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RRR: Revolta, Rebelião, Revolução Um Ben-Hur indiano
from O Regional PG
“RRR: Revolta, Rebelião, Revolução” não é um filme para qualquer um e, ao mesmo tempo, é para todos. Para início de conversa, ele é quase inteiramente falado em telugu, dialeto indiano, enquanto a Netflix do Brasil o apresentou em sua versão dublada em hindi, o que dá a mesma característica de um filme hollywoodiano dublado em português. Outro fator importante é que ele tem mais de três horas de duração se contar até o fim dos créditos, e não se preocupa com o preconceito de quem acha que gênero é coisa séria a ser seguida; há diversas vertentes dentro de um enorme emaranhado, cuja essência lembra muito “Ben-Hur”, respeitando suas vertentes espirituais e culturais. O resultado é assustadoramente cativante, do tipo que proporciona uma experiência única e sincera.
Dirigido por S.S. Rajamouli, o filme é um épico histórico que se passa na Índia do início do século XIX, quando o Império Britânico colonizava o país e, com isso, barbarizava e destroçava seu povo, sua cultura e qualquer resquício de dignidade. Para tanto, há dois inícios para o espectador se apegar. O primeiro conta a tomada da ácida e imperdoável Lady Catherine (Alison Doody), que leva a jovem Malli (Twinkle Sharma) de seu povo porque sua voz encantou a colonizadora. Isso faz com que a injustiça fique armazenada em Bheem (N.T. Rama Rao), que se torna um líder guerreiro, fortalecendo corpo e mente a fim de recuperar a irmã mais nova das mãos dos calculistas ingleses; eis a primeira jornada estabelecida. O segundo início tem a ver com Raju (Ram Charan Teja), que esconde suas verdadeiras intenções ao enfrentar uma multidão de revoltosos indianos diante do recuo dos ingleses, dando força para os europeus e, portanto, sendo promovido. Com o mesmo foco de Bheem, Raju consegue resistir e enfrentar situações que nenhum outro homem enfrentaria.
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Como o destino faz parte da vida de ambos, e ele parece ter traçado o encontro, Bheem e Raju passam a trabalhar juntos, pois reconhecem o diferencial um do outro, como mutantes ou algo parecido e sobre-humano, no resgate de um garoto no meio do caminho de ambos. A partir de então, passam por tudo para fortalecer a amizade, até que descobrem que estão, na verdade, em lados opostos da história, e o filme faz questão de apresentar cada etapa de seu roteiro, também escrito por Rajamouli, com interseções musicais como cânticos que contam, lado a lado, como o destino vai agir aqui.
É inevitável compreender este filme sob uma ótica diferente: ele faz parte do panteão do cinema da Índia, mas se difere de Bollywood porque não é gravado ou falado do jeito que os demais que se encaixam em suas vertentes e, como tal, sua personalidade é relevante a partir do ponto de vista narrativo porque representa a variedade de sua cultura. Ao inserir personagens muito bem apresentados em seu primeiro terço, o cineasta dedica ação quase desenfreada quando ambos se descobrem opostos, e o espectador, nesta altura do campeonato, já está cativado pelo carisma dos dois, principalmente depois da impagável cena de canto e dança quando estão se apresentando diante de um grupo de mulheres inglesas, enquanto os homens da Inglaterra ficam de lado com a mesmice de seu chá. Aliás, há diversos momentos em que a terra do (agora) rei é desafiada pelos absurdos que fez com o território indiano, enquanto os locais precisavam se fortalecer diante da invasão ocidental, tornando a força da natureza, como os diversos animais silvestres, como parte de sua própria força. Não há exemplo melhor do que o que Bheem faz, muito mais puro diante de seu país do que Raju faz diante de sua premissa.

Ao inserir diferentes culturas originárias, os protagonistas, cada qual de seu jeito, lutam pelo que acreditam e não conseguem fazer quem os assiste decidir sobre qual princípio é mais nobre. É claro que tudo é explicado, mas até isso acontecer, a amizade de ambos é colocada à prova, e o que mais comove é o quanto o respeito mútuo, belamente construído pelo roteiro, é posto em cheque.
Mas, tudo o que aconte- ce tem mesmo um propósito, e isso é completamente abraçado por uma técnica irretocável: dos efeitos visuais impressionantes, que não se acanham diante dos malabarismo dos atores. Seja pela fotografia quentíssima de KK Senthil Kumar, ou pela edição corajosa e cheia de ritmo de A. Sreekar Prasar, “RRR: Revolta, Rebelião, Revolução” se torna um “Ben-Hur” indiano porque provoca reflexões espirituais a respeito de uma realidade histórica, e traz mensagens de empoderamento, humildade e valores familiares com o épico ao seu redor. Há muitas metáforas exploradas, e todas merecem a atenção do espectador, mas nenhuma delas é maior do que a força de uma amizade que é regida por apenas uma palavra: honra.