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Precioso retrato do inesquecível Morricone
from O Regional PG
Como definir a importância da música para o cinema? De Max Steiner a Bernard Hermann, de Alfred Newman a John Williams. Difícil defini-la sem mergulhar em algumas notas, temas e assuntos específicos, como gêneros que tão bem se beneficiaram por elas. Épicos grandiosos como “…E o Vento Levou” e “Ben-Hur”, aventuras como “Jurassic Park” e “Superman”, a irretocáveis, tais como “O Rei Leão”, “O Poderoso Chefão”, “Quo Vadis?” e “Psicose”. Pare em cada um, lembre-se de uma cena e será impossível não trazê-la com os acordes. Mas, talvez a melhor definição da importância da música para o cinema esteja em uma resposta simples: ela é a responsável por levar o espectador da poltrona à tela. Sob o olhar dos grandes compositores citados, há um ainda inédito aqui, e talvez o responsável por traduzir todos os gêneros ao cinema: “Ennio, o Maestro”.
Ennio Morricone foi um homem de personalidade um tanto quanto antissocial: ao invés de falar, e de fazer grandes discursos, ele compunha. Desde a juventude até a morte, em 2020, um universo esteve entre suas mãos, que pareciam antever o cérebro, e as dezenas de músicos que formavam orquestras para os filmes. Ennio foi um sujeito pacato, que não via o ofício com glamour, e participava de tantos filmes quanto podia, todos os anos, levantando a fúria de quem não compreendia de onde vinha seu talento. Mas, para simplificar tudo, ninguém menos que Giuseppe Tornatore, responsável por “Cinema Paradiso”, cuja trilha é do próprio Ennio, trouxe à tona este documentário sobre a vida de seu homenageado. Não a privada, e sim a profissional. Será muito difícil, para o espectador que assistir ao filme, considerar Ennio menos que um gênio; menos que o maestro da sétima arte.
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O roteiro não traz segredos. Giuseppe traça a infância daquele jovem de Roma, explicando os porquês de sua paixão pela música começar, passando pelas oportunidades que aproveitou, enquanto estudante, até se tornar profissional. Ennio se apresentava em muitos concertos, e dominava alguns instrumentos, apesar de sua compreensão ser maior com as partituras e a regência. O que ele não esperava era o quão importante o cinema seria em sua carreira – e vice-versa. Em 1960 fez sua primeira colaboração, em “A Morte de Um Amigo”, de Franco Rossi, e desde então não parou mais. O compositor se envolveu com tantos pedidos quanto poderia, e o resultado foi uma carreira com dezenas de filmes. Houve anos em que compôs a trilha para mais de vinte deles, cada qual com sua personalidade, além das centenas de composições que ficaram de fora, quase sempre porque o próprio Ennio não gostava. Requisitado, entre os anos 1960 e 1990, Ennio Morricone se envolveu em muitos trabalhos, mas tudo mudou drasticamente em sua carreira a partir da parceria com Sergio Leone: “Por Um Punhado de Dólares”, “Por Uns Dólares a Mais” e “Três Homens em Conflito” foi a trilogia que mudou o rumo do cinema, pois, além de trazer Clint Eastwood no que foi considerado o subgênero western spaghetti, também apresentou a narrativa comum ao velho oeste com as sacadas que somente este diretor tinha para seu jogo de câmera, algo que Ennio compreendeu muito bem. A partir disso, o compositor passou a fazer muitos filmes, na Itália e fora dela (sempre sem sair de seu estúdio, em Roma), e o resultado é esta brilhante peça. Mas a excelência não está apenas no fato de Tornatore homenagear Morricone – sim, isso é, por si só, um feito enorme para a história do cinema. Há duas questões que deixam tudo ainda melhor: a primeira é a quantidade impressionante de gênios da sétima arte envolvidos em um único projeto: Clint
Eastwood, Oliver Stone, John Williams, Bernardo Bertolucci, Quentin Tarantino, Hans Zimmer, Dario Argento, Wong Kar-Wai, Roland Joffé, Quincy Jones, Bruce Springsteen e muitos outros deram suas palavras em troca de alguns minutos de tela divididos pela edição de Massimo Quaglia, responsável por tornar as duas horas e meia deste projeto em uma sessão de choros para os cinéfilos de plantão. É impossível não se arrepiar com o compilado escolhido, sobretudo pela forma com a qual foi montado.
Mas a segunda questão é o que faz toda a diferença. Morricone faleceu em 2020 e, antes disso, gravou todas as suas participações para esta peça. Feito raro na indústria, o homenageado participou ativamente de sua própria obra, e isso é essencial para trazer o espectador ao lado do então velhinho franzino, que justificou cada ato de sua vida com suas próprias palavras. O tempo inteiro, então, há recortes de suas passagens por situações que marcaram a carreira, e elas tendem a emocionar justamente pelos olhos doces por trás dos óculos, enquanto fala com propriedade sobre os aprendizados, as parcerias, os fracassos e os julgamentos – a justificativa para não ter composto a trilha de “Laranja Mecânica” é a mistura exata do hilário com o melancólico, pois ali estava a briga de egos de dois gênios que queriam Morricone: Leone e Kubrick.
Portanto, “Ennio, o Maestro” é um estudo de caso, uma obra que poderia ser chamada, sim, de definitiva, pois traz a importância da música para o cinema por meio de seu mais importante representante. Morricone foi um gênio que ultrapassou gerações, gêneros e limitações de idioma. Em seu italiano, e só, ele foi o responsável por conversar com a alma do espectador, e isso é feito para poucos; para os raros ícones que ficam para sempre na história da arte.