

Há diversas formas de se contar uma história. Desde sempre e para sempre tivemos e teremos essa necessidade de contar e ouvir relatos de outrem, sejam eles inventados ou tenham de fato acontecido. Para conseguirmos nos comunicar, lançamos mão de diversos artifícios, suportes e formatos, tais como imagens, palavras e sons. A comunicação é, portanto, forjada a partir de um conjunto de códigos a que chama mos de linguagem. A um conjunto de textos escritos e publicados, da mos o nome de literatura. Se por um lado o texto dramatúrgico teatral alcançou já há algum tempo o status de texto literário, por outro o roteiro cinematográfico ainda permanece por muitos sendo considera do mais como um meio para a realização de um produto audiovisual do que um fim, ou seja, uma obra de literatura.
O projeto “Dos filmes que ainda não fizemos” consiste em uma oficina de escrita de roteiro e diagramação editorial que tem como produto fi nal a publicação de um livro. Idealizado pelo cineasta e professor Rober Corrêa, já teve diversas edições em cidades como Salvador/BA, Floria nópolis/SC e Curitiba/PR, entre outras. Quando tivemos conhecimento do projeto, ele ainda estava em sua versão piloto, em Pato Branco/PR, e nem mesmo havia sido publicado em livro. Fomos então contempla dos pelo Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal (FAC/DF), que permitiu que o público de Brasília também pudesse ter a oportunidade de conhecer e participar da proposta. Acreditamos que o fato de já ter sido realizado com êxito em tantos locais diferentes é mais uma prova de sua relevância e importância, demonstrando a força do roteiro como possibilidade de escrita e, por que não, de literatura. Aqui no Distrito Federal, desenvolvemos uma profícua parceria com o IFB - Instituto Fe deral de Brasília, em que as oficinas foram ministradas para os alunos do curso regular de audiovisual do campus Recanto das Emas. Como resultado, foram escritos os 11 roteiros de curta-metragem que ora são publicados neste livro.
Em lugar de tentar criar imagens-sínteses do conteúdo de cada rotei ro, as ilustrações de Felipe Cavalcante são como planos-detalhe do fil me que se projeta dentro de nossas cabeças ao longo da leitura. Por sua vez, o projeto gráfico de Maíra Guimarães e Poliane Gomes resolve com elegância o desafio de criar uma unidade visual a partir de tantas
narrativas e perspectivas diferentes. A reunião dessas potencialidades criativas é então coordenada e supervisionada pela Avá Editora, a quem também damos o devido crédito por esta cuidadosa edição.
Artur Cavalcante
No livro “Prática do roteiro”, Jean Claude Carrière e Pascal Bonitzer elen cam três pontos de partida comuns aos que empreendem o processo de escritura de um roteiro: a) quando um roteirista se aventura auto nomamente, sozinho ou acompanhado, sem contrato ou encomenda; b) quando um roteirista é contratado, com remuneração acordada e produto definido; ou ainda c) a ocasião em um diretor e um roteiris ta se reúnem para viabilizar juntos tanto a construção da peça textural quanto a realização do próprio filme. Num sentido próximo, ainda em busca de compreender o ofício da/o roteirista, Ana Maria Machado em prefácio à edição brasileira de “A jornada do escritor”, dedica sua re flexão inicial à distinção entre a figura do autor e do escritor. Para ela, o primeiro assume papel inventivo, independente e criativo, envolvido por sua necessidade interior de expressar-se. O segundo, um mestre de ofício, está comprometido com o código, desligado da pretensão de genialidade e atua sob demanda.
Nesta edição de “Dos filmes que ainda não fizemos”, realizada em par ceria com o Instituto Federal de Brasília, partimos essencialmente da ideia da escrita como um ofício, um labor que quiçá porá comida à mesa. Tratam-se de autorias oriundas do curso Técnico Subsequente de Produção de Áudio e Vídeo que, com o irrestrito apoio da professora Patrícia Barcelos, desenvolvem a expertise necessária para que somem método aos seus próprios desejos de produzir e de realizar.
Compreender a atuação da/o roteirista na perspectiva da profissiona lização é também uma chave para o pertencimento enquanto classe laboral, sempre em construção e reorganização, que através de critérios e balizas muito específicas da escrita para audiovisual, faz-se respeitar não só a si, mas a todo o corpo de trabalhadores das cadeias de produ ção, ao reconhecer limites e cercear intrusões em outras áreas do fazer cinematográfico, como mesmo a direção, fotografia, montagem, som etc. Assim, roteiristas respeitosamente elegem palavras que revelam imagens e sons nas menores das sutilezas.
Num primeiro momento, discutiu-se técnicas convencionais de escrita (compreendendo possibilidades formais e processuais), que culmina ram no trabalho de conclusão da disciplina de Roteiro, ministrada pela professora Patrícia. São estudantes já familiarizados com o conjunto de códigos compactuados que compreendemos academicamente como linguagem cinematográfica e, entre esses estudantes, os que se sen tiram convidados a explorar um bocado mais seus “locais de autoria”, seguiram em consultorias com as escritoras/autoras Amanda Tavares e Marina Mara.
O momento das consultorias é o de esquecer o respeito. Não o respeito às classes de operários do cinema ou ao roteiro enquanto instrumento de trabalho de outras pessoas, mas o respeito às convenções formais e narrativas que por vezes retardam o desabrochar de novas e novas e novas e cada vez mais novas histórias. É por uma espécie de indução à desobediência como forma de experimentação que, com um cuidado particular a cada processo de criação, observamos e constatamos em conjunto que uma das diretrizes da matriz patriarcal e racista que (nos) oprime, é justamente a repetição formular das mesmas histórias, com suas mesmas estruturas. Apenas ajustar a roupagem não é o suficiente. Assim, mesmo que com resultados de dificílima mensuração, intuímos revoluções (ou reformas?) enquanto seguimos acreditando que o ca minho se constrói enquanto se anda.
No meio desse caminho, para também pensar os textos enquanto matéria gráfica, foram organizados encontros com a escritora e editora Natália Aniceto, como meio de conceber suportes possíveis e cons cientes para a promoção do trabalho das/os roteiristas - nesse caso livros, impressos e digitais.
Durante as oficinas e consultorias que culminaram na publicação da presente obra, destaco além da generosidade e acolhimento de toda a equipe, estudantes e profissionais da educação envolvidos, a mirada autoconsciente de grande parte das autorias de sua posição periférica frente o poder hegemônico, mas convicta de sua centralidade para si mesma. Certamente uma percepção derivada da qualidade do proje to de educação técnica federal vivenciada no Recanto das Emas. Com educação e política pública inclusiva, não apenas formaremos escrito ras/es, mas criaremos materialidade para que se convertam também em autoras/es, caso assim desejarem. Tudo isso se refrata nos roteiros aqui apresentados.
Na pessoa de Artur Cavalcante agradeço à Jurumim Produções e toda a equipe técnica envolvida no projeto. Através da professora Patrícia Barcelos agradeço toda a equipe do Instituto Federal de Brasília e também a generosidade das autorias em compartilhar suas histórias.
Com os votos de bom desfruto, Rober Corrêa Primavera de 2022
1
Ao se levantar de sua cama e abrir a porta de seu quarto, um homem apático, de olhar melancólico, depara-se com um obstáculo incomum: para além dali há apenas uma escuridão imensurável que circunda o cômodo. Em meio a essa escuridão há uma tela suspensa que mostra uma rua sendo percorrida por alguém. A tela logo revela a identidade do transeunte: um duplicado do Homem. O Homem por sua vez observa aflito o percurso, enquanto descobre estar diretamente ligado ao Duplicado e suas ações. No decorrer dessa interação, em meio a intensos conflitos internos, ele sofre inúmeras agressões que quase o levam à morte.
7
Jorge é um jovem periférico do Recanto das Emas, apaixonado por futebol que em meio à violência das torcidas organizadas tem seu irmão caçula assassinado, e junto de seus amigos busca por vingança para seu ente querido em seu primeiro aniversário de morte.
15
É possível um surdo “ouvir” SENTIR as vibrações sonoras e se emocionar com a melodia musical através língua de sinais (LIBRAS) “O que se vê e o que se ouve”. Afinal música é para ouvir? Ou para sentir?... “Só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos” (Saint-Exupéry).
Addie tem 29 anos e é estudante de letras, está no último semestre do curso. Seu livro favorito é o Os sofrimentos do jovem Werther. Addie vive um relacionamento monogâmico há cinco anos com ely, recentemente o casal tem passado por crises na relação. Após ely pedir um tempo, addie resolve fazer uma surpresa como forma de tentar reatar o namoro. Addie possui as chaves do apartamento de ely. É quarta-feira, após o almoço, e ely só chega às dezesseis horas. Quando addie abre a porta do apartamento acaba se surpreendendo com a presença de outra pessoa, que não é ely, e essa pessoa está grávida, de pijama, sentada no sofá da sala.
41
Rebeca, 21 anos, em pouco tempo de relacionamento casual com Edgar, engravida. Opta por não manter segredo. Em uma situação de desespero, sem saber se mantém ou não o bebê, pede ajuda a uma amiga, Luna. Rebeca nunca se enxergou como mãe, não possui condições para tal. Mas tem muito medo de perder a vida no procedimento do aborto. Com o apoio financeiro e emocional de Luna, Rebeca decide interromper a gravidez. Tudo corre bem, mas elas se sentem desamparadas pelo Estado e com a tensão de que a qualquer momento um trauma maior poderia acontecer.
49
Os dias corridos, todos vivendo em seus mundos particulares não conseguem ter empatia ou até mesmo perceber que existem pessoas, vidas e histórias que cruzam diariamente nossos caminhos, mas não são notadas, em paralelo a isto. Elisangela, uma humilde dona de casa que apesar de toda dificuldade adotou dois adolescentes, Maria e Jhon, seus sobrinhos que perderam a mãe vítima de violência doméstica. Na convivência com estes jovens, afloraram questionamentos sobre sua vida e como seus filhos adotivos conseguirão vencer os desafios em uma sociedade que não enxerga pessoas pobres e pretas. Jhon é traficante e sofre com a perda da mãe, Maria trabalha com recicláveis e tenta ajudar a mãe adotiva, mesmo depois de descobrir uma gravidez indesejável. Todos têm sonhos, ambições e desejos, mas não sentem percebidos e valorizados pelo mundo que os cerca.
57
Yasmin, estudante de ensino médio, usa o transporte público para ir à escola. Em um dia de prova, ela não consegue pegar o ônibus por estar completamente lotado. Ao chegar na escola, ela descobre que não pode entrar devido ao seu atraso. Impedida de entrar, ela e Nero, outro aluno atrasado, decidem entrar a qualquer custo. Após falharem, ela descobre que a prova só ocorrerá na próxima semana.
89
Carlos é casado com Alice, uma mulher muito amável, eles sofrem por não serem pais e no momento, vivem um casamento conturbado desde que Carlos descobriu que tem um filho com Rebeca. E Alice só descobre quando a criança sofre um acidente nos olhos. Porém um anônimo doa as córneas e o menino fica bem, mas Carlos só não esperava que os olhos de seu filho postiço fossem de sua própria esposa Alice.
103
Aline é uma jovem mal humorada de 21 anos que mora sozinha em um apartamento relativamente grande que sempre está bagunçado. Ela está em um momento de crise existencial, passando por problemas financeiros. Um dia indo para a aula, ela vê a carteira de um velho cair no chão. Ela decide levar o objeto para casa e poucos minutos depois, um velho intrometido e debochado bate na sua porta e conversa com ela como se a conhecesse. Ninguém consegue vê-lo nem ouvi-lo, apenas ela. Ele passa a acompanhá-la em todos os lugares sempre fazendo comentários debochados e críticas sobre ela. Movida pelas críticas dele, ela supera seus medos e percebe que ele faz parte de sua consciência.
119
Izabel é a típica fofoqueira da rua. Após testemunhar um roubo, deixa “escapar” que quem cometeu o crime foi alguém inesperado. Os suspeitos vão sendo apresentados e Izabel passa a tirar vantagem de cada um. Tudo isso, enquanto confeita um importante bolo dourado. Ela decide revelar a Andréia quem foi o responsável. O culpado aparece na porta. Ao vê-lo, Andreia se assusta e derruba o bolo no chão.
Rafael cria os filhos após a morte da esposa no parto. Quando as crianças de apenas 3 anos começam a perguntar sobre a mãe, ele conta como a conheceu. Ao contar a história vivenciada em um baile funk, elas conseguem se sentir mais próximas de Beatriz. Rafael se emociona ao perceber que está construindo uma família preta com representatividade positiva, mesmo com os desafios de ser um pai solo.
Em um quarto escuro, sobre uma cama de solteiro, há um homem deitado de olhos abertos. Seus olhos tristes parecem vagos e apontam para o teto.
Os sons abafados do ambiente fazem com que o cômodo pareça estar soterrado no fundo do mar.
O Homem se ergue preguiçosamente.
Ao abrir a porta de seu quarto, ele se depara com um obstáculo incomum: para além da porta há apenas um vazio, uma ESCURIDÃO imensurável que envolve o cômodo.
Ele puxa fios de sua sobrancelha de forma tensa, fecha e reabre a porta ainda meio incrédulo.
Sua feição é apática e melancólica e ele parece totalmente indisposto a avançar contra aquele breu. Logo, se afasta de vez dali.
Invadem o quarto alguns sons abafados de carros e buzinas. Uma voz feminina grita em tom raivoso:
MULHER (O.S.) Presta atenção, idiota!!!
O Homem olha assustado ao redor, procurando a origem da voz que parece se dirigir a ele.
Ele se move até a janela.
Ao correr a cortina ele se defronta com a mesma ESCURIDÃO de antes. Porém, suspensa sobre ELA, há uma espécie de TELA com imagens em movimento de uma rua que parece estar sendo percorrida por alguém.
Na TELA há carros passando e a suposta pessoa que se move por aquele trajeto parece seguir descuidadamente por entre eles. Eis que surge a fachada de uma distribuidora de bebidas.
A TELA mostra o local sendo adentrado. Dentro da distribuidora há um espelho e nele aparece o reflexo da pessoa que percorre o caminho transmitido: ambos estão usando a mesma roupa e possuem os mesmos traços físicos e aparência.
O rosto do Homem fica pálido e começa a suar muito. Por um momento a apatia dele parece ser substituída por uma expressão mista de pânico, medo e fascínio.
Enquanto respira ofegante, ele parece entrar num estágio de delírio catatônico, imóvel em frente à janela.
O Duplicado, aparentemente já meio bêbado, faz um sinal para o atendente do comércio e recebe uma garrafa de vidro. Ele recusa a sacola e sai da loja com a garrafa em mãos.
O Duplicado segue seu caminho enquanto retira o lacre da tampa e leva a garrafa à boca num grande gole.
Simultaneamente ao movimento do Duplicado, o Homem começa a golfar e escorre um líquido negro viscoso de sua boca. Ele parece desnorteado enquanto sufoca; com a mão ele faz movimentos em direção à TELA, numa tentativa vã de pedir socorro. Porém, de sua boca saem apenas SONS de engasgo e ele começa a tossir compulsivamente.
O Duplicado segue dando grandes goles na garrafa e caminha de maneira tortuosa, dando passos trôpegos e esbarrando em pessoas. Ele acelera um pouco os passos e leva um forte tombo. Logo se levanta e segue tropegamente em direção a um prédio.
Simultaneamente ao tombo do Duplicado, o quarto se move como se houvesse um terremoto acontecendo ali. O Homem parece estar bem grogue e se equilibra com dificuldade até ser lançado com tudo contra sua porta.
Ele se recupera e se ergue da queda com as costas apoiadas na porta, sincronicamente ao momento em que o Duplicado se levanta.
O Homem põe a mão sobre a cabeça e percebe que há uma espécie de sangue negro viscoso no local, enquanto parte meio zonzo em direção à janela.
O Duplicado entra em um elevador com espelho
10 INT. QUARTO - FIM DA TARDE
Na TELA há a imagem do Duplicado refletida no espelho do elevador. Parece haver sangue na parte de trás de sua cabeça, no mesmo local da ferida do Homem. Naquele momento ambos estão perfeitamente espelhados, os dois de pé com as mãos sobre os respectivos sangramentos na cabeça, um de frente para o espelho e outro de frente para a tela.
11 INT. CORREDOR - FIM DA TARDE
O Duplicado rapidamente chega ao décimo e último andar, e se move
aos tombos pelo corredor.
O Homem segue mantendo um olho na porta e outro na TELA, aguardando o embate com o Duplicado. Há um SOM de porta se abrindo.
O Duplicado entra em um quarto alternativo àquele em que o Homem se encontra. Ele dá mais um grande gole na garrafa e parte em direção à janela, projetando o corpo como se estivesse se preparando para pular. Em seguida ele bate a parte de baixo da garrafa contra a parede transformando-a numa arma cortante.
O Homem se assusta ao escutar o SOM da garrafa quebrando. De súbito sente o próprio pescoço sendo rasgado e começa a pressioná-lo enquanto jorra o líquido negro viscoso por toda parte.
Com movimentos imprecisos e muito fragilizado, ele move a cabeça em direção à TELA. Uma de suas mãos é usada para pressionar o sangramento, enquanto ele ergue a outra como se implorasse por socorro à TELA. Eis que surge um SOM extremamente agudo e metálico, uma frequência alta e ruidosa que é acompanhada pelo líquido negro viscoso escorrendo pelo ouvido do Homem. O SOM gradualmente vai se dissipando e tudo começa a ser gradativamente engolido pela ESCURIDÃO...
15
A ESCURIDÃO logo é invadida por cores vertiginosas de sirenes de ambulância.
16
O Homem está com curativos no pescoço e tala em uma das pernas; levanta-se da cama debilitado, toma um comprimido e se apoia em
um par de muletas. Há uma receita médica sobre a caixa do remédio, indicando ser um antidepressivo. Ele abre a porta e novamente se depara com aquela mesma ESCURIDÃO, porém desta vez dá um leve suspiro, ergue a cabeça e segue em frente, transpondo o breu que vai cedendo espaço à luz e recuando à medida em que o Homem avança.
FADE OUT.
um roteiro de CHARLES RAFAEL
(sonho de Jorge) Jorge está no estádio Mané Garrincha vendo Guto esfaquear seu irmão Pedro, durante o confronto das torcidas do Brasiliense e do Gama. Seu irmão faz uma cara de pânico enquanto o sangue se espalha por seu peito e Guto gargalha. Quando Jorge olha para o irmão novamente, ele vê a si mesmo ensanguentado.
Jorge, me ajuda, por favor...
Muahahahahahahaha
Jorge acorda bastante suado do pesadelo que estava tendo, fica alguns segundos perplexo e levanta.
Se dirige para a cozinha e lava o rosto na pia, bebe água, prepara pão com manteiga e café. Come pensativo ao som da tv (que anuncia o jogo do dia entre Brasiliense e Gama) que está na sala e se dirige para lá.
“Um clássico do futebol candango, hoje às 19h, no estádio Mané Garrincha, Brasiliense vs Gama, fique agora com alerta na cidade.”
Na sala vê no noticiário que o saidão irá acontecer e de relance vê Guto sorrindo na TV, saindo com os outros presos. Possesso de ódio, Jorge vai saindo de casa quando…
(Notícia com tom provocativo quanto a privilégios para detentos violentos)
Somos nós que pagamos a comida, roupa e todo o conforto que esses bandidos têm no xilindró, nem trabalhar para comer eles trabalham, e o que nosso governo faz? Cria uma lei que solta eles mais cedo por bom comportamento! Pode isso, sociedade? Os caras assassinaram a sangue frio um garoto de 14 anos que estava vendo o jogo e agora estão saindo livres depois de ficarem 1 ano com cama e comida sendo pagos com nosso suor sagrado… é revoltante…
Vê sua mãe acendendo velas em frente à foto do irmão e rezando. Ele questiona o que ela está fazendo e fica mais indignado ainda quando ela responde que é para a alma de Pedro encontrar a luz. Eles discutem avidamente e Jorge sai, um vento forte sopra e uma vela se apaga.
Deus te abençõe, meu filho…
JORGE Benção, mãe.
DONA MARTA Vem rezar comigo pela alma do seu irmão.
JORGE Melhor não. Vou dar uma volta para respirar um pouco.
DONA MARTA
Sei… você tem é que encontrar um emprego, meu filho, parar de se envolver com esses amigos, terminar os estudos. Você vai ser pai agora, tá na hora de criar responsabilidades.
JORGE
E você tem que cuidar da sua vida! Porque quando o pedro e eu precisamos de você, nunca esteve presente! Eu sei como vou cuidar da minha família!
Eu só não quero que acabe preso ou como seu irmão e sua namorada não crie seu filho sem o pai, igual eu tive que criar vocês!
Jorge encontra Renan, Thiago e Julia na praça, onde eles conversam e ele os atualiza sobre o saidão de Guto. Eles combinam de ir para o jogo e vingar a morte de Pedro lá. Julia argumenta com eles que isso só vai levar a mais retaliação e morte e que Pedro não iria querer isso. Jorge briga com ela também, afirmando que um homem tem que proteger sua família e que, se não consegue se proteger, tem que se vingar. Diz que eles devem reunir o resto da turma, e sai em busca deles.
Boa tarde, matilha, como vocês estão? E você, minha princesa, está bem?
Salve Jorge, na paz irmão, e você?
Chegou a realeza.
JULIA
Boa tarde, amor, estou bem e você?
Temos que agilizar, hein, o jogo começa de noite e o bicho vai pegar.
Sim, o Molotov e o Buiu já estão na casa do Pipoca. Vamos passar no David, pegar ele e encontramos todo mundo lá.
Eu não gosto dessa ideia, tô com um mau pressentimento… Vocês não acham que seria melhor deixar isso pra lá?
Cala a boca, Julia, você nem devia tá aqui, vai pra casa, vai.
Cala a boca você, idiota. Só porque é mais velho acha que manda em mim? Vai se foder!
Ele tá certo, Julia, você não tem que se meter nisso, tá decidido.
Não tenho que me meter no que acontece com o pai do meu filho? Cresce, Jorge, você tem um filho para proteger e cuidar agora.
Exatamente, Julia, e quando um homem não consegue proteger sua família, ele tem que vingá-la.
JULIA
E você acha que é isso que o Pedro ia querer? Vingança?
JORGE
E o que você sabe sobre ele? Foda-se, tchau.
Jorge e os amigos saem em um Chevette bebendo, usando drogas, reunindo amigos e armas, convocando a todos para o confronto.
A torcida do Brasiliense chega ao estacionamento do estádio, cantando, gritando e ofendendo os torcedores do Gama. Vendedores de pipoca, churrasco e lanches estão presentes no local, assim como famílias com crianças.
Na entrada do Gama, a torcida do Gama também canta, grita e ofende
os torcedores do Brasiliense. Guto e os amigos jogam latas de cerveja e chutam alguns torcedores em menor número.
10- EXT. ESTÁDIO MANÉ GARRINCHA - NOITE
Famílias no estádio se divertindo e torcendo, divididas em classes pela área do povão e camarote.
11- INT. CASA DO JORGE - NOITE
Marta e Julia assistem ao jogo no sofá, Julia come batatas fritas enquanto dona Marta bebe uma cerveja.
To ansiosa, queria tanto que Jorge não estivesse lá.
Esse aí é igual o pai, cabeça dura de tudo. Mas ele não é mais criança, uma hora a vida cobra e quem paga a conta somos nós…
12- INT. ESTÁDIO MANÉ GARRINCHA - NOITE
Jorge e os amigos estão gritando, eufóricos com o jogo, quando Thiago os chama para ir ao banheiro.
O jogo tá acabando, bora lá no banheiro, tô apertado.
Porra, agora? Tá, bora lá.
13- INT. ESTÁDIO MANÉ GARRINCHA - NOITE
Andando em direção ao banheiro, latas de cerveja voam em cima do grupo de Jorge, quando eles olham, é Guto e seus amigos vindo em sua direção.
Que porra é essa?
Olha lá, Jorge, é o Guto! Corre, corre!
O grupo de Jorge corre em direção à torcida do Brasiliense enquanto são perseguidos e rojões de fogos de artifício voam em sua direção e explodem próximo a eles.
Eles chegam à torcida e despistam os perseguidores. Aliviados, percebem que o fim do jogo é anunciado e as torcidas começam a sair.
Jorge e a torcida do Brasiliense procuram por Guto nas saídas do Gama, e após algum tempo os veem de longe e vão em sua direção. O grupo rival vem ao encontro, ambos gritando e cantando, com pedaços de pau, soco inglês, barras de ferro e garrafas em mãos.
JORGE Cadê aquele filho da puta?
RENAN
17-
Ali eles!
A briga tem início, e todos lutam simultaneamente, Jorge e Guto em evidência trocam socos e chutes, ambos se machucam e sangram, quando Jorge pega uma faca e vai para cima de seu rival. Guto saca uma arma e atira em Jorge, que cai ajoelhado. Thiago chega furtivamente por trás de Guto e o esfaqueia sequencialmente, algumas vezes nas costas. Renato, amigo de Guto, vê a cena, e solta um rojão que acerta o rosto de Thiago. Renan, com um facão nas mãos, vai correndo e acerta o pescoço de Renato. Thallys, amigo de Renato, pega Renan pelas costas, o enforca e quebra seu pescoço. A multidão se espalha correndo enquanto o combate continua.
Mãe de Jorge no funeral com outras pessoas, se despedindo no rito fúnebre.
Quando uma pessoa perde os pais, ela é órfão, quando perde o cônjuge, é viúva, mas e quando perde os filhos, ela é o quê?
Julia e dona Marta andando rumo ao pôr do sol de mãos dadas com um bebê que está com a blusa do Brasiliense.
1. INT - APARTAMENTO DE MACEDO - QUARTO - DIA.
Despertador toca às 06h00min, uma mão desativa o alarme, pés no chão procurando chinelo... Passos em direção ao banheiro.
Toalha estendida, roupas penduradas, uma mão fecha o box e liga o chuveiro... O vapor de água quente que cai do chuveiro deixa o box embaçado... Um dedo escreve no vidro embaçado “MÚSICAS & LIBRAS”.
POV DE MACEDO.
Abre o guarda-roupa... Uma coleção de ternos e boinas italianas... Um relógio de bolso ao lado do despertador em cima de uma mesa de cabeceira, fotos e diplomas na parede... Uma escrivaninha com notebook, carimbos, uma estante com livros de psicologia, um relógio de areia (ampulheta), porta-lenço (baú) e uma pasta executiva.
Passos pela casa saindo do quarto... Corredor, sala, cozinha... Em cima da mesa (americana), uma máquina de café expresso... Uma mão liga a cafeteira e faz um café... Passos pela sala em direção à sacada do apartamento com a xícara na mão abre a cortina. A luz do sol entra pela sacada “inundando” a sala e mostra um homem:
É um homem de estatura mediana (1.60cm), esteticamente expressivo com uma barba grisalha que se estende pelo queixo lembrando uma âncora de pescador “cavanhaque”, aparentemente um homem de 40 anos... Usa sempre uma boina, para disfarçar a calvície, possui um caráter assertivo, direto e objetivo, do tipo questionador, de natureza impulsiva, podemos assim dizer de personalidade forte e sorriso contido, além de excêntrico no modo de vestir-se…
Um desequilíbrio na xícara deixa cair um pouco de café na perna da calça (jeans puído)... Retorna à cozinha, coloca a xícara vazia na mesa e
puxa um relógio de bolso às 06h33min... Retira um lenço (bandana) do bolso traseiro e amarra na perna da calça suja de café... Abre a porta e sai.
O Sol desponta... Nasce no horizonte e mostra um homem: é MACEDO, na estrada a caminho do sol. (O sol - Jota Quest).
Passos na estrada... Mostra um homem que some na luz do sol.
BR-040... Uma travessia difícil devido ao fluxo intenso de veículos... Ônibus parado do outro lado no sentido Valparaíso/Brasília... MACEDO atravessa a BR-040 correndo para não perder o coletivo.
Pátio da instituição INOSEB, alunos e professores (ouvintes/surdos) conversam em libras... Uma irmã interrompe os diálogo “sacudindo as mãos para cima” (sinal de atenção/palmas em libras):
LILIANE
(Diálogos em Português)
Sejam todos bem-vindos! Sou irmã Liliane, esse é meu sinal [*]. Estamos iniciando mais um semestre do nosso curso de Libras. Gostaria que todos me seguissem até o nosso auditório no segundo andar para a apresen tação dos professores.
LILIANE
(Diálogos em Libras)
Bom dia, bem-vindos! Irmã Liliane, meu sinal [*], hoje começar curso Libras. Subir segundo andar auditório, conhecer professor.
Alunos sobem as escadas para o segundo andar (auditório) onde são apresentados aos professores (surdos) e seguem juntos para suas respectivas salas de aula no primeiro andar.
Término da aula... MACEDO desce as escadas e encontra irmã LILIANE:
LILIANE (Diálogos em Português) Boa tarde! A aula já acabou? Os professores são bons?
MACEDO (Diálogos em Português) Boa tarde! Sim, professores são muito bons.
LILIANE (Diálogos em Português) Hoje tem dois pacientes surdos para atendimento psicológico.
MACEDO (Diálogos em Português) Estou indo almoçar, depois vou atender no consultório.
LILIANE (Diálogos em Português) Ok! Tchau.
10.
LILIANE (Diálogos em Libras) Bom tarde! Acabar, aula? Profes sor bom?
MACEDO (Diálogos em Libras) Bom tarde! Sim, professor bom.
LILIANE (Diálogos em Libras ) Hoje ter dois surdos atendimen tos (terapia).
MACEDO (Diálogos em Libras) Almoçar, depois atender psicologia (terapia).
LILIANE (Diálogos em Libras) Ok! Tchau.
MACEDO sentado numa mesa revisa prontuários, olha no relógio e faz uma expressão de preocupação com atraso do paciente, vira a ampulheta... vira novamente a ampulheta.
11.
Diálogos entre o Psicólogo MACEDO e a Assistente Social GISLENE sobre os atendimentos psicológicos:
GISLENE (Diálogos em Português) Tudo bem! MACEDO, como está o atendimento psicológico?
MACEDO
(Diálogos em Português)
Os dois pacientes faltaram pela segunda vez...
GISLENE (Diálogos em Português) Um dos pacientes mandou uma mensagem dizendo que ia desis tir, colocou como motivo a comunicação em Libras...
MACEDO (Diálogos em Português)
Tenho me esforçado, mas acredito que ainda preciso melhorar a comunicação em língua de sinais.
GISLENE
(Diálogos em Português)
Conversa com o professor FAL CÃO... Tenta fazer aula particular pra melhorar sua comunicação em Libras... NÃO DESISTE MACEDO!
GISLENE (Diálogos em Libras)
Tudo bem! M-A-C-E-D-O. Atendimento psicológico, terapia como?
MACEDO (Diálogos em Libras) Dois pacientes faltar de novo...
GISLENE (Diálogos em Libras) Receber mensagem paciente, desistir, comunicação Libras ruim...
MACEDO (Diálogos em Libras) Treinar libras, comunicação ruim, precisa melhorar.
GISLENE (Diálogos em Libras)
Conversar professor F-A-L-C -Ã-O fazer aula particular melho rar Libras. DESISTIR, NÃO!
Os dois ficam em silêncio... se olhando... A frase “NÃO DESISTE MACEDO” reverbera no coração de MACEDO, que faz um gesto de “desdenho” (uma fisgada no canto direito da boca), fitando os olhos numa taça com balinhas...
MACEDO (Diálogos em Português) Posso pegar uma?
GISLENE (Diálogos em Português) Pode ficar à vontade!
MACEDO (Diálogos Em Libras) Pegar?
GISLENE (Diálogos em Libras) Pode!
MACEDO (Diálogos em Português) Obrigado!
MACEDO (Diálogos em Libras) Obrigado!
MACEDO dirige-se à taça com balinhas, pega uma e sai ao encontro da porta... Antes de abrir a porta, escuta...
GISLENE (Diálogos em Português) Você vai desistir?
GISLENE (Diálogos em Libras) Desistir?
MACEDO, para frente à porta segurando o trinco, apertando-o com força... Coloca uma mão no bolso e puxa o relógio...
MACEDO (Diálogos em Português) Estou atrasado! Posso te dar a res posta depois?
GISLENE (Diálogos em Português) Ok! O professor Falcão está no pátio, conversa com ele.
MACEDO (Diálogos em Libras) Atrasado, poder responder depois?
GISLENE (Diálogos em Libras) Ok! Professor F-A-L-C-Ã-O, pátio, conversar.
MACEDO abre a porta e sai... O trinco cai do lado de dentro da sala de GISLENE.
12. INT – PÁTIO – INOSEB – DIA
Encontro entre os dois personagens MACEDO e FALCÃO:
NARRADOR (OS) FALCÃO é um homem com estatura acima da média (1.80cm), esteticamente expressivo, com uma barba grisalha que se estende pelo queixo lembrando um “lenhador”, aparentemente um homem de 40 anos... De presença notável e sorriso aberto... FALCÃO é professor de Libras e aos três anos foi diagnosticado com sarampo, que causou a surdez. Passou por vários tratamentos com fonoaudiólogos e otorrinos e usou aparelhos auditivos por muitos anos, apresenta um grau de surdez de perda auditiva do tipo neurossensorial profunda bilateral.
MACEDO (Diálogos em Português) Boa tarde! Tudo bem, meu nome é MACEDO. Qual seu nome?
FALCÃO
(Diálogos em Português) Boa tarde! Tudo bem, meu nome é FALCÃO, sou professor de Libras, meu sinal é [*(dedo polegar e indicador em forma de gancho, fazendo um gesto de barba longa). Você é psicólogo e professor de Artes Visuais?
MACEDO
(Diálogos em Português) Sim, sou. Eu não tenho sinal. Pode criar um pra mim?
MACEDO (Diálogos em Libras) Boa tarde! Tudo bem, Nome M-A -C-E-D-O. Nome?
FALCÃO (Diálogos em Libras) Boa tarde, tudo bem! F-A-L-C -Ã-O. Professor Libras, Sinal [*]. Você é psicólogo? Professor de Arte Visual?
MACEDO (Diálogos em Libras) Sim, correto. Não ter sinal. Querer sinal Libras, pode?
[*] O “SINAL PESSOAL” em LIBRAS é a forma mais prática de identificação na comunidade surda, troca-se a verbalização do nome por um gesto que representa a pessoa. Esse sinal deve ser criado e dado por um surdo, é antiético ser batizado por um ouvinte.
FALCÃO batiza MACEDO com um sinal [*] caracterizando o personagem como membro da comunidade surda... MACEDO pede pra gravar um vídeo de FALCÃO:
VÍDEO (Diálogo em Português)
A Comunidade surda precisa valo rizar a cultura, através da língua de sinais (Libras)... A história de vida das pessoas surdas pode ser contada em Libras. Temos muito pra contar, muitas vezes não temos ninguém para “ouvir”, para enten der e compreender a nossa “voz” (LIBRAS), a nossa luta por direitos iguais, por uma Escola Bilíngue...
VÍDEO (Diálogo em Libras)
Comunidade surda precisa valo rizar cultura surda Libras... Temos história, povo surdo, precisar contar, através da comunicação Libras. Lutar direitos iguais. Escola Bilíngue...
MACEDO encerra a gravação, agradece ao FALCÃO e pede permissão para postar na internet.
MACEDO (Diálogos em Português)
No próximo semestre preciso fazer aula particular em Libras para melhorar a minha comunicação em psicologia. Quero fazer tradu ções e interpretações de músicas em Libras. Trabalhar Arte Visual em Libras.
MACEDO (Diálogos em Português) Posso publicar o seu vídeo na internet?
FALCÃO (Diálogos em Português) Pode!
MACEDO (Diálogos em Libras) Próximo curso precisar trei nar Libras, pagar aula particular, Comunicação Libras psicologia difícil. Querer traduzir, interpretar músicas Libras. Fazer Arte Visual em Libras.
MACEDO (Diálogos em Libras) Poder postar seu vídeo internet?
FALCÃO (Diálogos em Libras) Pode!
Em frente ao computador, assiste ao vídeo de FALCÃO, pesquisa, elabora e desenvolve a ideia de criar o canal no YOUTUBE “MÚSICAS &
LIBRAS”. Faz adaptações e traduções de músicas em Libras.
Grava vídeos musicais com interpretação em Libras, posta no canal e compartilha com amigos...
MACEDO apresenta o seu canal aos alunos e aos professores do curso de Libras... Um(a) ALUNO (A) crítica a interpretação de MACEDO:
ALUNO (A) (Diálogos em Português) Não gostei! Ficou péssimo.
MACEDO (Diálogos em Português) Você tem um canal no YouTube
ALUNO (A) (Diálogos em Português) Não!
MACEDO (Diálogos em Português) Você saber fazer tradução e inter pretação de músicas em Libras?
ALUNO (A) (Diálogos em Português) Não!
MACEDO (Diálogos em Português) Então, guarda sua opinião pra você!
ALUNO (A) (Diálogos em Libras) Não gostar. Ruim.
MACEDO (Diálogos em Libras) Ter canal YouTube?
ALUNO (A) (Diálogos em Libras) Não!
MACEDO (Diálogos em Libras) Saber traduzir interpretar música Libras?
ALUNO (A) (Diálogos em Libras) Não!
MACEDO (Diálogos em Libras) Guarda opinião sua você! Ok!
MACEDO arruma suas coisas e sai da sala, na saída olha pra trás, o aluno faz gestos com dois polegares para cima, em seguida vira pra baixo rapidamente (reprovação)... MACEDO Retruca com os dois dedos do meio pra cima, seguido de foda-se em Libras!
Em casa olha o YouTube e vê que tem apenas três seguidores no seu canal... Um dos seguidores é o colega de sala que fez críticas...
Comentou “péssimo”. Decepcionado fecha o computador e vai dormir... Barulho no telhado... Gatos no cio... Miauuu... Huuuhhh... Danoneee... Danoneee... Danoneee... Miauuuhhh.
MACEDO se remexe na cama com o barulho dos gatos...
É madrugada, o relógio marca 02h33min. MACEDO com frio se levanta e vai para a cozinha fazer um chocolate quente, na cozinha bate com o calo do dedão do pé na mesa... Auuuuuuu... Aiiiiiii... Derruba uma caneca no chão... Gatos correm do telhado... O vizinho do apartamento 210 bate na parede e grita: “VAI DORMIR! SEU CORNO!”
Alunos em sala de aula esperando a professora... A coordenadora MARIANA avisa sobre o desligamento da professora... Em seguida, aplica um teste avaliativo para aprovação dos alunos...
MARIANA (Diálogos em Português)
A professora foi desligada, Hoje vamos fazer um teste avaliativo. Vocês precisam escolher um vídeo de cinco minutos no You Tube para traduzir em Libras.
MARIANA (Diálogos em Libras) Professora desligada, Hoje fazer teste avaliação. Escolher vídeo cinco minutos YouTube, traduzir Libras.
MACEDO não consegue fazer o teste, ficou “atônico” (confuso) errou todos aos sinais e acabou sendo o único a ser reprovado. Em seguida, MARIANA encaminha MACEDO para a direção.
MACEDO é advertido “verbalmente” (Libras) sobre o seu comportamento na aula anterior com o outro aluno (a), com o risco de uma advertência por escrito.
Encerramento do semestre do curso de L I B R A S ... MACEDO desce as escadas com a cabeça baixa (tristeza), ao passar pela coordenadora MARIANA no pátio tenta disfarçar, esconde o rosto e muda o percurso, MARIANA percebe sua tristeza e aproxima-se de MACEDO:
MARIANA
(Diálogos em Português)
Não fica assim, às vezes é preciso dar um passo para trás para rever o que ficou, treinar, treinar e treinar e assim ganhar um novo impulso para chegar ao topo... Você vai conseguir um dia... Não desiste!
MARIANA
(Diálogos em Libras)
Não, fica assim, precisar retornar atrás, aprender mais, estudar mais, ganhar forças, impulso, ven cer. Você conseguir chegar, con quistar, calma... Desistir, não!
MARIANA abraça MACEDO... MACEDO Chora... Fim do semestre.
ALGUM TEMPO DEPOIS... NO SEMESTRE SEGUINTE...
21.
MACEDO e FALCÃO, após as aulas do curso, fazem traduções e interpretações de músicas em Libras no pátio.
22. INT - LABORATÓRIO – STUDIO - IFB – NOITE
Gravação das músicas em língua de sinais... MACEDO grava suas traduções e interpretações de músicas em Libras no Studio profissional ( IFB – RECANTO DAS EMAS), FALCÃO nos bastidores faz interpretação com “espelhamento” em Libras.
NARRADOR (OS) [*] Espelhamento: é quando um intérprete, ao invés de interpretar, copia a sinalização de outro intérprete “espelha”.
Amanhece o dia em Valparaíso de Goiás, MACEDO escova os dentes e faz “caras e bocas” (sinais de expressões em Libras) de frente para o espelho.
& LIBRAS: RITMOS DO CORAÇÃO
Na cozinha liga a máquina de café ao mesmo tempo em que abre o canal “MÚSICAS & LIBRAS” e surpreende-se com o número de visualizações, curtidas, comentários e compartilhamentos dos vídeos... O número de seguidores não para de crescer... Os vídeos do canal viralizaram na internet.
MACEDO fica “atônito” (confuso), esquece-se de pôr o copo na máquina de café... O café cai sobre a mesa... MACEDO tenta colocar o copo para evitar o desperdício, porém coloca o copo invertido. Faz um gesto de desdenho (uma fisgada no canto direito da boca) e abre um sorriso.
MACEDO recebe uma chamada de vídeo no seu quarto...
Chamada de vídeo de FALCÃO que parabeniza MACEDO pelo sucesso do canal e faz um convite para fazer uma apresentação de músicas em Libras no final do semestre no INOSEB.
MACEDO sentado no ônibus a caminho de Brasília, com fones de ouvido, treina as músicas em Libras, a bateria acaba... Abre a bolsa e puxa algumas folhas com as letras das músicas e continua o treino sem os fones de ouvido... A música está gravada na sua mente, no ritmo do seu coração... As pessoas dentro do ônibus passam olhando para MACEDO e balançam a cabeça... Um passageiro grita: “Motorista, toca o ‘baú’ (ônibus) pro ‘HSVP’ (Hospital psiquiátrico de Taguatinga)”.
MACEDO dá uma fisgada (desdenho) no canto direito da boca, abre um sorriso e continua. A pessoa que estava ao lado de MACEDO retirase após a fala do passageiro. A movimentação das pessoas dentro do ônibus desperta a curiosidade de uma criança, que se aproxima e sentase ao lado de MACEDO, a criança fica encantado com a interpretação da música em Libras: é uma criança surda, MACEDO conversa com ela em Libras. A mãe acorda assustada procurando a criança e a encontra conversando com MACEDO. MARIA é uma dona de casa que tem um filho deficiente auditivo e sempre faz esse percurso para encontrar uma escola especial para o pequeno THIAGO em Brasília.
O GRANDE DIA... Alunos e professores (ouvintes/surdos) conversam em Libras... Irmã LILIANE interrompe os diálogos “sacudindo as mãos para cima” (sinal de atenção/palmas em Libras). Agradece aos alunos/ professores e comunica que terá uma apresentação de músicas em Libras para encerramento das atividades:
LILIANE (Diálogos em Português) Hoje termina nosso curso de Libras, quero agradecer aos alu nos/professores e apresentar uma pessoa especial: Nosso psicólogo MACEDO, que vai fazer umas interpretações de músicas em Libras.
LILIANE (Diálogos em Libras) Hoje, acabar curso Libras. Agra decer alunos/professores. Apre sentar pessoa especial, Psicólogo M-A-C-E-D-O, Sinal [*]. Interpre tar músicas Libras.
Irmã LILIANE distribui folhas com as letras das músicas em Libras para a plateia (alunos/professores). MACEDO inicia sua interpretação em Libras, Tudo parece estar perfeito, porém após interpretar a primeira estrofe da música e o refrão, o áudio de MACEDO para de transmitir o som.
MACEDO tem a melodia musical em sua mente, no “ritmo do coração”, mas não consegue lembrar a letra, MARIANA e FALCÃO percebem a aflição de MACEDO no palco, sem o apoio do som os dois se levantam da cadeira e começam a fazer Libras para “espelhamento”. MACEDO segue o espelhamento em seguida cada participante da plateia se levanta e todos seguem o mesmo ritmo da música em Libras, como uma grande orquestra, em que MACEDO é o Maestro da “5º Sinfonia de Beethoven em LIBRAS”.
NARRADOR (OS)
Afinal, música é para ouvir? Ou para sentir? O significado de ouvir remete ao sentido da audição que o ouvido capta. Já o verbo escutar corresponde ao ato de ouvir com atenção, SENTIR, ou seja; escutar é sentir a música é deixar o ritmo da melodia, da poesia, do gesto visual (Libras). Toda música precisa ser compreendida pelos sentidos do CORAÇÃO. “Música não é pra ouvir, é pra sentir... ritmos do coraçao” - MACEDO-
“E aqueles que foram vistos dançando foram julgados loucos por aqueles que não podiam escutar a música” (Friedrich Nietzsche).
“Só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos” (Saint-Exupéry).
FADE OUT.
FIM.
São Sebastião - DF
Quarta-feira, 10 de junho
LEMBRETE nem tudo é como você quer... OK
INT/ - SOFÁ-CAMA, SALA - MANHÃ - 01
Addie está deitado no sofá-cama trocando mensagens com Ely pelo celular.
dormiu bem vida? ta ai? bom dia! sim e vc? estou com saudades tbm, bom dia, se cuida! podiamos sair hoje? to meio sem tempo to meio sem tempo! vou chegar e sair
meio complicado, ta corrido
hoje a noite? rapidin se quiser, vou pra ai hoje você chega mais cedo, folga né?
outro compromisso! dps a gente conversa
eu sonhei com você
Addie, depois a gente conversa, pode ser? queria você aqui comigo vamos tentar se ver hoje? porfavor ta bem, não vou
saudades, ver se não me esquece quero ti ver, abraçar qualquer coisa manda msg to aqui viu!
Ray chega da caminhada, abre a porta toda suada.
Oi, Ray, e aí, como foi a caminhada?
Nossa, hoje a pista tava cheia, véspera de feriado o povo deve tá querendo pagar pelo pecado da gula adiantado.
ADDIE
Nossa, acabei de ter uma ideia!
RAY Conta aí, e cê tá melhor? Sobre Ely?
ADDIE
Justamente minha ideia é referente Ely, e respondendo sua pergunta, eu não estou bem…
RAY Poxa, Addie, mas qual é a ideia?
ADDIE
Hoje é a folga de Ely, tô pensando em fazer uma surpresa.
RAY Fale!
ADDIE
Ir na confeitaria comprar nosso bolo favorito, ir ao mercado comprar ingredientes para uma lasanha de berinjela, no nosso primeiro encontro preparamos lasanha de berinjela, acho que reviver essas lembranças podem proporcionar um novo começo.
RAY Então vai, arrasa!
ADDIE
Beleza, como ainda tenho as chaves do apartamento, vai dar tudo certo, ele só chega às dezesseis horas, então dá tempo de organizar tudo.
O importante é a tentativa, Addie, e se precisar to aqui, qualquer coisa só mandar mensagem.
Vou me arrumar, agradeço, viu!
INT/ - BOX, BANHEIRO - MANHÃ - 02
Addie toma banho.
INT/ - PIA, BANHEIRO - MANHÃ - 03
Addie escova os dentes.
INT/ - COZINHA - MANHÃ - 04
Addie come algo rapidamente, café da manhã.
EXT/ - ESTACIONAMENTO CONDOMÍNIO - MANHÃ - 05
Addie pega sua ecobag, sai junto com Ray, ao sair do condomínio cada um ganha seu destino.
Beijos, Addie, boa sorte.
ADDIE Beijos, até!
INT/ - CORREDOR MERCADO - MANHÃ - 06
Addie passa as compras no caixa; torradas, geleia, berinjela, tomate, queijo e vinho.
EXT/ - EM FRENTE A CONFEITARIA - TARDE - 07
Addie chega na confeitaria, olha as horas no celular, são treze horas.
INT/ - CONFEITARIA - TARDE - 08
ATENDENTE
Olá, boa tarde, em que posso ajudar?
Boa tarde, por favor, separa dois sonhos com recheio de avelã e tá tendo bolo red velvet inteiro?
ATENDENTE
Ok, temos sim. O pedido é para viagem?
ADDIE Sim!
ATENDENTE
Só um momento, vai querer algo pra comer aqui?
ADDIE Um brigadeiro de café.
ATENDENTE Ok.
Addie aguarda o pedido para viagem ficar pronto enquanto come o brigadeiro, o pedido fica pronto e então Addie paga a conta e retira o pedido para viagem e vai caminhando até o apartamento de Ely.
INT/ - ESCADAS PRÉDIO - TARDE - 09
São quatorze e quarenta e cinco, e Addie se encaminha para subir as escadas, Ely mora no quarto andar.
INT/ - PORTA DO APARTAMENTO - TARDE - 10
Addie procura a chave na bolsa e localiza, e então abre a porta.
POV- Addie
Vê uma pessoa com fone de ouvido sentada no sofá, essa pessoa está grávida, Addie nunca viu essa pessoa na vida, a pessoa se assusta.
INT/ - SALA/COZINHA DO APARTAMENTO - TARDE - 11
ADDIE
Quem é você? O que você está fazendo aqui?
Meu nome é Malu, e acho que alguém perdeu alguma informação por aqui, tem um tempo que tô morando aqui, junto com Ely.
Bom, eu sei que você é Addie, o que veio fazer aqui?
Addie se encaminha para a cozinha com as compras e Malu permanece no sofá de costas para a cozinha, Addie vai abrindo as sacolas de forma agressiva.
Como você sabe meu nome? Há quanto tempo vocês estão se relacionando?
INSERT - BOLO RED VELVET - enquanto dialoga, Addie prossegue montando a surpresa com movimentos agressivos.
VOLTA À CENA
Malu permanece tranquila mexendo no celular e responde às perguntas de Addie.
Você manda mensagem todo dia, né, pra Ely? a gente se flerta há um bom tempo, antes de vocês terminarem ficamos e três meses depois descobri o motivo dos meus gases!
Entendi… entendi.
Tem coisas na vida que…
Addie segue montando a surpresa e pega um triturador e em vez de cortar os tomates com a faca…
INSERT - TOMATES - rasga os tomates com as mãos, coloca-os no triturador e o liga.
Malu se levanta e sai da sala.
Addie abre a gaveta das facas, procura de maneira agressiva e pega uma faca de pão.
INT/ - SALA/COZINHA DO APARTAMENTO - TARDE - 12
Barulho de descarga, Malu retorna e se direciona ao balcão alisando a barriga.
Addie, e aí, o que você tá fazendo?
Lasanha…
De quê? ADDIE Berinjela!
Ai, que delicia, a comida favorita de Ely. Addie, aproveita que você tá aí na cozinha… e faz um café pra mim, por favor.
INSERT - FACA DE PÃO
Addie encara a faca.
ADDIE Sim!
Addie termina de preparar a lasanha, só falta ralar o queijo para colocar por cima.
Ely gosta de bastante queijo, pode colocar aí.
ADDIE Sim, exatamente.
Eu tô precisando é lixar minhas unhas, trocar o esmalte… e o café? Já tá pronto?
Ainda não, Malu.
POV Addie; Addie olha para as unhas de Malu e para as suas próprias unhas, as unhas de Addie estão curtas, opacas, sem brilho, totalmente o inverso das unhas de Malu.
Addie coloca a lasanha no forno e a água do café começa a ferver.
MALU Nossa, eu amo café fresquinho!
POV Addie; Addie olha fixamente para a água quente e para Malu.
ADDIE
O café tá pronto, bem fresquinho.
Addie pega uma toalha de cetim verde oliva na gaveta da cozinha e forra a mesa da sala e então retorna à cozinha para pegar o café e servir Malu
MALU
Nossa, tá faltando açúcar.
ADDIE Malu, você gosta de red velvet?
MALU
Não conheço, o que é?
Um bolo vermelho intenso e bem aveludado, Ely ama e muito, quer um pedaço?
MALU
Quero, ai, deu até desejo agora.
Addie pega o bolo na geladeira e leva até a sala para Malu, coloca o bolo na mesa forrada com cetim.
Addie retorna para a cozinha para pegar uma faca, abre a gaveta de maneira agressiva, a gaveta cai no chão.
INSERT - FACA PONTUDA - Uma faca grande e pontuda se destaca das demais.
POV CAMERA - Addie caminha com a faca até a sala.
INSERT - FACA PONTUDA Malu olha para a faca.
INSERT - OLHOS DE Malu, Malu olha para Addie, dentro dos seus olhos.
MALU Pode ser um pedaço pequeno.
ADDIE Esse tamanho?
INSERT - FACA CORTANDO O BOLO
VOLTA À CENA
Addie olha para a faca e corta o pedaço de bolo, serve Malu e se serve.
ADDIE Quer morango?
MALU Sim, nossa, a falta de açúcar no café equilibra o doce do bolo!
ADDIE Tudo é uma questão de equilíbrio, tudo.
Celular de Addie desperta, Addie olha no celular, faltam dez minutos para as dezesseis horas…
São Sebastião - DF 15:50
Quarta-feira, 10 de junho
surpresa pro meu mozão OK
um roteiro de
Após um encontro, Edgar deixa Rebeca em casa. Estaciona seu carro em frente ao prédio que Rebeca mora.
Foi maravilhoso, como sempre. A gente podia dormir juntinho hoje, né?
Rebeca está com pressa e angustiada.
Foi ótimo, mas tenho que ir! Brigada pela carona. Se despedem com um beijo e ela sai logo de dentro do carro.
2 INT – PORTARIA CASA REBECA – NOITE
Rebeca passa rápido pela portaria cumprimentando o porteiro.
Boa noite!
Passa direto e rápido, sem escutar a resposta do porteiro.
3
Rebeca chega em casa e vai direto ao banheiro onde manda uma mensagem de áudio para sua amiga Luna.
Oi, Luna. Miga, tô mal! A gente pode se encontrar já já? Preciso conversar com você urgente!
Perguntando se podem se encontrar ainda naquela noite, pois há algo a incomodando.
INSERT – Marli, 39 anos, mãe de Rebeca, bate na porta do banheiro e pergunta pela filha e por que ela entrou em casa com tanta pressa.
Rebeca?? O que que tá acontecendo, filha? Passou e nem falou comigo e com seu pai!
Rebeca se assusta e logo responde sua mãe.
Tava morrendo de vontade de fazer xixi, mãe. Vou tomar um banho aqui, acho que vou encontrar a Luna já já.
Rebeca coloca uma música alta e entra no banho.
Rebeca sai do banho e seu celular sinaliza a resposta de sua amiga Luna.
LUNA Oi, amiga, claro! Tô indo praí, O que aconteceu? Agora me deixou preocupada!
Rebeca abre o jogo e responde a amiga com voz de choro.
Tô desesperada, Luna, acho que tô grávida! Pode me encontrar na farmácia aqui perto de casa? Se esse teste der positivo, não sei o que eu faço!
Luna responde rapidamente.
LUNA PELO AMOR DE DEUS, TO INDO PRA LÁ AGORA!
Rebeca e Luna chegam na farmácia, compram o teste e decidem fazê-lo ali mesmo.
Amiga, toma aqui a grana, compra pra mim enquanto eu acho o banheiro? Não posso fazer isso lá em casa de jeito nenhum.
Rebeca encontra o banheiro e espera por Luna, muito nervosa, andando de um lado para o outro, quando Luna chega ela faz o teste e assim que coloca o palitinho em contato com o xixi ele resulta positivo, Rebeca se desespera e começa a chorar e Luna tenta acalmá-la.
Eu sabia! Eu tava sentindo, meu deus, e agora? O que eu vou fazer da minha vida?
Puta que pariu, calma! Pode ser falso positivo, melhor a gente fazer outro, calma, vou comprar mais um.
7 INT – CAIXA DA FARMÁCIA – NOITE
Luna paga por um novo teste de gravidez angustiada.
Rebeca faz outro teste com esperança de outro resultado, mas, assim como o outro, as duas listras na fita do teste aparecem rapidamente. Rebeca senta no chão do banheiro e chora mais ainda.
Já era, puta merda. Minha vida já tá uma merda, que que eu faço? Eu tomei a pílula do dia seguinte, meu deus, Luna!
No banheiro da farmácia Rebeca já constata que não pode ser mãe por vários motivos, porque não é o momento certo.
Não posso ter esse bebê! Não quero! Não quero!
Mas Luna aponta o risco e questiona como iriam lidar com o aborto, porém, independente da decisão, estarão juntas.
Rebeca, calma! Agora não é hora de tomar nenhuma decisão, você tem que pensar com a cabeça mais fria. Esse assunto é sério, é perigoso, é crime e você não vai ter como voltar atrás. Vou estar com você, mas você tem que pensar bem!
As amigas voltam abaladas para a casa de Rebeca e Luna decide dormir por lá essa noite.
LUNA
Vou ficar com você essa noite, a gente dorme juntas e amanhã quando você estiver mais calma decide como faremos.
Rebeca respira fundo e mais aliviada e acena com a cabeça para sua amiga, afirmando o que ela disse.
No outro dia passam o dia pesquisando sobre o procedimento do aborto, dentro do quarto de Rebeca, o que aumenta mais o medo de não sobreviver. Além de constatar que não têm dinheiro suficiente para comprar o remédio.
Sob a cama de seu quarto ela observa notícias de diversas mulheres que morreram durante o procedimento do aborto clandestino — A cada dois dias, uma mulher morre vítima de aborto inseguro no Brasil.
Rebeca abre o aplicativo do seu banco e observa seu saldo — negativo.
Após conversar com sua amiga Luna, Rebeca decide abortar e não contar para Edgar, pois quer que sua decisão não tenha nenhuma influência, ainda mais de uma pessoa que mal conhece.
Mesmo sabendo de todos os riscos, eu não me enxergo como mãe, não me vejo carregando um bebê por 9 meses. Não quero esse bebê, ainda mais de um cara que eu nem conheço direito. Não tenho dinheiro nem para comprar esse remédio, imagina para criar essa criança?
Rebeca e Luna gargalham de nervoso.
E o que você vai falar pro Edgar? E se ele quiser?
Eu não vou falar com ele! A gente se viu o quê? 4 vezes? Essa decisão tem que ser minha, sabe? Porque quem vai ser mãe pro resto da vida sou eu, o pai pode querer agora, mas depois pode querer ver uma vez por ano. A decisão tem que ser minha e de ninguém mais.
Entendo, não sei se teria essa coragem. Sobre o dinheiro, eu te empresto! Eu tava guardando pra comprar um carro ou pra uma emergência. A decisão vai ser sua e a gente vai tá junta, miga!
As duas vão até a Feira dos Importados e saem à procura do remédio necessário, andam de um lado para o outro, com muito medo de perguntar para a pessoa errada. Quando estão quase desistindo encontram um flanelinha do estacionamento da feira que as levam para um local onde vendem o remédio. Se deparam com uma mulher misteriosa que encara Luna e Rebeca da cabeça aos pés e logo depois acolhe as duas em uma loja escondida.
Durante a volta para casa elas assistem a vários vídeos na internet.
No celular de Rebeca, as duas amigas assistem a tutorial de como utilizar o remédio, dividindo o mesmo fone.
Combinam várias formas para não serem pegas caso Rebeca tenha que ir para a emergência.
Amiga, a mulher que vendeu pra gente falou que era pra eu tomar 4 e colocar 4. Mas, e se eu passar mal e for parar no hospital e acharem esses remédios que eu coloquei?
LUNA
Tenho medo disso também, mas igual a gente viu no vídeo aí, se não tomar todos o efeito pode não dar tão certo.
Véi, você tem que me prometer que se eu passar mal você vai pegar o chuveirinho e me lavar muito bem, porque o pessoal do hospital trata muito mal se eles descobrem que o aborto não foi espontâneo.
LUNA
Prometo! Mas não vai dar nada errado!
Rebeca manda um áudio para seu chefe fingindo estar doente para conseguir o próximo dia de folga, pois será o dia do procedimento.
Rebeca tampa o nariz e fica com voz anasalada.
Marco, tudo bem? Estou ligando porque acordei ‘bem bao’, tô com febre e dor no corpo. ‘Dão’ vou conseguir ir para o trabalho hoje...
14
Chegou o dia do aborto, Rebeca faltou o trabalho e foi até a casa de sua amiga. Assim que chega na casa de Luna olha o relógio da sala que está marcando 7 horas da manhã. Vai direto ao banheiro para começar o procedimento.
15 INT – SALA DA CASA DA LUNA – MANHÃ
Logo após começar o procedimento deita no sofá e aguarda o efeito do remédio, angustiada, ela e Luna assistem a Ana Maria Braga juntas. Algum tempo se passa e ela começa a sentir dor.
16 INT – BANHEIRO CASA DA LUNA – MANHÃ
Rebeca caminha até o banheiro e senta na privada e fica lá por um tempo e depois fica embaixo do chuveiro com bastante dor.
17 INT – BANHEIRO CASA DA LUNA –
Luna, preocupada com Rebeca, leva um copo de água e uma bolsa de água quente para a amiga no banheiro.
17 INT – BANHEIRO CASA DA LUNA – NOITE
Foram 12 horas de dor, angústia e impotência. Ao final do procedimento, Rebeca deita na cama chorando e sua amiga a conforta.
LUNA Acabou, miga! Deu tudo certo!
FADE OUT FIM
1 EXT - INVASÃO
Movimento de pessoas na rua; 03 crianças jogando bola, 02 adultos sentados no meio-fio e 02 pessoas adultas caminhando em frente ao barraco da Elisangela.
2 EXT – BARRACO - DIA
Vizinha questiona Elisangela sobre a adoção de seus sobrinhos.
Elizangela, olha sua vida! Depois que você pegou esses meninos pra criar, olha o aperto que tu tá passando.
3 INT - BARRACO - DIA
Em um barraco simples na periferia de Brasília, Elizangela prepara café e conversa com sua vizinha.
Mulher, não é meninos, são meus filhos, e olha o que eles já passou na vida, sem mãe, sem pai, perderam tudo que tinha, só sobrou eu na vida deles.
Pois é, que tragédia, aquele pé inchado safado tirou a vida da Vanessa, por causa de ciúme, é difícil acreditar.
Minha irmã não merecia aquela covardia.
Que Deus a tenha, mas mulher abre o olho, eu sei que você tem eles como filhos, mas só dão trabalho, a Maria é até esforçada, a bichinha é trabalhadeira, mas o John é difícil e já tá andando com os vagabundo, abre teu olho.
ELIZANGELA
(fala de forma irônica) Vira esta boca pra lá, bicha véia! O menino está meio perdido, mas ele vai acertar a cabeça, essa idade é difícil mesmo, lembra de tu? Só ficava raparigando.
DALVA (Risos) Cala a boca, mulher
4 EXT - RUA - DIA
Maria, em seu serviço de catadora de recicláveis, para em frente uma farmácia e conta umas moedas.
5 EXT – FARMACIA – DIA
MARIA
Moço, quanto é o teste de gravidez?
VENDEDOR Tem de todo preço, qual você quer?
MARIA Qualquer um, o mais barato.
No banheiro, Maria faz um teste de gravidez, ela chora após o teste apontar positivo, Maria é interrompida por uma discussão entre sua mãe adotiva e seu irmão John.
7
Elizangela tenta amparar John, que chegou em casa todo machucado.
ELISANGELA
Meu filho, você tá todo machucado! O que aconteceu?
JOHN Nada não, tô de boa.
Como tá de boa, quem fez isto com você, foi aqueles marginal que você tá andando, né Jonh? Já te falei que dali só saí o que não presta e você continuando andando com esse tipo de gente.
Me deixa quieto, não quero falar disso não.
Vai falar, sim! eu prometi no túmulo da sua mãe e pra mim mesma que cuidaria de você e de sua irmã, você chega em casa todo arrebentado e quer que eu fique calada só olhando você assim?
Você que saber? Tá bom, foi os vermes, a polícia, foi os mocinhos que você tanto defende, fico olhando a vida de merda que a gente leva e você ainda sonhando que estes vermes são quem protege a gente, o governo, o sistema quer ver a gente morto, pra eles a gente não existe é só número, nóis somos só as famílias que recebe o auxílio isto, auxílio aquilo, eu não quero viver assim pra sempre, morrer igual minha mãe, sem nada, sem ser ninguém.
Elizangela dá um tapa na cara de John. Cala esta boca, moleque! Dobra sua língua pra falar da sua mãe, ela fez o que podia e não podia pra criar você e sua irmã, cala sua boca!
Ela fez tudo isto e me deixou. John chora e se ajoelha no chão, Maria o ampara.
05 crianças jogam bola e 03 adultos conversam.
John aborda o viciado que testemunhou a ação truculenta da polícia na noite anterior.
JOHN Moleque! Você que tava lá no enquadro que eu tomei ontem, né?
TIQUIM
Tava e vi o enquadro cabuloso que tomou, véi! Os cana te quebrou todo, foi cabuloso.
JOHN Aí emocionado! Seu noiado de merda, cala a boca e se contém aí. Tá me tirando, seu comédia, cadê a carga que dispensei?
TIQUIM
Ficando nervoso, tenta argumentar com o Jonh. Aí, pai, eu peguei a carga, tá ligado, mas deu ruim, tá ligado?
JOHN Cadê a carga? Seu moleque, sabe como funciona aqui, tá me tirando, véi, os irmão vão me cobrar isto, se vira, noia, você tem até 10 da noite pra desenrolar minha carga, dá teu jeito, mete marcha! bora, moleque! mete marcha! John joga o Tiquim no chão e sai andando desnorteado.
Ao sair de casa, Maria encontra um folder informando sobre a inscrição para ensino de jovens e adultos, ela lê e joga fora, depois de dar alguns passos, volta e guarda o folder.
Elisangela está assistindo televisão quando Maria senta ao seu lado.
Mãe, preciso falar contigo...
Que cara é esta, minha filha? Tá com cara de que aprontou.
Maria começa a chorar e deita no colo de Elisangela.
Eu tô grávida, foi um vacilo, eu não queria.
Filha... Meu Deus... eu não vou te julgar, mas você é uma criança, já pensou o quanto isto vai dificultar as coisas?
Eu sei, eu sei, não queria, te juro, mas aconteceu e não sei o que fazer.
Elisangela levanta Maria, segura as mãos, olha em seus olhos.
Olha aqui pra mim, engole este choro, eu estou aqui, pode contar comigo sempre, você sabe disso, sabe?
Eu sei...
INT - INVASÃO - NOITE
O sol se põe, 02 homens adultos passam com mochilas nas costas, 02 mulheres adultas andam e conversam.
Elisangela está dormindo quando é acordada abruptamente por uma pessoa gritando e batendo violentamente na porta,
(Assustado e perdendo o fôlego)
Elisangela, os caras pegaram o John, corre! Eles vão cobrar ele!
EXT - INVASÃO - NOITE
Elisangela vê uma multidão na rua e, ao se aproximar, vê o corpo de John no chão, ela se desespera.
EXT - CEMITÉRIO - DIA
Elisangela e Maria acompanham o enterro de John, elas estão sozinhas e colocam uma flor sobre a sepultura.
INT - HOSPITAL - DIA 9 meses depois...
Ouve-se o choro de um bebê.
Enfermeira entrega o bebê para Maria. Olha, mãezinha, coisa mais linda querendo mamar.
EXT - ESCOLA - DIA
Maria está na sala de aula, olha para fotos do seu irmão e do bebê coladas em seu caderno.
INT - MANSÃO - DIA
Um casal de playboys assiste à televisão juntos em uma mansão.
Te falei! Esses filmes nacionais só falam sobre miséria, periferia e a polícia sendo a vilã.
ANA
(Levanta do colo do Enzo) Amor... Esse até que não era ruim assim, tinha misérias, crime, droga e favela, mas é ficção... onde em 2022 acontece este tipo de coisa?
PLAYBOY 1 (Se levanta do sofá) Sobre o que este filme era?
PLAYBOY 2 (Volta sorrindo) Uma tragédia na periferia.
PLAYBOY 1 Isso é só para ganhar dinheiro da Lei Rouanet.
PLAYBOY 2 (Abraça o outro personagem sorrindo) Com certeza!
1. INT. CASA DA YASMIN - QUARTO - DIA - CEDO
Yasmin está deitada em seu quarto com as luzes apagadas.
O despertador do celular, embaixo do travesseiro, começa a soar. São 6:00 da manhã. Yasmin acorda, desliga o despertador e senta na beirada da cama por alguns segundos antes de levantar.
2. INT. CASA DA YASMIN - CORREDOR - DIA - CEDO
Yasmin anda em direção ao banheiro e solta um pum no caminho.
3. INT. CASA DA YASMIN - BANHEIRO - DIA - CEDO
Yasmin entra no banheiro e liga o chuveiro. A água cai em seu ombro com um jato forte e frio. Ela desvia da água fria e estende a mão para verificar a temperatura.
De banho tomado, Yasmin ronrona o conteúdo da prova.
Comportamento desviante significa se comportar de forma que viole as normas sociais e provoque reações sociais negativas.
4. INT. CASA DA YASMIN - BANHEIRO - DIA - CEDO
Yasmin está em frente ao espelho escovando os dentes enquanto ronrona algo incompreensível pela escova de dentes e a espuma em sua boca.
5. INT. CASA DA YASMIN - QUARTO - DIA - CEDO
Yasmin está vestida com o uniforme da escola, ela penteia o cabelo enquanto continua falando o conteúdo da prova.
Certo comportamento pode ser considerado desviante em uma sociedade e aceitável em outra.
Yasmin confere a hora no celular.
Ela vê a tela do celular. São 6:20.
Yasmin pega a mochila.
6. INT. CASA DA YASMIN - COZINHA - DIA - CEDO
Yasmin prepara um achocolatado, apanha uns biscoitos Cream Cracker e toma seu café da manhã em pé ao lado da pia.
A mãe de Yasmin, Dona Célia, chega na porta da cozinha recémacordada.
DONA CÉLIA É hoje a prova? YASMIN É. DONA CÉLIA Estudou? YASMIN Sim.
DONA CÉLIA Boa sorte, filha.
Dona Célia sai da porta. YASMIN Brigada.
Yasmin olha a hora no celular.
PROVA!
Ela vê na tela do celular. São 6:40.
VOLTA À CENA
7. INT. CASA DA YASMIN - VARANDA - DIA - CEDO
Yasmin tranca o portão de casa e sai.
8. EXT. PONTO DE ÔNIBUS - DIA - CEDO
Yasmin chega ao ponto de ônibus e se junta a outros estudantes e trabalhadores uniformizados.
Yasmin se aproxima da Tia Lurdes, uma senhora de aproximadamente 65 anos, que está parada com seu carrinho de lanches de café-da-manhã.
Bom dia, tia Lurdes.
TIA LURDES
Bom dia, fia. Vai querer um cafézin hoje?
Não, tia. Brigada. Acabei de comer.
O primeiro ônibus se aproxima. Quase todos dão sinal para que o ônibus pare.
Yasmin observa.
O ônibus está lotado e para longe do ponto. As pessoas do ponto de ônibus correm em direção à porta de entrada do ônibus que permanece fechada. Duas pessoas descem da porta de trás do ônibus. As pessoas começam a bater na porta do ônibus que não se abre. A porta de saída do ônibus fecha. O ônibus sai. Todos voltam para o ponto de ônibus reclamando.
PESSOA 1
Mas que sem-vergonha!
PESSOA 2
Tinha que ter mais ônibus pa nóis, né não, tia?
TIA LURDES
É, meu fi.
PESSOA 3 No mínimo é corno.
PESSOA 4 Alô, Dona Fátima, eu vou atrasar um pouco hoje.
YASMIN Affe. Que meleca! Yasmin demonstra preocupação.
Yasmin observa o celular.
Ela vê o segundo ônibus se aproximando.
Yasmin se aproxima da beirada do meio-fio e é a primeira a dar sinal para que o ônibus pare.
O ônibus, quase lotado, para longe de onde Yasmin está esperando.
As pessoas formam uma fila para entrar no ônibus. Yasmin fica por último na fila.
As pessoas se empurram para entrar no ônibus.
PESSOA 1 Êêê, vai machucar.
PESSOA 5 Amiga, eu tô caindo.
PROVA!
PESSOA 3
Bora, anda logo.
PESSOA 6
Ai meu pé!
PESSOA 5
Amiga, me segura.
As pessoas do ponto de ônibus entram com dificuldade.
A porta do ônibus lotado se fecha com dificuldade enquanto Yasmin ainda está do lado de fora.
Yasmin bate na porta do ônibus e grita.
Abre aqui! Motorista, abre aqui!
O ônibus sai.
Yasmin sai da beira do meio-fio e começa a andar de um lado para o outro inquieta.
Ela olha para o celular e se irrita.
YASMIN Meleca! Meleca!
Yasmin para, cruza os braços e fica batendo o pé no chão.
TIA LURDES Cê quer um suquin de maracujá?
Yasmin olha para Tia Lurdes.
Eu?
Tia Lurdes olha para os lados
Ela vê que não há mais ninguém além delas duas.
TIA LURDES
Uhum. Yasmin responde sem jeito.
YASMIN Precisa não. Brigada.
TIA LURDES
Um bolin? Come um bolin enquanto o próximo ônibus num chega, deve levar uns 15 minutin.
YASMIN
Eu já tomei café em casa, tia. Brigada!
TIA LURDES
Tem certeza? Tá fresquin, fiz hoje de manhã. Eu acordo bem cedin, junto cas galinha. Eu tenho 3 galinha.
Yasmin interrompe Tia Lurdes.
YASMIN
Tia, a senhora tem crédito no celular? Eu tenho uma prova hoje e preciso ligar pra alguém lá na escola pra avisar que vou atrasar por causa do ônibus.
TIA LURDES
Ah é? Ixi, minha fia, cê tem prova hoje? Misericórdia! E o ônibus te deixou aqui pra trás, né? Nossa! Esses ônibus passa tudo chei, né? Num leva todo mundo, aí tem que ficar aqui esperando até aparecer o próximo, né? E esses ônibus demora tanto, né?
PROVA!
É.
TIA LURDES Cê quer o que mesmo?
A senhora tem crédito no celular pra eu ligar na escola?
Ô, minha fia, cê num sabe. Essa nossa vida é tão difícil, né? Cê acredita que onti aqui veio um menino… UMA CRIANÇA!
Hum.
TIA LURDES
Ele tava com uma faca… Onde já se viu? Esse menino veio pa perto de mim e disse que se eu não desse o celular pra ele, eu ia morrer.
Yasmin fica triste.
Não!
TIA LURDES
Cê acredita numa coisa dessa? Como é que pode? Eu entreguei pra ele, né? Fiquei com medo de morrer.
Hum.
Yasmin olha para a pista esperando o ônibus enquanto Tia Lurdes continua a falar.
E eu tenho um medo de morrer. Deus me livre. Num gosto nem de pensar. Quando vi aquela aquela criança com a faca, pensei que ia virar finada.
Yasmin olha para a pista fixamente à espera de um ônibus. A vendedora continua a falar, mas a voz da Tia Lurdes aos poucos é abafada pelo pensamento de Yasmin.
Esse mundo tá de cabeça pra baixo. Eu só venho trabalhar porque a aposentadoria é muito pouquinha, né? Não dá pra pagar as conta tudo. Uma calça jeans pra minha neta de 16 anos, por exemplo, é mais de 300 reais...
YASMIN [PENSAMENTO - V.O.]
Tô lascada! Minha mãe vai me deserdar! Se eu não fizer essa prova. Ela vai comer meu fígado com limão. Chega logo, motora. Bora! Eu tenho que ir logo. Já era. Perdi a prova. Anda logo, motorista. Tomara que o próximo esteja com muita pressa. O professor podia passar mal e não ir.
Eu perguntei pra Deus, será que chegou o meu fim?
YASMIN Chegou!
TIA LURDES Que?
YASMIN
O ônibus.
Yasmin avista o terceiro ônibus na pista e dá sinal.
PROVA!
Finalmente!
TIA LURDES
Valha, minha Nossa Senhora! Já pensou? Crê em Deus Pai. Eu nem sou bisavó ainda.
Yasmin permanece com o braço estendido dando sinal.
TIA LURDES
Que bom, né, minha fia? Ei, leva esse bolinho. Por minha conta.
Ah, não precisa, tia.
TIA LURDES
Eu sei, menina. Vai! Pega logo, o ônibus tá chegando aqui já.
Yasmin pega o bolo e dá um beijo bem forte na bochecha de Tia Lurdes. O ônibus chega no ponto de ônibus.
TIA LURDES
Vai, menina.
YASMIN
Tchau! Brigada!
Yasmin vai em direção à porta de entrada do ônibus.
TIA LURDES
Vai com Deus fazer sua prova!
Yasmin embarca.
TIA LURDES
Que menina boa de conversa.
10.
Yasmin desce do ônibus rapidamente, cai e grita com raiva. YASMIN AAAAAAHHHHH!!!!
Yasmin levanta, tenta limpar a roupa rapidamente e começa a correr.
11. EXT. RUA - DIA
Yasmin corre enquanto tenta limpar a roupa que permanece suja da queda.
YASMIN MELECA! MELECA! MELECA!
12.
Yasmin chega na escola correndo, suada e ofegante. Nero está sentado próximo à porta vestindo um moletom de capuz de cor escura e óculos escuros.
Yasmin tenta conversar com o porteiro, Rubens, por uma grade que separa a entrada do interior da escola. Ela corta as palavras para respirar.
YASMIN
Oi moço… [respira] eu preciso… [respirar] Pera aí![respira]
RUBENS Calma, calma. Respira.
YASMIN
Tô tentando.
RUBENS Você quer uma água?
YASMIN Sim
QUE PROVA!
Eita! Não posso sair da portaria. Tenta engolir a saliva.
Minha boca tá seca, moço.
Então fecha a boca pra respirar que daqui a pouco a saliva vem de novo.
Não moço, eu não tenho tempo pra isso não. Eu preciso entrar.
Agora?
Agora! Eu tenho prova hoje.[respira] Pelo amor de Deus! Deixa eu entrar.
Ah, mas agora já passou muito do horário. Tinha que ter chegado na hora.
Eu sei, mas eu não consegui chegar na hora por causa do ônibus.
[irônico] Claro! Todo mundo dá a desculpa do ônibus.
Moço, o ônibus tava muito lotado, não dava pra eu entrar. Eu não tenho culpa.
Pois é, mas tenho que cumprir ordens e não tenho autorização pra deixar você entrar fora do horário.
Flávia, uma secretária da escola, de aproximadamente 40 anos, passa pela grade com um grande sorriso, observa Rubens e Yasmin, e fala com Rubens cheia de simpatia.
FLÁVIA
Oi, Seu Rubens, tá tudo bem por aqui?
RUBENS Tá sim, Dona Flávia. Tudo certo.
FLÁVIA Que bom.
Flávia sai.
YASMIN [abaixa o tom de voz] Olha,se você quiser, eu te dou meu lanche de hoje. Tá uma delícia. Tem até um bolo que eu ganhei da tia na parada.
O porteiro ri.
RUBENS Não é assim que as coisas funcionam, menina.
YASMIN [tom de voz baixo] Escuta, a minha mãe é doceira,[...]
Hum.
YASMIN [...]ela faz brigadeiro todo dia. Se você deixar eu entrar, te trago dois brigadeiros por dia durante um mês. Prometo.
Rubens hesita antes de dar a resposta.
RUBENS Naan. Vai dar não.
Rubens se afasta da grade. Yasmin senta frustrada.
NERO
Boa tentativa. Mas você não vai conseguir entrar hoje.
YASMIN
Obrigada! Tudo o que eu precisava era um pouco de apoio mesmo.
NERO Disponha.
YASMIN [em voz alta direcionando-se à grade] Eu só queria fazer uma BENDITA PROVA!
Rubens olha para Yasmin. Nero olha para Yasmin com estranhamento.
YASMIN Eu tô tentando ESTUDAAAAR!
NERO Assim você não entra mesmo.
YASMIN E você? Tá aqui fazendo o quê?
NERO
Eu acordei tarde. Passei a noite estudando pra prova de sociologia.
Nero está deitado na cama falando ao telefone.
Eu te amo mais, princesa. [espera] Não, eu te amo mais.
14. INT. ESCOLA - ENTRADA - DIA
NERO
Acabei perdendo a hora.
YASMIN
Cara, eu preciso fazer essa prova. Se eu perder essa nota, eu reprovo.
NERO
Eu já tô quase reprovado.
YASMIN
E vai ficar aí parado sem fazer nada?
NERO
Eu tô esperando alguém da minha sala passar aqui pra avisar o professor que eu tô aqui. Talvez ele me libere pra entrar.
YASMIN
Mas tá todo mundo na sala, ninguém deve passar aqui até o intervalo. Que horas é a sua prova?
NERO Depois do intervalo.
YASMIN
E se não passar ninguém no intervalo? Vai confiar nisso?
Nero tira os óculos, olha para Rubens que está distraído, se afasta do portão e chama Yasmin disfarçadamente, que o acompanha.
Eu conheço algumas entradas alternativas da escola. A gente pode tentar entrar por lá, mas é arriscado.
YASMIN Arriscado quanto?
Um pouco. Mas pode ser muito. Mas não demais. Só um pouco mais arriscado do que pouco arriscado. Tipo médio, mas pode ser bem arriscado, dependendo…
Eu to ficando bem confusa e estressada. Bora ou não bora?
NERO Bora! Yasmin começa a andar em direção ao portão de saída/entrada da escola.
NERO
Ei, psiu! Vem cá.
YASMIN O quê?
NERO Tá sentindo esse cheiro?
YASMIN Não, que cheiro? Pisei no cocô?
NERO
É o cheirinho da vitória.
[irônica] Claro!
Nero e Yasmin saem. Por detrás de Yasmin e Nero, uma menina se cheira, conferindo se está fedendo.
Uma voz chama essa menina em voz alta.
VOZ MASCULINA [O.S.]
Ô, Vitória! Vem cá.
A menina sai.
Yasmin e Nero olham para o topo do muro e se encaram com cumplicidade. Nero dá “pézinho” a Yasmin, que não alcança o topo. Yasmin tenta montar nas costas de Nero, mas não alcança novamente. Nero vê uma porta entreaberta e mostra a Yasmin.
Os dois andam até a porta sem querer chamar a atenção.
Yasmin e Nero percebem uma conversa dos funcionários da limpeza da escola vindo da porta entreaberta.
Yasmin finge estar com a perna machucada e caminha em direção à porta. Os dois começam a cochichar.
É sério isso?
Yasmin para. YASMIN Você tem uma ideia melhor?
NERO Não. YASMIN Então me ajuda.
Yasmin continua andando.
PROVA!
Mas você finge bem?
Yasmin para.
YASMIN
Não, mas a gente tá sem tempo e sem ideia, então vamo logo. Nero e Yasmin chegam na porta dos funcionários. Yasmin chega mancando.
Nero chama os funcionários.
NERO Ajuda, por favor!
17. INT. ESCOLA - SALA DE ALMOXARIFADO - DIA NERO
Ela caiu e se machucou.
YASMIN Ai.
FUNCIONÁRIO 1 Senta aqui.
Funcionário 1 pega uma cadeira e leva até Yasmin.
FUNCIONÁRIO 2 Quer uma água?
YASMIN Quero.
Funcionário 2 vai até a geladeira.
FUNCIONÁRIO 1 Estica a perna.
Funcionário 2 entrega um copo com água a Yasmin.
Tá melhor?
FUNCIONÁRIO 2
YASMIN
Tô sim. FUNCIONÁRIO 1 Que que aconteceu?
YASMIN Caí. FUNCIONÁRIO 1 Onde?
YASMIN Ali fora. Yasmin começa a ficar nervosa. FUNCIONÁRIO 1 Onde?
YASMIN [ansiosa]
Ali na rua, na calçada. Na calçada da rua aqui na frente.
O funcionário percebe o nervosismo de Yasmin. Nero começa a ficar tenso e olha para Yasmin com os olhos arregalados.
FUNCIONÁRIO 1 E como você caiu?
Yasmin fica uns segundos em silêncio.
YASMIN Eu… tava andando… eu tava na rua… eu caí e tava andando. Não, eu tava andando e caí.
FUNCIONÁRIO 1 Como foi isso?
PROVA!
Yasmin e Nero respondem na mesma hora.
Caí num buraco.
Tropeçou numa pedra.
O funcionário percebe a mentira.
Yasmin olha para o funcionário, olha para Nero, levanta e sai correndo rapidamente.
Nero abaixa a cabeça e põe a mão no rosto.
18.
Que atuação! Fernanda Montenegro tá se contorcendo no túmulo depois dessa interpretação.
Nem vem. Eu fico nervosa, não consigo. E a Fernanda Montenegro tá bem viva.
NERO Nervosa? Você ficou apavorada. E ainda bem que a Fernanda Montenegro não viu aquela sua atuação brilhante, porque se tivesse visto, tinha caído dura bem ali no chão.
Você é exagerado, hein, garoto? Você não conhece outra entrada, não?
Yasmin e Nero avistam um carro passando pela rua.
19.
Um professor passa de carro em frente à escola em direção a um portão.
O portão se abre automaticamente. Yasmin e Nero se olham e sorriem.
NERO
Já sabe, né?
YASMIN
Com certeza.
Yasmin e Nero se aproximam do portão.
O carro entra. O portão começa a se fechar.
Yasmin e Nero entram pelo portão antes que ele se feche completamente e se escondem.
O professor sai do carro e entra para a sala dos professores por uma porta azul.
YASMIN
Como a gente vai passar?
NERO
Eu não sei. Mas tem que ser logo.
YASMIN
Mas aquela porta dá direto na sala dos professores. E se tiver alguém lá dentro?
NERO
Não deve ter ninguém lá dentro. Tá todo mundo na sala de aula.
YASMIN
E se tiver algum professor sozinho e em silêncio lá dentro? A gente vai dar de cara com ele.
NERO
Mas se a gente ficar aqui parado, vamos ser pegos de qualquer jeito.
PROVA!
Vai que tem alguém no banheiro?
NERO
Não tem ninguém em banheiro nenhum. Tá com medo agora?
Tô.
Ah, sinto muito, não vai dar pra eu esperar você ter coragem pra entrar não.
Nero caminha em direção à porta azul e Yasmin permanece escondida onde estava.
O portão da garagem dos professores começa a se abrir.
Yasmin corre em direção a Nero. O carro entra na garagem e passa pelos dois alunos que não percebem que o Professor 1 os viu.
Nero e Yasmin estão sentados no chão entre os carros e são surpreendidos pelo Professor 1.
O Professor 1 caminha com Nero e Yasmin. Nero e Yasmin conversam baixo.
Lerdou de novo, hein?
Eu? NERO
A gente tinha que ter entrado logo.
YASMIN
E a gente não entrou?
Yasmin sorri.
Nero percebe que está do lado de dentro da escola e se anima.
Pode crer! Agora é só ouvir um sapo de boa e ir pra sala.
Flávia passa por Yasmin, Nero e o Professor 1 e os cumprimenta com um grande sorriso no rosto. Os três respondem ao cumprimento.
22. INT. ESCOLA - SALA DO DIRETOR - DIA
O Diretor da Escola está falando ao telefone.
DIRETOR DA ESCOLA Esse auditório precisa ficar pronto logo!
Alguém bate à porta
O Diretor da Escola percebe alguém ter batido à porta.
O Diretor da Escola interrompe a ligação.
DIRETOR DA ESCOLA Pode entrar.
O Professor 1 entra com Yasmin e Nero.
O Diretor da Escola continua falando ao telefone sem dar atenção aos três.
As cadeiras ainda não chegaram. Tá tudo uma bagunça lá dentro. O pessoal aqui não consegue limpar se vocês não entregarem o serviço completo.
O Professor 1 sinaliza que precisa falar com o Diretor da Escola.
DIRETOR DA ESCOLA Eu preciso desligar aqui, depois a gente se fala.
O Diretor da Escola desliga o telefone.
PROVA!
Esses dois estavam tentando entrar na escola pela garagem dos professores.
DIRETOR DA ESCOLA
Tá bom, pode deixar que eu resolvo isso.
O Professor 1 sai.
DIRETOR DA ESCOLA Então, meninos...
O celular do Diretor da Escola toca.
DIRETOR DA ESCOLA Só um minuto.
O diretor atente.
DIRETOR DA ESCOLA Oi.
Yasmin e Nero se olham e veem o relógio na parede da sala.
Eles começam a conversar baixinho enquanto o Diretor da Escola continua ao telefone.
Desse jeito a gente vai sair daqui só no ENEM.
Pelo menos você tem mais tempo que eu. Daqui a pouco começa o intervalo e eu tô preso aqui.
Eu já tô ficando com fome.
Quer um biscoito?
Nero põe a mão sobre a mochila.
Ah, eu quero. O sanduíche que eu trouxe já virou panqueca. E o bolo que a tia me deu, coitado do bolo, nem sei que fim levou.
Nero pega um pacote de biscoito da mochila, abre o pacote e divide com Yasmin.
NERO Caraca, eu nem sei seu nome.
YASMIN
É Yasmin, e o seu?
Nero.
YASMIN Que diferente.
NERO
Meu pai gosta muito de história antiga, aí acabou me dando esse nome. Eu dei sorte, minha mãe queria que eu fosse Enzo.
YASMIN
Eu quase virei Valentina, acredita?
Os dois riem.
O sinal da escola toca indicando o intervalo.
INSERT - PASSAGEM
O ponteiro do relógio na parede da sala do Diretor da Escola marca a passagem de 15 minutos.
Yasmin e Nero estão cochichando e sorrindo.
O sinal da escola toca indicando o fim do intervalo.
O diretor se levanta falando ao telefone, abre a porta e diz que eles podem ir.
PROVA!
DIRETOR DA ESCOLA
Podem ir. Nero e Yasmin sorriem disfarçadamente e se levantam. NERO [cochicha para Yasmin] A tempo da prova.
24. INT. ESCOLA - PÁTIO - DIA
Yasmin e Nero vão em direção às suas salas felizes. O diretor interrompe a ligação e chama a atenção dos dois.
DIRETOR DA ESCOLA Pra onde vocês vão? NERO Pra sala.
DIRETOR DA ESCOLA
Não, vocês vão pra casa. Dessa vez sem suspensão. Só dessa vez. Seu Rubens, deixa eles saírem.
O diretor os acompanha até a saída enquanto fala ao telefone. Rubens abre o portão. Yasmin e Nero saem da escola.
25. INT. ESCOLA - ENTRADA - DIA NERO
Agora já era pra mim. Eu vou embora. Já perdi a prova mesmo.
YASMIN
Foi por pouco.
NERO
É, foi por pouco que a gente não foi suspenso.
YASMIN
Um detalhe.
Você vai ficar aí? O intervalo já acabou. Ninguém vai passar por aqui até a hora da saída.
YASMIN
Eu vou ficar aqui. Vai que aparece alguém.
NERO
Boa sorte, então. Eu vou nessa. Amanhã você me conta como foi a prova.
YASMIN
Tomara! Tchau.
Nero sai.
Yasmin permanece na entrada olhando para dentro da escola. Rubens chama a atenção de Yasmin.
RUBENS
Você não desiste, hein, menina?
YASMIN
Eu sou brasileira. E não posso reprovar. Yasmin senta olhando para dentro da escola. Flávia passa pela grade e segue em frente. Flávia volta e fala com Yasmin com muita simpatia.
Oi, meu bem. Tá tudo bem com você?
YASMIN
Ai, moça, não. Não tá. Eu tenho uma prova daqui a pouco e não me deixam entrar de jeito nenhum.
Mas por quê?
Eu me atrasei por causa do ônibus, não pude entrar, aí tentei entrar pela garagem dos professores, fui pega, me colocaram pra fora de novo. Ainda bem que o diretor não me deu advertência, senão seria pior. Eu só preciso fazer essa prova.
Nossa! Sério? Vem aqui comigo, meu bem. Vamos resolver isso de outro jeito.
Flávia fala com Rubens.
Pode liberar a entrada dela, por favor. Yasmin se anima. Rubens abre a porta para Yasmin. Flávia fala com Rubens.
FLÁVIA
Obrigada, querido. Yasmin entra. Flávia fala com Yasmin.
Vem comigo, meu bem.
Flávia entra e Yasmin entra em seguida.
Meu amor, qual é seu nome e sua turma, por favor?
Yasmin Alves de Souza com Z. Segundo Ano G.
Flávia começa a procurar algo entre os arquivos, pega um papel de dentro de uma pasta, apanha o telefone e faz uma ligação.
Flávia espera na linha até que a mãe de Yasmin atenda.
Oi! A senhora é a Dona Célia, mãe da Yasmin? Yasmin arregala os olhos.
Pois é, houve uma situação aqui.
Flávia conversa com Dona Célia no telefone. Yasmin põe a mão no rosto e abaixa a cabeça.
Flávia finaliza a ligação e sorri para Yasmin sem mostrar os dentes. Flávia pega um grande caderno, o põe em sua mesa e começa a escrever. Yasmin começa a falar com a secretária.
Poxa, moça, não precisava, hein? Eu tava ali fora quietinha.
Flávia a interrompe e pede que ela assine o caderno. Yasmin vê no topo da folha a palavra “ADVERTÊNCIA”.
YASMIN Moça, você não ia me ajudar?
Eu tô ajudando.
A secretária olha para Yasmin, sorri e permanece olhando para Yasmin por alguns segundos.
Yasmin demonstra medo.
Tá.
Yasmin assina o caderno com raiva.
Eu vou pelo menos poder fazer a prova?
A secretária a põe para fora.
Yasmin está sentada enquanto os alunos começam a sair da escola. Yasmin vê um professor sair pelo portão e o aborda.
Professor!
PROFESSOR 2
Yasmin? Você perdeu a…
Eu sei, professor, nem fala, deixa eu fazer a sua prova outro dia, eu fiz de tudo pra fazer ela hoje.
PROFESSOR 2
Yasmin…
YASMIN
Pelo amor de Deus. A minha mãe vai acabar com a minha raça se eu reprovar por causa dessa prova.
PROFESSOR 2
Yasmin… Calma…
Eu passei a noite estudando pra sua prova. Não é justo!
Yasmin, hoje você só perdeu a revisão. A prova é na semana que vem.
um roteiro de KARINE ARAÚJO
Alice está sentada, próxima à beirada de um lago do parque, escrevendo no seu bloco de notas do celular. Ao terminar, ela levanta os olhos para a paisagem a sua frente e em sequência fecha os olhos. Carlos chega e, sem que ela o perceba, ele pega o celular de seu colo.
O que escreveu dessa vez?
É mais uma reflexão sobre aquela época em que eu queria desaparecer daqui... mas que bom que aquela dor que eu sentia não me levou a cometer nenhum atentado contra mim mesma. Porque hoje eu vejo o sentido de tudo isso, vejo que nasci e estou aqui por um propósito maior que qualquer dor.
Carlos a escuta com atenção, se esforçando para compreender cada palavra.
Não consigo te explicar, mas aqui dentro de mim tem muito amor e eu ainda sinto que posso fazer muito pelo meu próximo.
Humm, cuidado pra não cometer nenhuma loucura consigo mesma, por esse amor ser tão intenso.
Alice abraça Carlos.
Na mesa do jantar, um de frente para o outro, comem calados até que Alice interrompe o silêncio.
Já imaginou se por algum milagre acontecesse... sei lá, a gente conseguisse ter um bebê finalmente.
Carlos fica surpreso.
Já se imaginou pai?
Carlos se acomoda melhor na cadeira, demonstrando incômodo. Ele responde sem jeito.
CARLOS Com certeza... seria incrível.
Alice fecha a cara e fica pensativa.
Você está me escondendo alguma coisa faz tempo, eu percebi. Mas eu não tinha certeza se era a respeito desse assunto. Porém hoje você está me dando a certeza de que é sobre isso.
Carlos desvia o olhar de Alice e engole em seco.
Sei que é difícil pra você me contar algumas coisas, e isso me dói. Mas então vou te fazer uma pergunta simples, e você sabe que eu vou saber se mentir.
Alice se inclina para o rumo de Carlos, olha no fundo de seus olhos e pergunta.
O que você está me escondendo é sobre paternidade?
Carlos se esforça novamente para encará-la e então responde.
CARLOS
Não, não é.
Com essa declaração eles ficam em silêncio e só se encaram. Alice o olha com decepção e então se levanta e sai.
3. INT. - CASA DE CARLOS E ALICE - QUARTO DO CASAL – NOITE
Deitada em sua cama Alice chora.
4. INT. - CASA DE CARLOS E ALICE -
Carlos senta no colchão sem base improvisado ao lado do berço, ali ele põe as mãos na cabeça demonstrando aflição.
5. INT. - CASA DE CARLOS E ALICE - QUARTO DE BEBÊ – NOITEMADRUGADA
Carlos está deitado, ele olha no celular fotos de um menino de quatro anos de idade. Quase pega no sono, mas atende uma chamada de Rebeca.
CARLOS
(sussurra)
Oi, Rebeca.
Seu semblante vai ficando mais desesperador no decorrer do que escuta de Rebeca dizendo do outro lado da linha.
CARLOS (sussurra)
O quê? É muito grave? Onde? Caramba! É o hospital em que Alice trabalha como psicóloga. Tá bom, estou indo praí agora mesmo, tchau.
Ele procura na cômoda as chaves do carro, enquanto isso tenta colocar o celular no bolso de trás da calça, mas sem perceber o deixa cair e então sai com as chaves.
6. INT. - CASA DE CARLOS E ALICE - QUARTO DO CASAL – NOITEMADRUGADA
Alice acorda bruscamente assustada, liga a luz e se levanta.
7. INT. - CASA DE CARLOS E ALICE - COZINHA – NOITE - MADRUGADA
Ela toma um copo de água.
8. INT. - CASA DE CARLOS E ALICE - SALA – NOITE - MADRUGADA
Caminha em direção ao quarto.
9. INT. - CASA DE CARLOS E ALICE - SALA – NOITE - MADRUGADA
Escuta o celular de Carlos recebendo chamada no quarto do bebê. Fica ali de frente, parada, e como o som não cessa ela decide entrar.
10. INT. - CASA DE CARLOS E ALICE - QUARTO DE BEBÊ – NOITE –MADRUGADA
Se surpreende ao ver que Carlos não está, então pega o celular dele e vê na tela a foto de Rebeca na chamada. Seus olhos marejam, e quando a chamada cessa ela desbloqueia a tela e logo vê uma foto de Rebeca com uma criança, o que a surpreende novamente. Então em sequência ela procura por conversas deles, assim ela vê uma mensagem recente de Rebeca que diz que o espera na recepção do hospital. Dá mais algumas mexidas no celular e então sai depressa.
11.
Carlos, acompanhado de Rebeca, conversa com o médico. O médico mostra o raio-x.
Como vocês podem ver aqui, o acidente lesionou gravemente ambas as córneas. Toda a equipe, de médicos e enfermeiros, está terminando de tentar remover o restante do material agressor que ainda está em seus olhos, porém é quase certeza de que o filho de vocês não recupere a visão.
Como assim, doutor? Não há nenhum outro jeito?
Não, sinto muito.
O médico então se retira. Mas logo volta.
Me desculpem, eu disse que não havia outro jeito porque a fila de espera para doação é muito longa, mas se vocês conseguirem novas córneas Tamar teria bastante chance de recuperar a visão, sim; porém vocês vão ter que ter muita paciência, pois pode demorar até anos. Licença.
O médico se retira.
Em seguida Carlos abraça Rebeca em um ato de consolo. Neste momento, Alice entra e se depara com essa cena e sem jeito ela sai. Carlos, ao perceber que Alice viu, se afasta de Rebeca e a olha pasmo.
Em um compartimento sanitário Alice vomita e depois chora descontroladamente, Rebeca chega e a escuta chorar por alguns segundos e então finalmente dirige a palavra a Alice.
Alice, quanto tempo? Hummm, me desculpe por essa situação.
Alice para de chorar e só a escuta.
Alice? Saia um pouco pra gente conversar.
Alice sai e fica cara a cara com Rebeca.
Bem... eu soube que vocês perderam de novo o bebê antes mesmo do parto. É uma pena...
Surge um sorriso no canto dos lábios de Rebeca.
REBECA
Engraçado como as coisas são, enquanto uns que querem ter não têm, outros não querem e...
Rebeca passa a mão em sua própria barriga e conclui a fala.
Até tentam se desfazer, mas ainda assim têm. Alice olha pra ela sem entender muito bem.
REBECA
Sim, pois é, eu tentei abortar Tamar, mas o infeliz sobreviveu.
Alice lança um olhar de reprovação.
REBECA
Enfim, até que não foi tão ruim assim, pois agora posso ter Carlos pra mim. E, afinal, ele mesmo já me disse que não te ama. Então podemos tentar viver em família. E, sim, estarei te fazendo esse favor já que você não pôde fazê-lo pai.
Sem falar nada Alice só seca o rosto com papel toalha e sai calmamente deixando Rebeca, que com o olhar acompanha sua saída.
Alice apressadamente arruma algumas malas.
Com as malas Alice encontra Carlos na sala.
CARLOS Alice...
AMAR
Ela o interrompe.
Eu sabia que estava me escondendo algo, mas o que me dói mais é você ter mentido pra mim em todas as vezes em que te perguntei. Alice respira fundo procurando forças pra continuar a fala.
ALICE E agora preciso de um tempo.
CARLOS Você vai para a casa dos seus pais?
ALICE Sim. Mas não me procure.
Ela sai de casa. Carlos angustiado a olha saindo.
15. EXT. - CASA DE CARLOS E ALICE – DIA
Pela janela Carlos vê Alice colocando as malas no carro e dando partida.
CARTELA - ALGUMAS SEMANAS DEPOIS
16. INT. - CASA DE CARLOS E ALICE - SALA – NOITE
Carlos está sentado no sofá lendo um livro quando recebe uma ligação no celular, vê na tela um número não salvo. Ele desliga, porém por mais duas vezes novamente o mesmo número liga, então ele atende.
CARLOS Oi ANÔNIMO (V.O.)
Falo com Carlos?
CARLOS Sim, quem é?
ANÔNIMO (V.O.)
Não interessa, vou direto ao ponto. É o seguinte, tenho uma doação de córneas pro seu filho, até a cirurgia já está paga, vai querer?
CARLOS Éééé... não entendi direit...
ANÔNIMO (V.O.) (impacientemente)
Córneas pro seu filho! Vai querer ou não?
CARLOS É uma organização ilegal, não é?
ANÔNIMO (V.O.)
Por acaso o hospital iria te ligar essa hora?
Carlos olha seu relógio de pulso que marca 22:23.
ANÔNIMO (V.O.)
Te oferecendo tão rápido assim córneas pro teu muleque?
CARLOS
Está bem - Carlos respira fundo – vou querer sim.
17. INT. - CASA DE CARLOS E ALICE - SALA – DIA
Tamar está no colo de seu pai, eles estão no chão sorrindo muito. Então eles param de sorrir e se encaram.
TAMAR Queria que mamãe estivesse aqui. Por que ela está demorando tanto?
Bom, ela já deve estar chegando da viagem, quem sabe amanhã ela não já vai estar aqui? Mas enquanto isso você vai poder me fazer companhia, você não gosta de brincar comigo?
Tamar faz “sim” com a cabeça. Carlos faz cócegas em Tamar, que dá muitas gargalhadas.
A tv está ligada em um desenho animado. Carlos e Tamar estão dormindo cada um em um sofá. Alguém bate na porta, mas ninguém abre. A pessoa bate mais e mais vezes então Carlos acorda, se levanta e vai atender.
LILI
Oi, você é o Carlos, né?
CARLOS Sim, e você?
LILI
Meu nome é Liliana, mas me chame de Lili. Lili estende a mão para cumprimentá-lo. Carlos também estende.
LILI Eu sou amiga de Rebeca, vim dar notícias dela.
CARLOS Ela está bem? Aconteceu alguma coisa?
LILI
Bom... ela está bem sim, mas o que acontece é que ela foi presa lá no aeroporto. A polícia descobriu o envolvimento dela em uma quadrilha que tentava transportar drogas.
Carlos, surpreso, leva a mão até a boca.
LILI Mas a sorte é que ainda não descobriram a ligação dela com o instituto ilegal de aborto. Porque aí seriam mais anos em cana. E daí tu ia ter que ficar mais tempo com o garoto que nem é teu fiho.
Lili dá uma risadinha. Carlos cruza os braços.
CARLOS Como é? O que você disse?
LILI Tamar não é seu filho. Caio que é o pai. Carlos só a olha intrigado.
LILI Então... agora preciso ir. Tchau! Carlos entra e fecha a porta.
20. INT. - CASA DE CARLOS E ALICE - SALA – DIA Carlos fica de costas apoiado na porta, ele ainda está atônito.
21. ENT. - CASA DE EUNICE - PORTA DA FRENTE – DIA
EUNICE Carlos? Você por aqui?
CARLOS Oi, mãe. Sem jeito abraça a mãe.
CARLOS Precisamos conversar.
AMAR
Eles estão sentados em uma mesa. Carlos se serve um café e Eunice come uma fatia de bolo.
Como assim? Ele não é seu filho?
Pois é, uns dias atrás uma tal de Lili, que se diz amiga de Rebeca, foi lá em casa dar notícias de que Rebeca foi presa e depois soltou que eu não sou o pai.
Presa?... e como assim? Ué, quem é o pai?
O pai se chama Caio, mas não qualquer Caio, e a senhora bem sabe quem.
Ao ouvir, Eunice se levanta bruscamente.
(gritando)
O quêêê? É o Caio... seu irmão?
(calmo)
Sim, o próprio. E foi por isso que eu vim aqui, preciso saber onde ele está, pois precisamos conversar a respeito de Tamar.
Eunice olha Carlos pensativa. Ela anota um número em um papel e entrega pra ele.
Ele não está no país, se mudou pra Espanha há dois anos, depois que se casou. Esse é o número do telefone dele. Carlos olha o papel e o guarda no bolso.
Carlos... por que você aparenta estar muito tranquilo com isso?
Carlos respira fundo e olha pra baixo.
Eu fiquei muito chateado com Caio e Rebeca no momento em que descobri, e inclusive isso explicou tantas outras coisas que na minha cabeça ainda não faziam sentido, por exemplo Tamar ter idade um pouco diferente do tempo em que me relacionei com Rebeca... e também exames dele no hospital etc. Mas, enfim, acho que eu não tenho muito direito de me fazer de vítima não, pelo menos não depois de fazer Alice passar por essa humilhação.
É, meu filho... seu irmão é uma peça ruim, mas você também foi um completo babaca. Alice não merecia isso. Que vergonha, meu Deus!
Eunice põe a mão na testa demonstrando vergonha.
Mas e como fica a criança em tudo isso? O que pretende fazer?
CARLOS
Vou adotá-lo, já estou decidido. E não se preocupe, tentarei ser uma pessoa melhor para ele.
Carlos e Tamar estão fazendo um piquenique debaixo de uma árvore. Eles comem morango enquanto admiram a paisagem de frente ao lago. Mas Carlos para de comer e começa a observar uma mulher que se parece muito com Alice de costas, ela caminha, com ajuda de um bastão que a guia, em direção à proximidade do lago, ao chegar perto ela se senta bem próxima à beirada.
Carlos vai andando em sua direção atônito, lágrimas vão caindo e ele só consegue dizer:
CARLOS Alice!
FADE OUT FIM.
Apartamento bagunçado, barulho de celular tocando. Aline atende o celular enquanto tenta comer uma fatia de pão e calçar o tênis. Ela está em pé e fala irritada com a amiga no celular.
FALA!
VANDINHA (V.O.)
Mulher, pelo amor de Deus. Tu não vai descer hoje não?
Dá pra parar de ligar, eu já falei que tô descendo!
VANDINHA (V.O.)
Caramba, todo dia isso!
Aline tenta desligar o celular, se desequilibra e cai. O celular toca outra vez. Ela atende irritada.
Puta que pariu, Vandinha, vai ficar ligando toda hora mesmo?!
HOMEM (V.O.)
Bom dia! Estou falando com a Aline? É sobre a vaga de estágio que você se inscreveu.
ALINE (envergonhada)
Ah sim, desculpa aí, achei que era a Vandinha!
HOMEM (V.O.)
Quem?
ALINE
Nada não, moço.
HOMEM (V.O.)
Podemos marcar a entrevista para amanhã às 07:30?
ALINE (impaciente olhando para o relógio na parede) Anram. Tá, tá bom. Sim, pode pôr aí!
Ela olha para o relógio no seu pulso e se mantém concordando com tudo o que ele fala, ela aceita a data e a hora da entrevista sem pensar. Ele desliga. O celular toca, Aline atende enquanto abre a porta.
VANDINHA (V.O.)
Caramba, todo dia isso! A partir de amanhã tu vai sozinha!
2.EXT. RUA – PRÓXIMO A UMA PARADA DE ÔNIBUS – DIA
Vandinha e Aline estão andando com pressa e discutindo.
VANDINHA
Os professores pensam que eu sou uma aluna de merda. E a culpa é tua!
ALINE Minha culpa, nada!
VANDINHA
Eu já falei, amanhã eu vou sozinha.
ALINE
Vai, vai, depois é assaltada aí e vai dizer que a culpa é minha também!
As moedas da bolsa de Aline vão caindo no chão enquanto ela anda. Crianças que estavam por perto pegam as moedas dando risada. Aline entra no ônibus, a porta do ônibus fecha, o ônibus vai saindo.
3.INT. ÔNIBUS – CATRACA – DIA
Na catraca ela percebe que tá sem o dinheiro da passagem. Aline olha para Vandinha.
Ô Vandinha. Tem $3,80 pra me arrumar?
Vandinha está sentada no lado direito no meio do ônibus.
VANDINHA
É o que, mulher? Fala mais alto.
O cobrador olha irritado para Aline.
COBRADOR
Vai ter que descer, moça.
Todos no ônibus olham para Aline.
ALINE
(Gritando para Vandinha) Dá pra me arrumar o dinheiro da passagem?
VANDINHA
Vixe, eu não tenho não!
COBRADOR Moça, vai ter que…
ALINE DESCER, EU JÁ SEI!
Irritada ela respira fundo passando as mãos no rosto. Um homem esquisito que está sentado próximo ao cobrador levanta olhando para Aline.
HOMEM 2
Pode deixar que eu pago pra moça bonita!
O homem lança um olhar de interesse, Aline olha com nojo. Ela não quer aceitar. Pessoas que estão atrás dela ficam irritadas com a demora.
MULHER 1
Anda logo, minha filha, a gente não tem o dia todo não.
O cobrador, impaciente, balança a cabeça em negação. Aline aceita.
Caminha até a cadeira do lado de Vandinha, o homem continua olhando pra ela, Aline revira os olhos.
Vandinha e Aline descem do ônibus. Aline reclama todo o caminho sobre esse ser o dia mais azarado da vida dela.
CARALHO, que dia, hein? Agora só falta um pombo cagar na minha cabeça.
VANDINHA
Ah, dá um tempo, Aline, toda hora reclamando. Mais a frente, Aline percebe um homem mais velho andando. Ele está atravessando a rua. Aline vê a carteira dele cair no chão.
Ô Vandinha, vai indo na frente, já já eu vou.
Aline corre até a carteira para tentar devolver ao velho, mas ele desaparece. Aline pega a carteira, olha para os lados tentando entender o que aconteceu. Ela olha para o relógio em seu pulso, coloca a carteira em sua bolsa e corre para o portão do campus.
Ela chega em seu apartamento, fecha a porta. Em seguida, alguém bate na porta várias vezes, sem parar. Ela abre e se depara com um velho simpático e debochado, que fala com ela como se a conhecesse. Ele repara na bagunça e a critica de forma humorada.
(entrando no apartamento)
A que ponto você chegou, hein, Aline? Eu nunca botei muita fé em ti, mas LADRA, eu não achei que tu ia virar não.
(confusa, sem entender o que está acontecendo) Como assim? Vem cá, eu te conheço de onde? Você deve estar me confundindo com alguém.
(rindo)
Não tô não. Te conheço muito bem.
(andando atrás dele)
Senhor, eu não sei se você tem algum tipo de problema de memória, mas eu não sou essa pessoa que você tá achando que eu sou.
O Velho passa a mão em uma mesinha antiga empoeirada. Ele limpa a mão na calça.
(rindo)
Caramba, aqui não tem nem um aspirador de pó, um espanador ou qualquer coisa que limpe, uma vassoura? Eu achava que tu morava em um lugar piorzinho, me surpreendeu.
Olha, eu não sei quem você é. Senhor, por favor, vá embora.
Embora, por quê? Se eu acabei de chegar! Ah, e eu to com tempo livre, todinho só pra você, olha, que maravilha. Já é bom dar uma arrumadinha aqui, porque eu não gosto de bagunça, sabe.
Me fala seu nome, de onde você veio, O QUE VOCÊ QUER COMIGO, pelo amor de deus!
Ele não liga para as perguntas insistentes dela, e continua andando e reparando em tudo dando risadas.
Ai, Alinezinha, você tá cada dia mais chata, hein? Quanto mau humor. Deve ser por isso que dá tudo errado pra ti.
Há uma pilha de roupas sobre uma poltrona, ele tira as roupas de cima da poltrona e as joga no chão. Aline reclama.
Ei, não joga minhas coisas no chão. Caramba, ta bagunçando tudo!
VELHO (ele se senta rindo, balançando a cabeça) Pior que tá não fica.
Aline está inquieta e impaciente, andando de um lado para o outro com a mão na cintura.
ALINE Não senta não, levanta daí e vai embora.
O Velho senta na poltrona e a ignora com um sorriso cínico no rosto.
VELHO (folheando uma revista, sentado na poltrona) Ai, Aline, coisa chata hein? Não para de reclamar. Ah, e não adianta chamar o porteiro não.
ALINE Vamos ver então! Agora levanta daí e vai embora.
Ele continua rindo acomodado na poltrona.
Ela corre descendo as escadas até a portaria. O porteiro se assusta com ela chegando correndo.
UM VELHO, UM VELHO MALUCO INVADIU MEU APARTAMENTO.
PORTEIRO
Meu deus, dona Aline, que agonia é essa?
Faz alguma coisa, Sandrinho, tira aquele homem de lá.
Que velho, dona Aline? Eu não vi ninguém entrando aqui.
Mas ele tá lá, mexendo em tudo. Vem, sobe comigo.
Eles sobem as escadas com pressa.
Eles chegam na porta do apartamento, ela aponta para a poltrona mostrando o velho.
Olha ele aí. Pov de Sandrinho
Ele vê apenas a poltrona vazia e as roupas no chão.
Eu não estou vendo ninguém não, dona Aline.
Olha lá ele na poltrona, Sandrinho.
(se benzendo)
Valha-me, minha nossa senhora! Num tem ninguém aí não, Dona Aline. Olha aí, o telefone tá tocando lá na portaria.
Espera aí, Sandrinho, volta aqui.
O porteiro fica com medo e volta para a portaria. Ela, impaciente, fecha a porta. Ela senta no sofá.
ALINE (pensativa) Então eu tô louca. Eu só posso tá completamente louca.
VELHO Ainda não, mas pode ficar! Aline fecha os olhos.
ALINE É só ignorar e ele vai sumir. Aline abre os olhos devagar e ele continua lá a encarando.
Barulho de várias panelas caindo. Aline acorda cedo com ele fazendo barulho na parte de fora do quarto. Ela está deitada na cama, coloca o travesseiro no rosto e grita.
Aline está sentada tomando café.
VELHO (mexendo nas gavetas do armário) Tá com a cara péssima, hein? Achei que você ia ficar feliz de finalmente alguém dormir aqui. E vai fazer quando umas comprinhas pra cá? Tá tudo seco. Ah, dá uma lavadinha naquelas louças ali também. Come mais rápido se não vai se atrasar de novo. Ah, e você perdeu a entrevista.
Aline olha com cara de sono e raiva para ele.
VELHO Não vai falar nada não?
Irritada, ela joga uma fatia de pão nele.
Coisa feia, hein? Aline, desperdiçando pão, amanhã tu não vai ter dinheiro pra comprar outro não.
Aline, com cara de nojo, pega o pão no chão, dá umas batidinhas para tirar a sujeira e come, olhando com cara de raiva para o velho.
Ela está andando rápido, atrasada, ele anda de forma rápida tentando acompanhá-la.
VELHO
Já pensou em usar umas roupinhas mais bonitinhas? Se eu fosse você, eu, pelo menos, penteava o cabelo. Eu já li em algum lugar, que gente bonita é mais bem tratada, tu devia tentar.
Tu é um velho chato do caramba, hein?
VELHO (Parando de andar)
Isso aí é preconceito, viu? E qual o problema de ser velho?
(Olhando para trás)
Nenhum. Qual é, eu não tenho preconceito por você ser velho. Eu tenho preconceito com gente irritante.
VELHO (andando rápido até ela) Eu não sou irritante não, né?
Aline sorri impaciente e continua andando.
Ela entra na sala de aula, por um momento ela não o vê. Ela olha para trás e se assusta com ele sentado atrás dela. O velho olha para todos na sala.
VELHO (apontando para uma garota) Aline, Aline, olha lá. Você podia se arrumar mais igual a fulaninha lá da frente. Pera aí, não é dela que tu é a fim?
Ela joga uma bola de papel para trás tentando acertá-lo. Ela acaba acertando a garota que está atrás dele.
GAROTA 1
Ai!
ALINE
Foi mal, não era pra ser em você.
O velho continua rindo dela.
Aline não presta atenção na aula. Ignora a presença dele e continua escrevendo em um caderno. Ele olha por cima dos ombros dela tentando ver o que ela escreve.
Aline está sentada, escrevendo em um caderno enquanto come um sanduíche. Ele está do lado dela, olhando fixamente para ela e para o caderno, isso causa irritação nela.
O que foi, agora?
Vandinha se aproxima e senta no banco próximo a Aline.
VELHO
O que você tanto escreve nesse caderninho aí?
E aí, Aline, tá fazendo o que aí?
VANDINHA
Caramba, hein, Aline? Eu não sei nem por que eu ainda falo contigo!
Vandinha levanta e sai andando.
Espera aí, eu não tô falando contigo.
Vandinha mostra o dedo do meio para Aline. O velho ri.
Aline fecha o caderno e o guarda na mochila. Ela levanta e sai andando. O velho levanta e anda atrás.
VELHO
Qual é a nossa próxima aula?
Na aula, o professor comenta sobre um evento que escolherá textos para serem publicados.
Então, galera, esses são os últimos dias para quem tem interesse em participar do evento que irá selecionar os textos para serem publicados. Entreguem os textos! Quem tiver interesse de participar deve apresentar hoje ou amanhã.
VELHO (cutucando ela insistentemente) Isso que você tanto escreve não serve? Mostra, mostra pra ele.
(gritando irritada com o velho) Não, não serve! DÁ PRA CALAR A BOCA?
Todos olham para ela sem entender nada.
PROFESSOR
Algum problema, Aline?
ALINE
(envergonhada, olhando para os lados) Não, nenhum problema, pode falar, professor.
O velho ri dela.
Aline está deitada na cama e acorda com o velho falando alto.
Eu gostei! Achei profundo. Tem umas partes que dá pra melhorar, uns erros de português também, muitos. Eu dei uma melhoradinha em algumas partes, mexi em umas coisas aqui, outras ali. Nada de mais.
Aline dá um pulo da cama, desesperada, corre até a sala. Abre sua bolsa e não encontra seu caderno. Ela o vê aberto na mesa da sala.
Eu não acredito que tu mexeu nas minhas coisas, seu velho Maluco. Você leu e estragou, e já não tava bom.
Irritada, ela corre atrás dele ao redor do sofá da sala jogando almofadas.
Ah, ele serve, sim, para aquilo que o professor falou. E eu não estraguei, eu melhorei. Olha ai, lê!
Aline senta no sofá com o texto em mãos. Lêo texto e gosta do resultado, fica calada. Ela olha para o velho e ele sorri para ela.
Final da aula, todos estão saindo da sala. O professor levanta a mão.
Aline, espera um pouquinho, eu queria falar com você.
Ela caminha em direção ao professor.
Eu sei que você não anda muito bem ultimamente, dá pra ver pela sua cara. Mas eu gostei bastante do seu texto e acho que ele tem chances reais de ser escolhido, eu escolhi você pra ser uma das alunas que vão fazer a apresentação amanhã no auditório. Você tem interesse em participar?
(pensativa)
Não, não dá, o texto ainda não tá bom e eu não consigo, e já é amanhã.
Aline, você foi ótima na apresentação de hoje. Confia, o texto tá bom. Te vejo lá amanhã!
ALINE Mas professor…
O professor sai da sala de aula. Ela sai da sala.
17.
Alunos da sala dela estão a esperando perto da porta da sala.
ALUNO 1
Caramba, eu não sabia que você escrevia tão bem.
Ah, valeu.
ALUNA 1
Também gostei bastante.
Aline vai caminhando com eles pelo corredor.
18. INT. APARTAMENTO DA ALINE – SALA – NOITE
Aline chega em casa, joga a bolsa no sofá, se senta, sorri e faz gestos comemorando por ter sido escolhida. Ela não percebe que o velho não está lá.
19.
Aline acorda cedo de bom humor. Aline não escuta a voz irritante do velho. Deitada na cama.
ALINE VALEU POR ONTEM, ATÉ QUE VOCÊ NÃO ESTAVA ERRADO.
Ele não responde. Ela senta na cama e espera a resposta. Ela levanta.
20. INT. APARTAMENTO DA ALINE – SALA – DIA
Aline procura por ele. Olha para a mesinha que a carteira que ela pegou ficava, e não vê mais nada.
21. INT. CAMPUS – AUDITÓRIO – DIA
Auditório lotado. Aline é a próxima a subir no palco e lê o texto. Ela sobe no palco. Aline começa a ficar nervosa e demora, tenta falar e não consegue. Ela olha para a plateia e o velho está lá rindo da cara dela e comendo pipoca.
22. INT. CAMPUS – AUDITÓRIO – DIA
As mãos de Aline estão trêmulas segurando o papel.
23. INT. CAMPUS – AUDITÓRIO –
As mãos de Aline estão firmes segurando o papel. Todos estão aplaudindo.
Ela olha novamente para a plateia. O professor em prantos é consolado por um aluno. O velho sorrindo levanta a carteira mostrando para ela, ele coloca no bolso da camisa, pisca um olho e some. Aline sorri.
FADE OUT.
FIM.
INT – Cozinha casa – Dia
Com uma colher de pau, uma mão mexe a massa de bolo. A vasilha está em uma mesa repleta de ingredientes.
EXT – Rua residencial – Dia
Rapaz, dezessete anos, e moça, dezesseis anos, conversam risonhos e com bastante proximidade. O rapaz está parado em uma bicicleta e a moça está mexendo no guidão da bicicleta.
Eu não sei, tô pensando ainda se vou.
Tá bom, pensa direitinho. Vai ser mó massa... A galera toda vai...
É, é que eu ...
A moça vê Izabel a olhando pela fresta da cortina. A moça se afasta do rapaz e se inclina na direção da casa de Izabel.
Ah, não, né possível que essa velha fofoqueira uma hora dessas tá cuidando da vida dos outros! Oh! Que foi, hein? Perdeu alguma coisa aqui?
INT – Cozinha casa – Dia
Izabel, sessenta e cinco anos, se assusta, e abre um pouco a cortina.
EXT – Rua residencial – Dia
A moça gesticula com raiva na direção da casa de Izabel.
Não tem o que fazer, não, sua enxerida? É o dia todo com a fuça na janela.
POV DE MOÇA. Izabel abre a janela de forma brusca.
IZABEL:
Como que não vê uma sem “vergonhice” dessa no meio da rua? Deixa só tua mãe saber disso, viu?
EXT – Rua residencial – Dia
O vendedor de pamonha, quarenta e cinco anos, atende um cliente e presta atenção na discussão de Moça e Izabel, enquanto reage com caretas a cada fala. Finaliza o atendimento, vira-se e fala com a moça.
VENDEDOR DE PAMONHA:
Essa daí, desde que eu vendia milho, que gosta de uma fofoca.
MOÇA Pois, é! Essa sem noção, essa...
INT - Cozinha de Izabel – Dia
Izabel fecha a janela enquanto a moça ainda está gritando. Com as mãos na cintura, vira-se para Andreia, cinquenta e cinco anos.
IZABEL
Você viu, né? Um absurdo! Essa filha da Dona Ana tá virando uma perdida. Todo dia de conversa com um moleque diferente.
Izabel caminha para a mesa enquanto fala.
IZABEL
Vou contar pra mãe dela, vê se dá um jeito. Mas acho difícil, viu?
Izabel Pega a vasilha de bolo que está sobre a mesa e mexe a massa de forma brusca.
IZABEL: Quando começa assim você já sabe no que dá. A filha da Marilene...
Izabel para de mexer a massa. Respira e solta o ar pela boca.
Até fiquei nervosa. A filha da Marilene começou assim e já já tá no segundo filho. Duvida? Hum!
Izabel coloca a vasilha na mesa e limpa as mãos no avental.
Na minha época não era assim. Eu tinha que cuidar dos meus irmãos, nem sair de casa eu podia.
Izabel caminha em direção aos armários. Abre a porta.
IZABEL
Eita! Mas eu era um pouco danada, viu Andreia?
Izabel ri e joga a cabeça para trás.
Quando eu tava mocinha, meus irmãos viviam na farra e eu não podia. Então, como eu sabia que mainha adorava uma história...
Izabel retira alguns ingredientes do armário. Farinha e barras de chocolate.
Eu falava pra mainha que ia ver o que as filhas das vizinhas tavam aprontando. Aí ela me deixava sair.
Izabel coloca os ingredientes em cima da mesa. Passa a mão na roupa.
Eu falava pra mainha que ia ver o que as filhas das vizinhas tavam aprontando. Aí ela me deixava sair.
Izabel pega um copo de medidas que está na mesa e coloca farinha. Olha o copo contraluz.
Mainha era engraçada demais, Andreia. Ela só prestava atenção que eu tava em casa, quando eu ia contar algum causo ou quando não lavava a louça.
Izabel sorri e joga a farinha na tigela.
IZABEL
Os tempos eram outros, muié! Agora tá essa baderna!Num vê?
Izabel aponta com a palma da mão para a rua e depois bate na perna.
IZABEL
Essa menina da Ana é uma sem educação!
Izabel aponta com o queixo para um objeto na mesa.
IZABEL
Pega essa espátula aí pra mim.
Andreia entrega a espátula para Izabel, que pega, coloca um pouco de massa e leva à boca. Coloca de novo na mesa e volta a bater a massa.
IZABEL
Me xingando assim? Eu, que não faço mal pra ninguém.
Izabel despeja algumas gotas de chocolate na massa, e mistura com a massa.
IZABEL
Ajudo todo mundo! Só comento mesmo as coisas, mas é o que todo mundo vê, que todo mundo sabe. Só fico aqui na minha... ai, essa gente...
Izabel senta. Amontoa alguns utensílios em cima de um prato.
IZABEL
Que nem esse bolo aqui... É pra uma festa de quinze anos ... Mó trabalheira pra fazer. A dona lá
de Águas Claras disse que tinha que ser de três tons de dourado. Vê se pode, exigiu de tudo, uma frescura só. Ainda fica pedindo desconto. Num sabe quanto eu gasto pra fazer um bolo desse não!
Vixi, quando é assim, são as piores pra pagar. Se tem tanta grana assim, por que não encomenda nas confeitarias chiques de lá?
Num é? Fica desvalorizando o trabalho da gente. Quando vem encomenda das bandas lá de cima, não sei se fico triste ou feliz, porque quase todas as vezes foi mó trabalho pra me pagarem.
Izabel se levanta e se direciona para o balcão para pegar uma forma.
É o que mais tem. Vivem na base do empréstimo, tão pior que nós.
As duas riem. Andreia se levanta da cadeira.
ANDREIA Amiga, vou indo.
IZABEL
Tá cedo, mulhé.
Izabel limpa as mãos nas roupas. Andreia sai.
ANDREIA Depois eu volto aí.
Então tá bom. Vai lá, tchau.
Izabel coloca a mão na cintura. Olha para o bolo.
É, vai dar bom.
INT- Cozinha de Izabel – Dia
Fim de tarde quase noite.
Izabel retira o bolo do forno. Izabel coloca o bolo em cima da mesa. Vai até a janela, puxa suavemente a cortina e olha através da janela. Se assusta. Tem o impulso de fechar a cortina, mas abre um pouco mais.
EXT – Casa em frente à casa de Izabel – Noite
POV DE IZABEL. Contraluz de um homem colocando um objeto grande dentro do carro. Ele está agitado e desconfiado. Olha para os lados e entra no veículo. Sai com o carro bruscamente.
INT- Cozinha de Izabel – Noite
Izabel tem uma expressão divertida no rosto.
IZABEL
Már né possível um trem desse... Valha-me, Jesus! Até esse daí roubando? Quem diria... O mundo tá perdido mesmo.
Izabel fecha a cortina e sai.
INT – Cozinha de Izabel – Dia
Cobertura do bolo em tom dourado em um recipiente. Izabel está em pé e segura a vasilha enquanto mistura a cobertura. Izabel caminha até a janela para observar a rua.
EXT – Rua – Dia
Um carro chega à residência em frente à casa de Izabel. No carro estão uma mulher, trinta e cinco anos, um homem, trinta anos, e duas crianças, seis e sete anos de idade. A mulher estaciona o carro e o homem sai do veículo em direção ao portão para abri-lo.
INT – Cozinha Izabel – Dia
Izabel observa muito entusiasmada a cena enquanto mistura a cobertura do bolo.
Eita! Que vai ser agora!
EXT – Rua – Dia
O homem toca e percebe que o cadeado foi violado. Levanta a mão segurando o cadeado para mostrar para a mulher.
Roubaram a casa!
A mulher está mexendo no celular. Se assusta com a notícia.
O quê? Não! Como assim roubaram?
Roubaram!
O homem entra abruptamente na casa sem esperar a mulher responder. A mulher sai do carro nervosa, fica de pé ao lado do carro. A mulher disca um número no telefone. A mulher está no telefone e fala em tom alto.
Roubaram aqui em casa!... Não sei! O Felipe entrou pra ver!
As crianças ficam nervosas e uma começa a chorar.
INT – Cozinha Izabel – Dia
Izabel observa a movimentação.
Vixi Maria! Tá ficando fêi o negócio!
EXT – Rua – Dia
O homem sai de casa à rua aos gritos.
HOMEM
Roubaram foi tudo! Levaram até meus cd’s do Reginaldo Rossi!
Um senhor, sessenta e oito anos, andando de bicicleta passa em frente à cena. Para em frente ao homem.
Que sacanagem! Roubaram aí, foi cara?
Foi, seu Zé... (homem continua a falar, porém inaudível)
Mulher apenas olha para o homem (marido), mas continua a falar ao telefone. Os vizinhos começam a sair para o portão. Alguns ficam na porta, outros começam a se aproximar da casa que foi furtada.
INT – Cozinha Izabel – Dia
Izabel coloca a vasilha na mesa e abre um pouco mais a cortina.
EXT – Rua – Dia
Rapidamente, a rua está muito cheia de pessoas curiosas. A mulher, desolada, está sentada na calçada. Passa a mão pelo cabelo. Três mulheres se aproximam e param de pé em frente à mulher. Vizinha 1, quarenta e um anos, Vizinha 2, quarenta e dois anos, Vizinha 3, quarenta e três anos.
Esses vagabundos! A gente trabalha tanto, eles simplesmente chegam e pegam.
Ai! Nem me fala... Eu ainda tô pagando a TV. Dividi... não lembro se foi em cinco ou... cinquenta vezes... Não! Mas sabe o que é engraçado?
A Mulher se levanta.
Que pra curiar todo mundo vê tudo, mas quando é algo assim, ninguém vê nada.
VIZINHA 1
Pior, viu?
VIZINHA 2
Mas sabe qual o problema também, muié? Eles cegam a gente, são uns ratos.
Sei não, viu...
Vizinha 1 bate no braço da mulher.
VIZINHA 1
Sabe quem deve com certeza ter visto?
Vizinha 1 aponta com o queixo para a casa de Izabel.
MULHER, VIZINHA 1, VIZINHA 2, VIZINHA 3 Izabel!
Mulher, Vizinha 1, Vizinha 2, Vizinha 3 olham para a casa de Izabel.
É verdade!
A Mulher está com os braços cruzados. Serra os olhos e se inclina em direção à casa de Izabel.
Inclusive... Ela tá bem olhando pra cá!
POV DE MULHER. Izabel as observa pela fresta da cortina.
Bora lá!
INT – Cozinha Izabel – Dia
Izabel se assusta e fecha abruptamente a cortina
IZABEL Esses diacho me viram!
Izabel, nervosa, se vira contra a janela e passa as mãos na saia.
EXT – Rua – Dia
Mulher, Vizinha 1, Vizinha 2, e Vizinha 3 batem palmas na frente da casa de Izabel. Mulher está com raiva e bate palmas com muita força.
MULHER: Ô, Izabel!
Izabel sai de casa e caminha em direção ao portão. Está segurando a vasilha de bolo. Izabel está com seus trejeitos afetados e age de maneira perceptivelmente fingida.
IZABEL: Olá, senhoras! Aconteceu alguma coisa?
Izabel sai e fecha o portão.
MULHER
Ah, você não sabe? Cê jura? Roubaram lá em casa, você não viu nada não?
Izabel olha para os lados, coloca a mão no peito.
IZABEL Sério que roubaram sua casa?
MULHER Seríssimo!
IZABEL
É o fim dos tempos. A rua sempre foi tão tranquila...
Izabel olha para a Vizinha 2. À medida que Izabel vai falando, uma
pequena multidão a cerca como se estivesse dando entrevista em uma coletiva de imprensa.
Né, Marizete? Anos que a gente mora aqui e nada grave assim aconteceu. Só alguns assassinatos, uns tiroteios, mas roubo de casa, nunca! Eu tô passada, chocada.
Sério, Dona Izabel, que a senhora não viu nada?
Não... Nadinha... Tô aqui com uma encomenda de bolo...
Izabel mostra a tigela com a cobertura.
Tô sem tempo pra nada.
Sei... Se a senhora, não sei, de repente se lembrar de algo, a senhora me avisa, tá? Que eu moro bem aqui na sua frente, facinho de ver.
Pode deixar, minha filha. Se eu souber de algo, eu te falo.
Mulher sai com raiva e a pequena multidão se dispersa enquanto Andreia se aproxima de Izabel até ficarem lado a lado.
Que loucura, né amiga? Pena que ninguém nem viu quem foi...
Izabel continua olhando para a frente, sem olhar para Andreia, que está ao seu lado.
Na verdade, eu vi. E você não sabe da maior... É uma pessoa que ninguém nem imagina! Se você
soubesse, ia cair pra trás!
Izabel se retira do local, e Andreia não consegue nem se mexer. Andreia fica parada com uma expressão de surpresa.
EXT/INT – Casa de Izabel (Cozinha) – Dia
Uma mão bate na porta. Izabel está confeitando o bolo. Izabel se assusta ao ouvir a batida.
IZABEL
Uai! É aqui em casa?
O som continua. Izabel abre a porta e se assusta.
PASTOR
Oi, Dona Izabel! Boa noite, como a senhora está?
IZABEL
Bem...
Izabel olha desconfiada para o pastor, quarenta e oito anos, e para o rapaz, dezoito anos, que está o acompanhando.
PASTOR
Espero que não se incomode, eu abri o portão. Eu chamei e a senhora não apareceu, e como o assunto é importante, entrei. Mas a senhora precisa tomar mais cuidado, aqui anda muito perigoso. Tem que deixar o portão trancado, porque se não, pode entrar todo tipo de ladrão na sua casa.
Izabel olha o pastor de cima a baixo.
IZABEL Verdade.
PASTOR
Esse aqui é o meu filho, Ricardo. A senhora já conhece, né?
Izabel olha com certo deboche.
Claro que conheço. Tá um rapaz já, né?
O pastor olha para o filho enquanto fala.
Pois é! O rapaz tava desviado! Andando com más companhias, se afastou da igreja... Mas o importante é que voltou! Né, Ricardo?
Ricardo força um sorriso e balança a cabeça. O pastor ri.
O filho pródigo!
Mas acontece! Ainda mais nessa idade, o mundo cheio de má influência, precisamos orar e vigiar! Falando nisso, dona Izabel, notei que a senhora não tem ido à igreja, vim saber se está tudo bem?
Tem mais de um ano que não vou na sua igreja.
O pastor coloca as mãos no bolso do paletó, e faz uma careta.
É mesmo, Izabel? Pois saiba que estou há um ano orando pela senhora todos os dias para que volte a aceitar Jesus. Que dia a senhora quer ir lá na igreja?
Não sei não. Não ando saindo muito de casa.
Eu lembro que a senhora precisava muito fazer uma consulta no cardiologista, a senhora conseguiu?
Tô na lista de espera, né? Já, já chamam. Tô há um ano. Acho que daqui mais uns três devem chamar.
O pastor ri.
Nada disso. Lembra da minha filha Silvana? Montou o consultório. Vou te dar o cartão dela, só ir lá. Já expliquei a situação a ela.
O pastor estende a mão e Izabel pega o cartão.
Afinal estamos aqui para nos ajudar como irmãos. O que a senhora precisar, viu? Pode contar comigo.
Izabel olha desconfiada.
IZABEL
Muito obrigada, pastor. E esse menino? Ele não era tímido assim não.
O pastor sorri e olha para o rapaz.
Estamos em tempos em que o silêncio vale ouro.
O pastor pisca para Izabel. O pastor se afasta um pouco e vira de costas. Izabel olha o cartão.
IZABEL
Estou começando a perceber isso.
Vou indo, dona Izabel, espero a senhora lá na igreja logo, viu?
O pastor caminha acenando para se despedir.
INT – Casa de Izabel ( Sala) - Dia
Izabel fecha a porta com um ar debochado.
Então quer dizer que o silêncio vale ouro...
INT – Casa de Izabel ( Sala) - Dia
Izabel pega o celular e envia um áudio para Andreia.
Mulhé, aconteceu uma coisa muito estranha...
O pastor da igreja que a gente ia veio aqui me oferecer consulta de graça. Anos lá, ele nem olhava na minha cara, só quando tinha que pagar o dízimo, e olhe lá! Agora veio aqui do nada? Muito estranho isso. Depois você vem aqui.
Izabel caminha em direção à cozinha. Quando escuta o som de uma mensagem no celular. Izabel está com o celular na mão, e aperta o botão para ouvir.
Olha, acho que sei porque ele foi aí... Talvez eu tenha um pouco de culpa.
Izabel envia outro áudio.
Pois não venha depois não, venha agora!
INT- Cozinha Izabel – Dia
Izabel e Andreia estão na cozinha. Andreia está sentada à mesa.
Todo mundo quer saber quem foi que roubou a casa aí da frente. Principalmente depois que contei pra Isadora. Contei não, comentei assim por cima, que era alguém que ninguém imaginava. Ela é muito fofoqueira, não tinha que
ter espalhado não. E já suspeitavam que você sabia. Tá assim, todo mundo querendo saber quem foi, e todo mundo meio que com medo de ser acusado. Você não deve saber, Izabel, mas tá todo mundo ansioso querendo saber o que você vai fazer.
Izabel está de pé confeitando o bolo e prestando atenção. Barulho de buzina.
É aqui?
ANDREIA
Acho que é. IZABEL
Vou lá ver.
EXT – Rua – Dia
Izabel sai pelo portão. O carro do vendedor de pamonhas está estacionado. O vendedor está dentro, e no banco do motorista, fala com Izabel.
VENDEDOR DE PAMONHA
E aí, dona Izabel, tudo bem?
Izabel coloca as mãos na cintura, e olha desconfiada.
VENDEDOR DE PAMONHA
Trouxe isso aqui para a senhora.
Vendedor de pamonhas pega do banco do carona uma sacola repleta de pamonhas.
VENDEDOR DE PAMONHAS
Um presente para a senhora.
O vendedor de pamonhas entrega a sacola pela janela. Izabel pega a sacola.
Ué, mas por quê?
É só uma gentileza. Percebi que conheço a senhora há tantos anos, sempre te achei tão querida por todos. Só estou retribuindo. E sabe como é, né? Ninguém sabe o dia de amanhã, se vamos precisar do outro, entendeu?
Ô se entendi.
INT – Casa de Izabel (Sala) – Dia
Izabel entra em casa com um ar de confusão, fecha a porta e mostra a sacola para Andreia.
É… fofoca é poder
INT- Casa de Izabel (Cozinha) – Dia Entardecer.
Izabel olha procurando por algo nos armários.
Andreia, tá faltando um negócio aqui pra terminar, eu vou ali no mercadinho e já volto, viu? Fica aí.
Ext – Rua – Dia
Izabel caminha pela rua. Um homem, vinte e oito anos, começa a acompanhá-la.
Boa tarde, dona Izabel.
IZABEL Boa.
VIZINHO
Eu moro do seu lado. Eu que aluguei a casa da
Dona Fátima.
IZABEL
Ah, é você que tá morando lá? Quase nunca vejo ninguém entrar ali. Só vejo chegando muitos pacotes do correio. E várias pessoas que nunca vi no portão.
VIZINHO
Ah, sim. É que eu trabalho com revenda, sabe...
IZABEL Sei...
VIZINHO
Então, eu percebi que o mato da casa da senhora tá um pouco alto, né?
IZABEL
Uhum, tá largado. O mato cresce rápido demais.
VIZINHO
Quando a senhora quiser, eu vou lá capinar, é só me avisar, viu?
IZABEL
Tá bom, meu filho, chamo sim. Você também arruma móveis, pinta parede, e lava louças bem rápido?
VIZINHO
Claro, o que a senhora precisar. Vou indo, quando quiser é só me avisar. Até mais.
IZABEL
Até, meu filho.
Sozinha, Izabel tem uma expressão divertida.
IZABEL
Será que quantos mais além do culpado vai me fazer alguns favores?
INT- Casa de Izabel (Cozinha) – Noite
Enfeite no topo do bolo é colocado pelas mãos de Izabel.
IZABEL
Pronto! Num é que ficou lindo, menina?
Izabel senta-se à mesa ao lado de Andreia.
Eu vou te falar quem foi, mas você fica de boca fechada, viu? Sabe o...
A companhia toca. Izabel estica o pescoço e inclina a cabeça em direção à janela para ver quem é.
Aparece a silhueta de alguém, mas não revela quem é.
Aí, só falar no dito cujo, que ele aparece.
Izabel se levanta e fala alto para a pessoa que está do lado de fora ouvir.
IZABEL
Pode entrar! Tá aberto o portão!
Izabel volta a falar com Andreia.
IZABEL
Mas bom que agora você vai ver com seus próprios olhos. Se prepara, hein?
Izabel se levanta. Abre a porta.
Oi, e aí, tudo bem?
Andreia se inclina para ver quem é. Andreia se assusta e derruba o bolo. Bolo se espatifa no chão.
FIM.
Um roteiro de WENDELLA ALVES
1. INT. CASA DE RAFAEL - QUARTO/BANHEIRO - MADRUGADA.
RAFAEL, um homem negro de 26 anos, gordo e de rosto amigável, é acordado pelo despertador às 4h e caminha até o…
2. INT. CASA DE RAFAEL - BANHEIRO - MADRUGADA.
… banheiro, onde escova os dentes e apaga a luz.
TELA PRETA INSERT
“FOI NUM BAILE FUNK…”
3. INT. ÔNIBUS 0.554 - AMANHECER.
Rafael sai do ônibus às 5h30.
4. INT. ÔNIBUS 0.554 - NOITE.
Rafael entra no ônibus às 18h, dessa vez segurando um saco de lixo preto.
5. INT. ÔNIBUS 0.554 - DIA/NOITE.
No ônibus lotado, Rafael está sentado. Ele olha as horas e são 18h10, depois puxa a carteira e olha a foto 3x4 dos filhos. Mas o momento é interrompido com a ligação de sua mãe.
RAFAEL (preocupado)
Oi, mãe, tá tudo certo aí em casa?
SELMA (V.O)
Rafael, já tá na hora, hein? Quando tu vai casar de novo? 3 anos já!
RAFAEL
(rindo)
Ô, dona Selma, ainda faz pouco tempo… Não tô pronto.
SELMA (V.O)
Eu que não tô pronta para cuidar do filho dos outro. Tá chegando já?
RAFAEL
Tô longe ainda, daqui a 2 horas chego em casa. Tô levando um docinho pra senhora. Até mais, beijo.
Rafael desliga e olha para o horizonte.
6. INT. CASA DE RAFAEL - SALA - NOITE.
SELMA, uma senhora negra de 63 anos com cabelos grisalhos, assiste a um programa evangélico com os gêmeos JÚLIA e PEDRO, crianças negras de 3 anos, de cabelos crespos e bastante enérgicas. Rafael abre a porta e é recebido por seus filhos com gritos de felicidade, muitos abraços e beijos. Rafael deposita a mochila e o saco preto em cima da mesa.
SELMA
Pensei que não ia chegar nunca. Sobrou alguma coisa pra gente hoje?
RAFAEL
(rindo)
Obrigado por perguntar, meu dia foi ótimo! E, sim, sobrou umas coisas…
SELMA
E aquele croissant de chocolate? Sobrou?
RAFAEL
Tá tudo caro, as coisas mais caras estão fazendo pouco. Mas trouxe um sonho de doce de leite.
Cuidadosamente, Rafael tira de dentro da sacola alguns pães que sobraram da padaria.
Ai, Rafael, você sabe que esse sonho me dá azia.
Desculpa, mãe! Tem bastante aqui, leva para o pessoal da igreja. Vou separar esse pãozinho pro café da manhã e o resto a senhora pode levar tudo.
Selma analisa com desdém o interior do saco preto e o amarra.
Rafael caminha pelo corredor e abre a porta do quarto das crianças.
Vem, gente. Hora de dormir! Amanhã vocês vão ter um dia inteirinho só para brincar.
As crianças deitam na cama, Rafael canta uma música. Mas antes de pegarem no sono, ele é surpreendido com a pergunta de Júlia.
Papai, como era a mamãe?
Rafael fica em silêncio com um olhar pensativo e as crianças dormem.
9. INT. PADARIA - DIA.
Rafael prepara a massa do pão e balança a perna compulsivamente.
(Gritando)
Rafael, que cheiro é esse? Você queimou o pão!
Márcia corre para desligar o forno.
Nossa, Márcia! Desculpa, de verdade. Tô com muita coisa na cabeça.
Dessa vez vou perdoar, porque você é um ótimo funcionário. Mas fica ligado!
Rafael balança de leve a cabeça afirmativamente.
10. INT. CASA DE RAFAEL - SALA - NOITE.
Rafael chega do trabalho.
RAFAEL Cadê as minhas pessoas preferidas do mundo?
As crianças correm para abraçar o pai.
PEDRO
Papai! Papai! A vovó deixou a gente jogar videogame hoje. Foi muito legal!
SELMA Menino! Eu falei pra não contar pra ele.
RAFAEL
Mãe, a senhora é fogo! Já falei que eles são muito pequenos pra isso.
SELMA Santo Deus… para de frescura, menino! Eu precisava lavar a roupa.
RAFAEL (rindo) Ô, dona Selma…
SELMA
Pois deixa eu ir que hoje tem culto na igreja. Tchau, crianças! Vem cá dar um beijo na vovó.
As crianças dão um beijo na avó.
JÚLIA Tchau, vovó! Te amo.
Tchau, vovó!
Rafael vai para a cozinha.
11. INT. CASA DE RAFAEL - COZINHA - NOITE.
Rafael prepara para as crianças macarrão ao molho branco, a comida preferida de Beatriz. Rafael chama as crianças para jantar.
Júlia! Pedro! Venham jantar, a comida de hoje é muito especial.
As crianças sentam na mesa de jantar.
Papai, o que é a janta?
Hoje vamos comer a comida preferida de sua mãe, o famoso macarrão ao molho branco da dona Odete.
As crianças ficam empolgadas, eles jantam na mesa todos juntos.
12. INT. CASA DE RAFAEL - QUARTO DAS CRIANÇAS - NOITE.
Rafael entra no quarto das crianças com um álbum de fotos, mostra as fotos e apresenta descritivamente a Beatriz para as crianças.
Beatriz… A mãe de vocês era uma mulher extremamente amorosa e simpática, apesar de ser coração mole, ela também era forte e muito correria.
As crianças ficam maravilhadas com a mãe, muito animadas.
Que mamãe bonita! Ela gostava de rosa igual eu?
PEDRO
Minha mamãe é linda! Linda! Linda!
RAFAEL (Emocionado)
O dia que eu conheci a mãe de vocês foi o melhor da minha vida. Foi num baile funk…
13. INT. CASA DA MÃE DE RAFAEL/SALA - NOITE.
Em 2002, Rafael, com 19 anos, chega do trabalho. Selma grita da cozinha:
SELMA
Tira esse tênis antes de entrar em casa, é você que limpa, né? Filho de quenga.
RAFAEL Que isso, dona Selma! Deixa eu chegar primeiro!
SELMA Hrum… (Resmunga). Meu filho, tem janta no fogão. Tu não vai inventar de sair com aqueles desocupado de novo não, né?
RAFAEL
Pô, uma sexta dessa, dona Selma. Vou ficar em casa? Vou nada! Já vou mandar o papo pro Vitinho.
SELMA Ai, esses menino… Rafael vai para o seu quarto.
14. INT. CASA DA MÃE DE RAFAEL/QUARTO- NOITE. Rafael deita na cama e manda uma mensagem para o Vitinho.
RAFAEL Fala vitinho, vamo pro baile hoje?
Fala, mano! Só bora.
Rafael levanta da cama e começa a se arrumar.
SÉRIE DE PLANOS
Rafael coloca uma camisa de time
Rafael coloca uma bermuda da Cyclone
Rafael calça o tênis Nike.
Rafael penteia o cabelo.
Rafael coloca um cordão de ouro
Rafael passa perfume.
15. EXT. CASA DA MÃE DE RAFAEL - NOITE.
VITINHO, um homem negro, alto, de 19 anos, busca Rafael de moto.
Bora, mano. Sobe na garupa que hoje tem baile.
Rafael ri, sobe na garupa e eles vão para o baile da Chaparral.
16. EXT. BAILE DA CEILÂNDIA - NOITE.
Rafael e Vitinho chegam no baile. Eles visualizam o movimento, algumas pessoas dançam e bebem. Mas a atenção de Rafael para em BEATRIZ, uma mulher preta retinta de 19 anos, magra e de cabelo black, ela estava em grupo com as amigas. Ele a olha por alguns segundos.
Vitinho bate no ombro de Rafael.
Tá viajando, cara? Bora pegar umas bebidas.
Rafael e Vitinho entram no baile.
17. EXT. BAILE DA CHAPARRAL - NOITE.
Rafael e Vitinho bebem cerveja Itaipava.
VITINHO
A gente vai ficar muito louco.
RAFAEL
Nossa, e eu ainda tenho que trabalhar amanhã. Imagina a ressaca.
VITINHO Amanhã é outro dia, Rafa. Vamo curtir. Eles riem e começam a dançar.
18. EXT. BAILE DA CHAPARRAL - NOITE.
Depois de algumas bebidas, Rafael se abre com Vitinho sobre seu interesse em Beatriz.
RAFAEL
Tu conhece aquela mina?
Rafael aponta a cabeça em direção a Beatriz
VITINHO (rindo)
Aquela é a Bia, irmão. Mas se eu fosse você ficava longe, ela é muito da igreja, beijou, vai ter que casar.
RAFAEL (rindo)
Tu é muito babaca, cara. Vou lá descobrir se ela me daria uma moral.
VITINHO
Não perde tempo mesmo, né?
Rafael ri e caminha até Beatriz…
19.
Rafael se aproxima de Beatriz
RAFAEL (Nervoso)
Oi, pretinha, como vai? Como nunca vi esse sorriso iluminando esse baile?
BEATRIZ (Rindo)
É minha primeira vez aqui, minha mãe não deixa eu sair muito.
RAFAEL
Deveria vir mais vezes. Posso te pagar uma bebida, princesa?
BEATRIZ
Mas eu nem sei seu nome…
RAFAEL
Meu nome é Rafael. Agora que você me conhece, deixa eu te pegar a bebida?
Beatriz dá um sorriso e balança a cabeça afirmativamente.
BEATRIZ Mas só uma bebida, hein?!
Rafael e Beatriz bebem juntos.
Rafael e Beatriz dançam juntos
Rafael e Beatriz se beijam.
Ao amanhecer, Rafael e Beatriz pedem café da manhã na padaria.
RAFAEL
Um misto quente e café, por favor. Rafael inclina o corpo em direção a Beatriz.
RAFAEL Você quer alguma coisa?
BEATRIZ
O mesmo que ele, por favor.
21.
Rafael e Beatriz sentam na mesa.
RAFAEL
Pô, valeu pela noite. Curti muito. Te vejo no baile semana que vem?
BEATRIZ
Não sei se vou conseguir ir… hoje eu saí escondido, acho que não vou tá viva até o próximo final de semana.
RAFAEL (rindo) Posso ir na sua casa e pedir pra sua mãe pra você ir comigo.
BEATRIZ (rindo) Tá doido, garoto? Ela ia bater em nós dois.
RAFAEL
Vou conquistar ela, prometo pra você. Beatriz dá um sorriso.
As crianças ouviam atentamente a história.
Foi assim que eu conheci sua mãe. Foi um dia especial, pois agora tenho vocês.
Papai, e a gente pode comer misto quente com café amanhã também?
Eu também quero!
Pode deixar, vou fazer igual o da padaria pra vocês. Mas café não pode não! Vou botar só uma gotinha no leite, senão vocês ficam muito agitados. Agora vamos dormir, tá na hora já.
Papai, eu gostei dessa mamãe, amanhã você conta outra história?
Conto sim, meu amorzinho.
Rafael agarra os dois filhos e enche de beijinhos. Embrulha-os na coberta e dá boa–noite.
Te amo, papai, boa noite!
Papai, eu te amo também, viu?
E eu amo vocês mais que tudo. Boa noite.
Aos poucos elas fecham os olhos e dormem, abraçando a foto da mãe. Rafael olha para o horizonte, pensativo, sorri e fecha os olhos ainda sorrindo.
A AVÁ é uma editora in(ter)dependente que tem costurado uma linha editorial singular e plural. Nascemos em maio de 2018 e temos mais de 130 livros materializados de forma criativa e relacional.
O grande diferencial da AVÁ é a autora ou o autor ser convidada(o) a pensar a concepção artística e a materialidade do próprio livro juntamente com o corpo editorial, além do lançamento e da distri buição. É assim que essa autora ou esse autor vai se apropriando e se tornando sujeito de sua pro dução de forma integral.
Acreditamos que, ao final, não se lança apenas um livro, mas sim uma expressão do ser — que cria e se recria a partir da própria narrativa.
+55 61 99822-5372
avaeditora avaeditora.com.br
avaeditora
Esse livro foi composto em Altair, Amatic e Sora no formato 14,8x21cm e impresso no sistema off-set sobre papel Avena 80 g/m³, com capa em papel Cartão Supremo Duo Design 300 g/m³.
Há diversas formas de se contar uma história. Desde sempre e para sempre tivemos e teremos essa necessidade de contar e ouvir relatos de outrem, sejam eles inven tados ou tenham de fato acontecido. Para conseguirmos nos comunicar, lançamos mão de diversos artifícios, suportes e formatos, tais como imagens, palavras e sons. A comunicação é, portanto, forjada a partir de um conjunto de códigos pactuados a que chamamos de linguagem. A um conjunto de textos escritos e publicados, damos o nome de literatura. Se por um lado o texto dramatúrgico teatral alcançou já há algum tempo o status de texto lite rário, por outro o roteiro cinematográfico ainda permanece por muitos sendo considerado mais como um meio para a realização de um produto audiovisual do que um fim, ou seja, uma obra de literatura.
Este projeto foi realizado com recursos do Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal.