Pentagrama2003_06

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“O mundo me perseguiu, mas não me capturou”

Grigori Savvitch Skovoroda (17221797) era um filósofo e místico da Ucrânia. Com a idade de 75 anos e favorecido pela hospitalidade de um de seus discípulos, ele pegou uma enxada e cavou uma cova estreita: Já é tempo de terminar este perambular, disse ele, que aqui seja meu túmulo e que seja inscrito: O mundo me perseguiu, mas não me capturou. No dia seguinte, encontraram Skovoroda morto em seu quarto, as mãos cruzadas sobre o peito, a cabeça apoiada sobre rolos de papel cobertos com sua caligrafia. Esses textos foram editados quase cem anos após sua morte. Skovoroda é uma figura lendária. Leon Tolstoi e outros pensadores de sua época o tinham em alta estima. Alguns anos atrás, seu nome foi dado à Universidade de Kharkov, antiga capital da Ucrânia.

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rofundamente crente, Skovoroda foi também um espírito livre. Ele denunciou sem titubear os abusos de seu tempo. Corajosamente, ousou oporse ao ensinamento tradicional da Igreja, justamente ele que a princípio queria ser padre. No seu ardente desejo de verdade, ignorou sempre o medo. Em 1765, ele abandonou sua carreira de professor para percorrer os caminhos. Daí por diante e até o final de sua vida, ele não teve mais domicílio fixo. O que é a vida? – escrevia ele – O sonho de um turco obcecado pelo 24

Skovoroda rejeitava completamente a exegese literal da Bíblia: “Mais vale não ler e não entender do que ler sem olhos, ouvir sem ouvidos e transmitir absurdidades”.

ópio. Um sonho pavoroso que dá dores de cabeça e gela o coração. O que é a vida? Um vaguear. Abre-se um caminho, sem saber nem por que, nem para onde. Skovoroda se torna uma espécie de mendigo. Em sua mochila, ele tinha uma Bíblia hebraica; mais tarde, também pegou uma flauta e um cajado. Às vezes permanecia algum tempo com um ou outro de seus numerosos amigos, depois, bruscamente, seguia novamente seu caminho. Ele cantava canções e contava estórias nas praças de mercado, nas casas pobres, e dava palestras para seus companheiros. Seu ascetismo tomava formas sempre austeras sem que diminuísse a vivacidade de sua alma. Ele consagrava muito tempo à oração. Guiado por uma mão invisível, seguia seu caminho. “O mundo inteiro dorme” Durante todos esses anos de errância, sua criatividade filosófica floresceu. No curso do caminho, escreveu seus Diálogos. Ele tentou chegar a uma compreensão do mundo e da humanidade através de suas experiências interiores. Freqüentemente sentia-se men-


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