiam apontar para várias direções. As diferenças cabiam. E ainda tinham cabimento. Até meus tios e primos que moravam na casa vizinha, tinham um jeito de viver e uns horários e uns princípios completamente diferentes dos nossos. A uniformização, os guetos, as discriminações e os preconceitos só vieram a aparecer mais tarde. E infelizmente nunca pararam de crescer. Embora muitos achem o contrário”


O controvertido e polêmico artista Flávio de Carvalho, em sua casa de Valinhos, anos 60.“Naquela época até os grandes mitos eram pessoas muito simples e muito acessíveis. Me lembro que ainda meio moleque -deveria ter uns 18 anos-- cheguei a sentar em mesa e bater papo com pessoas da estatura de um Sérgio Milliet, Dantas Motta, Almeida Salles, Armando Balloni, Polera, Delmiro Gonçalves, Fulvio Nanni, Sergio Person, o próprio Flávio de Carvalho e outros expoentes da nossas artes. Hoje em dia -- e após ter realizado tantos trabalhos nessa área -- não consigo falar nem com o Pedro Paulo Senna Madureira. É interessante observar que naquele período, apesar do regime autoritário, as pessoas eram mais democráticas e mais convivíveis. Um outro exemplo aconteceu quando fiz uma pontinha no filme Noite Vazia, do Walter Hugo Khoury. Imagine um extra, absolutamente anônimo e desconhecido, participando de um jantar com as estrelas máximas do cinema brasileiro daquele tempo. Pois foi o que acabou acontecendo comigo: jantei com Norma Benguel e Odete Lara.”


Ana, a mulher, e Chris, o filho, em Fussen, Alemanha,1992.“Amar é sair do charco. É sair da lama. É desesperador muitas vezes. Mas é também a única experiência que nos confere a dimensão exata do ser humano. Da sua relação com a beleza e a perfeição. É através dela -e só dela- que podemos perceber as nuances e os matizes de cada célula do nosso corpo em contato e contágio plenos com as profundas manifestações da natureza, da vida, de Deus. É o reino do inominável. Das palavras e coisas por descobrir e desvelar. É a união máxima com a vida. É a confiança extrema. É a fé absoluta. A entrega limítrofe. É o antes, o instante e o adiante entrelaçados no presente. É o conhecimento e o reconhecimento plenos. É a liberdade maior. A saúde absoluta”.

Com os companheiros da Catequese Poética, em 1966.”No mundo automático, astronáutico, cibernético --fugimos a qualquer ética da incomunicação. O que pretendemos é apenas e somente levar um testemunho, uma denúncia e uma crença. Não somos pavões reais. Por isso, arrancamos o poeta do livrocabeceira-estante-mofada e o colocamos frente a frente com o povo. Seja na praça da Sé, no Viaduto do Chá, no colégio Y, na faculdade Z ou no teatro AB. Resultado: ampliamos a área de atrito e influências do poema”.


entre


evista Após quase 30 anos longe do circuito editorial, o poeta Rubens Jardim volta a falar do mundo, da poesia e da sua própria relação com a realidade. Veja o que ele diz nesta entrevista. Todas as perguntas foram extraídas da enquete feita pela revista Civilização Brasileira na década de 60 com poetas brasileiros.


Poesia, pra mim, é essa falta de capacidade de aceitação da f

Por que escreve poesia? Não sei. Pode ser por pur macaquice, gratidão aos poetas. Ou pulsão - necessidade mesmo. É meu jeito de ser diante do mundo, diante das coisas - e até diante de mim mesmo. É uma precária capacidade de aceitação da feiúra, das desigualdades e outros desarranjos semelhantes. É uma indignação pre-existente que me impulsiona na direção dessa deusa esquiva e selvagem. Sempre escrevi com empenho e paixão. É parecido com aquele aforisma de Nietzsche --escreve com sangue e verás que o sangue é espírito. Poesia pra mim é essa alquimia. É a transformação do ignóbil em nobre, do invisível em visível, do indizível em dizível. Por isso, talvez, a poesia tenha tido um papel tão importante na minha vida. Pra se ter uma idéia, tive um mal estar em plena madrugada. Não busquei nenhum medicamento, não liguei pra nenhum médico e nem procurei prontosocorro. Catei um poema do Jorge de Lima e li. Resultado: a desarmonia e o desequilíbrio desapareceram por completo. Coisas da poesia...que, por incrível que pareça, é dinamite pura. Algo meio zen e meio cristianismo primitivo que explode com todas as estruturas viciadas, protetoras, lineares ou lógicas. É um modo de conhecer muito especial. É linguagem em estado nascente. Daí ser ela muito direta e muito concreta. Novalis já dizia que a poesia é o real absoluto. E isso tem muito a ver com o fato de ela ser, incomparavelmente, conhecimento


feiúra, das desigualdades e outras mesquinharias humanas”

experimental, conhecimento emocional, conhecimento existencial. E a gente não encontra isso em quase nenhuma outra manifestação humana. Quase tudo é mediado, intermediado. Criamos uma outra natureza e vivemos atolados nela. Vivemos em uma sociedade de massa, de consumo, de serviços. Saímos do neolítico diretamente para a era atômica e da computação. E essas mudanças provocaram alterações substanciais em todas as nossas relações com a realidade. Hoje, a maioria das nossas crianças não conhece um boi, um carneiro, um porco, uma galinha. Não sabe qual é o cheiro do estrume. Ignora o que seja um canavial, um alambique, um cafezal, uma plantação de arroz ou até mesmo um pé de mandioca --tradicional alimento dos nossos índios. Mas qualquer moleque - de classe média, é claro - sabe manejar um videogame, comprar um iugurte no supermercado e mexer com desenvoltura no mouse e no teclado de um microcomputador. Acho lamentável esse quadro, até porque ele expressa uma redução do real, do simbólico e um estreitamento dos horizontes vitais. Pra mim tudo isso não passa de uma grosseira simplificação da mais avançada tecnologia. Aliás, essa é uma das características básicas de todo processo capitalista. E como o ser humano é um nó de relações, dá pra se entrever aí um terrível empobrecimento das experiências e das trocas. Tudo isso é de um esquematismo danado. Só existe aquilo que através da repetição acaba aparentando permanência. O resto


“A poesia consegue ver a realidade - que não é nem um pou é fantasmagoria, não nos preocupa e nem nos instiga a revolta. Quer dizer: o menino do vale do Jequitinhonha que carrega um feixe de lenha através de mais de 20 quilômetros para receber o equivalente a menos do que uma passagem de ônibus, não é um ser humano? E os outros 54 milhões de brasileiros que se encontram abaixo da linha da miséria, também não são seres humanos? Que equação é essa que inverte e investe na criação e na perpetuação de um estado de coisas onde a felicidade e a alegria são sinonimos do salve-se quem puder

ou do nosso próprio umbiguismo? É contra essa alienação, contra essa fragmentação, contra esses novos totens e esses novos tabus, contra esses valores que dilaceram a humanidade que a poesia se manifesta. A poesia não admite esse dualismo maniqueísta. De um lado, aqueles que estão integrados no processo e se benefiam de tudo. De outro, os excluídos, os que não tem direito a nada. A poesia consegue ver, entre uns e outros,


uco inofensiva. Ela pulsa, lateja e põe tudo em questão.” a realidade - que não é nem um pouco inofensiva e pulsa, lateja e põe tudo em questão. Mas voltando ao teor da pergunta, o fato concreto é que eu precisava de poesia como precisava de pão. É meu jeito de ser. É uma inclinação da minha vida. E eu mergulhei nisso de cabeça, com o coração. E com a convicção - infe lizmente equivo cada - de que o poeta poderia colaborar na imensa tarefa de transfor mação e

construção de uma sociedade mais solidária. É um pouco a repetição daquele confessado equívoco de Sartre: “por muito tempo tomei minha pena por uma espada. Hoje, conheço a minha impotência.” Ainda assim, a poesia continua sendo pra mim uma resposta viva, nova e surpreendente pra tudo aquilo que eu buscava. E busco. Pra que serve a poesia? Já se disse por aí que a poesia serve e tem servido pra muita coisa: carreira política, paparicar mul her, fazer ami


A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano. Ela gos, conhecer os outros, obter favores, ser feliz, conscientizar-se, não se matar, divertir a tietagem,

embora ela tenha sido tão útil e significativa no meu viver. Ainda assim, arrisco-me a dizer que a

irritar os burocratas, alegrar festinhas, candidatarse a Academia. De minha parte, acho difícil marcar funções para a poesia,

poesia é uma necessidade atávica e concreta de todo ser humano. Ninguém consegue viver sem poesia. Ela é a mais antiga e

primitiva formulação de qualquer experiência vivida. E aqui é bom distinguir duas coisas: a poesia e o poema. A poesia pode estar em qualquer lugar: no olhar de uma criança, na música de Wagner, no filme A Liberdade é Azul, em certos instantes do amanhecer, na presença ou na ausência da mulher amada, na prosa de Guimarães Rosa, nas cartas de Rainer Maria Rilke, na ação simple s e eficaz de um cortador de cana, em uma reunião familiar, no mar revolto, nas noites absolutamente comuns e sem estrelas, no desafio de um cantador, na fisionomia cansada de um velho, no ventre revisitado da mulher embalando a vida. Enfim, a poesia está em tudo que está no mundo. Mas é no poema - e só no poema - que ela encontra seu lugar natural, específico, espontâneo. Dá até pra dizer que o poema é apenas um estopim da poesia, pois como dizia Manuel Bandeira, “a poesia não existe em si. Ela será, sempre uma relação entre o mundo interior do poeta, com a sua sensibilidade, a sua cultura, as suas vivências e o mundo


a é a mais primitiva formulação de qualquer experiência. ou ouve.” Acho, também, que a poesia serve para expressar o espanto diante do fato novo ou da experiência nova -- que rompe e irrompe subitamente o tecido da realidade. Ela serve também pra quebrar o pote, revirar a ponte. Ela vai direto ao ponto, ao centro, ao alvo. É mais ou menos como um relâmpago, um raio - em luminosidade e rapidez. É a união máxima com aquilo que foi criado e está aí no mundo, no universo. Acho ainda que a poesia é uma das mais graves e solenes funções do ser humano. Ela aperfeiçoa a nossa existência. Amplia o nosso ser. E, de quebra, vai nos conferindo dignidade, carnação e humildade. Até porque não existem poetas perfeitos. Existem poemas perfeitos. Qual o papel da poesia no mundo moderno? Em todos os tempos a poesia desempenhou um papel importantíssimo. Nenhuma das grandes transformações - sociais, culturais e humanas surgiu sem que um poeta a tivesse anunciado. Ovídio predisse o enunciado de Lavoisier - nada se

cria, tudo se transforma. A déia do micróbio já rondava os versos de Lucrécio. Mas para não ir tão longe no tempo, podemos nos deter no último século: o poeta Mao não é anterior ao revolucionário Mao? E o líder Ho-Chi-Mihn não é posterior ao poeta? Pois é, a poesia sempre teve e sempre terá um papel importante na trajetória dos homens. Acho que sua contribuição é fundamental na vida presente, no sentido de um aprofundamento da conscientização de que o mundo tanto necessita. A verdadeira poesia aumenta no homem a sua humanidade. Ela mostra que se existe a flor, existe também a fome. Ela lembra a todos nós que existe o pão e existe o pânico. Além disso, a poesia é luta constante contra a alienação. É inconformidade. Indignação. Acho mesmo que só os poetas são capazes de quebrar o sigi-

lo e expor o sagrado e o profano, o divino e o mundano. É a poesia acessível ao povo ou só pode ser entendida por uma elite culta? Não costumo fazer esse tipo de distinção. Me convenci, desde cedo, da fragilidade--ou da inutili-

dade- dessas separações tão esquemáticas e estanques. Um professor de ginásio, por exemplo, sabe que não dispõe de todos os conhecimentos sobre sua especialidade. Mas não demonstra e nem confessa isso a seus alunos. E por que ele procede assim? Para não ser desprestigiado pelos seus alunos. Resultado: o professor finge que ensina e os alunos fingem que aprendem. Tudo uma deslavada mentira. Um


Educar é libertar o ser humano da tirania da opinião e do saber. duz e reproduz tudo isso que cada um de nós está cansado de ver e viver. Esses comportamentos estão muito viciados e sedimentados. O professor é o sabe-tudo e o aluno é o sabe-nada. É isso que pulveriza a possibilidade de qualquer aprendizado verdadeiro, pois ser sem temor é o começo de qualquer aprendizado legítimo. E educar, no sentido mais concreto e real, é libertar o ser humano da tirania da opinião e do saber. É, no mínimo degradante, submeter-se aos valores aparentemente absolutos de uma sociedade que caminha aceleradamente para a sua destruição. Todos nós devemos nos rebelar contra esse estado de coisas. Não aceitar mais essas posturas falsas e essas imposições dogmáticas. Rejeitar esse isolamento que, de modo algum, contribui para a eliminação das barreiras que separam as pessoas, os povos, as nações. Não podemos continuar assim: todos separados e isolados de todos. A Terra é uma só, é verdade. Mas todos cabemos nela. “É assombroso o número de pessoas que pensam sozinhas, que cantam sozinhas, que

comem e falam sozinhas nas ruas. Entretanto, elas não se somam. Pelo contrário, subtraem-se umas às outras, e a semelhança entre elas é incerta. Por que é que as pessoas vivem em Nova Iorque? Elas não tem nenhuma relação entre si”.(Jean Baudrillard) Mas voltando a pergunta que menciona o povo, a elite culta e a poesia, o que eu quero dizer não tem nada de novo e, talvez não acrescente nada ao que já foi dito. Ainda assim, faço questão de repetir para sublinhar bem essa fato tão disseminado em nossa cultura e em nosso comportamento. E o que isso custa em rumos desperdiçados, em repetição de erros, em prejuízos sociais e pessoais. E tudo isso só acontece porque teimamos em fixar e concordar com uma equação falsa. O povo não é o

aluno --da mesma forma que a elite não é o professor. Esse é apenas um deslocamento da questão verdadeira. Aquela imposta pela divisão do trabalho e pelas relações conflituais entre capital e trabalho, trabalho manual e trabalho intelectual. E

aqui é oportuno lembrar Neruda e seu testemunho pungente: “escrevo para o povo mesmo que ele não possa ler minha poesia com seus olhos rurais”. Eis aí uma nova possibilidade de investigação: será que o analfabeto é infenso ou insensível à poesia? O analfabeto é um antipoeta? Não acredito nisso de


r. O analfabeto pode ser até mais sensível ao poema e ao poético. jeito nenhum. O analfabetismo é apenas uma limitação: a pessoa não consegue ler, nem escrever. Mas o analfabeto pode, apesar disso, ser até mais permeável ao poema e ao poético. Afinal a poesia é a mais antigas de todas as artes humanas e a que há mais tempo se encontra na história da humanidade. Diante dela a escrita e a

humanidade. É preciso lembrar, também, que as primeiras manifestações de qualquer literatura sempre foram feitas através das formas poéticas. E por uma razão muitosimples: a poesia é de fácil memorização. E uma sociedade não letrada precisa disso para guardar, arquivar e multiplicar conhecimentos e

Henry Miller: “Nada de valor aprendi na escola. Mesmo hoje, não creio que fosse capaz de passar num exame de escola primária de qualquer matéria. Aprendi mais com idiotas e joôesninguém do que com professores disto e daquilo. Professor é a vida e a não a comissão de educação”.

erudição são fenômenos bem recentes. E eu reputo como fundamental o caráter oral da poesia em seus inícios. Todos sabemos que antigamente pouquíssimas pessoas sabiam ler ou escrever. O próprio Sócrates,renomado filósofo grego, jamais fez uso dela. Todos os seus ensinamentos foram efetuados no contato direto, face-a-face, oralmente, em conversas e bate-papo. Se não fosse Platão, nenhum de nós teria conhecimento desse gênio da

experiências. Portanto, o antagonismo entre povo e elite culta --pelo menos no aspecto referido pela pergunta - não resiste a uma análise sensata. Se bem que, hoje em dia, a simulação do saber está dando mais Ibope do que o próprio saber. Sócrates, nos dias atuais, não poderia dar aula nem em curso de ginásio público. Pode parecer estranho, mas é a pura e cristalina realidade. E para ilustrar melhor esse tipo de falseta, vejamos o que nos diz

Como encara a poesia brasileira do momento? O que a caracteriza e quais são as suas perspectivas? Desde os anos 60 podemse detectar pelo menos duas tendências dominantes. Uma que está voltada para as questões do instrumento poético, da linguagem propriamente dita. E outra que dá mais enfase as questões temáticas. Simplificando: é a velha oscilação entre forma e conteúdo. É evidente, porém, que aqueles


Quando os jovens nãoacreditam nos significados emblemáticos d dos com os problemas formais também levam em consideração o conteúdo de seus trabalhos. O mesmo raciocínio aplicase ao trabalho daqueles que estão mais preocupados com as questões temáticas. A variável fica por conta da atribuição de pesos e medidas expressos nos termos dessa relação. Em geral, os poetas mais ligados a experimentos formais são aqueles originários - ou influenciados pelo grupo concreto e pela poesia-praxis. A outra vertente, mais participante, desenvolveu-se sob a influência dos poetas reunidos em torno dos centros populares de cultura, cujo instrumento principal era o Violão de Rua. Além desses movimentos que podem ser vistos como legítimos sucedâneos das antigas escolas poéticas -- tipo parnasianismo, simbolismo, etc existiu, também nos anos 60, poetas independentes que sempre estiveram a margem dessas tendências. Caso de Alvaro Alves de Faria, Carlos Felipe Moises, Eduardo Alves da Costa, Neide Archanjo, Pericles Prade, Eunice Arruda, Claudio Willer,

Rodrigo de Haro, Ronald Zomignan Carvalho, Paulo Marcos del Greco, Carlos Soulié do Amaral, Afonso Romano de Santana e outros. Isso sem contar a Catequese Poética - movimento que tive a honra de integrar e que tinha como meta principal a distribuição e a divulgação da poesia e do poema. Era consensual, entre nós, a idéia de que, num país de terceiro mundo, com índices alarmantes de analfabetismo e um salário mínimo dos mais aviltados do mundo, o livro não era um veículo eficiente para a disseminação e a divulgação da poesia. Por essa razão - e claro que sem discriminar o livro - resolvemos partir para o corpo-a-corpo, para o ombro-a-ombro das audições públicas de leitura de poemas em praças, bares, colégios, faculdades, livrarias, boates, clubes, associações, sindicatos, etc. E o resultado desse nosso trabalho foi tão positivo que, hoje, é muito comum essa prática em quase todas as

manifestações artísticas. Eu mesmo já assisti ao maestro Zubin Mehta, com a orquestra de Israel, na USP e no Memorial; os pianistas Arthur Moreira Lima e Nelson Freire, no Ibirapuera; o grupo Olodum, na praia, em Santos; o balé Cisne Negro, no Ibirapuera;

Johnny Rivers, etc. Mas naquela época isso não existia. E por razões óbvias. Qualquer batepapo ou qualquer encontro entre mais do que três amigos, por exemplo, poderia causar dissabores. Ler ou carregar um livro de Marx, Lênin ou Maiacovsky poderia significar o risco de ser confundido com um ativista de esquerda. Aliás, a melhor literatura sobre


de palavras como bandeira, por exemplo, é por a coisa vai mal. essa fase terrorista está em Stanislaw Ponte Preta e seu FEBEAPÀ. Ali estão reunidas as mais fantásticas pérolas do nosso bestiário. E são questões quase sempre risíveis-mas sempre revoltantes. Até hoje, por exemplo, é possível constatar que Gramsci e Marx estão lá,

é nem um pouco palatável. Ou esperançável. Afinal eu concordo com o poeta Jorge de Lima quando ele diz que “as palavras envelheceram na boca dos tiranos, as palavras apodreceram no coração dos legisladores”. Acho que é isso mesmo. As palavras já não con-

revelá-la e desvelá-la aos homens. Eu fico alucinado quando as palavras são maltratadas. Quando elas são desrespeitadas. E nós todos não temos feito outra coisa senão isso. É aí que está a origem da nossa tragédia e da nossa miséria. Quando nem os mais jovens acreditam nos

no Arquivo do Estado, fichados e indiciados como ativistas de esquerda. Mas como já disse o brasileiríssimo Guimarães de todas as rosas, é só aos poucos que o escuro fica claro. E o claro, pra mim, no que concerne às perspectivas da poesia brasileira - e consequentemente aquilo que tem a ver com a realidade do meu país, de mim mesmo e das minhas raízes - não

ferem belezas. As palavras deixaram de ser estopim de revoltas. As palavras deixaram de ser caminho. Deixaram de ser busca. E viraram confeito de bolo. Elas já não anunciam transformações. Nem revelam comportamentos, filiações. E não é mais possível e nem é mais cabível que o poeta não seja aquele que tem como missão vivificar a palavra de novo,

significados emblemáticos da palavra bandeira é porque as palavras e os poetas já não tem mais nem vez, nem voz. E eu como poeta me entristeço e como ser humano fico indignado. E que me importa - em sentido imediato - as perspectivas da poesia brasileira? Devo confessar meu ceticismo e a minha descrença. E isso, infelizmente, não fica restrito somente a poesia.


Nós estamos apagando todas as referencias territoriais, psíquica Não sinto em nenhuma manifestação atual de arte, seja pintura, música, escultura, arquitetura, literatura ou poesia nenhuma expressividade reveladora. Ou inovadora. Parece que a pressa e a velocidade apagaram o solo e diluiram todas as referências territoriais, psíquicas e existênciais. A substituição acelerada de valores, o êxito da aparência, o culto da polaróide, o triunfo do esquecimento sobre a memória, a vitória da superfície sobre a profundidade provocaram alterações substanciais em todos nós e em todas nossas relações. E a arte -moderna ou pósmoderna - nutre-se dessa realidade. Ela é uma testemunha desse mundo --tão pouco ético e estético -- onde tudo está disponível para ser consumido, tomado, engolido. A vida é, hoje, compulsiva, superficial, feia, obscena. Ou você está por dentro ou está por fora. Só que ninguém mais sabe distinguir o que é dentro e o que é fora. Os limites e as fronteiras foram devassados, ultrapassados, profanados. Somos todos -- de um jeito ou de outro -- balões

vazios, películas virgens, papel em branco --onde estão sendo registrados o que a gente deve sonhar, o que a gente deve querer, o que a gente deve ter. Ou como a gente deve ser. Tudo absolutamente igual neste mundo de igualdades falsificadas. Vivemos a síndrome do ajustamento e do ajuntamento. Apesar disso, estamos mais desprotegidos do que nunca. E desvinculados da nossa própria natureza. Perdemos, progressivamente, os vínculos com a nossa própria história pessoal. Até a noção de alienação -- palavra tão fora de moda -- já é um sintoma dessa erradicação de nossas raízes. Antes ela significava, no mínimo, a separação entre o mundo objetivo e o homem. E hoje, ela representa alguma coisa? Será que ainda é possível dizer que os interesses dos assalariados e dos empregadores são diferentes --e

na maioria das vezes antagônicos? Será que já foi extirpada a oposição de necessidades que permitia a existência da luta de classes? Acho que todos nós piramos e viramos espectadores de tudo --de nós mesmos, dos outros, do trabalho,

dos acontecimentos e das coisas. Já não nos associamos a nada, nem pelo espírito, nem pelo sentimento, nem pela ação. Em verdade, nos falta uma rede de relações que minimize a nossa solidão, o nosso desamparo, a nossa impotência. Precisamos acabar de vez com a domesticação e o amesquinhamento que


as e existenciais presidem a vida atual. Em uma palavra: estamos carentes de participação. Em todos os níveis. E em todos os sentidos. “Meu eu para mim é demasiado pouco.” dizia o poeta Maiacovsky. E Brecht arrematava: “ porque as coisas estão do jeito que estão, não permanecerão do jeito que estão.” O problema é não permitir que as injunções economicas e o embaralhamento dos laços sociais transformem a poesia num artigo de luxo e o poeta num representante das elites. E aqui vai mais uma citação --sobre o caráter irracional da nossa racionalidade: “se todos os franceses fossem, neste ano de 1974, vítimas de um acidente rodoviário e tivessem que amputar uma perna, seriam muito mais felizes -- segundo os economistas oficiais -visto que tais acidentes acelerariam o crescimento econômico. De fato, seria preciso fabricar cinquenta milhões de pernas mecânicas - e daí uma grande expansão industrial - depois implantá-las daí também um grande aumento das atividades médicas e cirúrgicas. Na economia


Vivemos o êxito atual, os acidentes de trânsito, a poluição, o alcoolismo, os acidentes de trabalho, o consumo de drogas são motores do crescimento e, portanto, da prosperidade. Quanto mais infelizes somos, mais se eleva o PNB e nos tornamos ricos.” (Phi llipe Saint-Marc) Acho que essas palavras não deixam dúvida quanto a transformação da razão em estupidez. Ou como já dizia Leonardo Boff, corremos o sério risco de virar um idiota especializado ou um especialista idiotizado. O que acha da declamação de poesia e da poesia popular oral? Talvez por significar uma volta às origens, dizer poesia é um dos modos mais eficazes de comunicá-la. Mas para cumprir com esta missão, o poeta deve estar ao lado da maioria e deve pretender falar ao maior número possível de pessoas. No Brasil, em geral, vem ocorrendo exatamente o contrário. Parece que os poetas não estão dando mais a mínima atenção ao povo. A minha impressão é a de que os autores de poemas dividem o público - esquematicamente - em categorias, e procuram atuar apenas em um determinado seg-


da aparência, o culto da polaróide e do xerox. E isso é grave. mento: o dos beletristas, dos críticos, dos outros escritores, deles mesmos e de alguns amigos. Talvez eles procedam dessa forma porque estão de olho no futuro. Querem um lugar no podium da literatura. Ou ingressar na Academia. É a viciada

mas do Paulo Marcos del Greco: Lamentações de Fevereiro. Fiquei entusiasmado com o poema, mostrei a muitas pessoas, discuti, divulguei e acabei emprestando o livro que nunca mais voltou para as minhas mãos. E você pensa que algum crítico se ocupou

de Lima --que teve grande repercussão em 1973. Foi uma verdadeira cruzada espalhafatosa. Mas isto só aconteceu porque muita gente importante do universo da literatura ficou sensibilizada com a iniciativa e apoiou de fato o movi-

história do nosso proverbial relacionismo -- você sabe com quem está falando? -- que continua presente e vivo em todas as áreas da nossa cultura e do nosso comportamento. É um cacoete cultural que já ultrapassou o âmbito restrito das práticas do apadrinhamento político. E eu tenho exemplos lastimáveis a esse respeito. Nos anos 60 tive acesso a um excelente livro de poe-

dele? Nada disso. Mais recentemente, nos anos 80, o Toninho Mendes publicou a sua versão do Meditação do Tietê, de Mario de Andrade. É um dos ótimos livros de poesia dos últimos anos. Mas também não mereceu nenhum destaque, nenhuma análise, e nem mesmo a mínima divulgação necessária. Eu também publiquei Jorge,80 Anos e organizei o Ano Jorge

mento. Pouco tempo depois, porém, ninguém mais se ocupava disso e o esquecimento triunfava outra vez. A própria Catequese Poética, movimento absolutamente revolucionário no que tange à divulgação e à distribuição de poesia -também é vítima dessa geral e genérica falta de memória. Mas fomos nós - é bom que diga e repita


Acho que o poeta é o gênio da lembrança, o guardião da palavra aproximação maior da arte com o povo. Antes da Catequese inexistiam audições, encenações, recitais ou exposições em logradouros públicos. Ninguém fazia esse tipo de coisa. Hoje é uma prática comum na música, na pintura, na cerâmica, na tapeçaria, no balé, na escultura, etc. Acho que só na poesia isso vem ocorrendo mais episodicamente. Deve ser, por certo, uma questão estratégica dos nossos poetas marquetólogos. Pra que correr o risco de dizer poemas para o povo? Ele podem não gostar. Afinal, quem gosta de arte são as pessoas bem educadas, cultas, bem informadas. Imagine se um cobrador

de ônibus ou uma empregada doméstica podem apreciar um poema... Eles não são pessoas de segunda classe, desprovidas de toda tietagem cultural? Pois bem, se esse viés preconceituoso existisse entre os povos antigos, nós não teríamos tido nem a tragédia grega, nem a escultura de Fídias, nem a filosofia de Sócrates, Platão, Aristóteles. O problema todo está no fato --absolutamente necessário -de que a poesia seja devolvida ao povo. E o povo à poesia. Até porque um sempre nasceu do outro em ciclos onde não havia nem exclusões, nem excomunhões.

Qual o seu conceito pessoal de poesia? O que a distingue das outras formas de arte literária? Poesia pra mim é, acima de tudo, salvação. De que? Não sei. Talvez das experiências vividas ou vislumbradas que, de outro modo, jamais ganhariam a luz da consciência, a encarnação da palavra, o sopro mágico da vida. Acho que o poeta é o gênio da lembrança. É uma espécie de guardião da memória, defensor das origens --e um arauto da participação. O poeta verdadeiro não se conforma nem com a padronização, nem com a homogeinização e a pasteurização do mundo e dos homens. Ele é contrário aos processos


a, o defensor das origens e um baluarte da participação. estereotipados de se construir escolas sem preparar professores, de se oferecer o peixe mas não se ensinar a pescar. A sua revolta --ou a minha, melhor dizendo - é sobretudo contra o consumo que é a forma mais superficial e indiferenciada do desejo. O poeta percebe que somos todos seres enraizados na profundidade do desejo. E que esse desejo - nas suas formas mais intensas e altas - é feito de paciência, concentração e busca interminável. O poeta não está aqui para saciar desejos periféricos. Nem para possuir o descartável e o substituível. Ao invés de suprimir, deglutir ou apoderar-se de objetos, situações e pes-

soas, o poeta quer recuperar o conteúdo mágico de cada palavra e de cada gesto humano -para oferecê-los de novo a todos os homens da Terra. Ele sabe que em tudo existe um mistério, uma interioridade e uma

história incapturável. E é isso que singulariza cada ser humano e cria uma atmosfera de significados a sua volta. O quarto do meu avô, por exemplo, revelava traços de seu modo peculiar de ser. A cama, os armários,


Poesia é síntese irreversível. Destruição do encadeamento lógico a faquinha de picar fumo -tudo isso estava impregnado da sua personalidade, das suas experiências de vida, das suas venturas e aventuras afetivas. E ele não deixava qualquer um entrar em seu quarto. Ou sentar em sua cama. Aquele espaço tinha um enraizamento na vida dele, uma coerência simbólica e uma qualidade muito específica. Talvez um significado remanescente de ninho. Ou toca. E o vovô se colocava diante dele como se fosse o guardião das lembranças que lhe conferiam singularidade e pessoalidade. É algo muito próximo daquela Última Canção do Beco, do Manuel Bandeira: “Vão demolir esta casa, mas meu quarto vai ficar, não como forma imperfeita neste mundo de aparências. Vai ficar com seus quadros, seus livros, intacto, suspenso no ar”. Mas, retornando à pergunta, devo dizer que, quanto as características que distinguem a poesia das outras formas de arte literária, é sensato concordar com aquele estudante japonês que afirmou que a poesia consiste em “essências e medulas”. Ou seja: a poesia está pre-

sente quando existe depuramento, despojamento e uma alta concentração de elementos verbais. Ou quando coisas imprecisas são ditas ou reveladas de um modo preciso, sintético, concreto. Acho que é isso: poesia é sintese irreversível. Ao contrário da prosa --que é totalmente analítica, dedutiva e está subordinada ao encadeamento lógico do iníciomeio-e-fim. O poeta intui, sintetiza e rompe com as cadeias do pensamento lógico. Ele está bem mais próximo do pensamento analógico--que é o pensamento das formas. Como disse Décio Pignatari, “o pensamento lógico tende a dividir as coisas em partes; o pensamento analógico a mostrá-las em conjunto, como um todo”. Pois é. A poesia é. Assim. Assado. Ou assado assim. Afinal, mesmo quando um poema parece estar veiculando idéias, ele está principalmente transmitindo a qualidade do sentimento dessa idéia. Uma idéia que é para ser sentida, e não apenas entendida, explicada, descascada. Jorge de Lima já alertava para essa realidade quando escreveu “não procureis qualquer nexo

naquilo que os poetas pronunciam acordados, pois eles vivem no âmbito intranquilo onde se agitam seres ignorados”. Qual a sua experiência como autor de poesia? Sofreu alguma evolução formal ou temática? Venho dizendo desde o

princípio que a poesia é, pra mim, uma espécie de alquimia. Torna visível o invisível, nobre o ignóbil, essencial o contingente. Talvez seja até uma inversão de sentidos. Um defeito genético. O certo é que existe uma sensação meio difusa de estar além ou aquém de si mesmo. É complicado explicar. Mas é mais ou menos o equiva-


o. Atalho. Corta-caminho. E certamente curto-circuito.Relâmpago. lente a um salto no abismo, um mergulho na linguagem, um caminhar com os olhos vendados. Pelo menos é desse jeito que acontece comigo. Fico tocado por algo nebuloso e sinto um certo incomodo. Pode até ser uma emoção de alegria e felicidade. Mas ela incomoda

dizer os versos em voz alta, de cortar aqui e acrescentar ali. São idas e vindas na tentativa de sentir se o inexplicável foi explicado, se o indizível foi dito. Claro que isso é muito raro de acontecer. Principalmente em poetas menores -- como é o meu caso. Mas esse fenômeno

experiências adquiridas e os modos de viver e conviver de um povo e de uma cultura. Eles sentem que a vida de uma palavra tem uma história de significações sucessivas que se confundem com as aventuras do espírito e as transformações da realidade. Eles sabem também

porque não sai do pensamento. Fica entranhada -feito feto na placenta-arranhando, pulsando, ferindo. Até que explode um verso rompendo o tecido da linguagem, a textura da realidade. Aí é correr atrás - da avalanche ou da enchente - registrando tudo. Depois é aquela trabalheira de reescrever, de

encantatório é muito frequente nos grandes poetas. Eles são mais sensíveis aos elementos fônicos, semânticos e psíquicos que habitam as entranhas de cada palavra. Eles sabem que por trás de cada palavra existem imagens mentais que são a soma e o sumo de sensações que serviram para propagar e consagrar as

que as palavras pertencem ao povo como a terra que ele cultiva, o ar que ele respira, os horizontes que ele contempla, a casa que ele habita, o trabalho que ele realiza, a família que ele constitui. Eles percebem que num grupo de camponeses, por exemplo, as palavras são vigorosas e suculentas. O que já não acontece com os


Deus está morto, Marx está morto e eu mesmo não estou me se grupos urbanos, que estão mais distanciados da natureza. Nesse segmento, de cultura mais padronizada, um poder simplificador vai surrupiando das palavras a sua riqueza evocativa, a sua capacidade de recuperar e regenerar sentimentos e até mesmo a possibilidade de pensar por si mesmo com palavras próprias e inconfundíveis. Não é muito representativo o fato da nossa língua corriqueira de todos os dias estar cada vez mais cheia de termos técnicos exóticos? Palavras como deletar, navegar, sites, delivery, fast food, sale, --são utilizadas a torto e a direito. A nossa vida cotidiana está inteiramente mergulhada em artefatos técnológicos como forno-microondas, videocassete, dvd, discolaser, processador de texto, telefone celular, etc. E o nosso vocabulário está também repleto desses sinais que acabam emoldurando a nossa percepção de uma realidade originalmente mais vasta, mais visceral e mais plena --até de conflitos legítimos. Acho que o retrato do homem atual é este: da fragilidade ao nada. Ou como disse Gluksman em 68: “Deus está morto,

Marx está morto--e eu mesmo não estou passando muito bem...” Como encara e como soluciona em sua obra a relação forma e conteúdo? Acho que falar em obra, no meu caso, é pretencioso --e não deixa de ser equívoco. Quem tem obra é Drummond, Bandeira, Jorge de Lima, Mario de Andrade, Oswald, Cabral de Melo Neto. Eu apenas publiquei algumas coisas e li muitos poemas para muitas pessoas em praças, teatros, bares, universidades, clubes, livrarias, associações e até boates. Costumo dizer que eu não cometo mais poemas, pois deixei de escrever disciplinadamente. Mas como não deixei de viver, sou acometido pela poesia. E esse é um ponto interessante da minha visão das coisas. Eu sempre quis viver poèticamente. Escrever e publicar nunca foi suficiente para a minha necessidade de comunicação e comunhão. Eu sempre precisei da oralização, da platéia, do povo - e de uma certa dramatização do poema diante das pessoas. Embora seja um maníaco por livros, acho que ele é

um péssimo suporte para a poesia. Muito pouca gente lê neste país. E quem lê, em geral, não lê poesia. Lê ficção, conto, jornal, revista, ensaio. Ou literatura de formação, atualização e reciclagem. Via de regra, quem lê poesia é quem faz poesia--ou vive dela. Caso de alguns professores, críticos e a maioria dos jovens que, na travessia da adolescência, encontram nos poetas aliados naturais, verdadeiros. Meu caso não foi nem um pouco diferente. Afinal, o poeta alimenta-se da realidade cotidiana como qualquer pessoa. E como qualquer pessoa, o poeta vive o perpétuo e pungente conflito da condição humana. Ou seja: a duplicidade de sua própria natureza que é oscilação permanente entre a clareza e a obscuridade, a revelação e o mistério, o amor e o ódio, a vida e a morte. O traço específico que talvez dê uma distinção ao poeta, é a reiteração e a reverberação contínuas desses conflitos que, por uma espécie de milagre, retornam transfigurados numa emoção significativa e impessoal que, como dizia Eliot “vive no poema e não na biografia do poeta”.


ntindo muito bem O que acha da inspiração? E por que escreve poesia? Respondendo a essa mesma pergunta em 65, Luis Paiva de Castro, autor do Guia Poético da Cidade do Rio de Janeiro, dizia que a inspiração só pode ser entendida na poesia que funcione como terapêutica. Para o poeta que vê na poesia uma profissão, há bons e maus dias para escrever poesia, como pode haver sono ou insonia em suas cotidianas necessidades de adormecer. Esse posicionamento não deixa de ser interessante. Mas eu vejo essa questão de outra maneira até porque a poesia, pra mim, também pode funcionar como terapia. Ou catarse. E isso sem nenhum sentido dúbio - ou pejorativo. Pelo contrário. Se a poesia é, como queria Schiller “a força que atua de maneira divina e inapreendida, além e acima da consciência” não seria nenhum absurdo ela funcionar também como terapêutica. Acho que esse tipo de visão não se coaduna com a essência verdadeiramente revolucionária da poesia. Nem com a impossibili-

dade de domesticação do poeta. É um absurdo pedir à poesia que defenda determinada bandeira, que incite ao cumprimento de determinada virtude, que traduza determinada idéia. A poesia pode englobar e fazer tudo isso, é óbvio. Mas sempre como elemento secundário, pois a expressão poética não é redutível a nenhuma outra. Só ela exprime a si própria. Quer dizer: o segredo da poesia está precisamente no fato de ela comunicar algo à

margem das formas utilitárias da linguagem. Felizmente o poeta profissional não passa de uma utopia. Ou balela. E é bom que seja assim, pois a poesia é a antimercadoria por excelência. O amor também é uma antimercadoria por excelência. E se a poesia é um ato de amor entre o poeta e a linguagem como queria o querido Paulo Leminsky - nada mais razoável do que não banalizá-la. Ou profaná-la.


Q

uem não acompanhou o trabalho poético de Rubens Jardim de 1964 até esta data, poderá ficar surpreso com o caráter abrangente da presente publicação - o que, evidentemente, não significa que estejamos a nos ocupar de um ilustre desconhecido. Ou um novato. Ou um estreante. É a velha questão da nossa proverbial falta de memória a se manifestar, reiteradamente, em toda e qualquer expressão da nossa cultura. Cabe lembrar, porém, que Rubens Jardim não é propriamente --nem sequer impropriamente-- um novato, nem um valor emergente no quadro da moderna poesia feita no Brasil. Já publicou 2 livros, Ultimatum(l966) e Espelho Riscado(l978). Participou de várias antologias poéticas, 4 Novos Poetas na Poesia Nova(l964), Antologia da Catequese Poética(l968), Vício da Palavra(l977), Antologia Poética da Geração de 60(2001) e já teve poemas traduzidos para o italiano em Poetas del Brazile D’Ogggi(l969). Participou do I Comício Poético da Praça da Sé(l965) e foi um dos primeiros poetas da geração a integrar a Catequese Poética, movimento criado e iniciado por Lindolf Bell, em São Paulo(l964).

Idealizou e realizou o Ano Jorge de Lima(l973), cruzada que contou com o apoio de Drummond de Andrade, Cassiano Ricardo, Menotti del Picchia, Dantas Motta, Povina Cavalcanti, Stella Leonardos, Walmiyr Ayala, Raduan Nassar, Péricles Eugênio da Silva Ramos, Rossini Carmargo Guarnieri, Alvaro Alves de Faria, Henrique L. Alves e outros. Nesse mesmo ano, 1973, publicou Jorge,80 Anos, uma espécie de iniciação à parte menos conhecida e divulgada da obra do autor de Invenção de Orfeu. Além disso, Rubens Jardim viajou junto com a Catequese Poética por dezenas de cidades brasileiras, lendo poemas e distribuindo poesia. Nesses encontros, que aconteciam em praças, bares, colégios, teatros, livrarias, faculdades, clubes, sindicatos e até boates --o poeta pode perceber e exercitar a máxima de Bell que estabelecia: o lugar do poema é onde possa inquietar e o lugar do poeta são todos os lugares. Sem exclusões e sem excomunhões, a Catequese Poética já conseguiu reunir, em um só recital, mais de duas mil pessoas. E, graças ao seu trabalho sistemático de ampliação do público interessado em poesia, contribuiu para a conquista de espaços públicos para as mais

variadas manifestações artísticas. Hoje, ninguém pode ignorar isso, pois a arte já ganhou as ruas, os parques e as praças. Mas pouca gente se lembra--e aí é importante reafirmar a nossa proverbial falta de memória-- de que após o golpe militar de 64, essas questões não eram tão simples e tão fáceis. E a Catequese Poética jamais se curvou diante das ameaças - veladas ou não impostas pelos governos autoritários daquela época. As baionetas, as bombas de gás lacrimogêneo, as atemorizações explícitas e a censura -- prévia ou não-- nunca foram suficientes para calar a voz dos poetas da Catequese. Pelo contrário, indignados e inconformados, esses poetas testemunharam e denunciaram, com absoluta legitimidade, todas as mazelas e todos os horrores daquele período. E como não estavam filiados a nenhum partido, nem a grupos clandestinos, clubes ou igrejinhas literárias - e nem matinham qualquer tipo de relação com os espúrios poderes estabelecidos -- os poetas da Catequese tiveram independência para protestar --de viva voz e corpo presente-- contra todas as atrocidades cometidas em nome da segurança nacional. Pode-se mesmo dizer que, com exceção de Alceu Amoroso Lima, crítico influente e respeitadíssimo


líder católico, e mais alguns nomes reunidos em torno da revista Civilização Brasileira, só os poetas da Catequese passaram incólumes pelas barbaridades praticadas no auge do terrorismo cultural. E isso não quer dizer que os poetas da Catequese ficaram em cima do muro. Ou foram omissos. Eles reagiram sempre, com bravura e generosidade, a todas as formas de dilaceramento da identidade nacional. Até porque estavam alinhados ao projeto de uma cultura nacional popular que vinha tendo andamento desde a posse do vice-presidente João Goulart . E, para comprovar isso, basta citar a data da primeira apresentação da Catequese: maio de 64. E os locais das apresentações, por si só, já associam a Catequese a um dos inúmeros movimentos de resistência. Senão vejamos: Teatro Oficina(64), Teatro de Arena(64), Viaduto do Chá(64), I Comício Poético da Praça da Sé(65), PUC, Rio de Janeiro,(65, primeiro recital em estádio de esportes). Muitas cidades do interior de São Paulo foram visitadas: São José do Rio Preto, Santo André, Itápolis, Ibitinga, São Caetano do Sul, Assis, Rio Claro, Lençóis Paulista, Araraquara, Catanduva, Taubaté, Monte Aprazível, Americana, Campinas,

Ribeirão Preto, entre outras. Outros Estados também não ficaram de fora da agenda da Catequese: Espírito Santo (Teatro de Arena, em Vitória e apresentação em Guarapari); Rio de Janeiro(Rio e Niterói); Minas Gerais (Teatro Marília em Belo Horizonte; Universidade Federal de Minas Gerais; Cidade Universitária da PUC; Boate Che Bastião; TV Itacolomy, também em BH); Ouro Preto (Teatro Municipal e Boate Calabouço); Guaxupe(também em Minas); Curitiba e Florianópolis. Na cidade de São Paulo as apresentações públicas se sucediam com frequência: Noite da Independência no TBC(com Chico Buarque, Geraldo Vandré e Sérgio Cardoso); Catequese Poética no Teatro Aliança Francesa; I Feira de Poesia(rua Augusta);Noite Psicodélica ( no Bar e Livraria Ponto de Encontro, Galeria Metrópole); recitais na Livraria Atrium, Faculdade de Medicina da USP, Faculdade de Direito do Largo São Francisco, Sedes Sapientae, colégios Rio Branco, Brasílio Machado, D. Pedro II,Oswaldo Cruz, Sacre Coeur du Marie e uma infinidade de outros. Tudo isso sem contar as palestras, os debates, as conferências e as noites de autógrafo.


opinião

“A poesia não admite a ditadura, nem a Ela preside um país livre e estará perpètuamente no poder, constitucional e democrática. A poesia de Rubens Jardim vive agora, no tempo de hoje, urgente e imediata. Ela absorve as informações de uma época em que se vive depressa, em que velocidade e sobrevivência são sinônimos. Sua poesia encontra esta época na hora marcada, sem atraso. Sim, as emoções estão frágeis como há séculos, mas há séculos o homem não vestia escafandros espaciais para viajar nas Geminis. Esta época autoriza ao homem o conhecimento de uma verdade moderna: a sua evolução interior não corresponde aos progressos da ciência. Esta angústia liberada pela impotência em resolver os problemas íntimos, ao mesmo tempo em que um botão lança um astronauta no espaço, esta angústia


o

a ditadura da palavra” são os poemas de Rubens. Ele registra, com espanto, o processo de decomposição dos valores que lhe foram conferidos -- o mundo escapa líquido por entre os dedos, por entre os seus versos, sem que seja possível retêlo. Não se trata, por isso, de uma poesia que pretenda impor uma posição; trata-se de uma poesia que pergunta, e pergunta inclusive sobre a sua própria existência. Rubens cumpre o seu dever ao revelar as angústias de sua época. Eis o menino de 20 anos que toma conhecimento do mundo. Mas não se trata de uma poesia torturada, uma poesia deitada no divã do psiquiatra. Ao contrário, a poesia de Rubens está livre de compromissos com os traumas que educaram a infância de sua geração: ela denuncia o sistema de velocidade e reconhecimento que é mesmo a própria engrenagem do homem contemporâneo. Da mesma forma que a poesia não marca no relógio a sua hora de despertar, a arte não pode ser antecipada ou

adiada. Ela é, como não poderia deixar de ser. Mas a palavra futuro não fica proibida. O tempo oferece ao poeta os acréscimos da técnica e da prática. Rubens é o poeta de hoje, definitivo e consumado. Ele só seria o poeta do futuro - como gostam de prever os críticos de rugas e casaca - se a arte admitisse progresso. Mas em arte não há evolução. Guardadas certas proporções, um poema de Shakespeare é tão bom quanto um de Evtuschenko; um quadro de Da Vinci é tão bom quanto um de Picasso; um filme de Vidor é tão bom quanto um de Godard. A poesia se transforma. Se é preciso registrar as qualidades e a beleza de certos momentos especiais, é preciso também reconhecer a validez dessa mudança em movimento. Rubens está atento: a poesia avança. O golpe de estado pode ser desferido esta noite. E o poeta, não a poesia, pode ser deposto. Mas a poesia estará perpètuamente no poder, constitucional e democrática. Ela não admite a ditadura, nem a ditadura da palavra -- ela preside um país livre, no tempo presente, ela foi eleita. A poesia de Rubens é uma poesia que confia em si mesma. Os seus poemas nos conduzem a um território onde se proíbe o saudosismo e o medo. Eis as planícies sem vegetação alguma, eis as cidades alagadas, eis as árvores que aguardam, organizadas, os seus frutos. Seus poemas nos conduzem à investigação desta geografia -- e basta que seus poemas nos conduzam. A sua competência como poeta está assegurada; a nossa competência como homens está proposta. Flávio Márcio jornalista e dramaturgo(1966)


Em 4 Novos Poetas na Poesia Nova, temos enfeixados, num único volume, poemas de um grupo de jovens que ora tentam a aventura da comunicação com o mundo. Chega a ser comovente o entusiasmo e a compenetração com que estes líricos estreantes se apresentam ao público, numa espontaneidade que desde logo conquistará o leitor. A rigor, porém, não se pode, ainda, distinguir num ou noutro, um traço mais definido ou um compromisso maior. Todos estão, como é óbvio, à procura de um caminho próprio. Rubens Jardim, que parece ser o mais maduro do grupo -mais maduro e, no fundo, mais amargurado -- diz, significativamente, que sua infância foi exata como um relógio sem ponteiros. Rolmes Barbosa(crítico) Suplemento Literário de O Estado de São Paulo maio de 1965

“Rubens Jardim, se não levar a sério os tais poemas-pesquisa, considerando-os, enquanto é tempo, como humorística experiência poética, poderá algum dia ser um poeta, um bom poeta, de pensamento e de ação, para a luta que todos precisamos travar pela pátria esquecida, luta que não se faz com joguinhos de palavras mais ou menos cruzadas... Rubens tem talento e é ele próprio quem o diz neste sugestivo poema...” J.Reis(crítico) Folha de São Paulo

“Três livros de poesias nos vieram às mãos esta semana. E por isso estou feliz. Um deles é firmado pelo jovem poeta Rubens Jardim. E tem um título bélico: Ultimatum. A poesia de Rubens tem aquele sabor próprio da geração que os maiores insistem em não compreender, por comodismo ou incapacidade. É o protesto.” J.Pereira(crítico) Diário de São Paulo. abril de 1967 “Poeta de talento o jovem Rubens Jardim do Ultimatum, que diz com o desassombro de seus 20 anos poesia em praça pública (como naquele Comício Poético, em outubro de 65, na Praça da Sé, em São Paulo)... E eu planto aqui no cerne de cada coração, o ultimatum da minha última esperança... Caracteriza-se ersta poesia pela emoção (jamais derramada) e o aproveitamento verbal inteligente. Consegue -- coisa rara --sendo música ser força. Não a da melodia fácil. A do ritmo inspirado, coração que reivindica. Algo alma da Seresta: Uma corda/ Um cardo/ E o som desse rosto/

Sem arestas.” Stella Leonardos ( poeta e crítica) Jornal de Letras 1966 “Poeta Rubens Jardim: deixo de responder à sua carta-desencanto porque a melhor resposta lhe foi dada por você mesmo, em Espelho Riscado, cadernos de poesia-2. A poesia é exatamente o projeto de solução que encontramos para os desencontros e absurdos do mundo. E você dá bravamente o recado, em seus versos. Portanto, é seguir em frente, com as armas da lucidez e da esperança.” Carlos Drummond de Andrade carta,,1979 “Você celebrou os 80 anos de Jorge com o mais belo monumento. Erigido pelo amor, ressuscita o morto na sua encarnação perene: a ternidade de seus poemas. Não sei de ensaio mais penetrante desse milagre da Poesia que foi Jorge de Lima. O fechado enigma do Orfeu é um convite para continuarmos com ele, tempo afora, gozando a mágica alegria de sua decifração. Mas valerá a pena

opin


decifrar o inefável? Um abraço Jardim, herói dessa façanha. Menotti del Picchia carta,, maio de 1973 “O livro Jorge,80 Anos é efetivamente uma preciosa introdução à obra de Jorge de Lima, compendiando poemas extraídos de Tempo e Eternidade, A Túnica Inconsútil, Mira-Celi, Livro de Sonetos e Invenção de Orfeu. Vale dizer que se abrigam em suas páginas alguns dos mais belos textos escritos na língua portuguesa em nosso tempo. Jorge,80 Anos, éantes de tudo um livro comovente. O volume abre-se com uma montagem de textos, feita por Rubens Jardim. Através dessas páginas o leitor pode reconstituir o itinerário do poeta, sua biografia, sua estética, sua visão do mundo. Rubens também pesquisou a obra jorgeana, acrescentando o produto dessa exploração ao todo, de forma a compor um retrato do poeta por ele mesmo, retrato que é da maior importância não apenas para os iniciantes, mas para todos os que desejam conhecê-lo mais intimamente.

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O mínimo que se pode dizer é que Rubens Jardim fez o que deveríamos ter feito.” Nogueira Moutinho (crítico e ensaista) Folha de São Paulo,1973 “Rubens Jardim conquista mais um passo em sua carreira de poeta e dimensiona entusiasmo e muito amor como ensaísta em busca da visão de um poeta, cuja obra andava esquecida. Rubens merece todo o aplauso pela magnífica iniciativa de reviver o autor de Essa Negra Fulô e tantos outros sucessos e soube usar uma técnica comunicativa para a poesia.” Henrique L. Alves (escritor e crítico) Gazeta Esportiva,1973 “Por tudo isto que se sente e não se explica, a poesia é necessária. Ela não é fuga, antes procura. Não é fim, porém caminho. Não é gratificante, antes compromisso sempre renovado. É o que se sente, lendo este Jorge,80 Anos, livro publicado em homenagem aos 80 anos de nascimento de Jorge de Lima. O trabalho foi organizado por Rubens Jardim com muita sensibilidade. É um belo trabalho e

niães

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o livro deveria ser entregue a uma editora merecendo uma roupagem mais acurada. De resto, nota cem.” Torrieri Guimarães ( crítico e escritor) Folha da Tarde,1973 “O anarquista Jorge de Lima seria o primeiro a achar ótima a idéia de se comemorar seus 80 anos de nascimento com um livro como o de Rubens Jardim. Afinal, só uma admiração muito grande por um escritor morto há vinte anos poderia levar a uma edição de 500 exemplares, mimeografados, vendidos quase que como um livro pornográfico, clandestino e transbordante de entusiasmo pela obra de um poeta praticamente fora de moda no estranho sistema de valores das teses universitárias.” Geraldo Galvão Ferraz (crítico e escritor) revista Veja,1973 “Meu caro Rubens Jardim: acabo de ler a edição comemortiva do 80º aniversário de nascimento do poeta Jorge de Lima. É um livro precioso e você está de parabéns.” Leodegário A.Azevedo Filho (crítico e escritor), 1973 “Não é fácil fazer-se uma antologia. Notadamente no caso de Jorge de Lima, poeta de várias fases e várias faces. Isso você conseguiu e com galhardia!” Dantas Motta (poeta) 1973

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Expressão cunhada por Guimarães Rosa



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