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A poesia é uma forma especial de usar palavras para expressar emoções e ideias.
Tivemos que montar uma coleção de poemas para um projeto escolar, o que nos ajudou a aprender mais sobre poesia e a gostar dela. Escolhemos poemas dos quais gostamos muito e com os quais nos identificamos.
Este trabalho foi um pouco difícil de fazer, mas foi uma ótima maneira de mostrar o que aprendemos. Descobrimos que a poesia é mais do que apenas palavras numa página – é uma forma de arte que pode fazer as pessoas sentirem as coisas profundamente.
Esta não é filha do sol com pernas e pés de marinheiros subindo às árvores das herdades. Esta é preciso ouvi-la dias inteiros aquém das grades.
Esta
não chama para os campos doirados onde o canto é livre e aquece, morno. Mas para silêncios hirtos e cerrados com fardas e armas em torno.
Desde o sinal das auroras até à noite que plange amortalhando as horas, seu canto não canta, range...
Ó cigarra das torvas claridades!
Seus cantos só pode cantá-los a boca de pedra e dentes ralos do ferro nas grades.
Luís Veiga Leitão

Escritor português nascido a 27 de maio de 1915, em Moimenta da Beira, e falecido a 9 de outubro de 1987, no Brasil. Depois de ter concluído os estudos liceais, Luís Maria Leitão, que adotou mais tarde o pseudónimo Luís Veiga Leitão, desenvolveu diversas atividades profissionais: foi empregado do comércio, escriturário e delegado na propaganda de informação farmacêutica. Em 1952, sofreu a experiência da prisão política sob o regime salazarista, redigindo mentalmente na cela os poemas que viria a publicar em 1955 num livro com o título Noite de Pedra, apreendido pela censura. Percorreu o país e alguns países da Europa, inaugurando, em 1957, no Collège International de Cannes, um curso de tradução de Português. Partiu para o Brasil em 1967 e aí desempenhou várias funções, entre as quais as de redator, bibliotecário, desenhador, leitor, investigador e autor.
Não te amo, quero-te: o amar vem d’alma.
E eu n’alma - tenho a calma,
A calma - do jazigo.
Ai! não te amo, não.
Não te amo, quero-te: o amor é vida.
E a vida - nem sentida
A trago eu já comigo.
Ai, não te amo, não!
Ai! não te amo, não; e só te quero
De um querer bruto e fero
Que o sangue me devora, Não chega ao coração.
Não te amo. És bela; e eu não te amo, ó bela.
Quem ama a aziaga estrela Que lhe luz na má hora
Da sua perdição?
E quero-te, e não te amo, que é forçado, De mau, feitiço azado
Este indigno furor.
Mas oh! não te amo, não.
E infame sou, porque te quero; e tanto
Que de mim tenho espanto, De ti medo e terror...
Mas amar!... não te amo, não.
Almeida Garrett

João Baptista da Silva Leitão de Almeida Garrett e mais tarde 1º Visconde de Almeida de Garrett, (Porto, 4 de fevereiro de 1799 – Lisboa, 9 de dezembro de 1854) foi um escritor e dramaturgo romântico, orador, par do reino, ministro e secretário de estado honorário português.
Grande impulsionador do teatro em Portugal e uma das maiores figuras do romantismo português, foi ele quem propôs a edificação do Teatro Nacional de D. Maria II e a criação do Conservatório de Arte Dramática.
Alma minha gentil, que te partiste Tão cedo desta vida descontente, Repousa lá no Céu eternamente, E viva eu cá na terra sempre triste.
Se lá no assento Etéreo, onde subiste, Memória desta vida se consente, Não te esqueças daquele amor ardente, Que já nos olhos meus tão puro viste.
E se vires que pode merecer-te
Algũa cousa a dor que me ficou Da mágoa, sem remédio, de perder-te,
Roga a Deus, que teus anos encurtou, Que tão cedo de cá me leve a ver-te, Quão cedo de meus olhos te levou.
Luís Vaz de Camões, in "Sonetos"

Luís Vaz de Camões (1524?-1580) é autor dos Lusíadas, o poema épico sobre as descobertas portuguesas. A importância da sua obra só foi reconhecida após a sua morte. Teve uma vida repleta de dificuldades.
Não existem muitos dados biográficos sobre a vida Luís de Camões, mas a informações que vieram a público quase três décadas depois da sua morte dão como provável o seu nascimento em Lisboa em 1524 ou 1525. Membro de uma aristocracia pouco endinheirada, supõe-se que tenha estudado em Coimbra. Como modo de vida, procura a sorte das armas e suspeita-se que tenha estado em Ceuta onde, num confronto militar com mouros, perdeu um olho.
Quando a ternura parece já do seu ofício fatigada, e o sono, a mais incerta barca, inda demora,
quando azuis irrompem os teus olhos
e procuram nos meus navegação segura,
é que eu te falo das palavras desamparadas e desertas,
pelo silêncio fascinadas.
Eugénio de Andrade

Eugénio de Andrade, pseudónimo de José Fontinhas nasceu na freguesia de Póvoa de Atalaia, no Fundão, no dia 19 de janeiro de 1923. Mudou-se para Lisboa aos dez anos devido à separação dos seus pais.
Frequentou o Liceu Passos Manuel e a Escola Técnica Machado de Castro, tendo escrito os seus primeiros poemas em 1936. Em 1938, aos 15 anos, enviou alguns desses poemas a António Botto que, gostando do que leu, o quis conhecer, encorajando-lhe a veia literária.
Em 1943 mudou-se para Coimbra, onde regressa depois de cumprido o serviço militar convivendo com Miguel Torga e Eduardo Lourenço. Tornouse funcionário público em 1947, exercendo durante 35 anos as funções de Inspetor Administrativo do Ministério da Saúde. Uma transferência de serviço levá-lo-ia a instalar-se no Porto em 1950, numa casa que só deixou mais de quatro décadas depois, quando se mudou para o edifício da extinta Fundação Eugénio de Andrade, na Foz do Douro.
Numa ânsia de ter alguma cousa, Divago por mim mesmo a procurar, Desço-me todo, em vão, sem nada achar, E a minh'alma perdida não repousa.
Nada tendo, decido-me a criar: Brando a espada: sou luz harmoniosa E chama genial que tudo ousa Unicamente à fôrça de sonhar...
Mas a vitória fulva esvai-se logo... E cinzas, cinzas só, em vez do fogo... - Onde existo que não existo em mim?
Um cemitério falso sem ossadas, Noites d'amor sem bôcas esmagadasTudo outro espasmo que princípio ou fim...
Mário de Sá-Carneiro

Mário de Sá-Carneiro nasceu a 19 de maio de 1890, na Rua da Conceição, 92, 3.º andar, na Baixa de Lisboa então na freguesia de São Julião, mais tarde anexada à freguesia de São Nicolau no seio de uma abastada família, sendo filho e neto de militares. O seu pai era Carlos Augusto de Sá-Carneiro, e a sua mãe Águeda Maria de Sousa Peres Marinello, ambos naturais de Lisboa. Órfão de mãe com apenas dois anos (1892), ficou entregue ao cuidado dos avós, indo viver para a Quinta da Vitória, na freguesia de Camarate, às portas de Lisboa, aí passando grande parte da infância Começa a escrever poesia aos 12 anos, sendo que aos 15 já traduzia Victor Hugo e com 16 Goethe e Schiller. No liceu teve ainda algumas experiências episódicas como ator.
Tu estás doente meu amor, porquê?
Falta-te o sol, a luz, o meu sabor?
Ou queres tu, que ainda eu te dê, nos meus braços, mais ânsia, mais calor?
Se és tu o sol, a graça, essa mercê divina que Deus trouxe à minha dor, exige tudo, a minha vida e crê que ta darei com alegria, amor!
Se perdes a alegria, minha vida, perco-me eu a procurar a causa: minha alegria é também perdida!
Beijemo-nos, meu bem, ardentemente... que venha a morte numa doce pausa e que nos leve se não és contente!
Judite Teixeira

Judite dos Reis Ramos Teixeira, Judite Teixeira nasceu em Viseu no dia 25 de janeiro de 1880, e acabou por falecer em Lisboa no dia 17 de maio de 1959.
Judite foi uma escritora e poetisa portuguesa. Publicou três livros de poesia e um livro de contos, entre outros escritos. Em 1925 lançou a revista Europa, de que saíram três números (abril, maio e junho). Exemplares do seu livro Decadência (1923) foram apreendidos, juntamente com os livros de António Botto (Canções) e Raul Leal (Sodoma Divinizada), e mandados queimar pelo Governo Civil de Lisboa na sequência de uma campanha, liderada pela conservadora Liga de Ação dos Estudantes de Lisboa, contra "os artistas decadentes, os poetas de Sodoma, os editores, autores e vendedores de livros imorais".
Conscientemente escrevo e, consciente, medito o meu destino.
No declive do tempo os anos correm, deslizam como a água, até que um dia um possível leitor pega num livro e lê, lê displicentemente, por mero acaso, sem saber porquê. Lê, e sorri.
Sorri da construção do verso que destoa no seu diferente ouvido; sorri dos termos que o poeta usou onde os fungos do tempo deixaram cheiro a mofo; e sorri, quase ri, do íntimo sentido, do latejar antigo daquele corpo imóvel, exhumado da vala do poema.
Na História Natural dos sentimentos tudo se transformou.
O amor tem outras falas, a dor outras arestas, a esperança outros disfarces, a raiva outros esgares. Estendido sobre a página, exposto e descoberto, exemplar curioso de um mundo ultrapassado, é tudo quanto fica, é tudo quanto resta de um ser que entre outros seres vagueou sobre a Terra.
António Gedeão

Nasceu a 24 de novembro de 1906, na Rua do Arco do Limoeiro (atual Rua Augusto Rosa), n.º 7, 4.º andar, freguesia da Sé, em Lisboa, e foi batizado na freguesia da Sé a 14 de julho de 1907, como filho de José Avelino da Gama Carvalho, funcionário público, natural de Tavira (freguesia de Santa Maria), e Rosa das Dores Oliveira, natural de Faro (freguesia da Sé).
Foi professor de físico-química do ensino secundário no Liceu Pedro Nunes, Liceu D. João III (Coimbra) e no Liceu Camões, pedagogo, investigador da história ciência em Portugal, divulgador da ciência e poeta, sob o pseudónimo de António Gedeão.
No plano abandonado
Que a morna brisa aquece, De balas trespassado
Duas, de lado a lado , Jaz morto e arrefece.
Raia-lhe a farda o sangue. De braços estendidos, Alvo, louro, exangue, Fita com olhar langue E cego os céus perdidos.
Tão jovem! que jovem era! (Agora que idade tem?)
Filho único, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera: «O menino da sua mãe».
Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lha a mãe. Está inteira
E boa a cigarreira. Ele é que já não serve.
De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo, A brancura embainhada
De um lenço... Deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.
Lá longe, em casa, há a prece: «Que volte cedo, e bem!»
Fernando Pessoa

Fernando António Nogueira Pessoa nasceu em Lisboa no dia 13 de junho de 1888, e acabou por morrer em Lisboa no dia 30 de novembro de 1935.
Foi um poeta, filósofo, dramaturgo, ensaísta, tradutor, publicitário, astrólogo, inventor, empresário, correspondente comercial, crítico literário e comentarista político português. Fernando Pessoa já foi considerado por especialistas de sua obra como o mais universal poeta português. Por ter sido educado na África do Sul, numa escola católica irlandesa de Durban, chegou a ter maior familiaridade com o idioma inglês do que com o português ao escrever os seus primeiros poemas nesse idioma. O crítico literário Harold Bloom considerou Pessoa como "Whitman renascido" e incluiu-o no seu cânone entre os 26 melhores escritores da civilização ocidental, não apenas da literatura portuguesa mas também da inglesa.
Mãe:
Que desgraça na vida aconteceu, Que ficaste insensível e gelada? Que todo o teu perfil se endureceu Numa linha severa e desenhada?
Como as estátuas, que são gente nossa Cansada de palavras e ternura, Assim tu me pareces no teu leito. Presença cinzelada em pedra dura, Que não tem coração dentro do peito.
Chamo aos gritos por ti não me respondes. Beijo-te as mãos e o rosto sinto frio. Ou és outra, ou me enganas, ou te escondes Por detrás do terror deste vazio.
Mãe:
Abre os olhos ao menos, diz que sim! Diz que me vês ainda, que me queres. Que és a eterna mulher entre as mulheres. Que nem a morte te afastou de mim!
Miguel Torga

Miguel Torga nasceu em São Martinho de Anta, Sabrosa em 12 de agosto de 1907, e acabou por morrer em Santo António dos Olivais, Coimbra no dia 17 de janeiro de 1995, foi um dos mais extraordinários poetas e escritores portugueses do século XX.
Torga destacou-se como poeta, contista e memorialista, mas escreveu também romances, peças de teatro e ensaios Foi laureado com o Prémio Camões de 1989, o mais importante da língua portuguesa
Vaidade, meu amor, tudo vaidade! Ouve: quando eu, um dia, for alguém, Tuas amigas ter-te-ão amizade, (Se isso é amizade) mais do que, hoje, têm.
Vaidade é o luxo, a gloria, a caridade, Tudo vaidade! E, se pensares bem, Verás, perdoa-me esta crueldade, Que é uma vaidade o amor de tua mãe...
Vaidade! Um dia, foi-se-me a Fortuna E eu vi-me só no mar com minha escuna, E ninguém me valeu na tempestade!
Hoje, já voltam com seu ar composto, Mas eu, vê lá! eu volto-lhes o rosto... E isto em mim não será uma vaidade?
António Nobre

António Nobre nasceu na cidade do Porto a 16 de agosto de 1867, numa família abastada que residia na Rua de Santa Catarina, 467-469, na época de seu nascimento. Seu pai era natural de Borba de Godim (Lixa), tendo aí vivido durante sete anos. Passou a infância em Trás-os-Montes, na Póvoa de Varzim, Leça de Palmeira e na Lixa. Em 1888 matriculou-se no curso de Direito da Universidade de Coimbra, mas não se inseriu na vida estudantil coimbrã, reprovando por duas vezes. Optou então por partir, em 1890, para Paris onde frequentou a Escola Livre de Ciências Políticas (École Libre des Sciences Politiques, de Émile Boutmy), licenciando-se em Ciências Políticas no ano de 1895. Durante a sua permanência em França familiarizouse com as novas tendências da poesia do seu tempo, aderindo ao simbolismo. Foi também em Paris que contactou com Eça de Queirós, na altura cônsul de Portugal naquela cidade, e escreveu a maior parte dos poemas que viriam a constituir a coletânea só, que publicaria naquela cidade em 1892.
Tudo na vida está em esquecer o dia que passa. Não importa que hoje seja qualquer coisa triste, um cedro, areias, raízes, ou asa de anjo caída num paul.
O navio que passou além da barra já não lembra a barra.
Tu o olhas nas estranhas águas que ele há de sulcar e nas estranhas gentes que o esperam em estranhos portos.
Hoje corre-te um rio dos olhos e dos olhos arrancas limos e morcegos.
Ah, mas a tua vitória está em saber que não é hoje o fim e que há certezas, firmes e belas, que nem os olhos vesgos podem negar.
Hoje é o dia de amanhã.
Fernando Namora

Fernando Gonçalves Namora nasceu em Condeixa-a-Nova em 15 de abril de 1919 e faleceu em Lisboa, 31 de janeiro de 1989.
Licenciado em Medicina (1942) pela Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, pertenceu à geração de 40, grupo literário que reuniu personalidades marcantes como Carlos de Oliveira, Mário Dionísio, Joaquim Namorado ou João José Cochofel, moldando-o, certamente, como homem, à semelhança do exercício da profissão médica, primeiro na sua terra natal depois nas regiões da Beira Baixa e Alentejo, em locais como Tinalhas, Monsanto e Pavia, até que, em 1951, acabaria por se instalar em Lisboaonde, curiosamente, muito jovem tinha estudado no Liceu Camões -, como médico-assistente do Instituto Português de Oncologia.
O seu volume de estreia foi Relevos (1937), livro de poesia, porventura sob a influência de Afonso Duarte e do grupo da Presença. Mas já publicara em conjunto com Carlos de Oliveira e Artur Varela, um pequeno livro de contos Cabeças de Barro.
Queria, queria
Ter a singeleza
Das vidas sem alma
E a lúcida calma
Da matéria presa.
Queria, queria
Ser igual ao peixe
Que livre nas águas
Se mexe;
Ser igual em som,
Ser igual em graça
Ao pássaro leve,
Que esvoaça...
Tudo isso eu queria! (Ser fraco é ser forte).
Queria viver
E depois morrer
Sem nunca aprender
A gostar da morte.
Pedro Homem de Mello

Pedro Homem de Melo (1904-1984) foi um poeta e folclorista português, pertencente à fidalguia de província, que trabalhou a maior parte da sua vida como professor do ensino técnico e comercial no Porto. Entre 1934 e 1983 publicou 29 livros de poesia (incluindo duas antologias) e três obras sobre danças e cantares populares (principalmente do Noroeste de Portugal). Alguns dos seus poemas foram adaptados para fados cantados por Amália Rodrigues. Este facto, somado aos programas televisivos que conduziu entre finais dos anos 60 e inícios da década de 1970, fez com que o seu nome se tornasse bem conhecido em Portugal até à atualidade
Cobertos de folhagem, na verdura, O teu braço ao redor do meu pescoço, O teu fato sem ter um só destroço, O meu braço apertando-te a cintura;
Num mimoso jardim, ó pomba mansa, Sobre um banco de mármore assentados. Na sombra dos arbustos, que abraçados, Beijarão meigamente a tua trança.
Nós havemos de estar ambos unidos, Sem gozos sensuais, sem más idéias, Esquecendo para sempre as nossas ceias, E a loucura dos vinhos atrevidos.
Nós teremos então sobre os joelhos Um livro que nos diga muitas cousas Dos mistérios que estão para além das lousas, Onde havemos de entrar antes de velhos.
Outras vezes buscando distração, Leremos bons romances galhofeiros, Gozaremos assim dias inteiro, Formando unicamente um coração.
Beatos ou pagãos, vida à paxá, Nós leremos, aceita este meu voto, O Flos-Sanctorum místico e devoto E o laxo Cavaleiro de Faublas...
Cesário Verde

José Joaquim Cesário Verde nasceu em plena Baixa Lisboeta, a 25 de fevereiro de 1855, dia litúrgico de São Cesário, sendo óbvia a responsabilidade do Santo no nome do menino. Os seus pais, José Anastácio Verde e Maria da Piedade dos Santos, eram um casal abastado, ligado ao comércio retalhista de ferragens. O casal tinha loja aberta na Rua dos Fanqueiros. O ulterior «poeta negociante» era o primeiro filho varão do casal e descendia, pela via paterna de João Maria Verde, um imigrante genovês.
Pelos decretos do chamado destino, o menino José Joaquim fora talhado, de acordo com a tradição e os contextos familiares, para se dedicar ao comércio na loja paterna, o que, a seu tempo, pontualmente, viria a acontecer. A família Verde veria arredondada a sua fortuna pela herança da quinta de Linda-a-Pastora, que pertencera ao tio de José Anastácio, o abastado João Batista Verde, cujo retrato pintado por Domingos Sequeira se conhece. Assim, a Cesário Verde se lhe abriram os caminhos do comércio das ferragens e da exploração agrícola da quinta familiar. E nesse sentido foram orientados os projetos familiares e, naturalmente, a educação do pequeno Cesário.
Trabalho o poema sobre uma hipótese: o amor que se despeja no copo da vida, até meio, como se o pudéssemos beber de um trago. No fundo, como o vinho turvo, deixa um gosto amargo na boca. Pergunto onde está a transparência do vidro, a pureza do líquido inicial, a energia de quem procura esvaziar a garrafa; e a resposta são estes cacos, que nos cortam as mãos, a mesa da alma suja de restos, palavras espalhadas num cansaço de sentidos. Volto, então, à primeira hipótese. O amor. Mas sem o gastar de uma vez, esperando que o tempo encha o copo até cima, para que o possa erguer à luz do teu corpo e veja, através dele, o teu rosto inteiro.
Nuno Júdice

Nuno Júdice nasceu em 1949, em Mexilhoeira Grande (Algarve).
Formou-se em Filologia Românica pela Faculdade de Letras de Lisboa. É Professor Associado da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas onde foi docente de 1977 a 2015 e onde se doutorou em 1989 em Literaturas Românicas Comparadas com uma tese sobre o espaço (Vega,1991).
Entre outras atividades no plano cultural, participou na inauguração do Pavilhão de Portugal na Exposição Universal de Sevilha em 1992, tendo sido autor do catálogo Portugal: Língua e Cultura, e foi comissário para a participação portuguesa na Feira da Literatura de Frankfurt em 1997.
Exerceu as funções de Conselheiro Cultural da Embaixada de Portugal e Diretor do Instituto Camões, em Paris, de fim de 1997 até início de 2004
Amo o teu túmido candor de astro a tua pura integridade delicada a tua permanente adolescência de segredo a tua fragilidade acesa sempre altiva
Por ti eu sou a leve segurança de um peito que pulsa e canta a sua chama que se levanta e inclina ao teu hálito de pássaro ou à chuva das tuas pétalas de prata
Se guardo algum tesouro não o prendo porque quero oferecer-te a paz de um sonho aberto que dure e flua nas tuas veias lentas e seja um perfume ou um beijo um suspiro solar
Ofereço-te esta frágil flor esta pedra de chuva para que sintas a verde frescura de um pomar de brancas cortesias porque é por ti que vivo é por ti que nasço porque amo o ouro vivo do teu rosto
António Ramos Rosa

Poeta e crítico português, António Vítor Ramos Rosa nasceu a 17 de outubro de 1924, em Faro, e morreu em Lisboa a 23 de setembro de 2013. Foi militante do Movimento de União Democrática (MUD) e conheceu a prisão política. Trabalhou como empregado de escritório, tradutor e professor. Desenvolvendo uma importante atividade nos domínios da teorização e da criação poética, o nome de António Ramos Rosa surge ligado a publicações literárias dos anos 50, como Árvore, Cassiopeia ou Cadernos do Meio-Dia, que primaram não só por uma postura de isenção relativamente aos diversos feixes estéticos que atravessam a década de 50 (legado surrealista; evolução da poesia neorrealista, entre outros), como por um critério de respeito pela qualidade estética dos trabalhos literários publicados.
Nada a fazer amor, eu sou do bando Impermanente das aves friorentas; E nos galhos dos anos desbotando Já as folhas me ofuscam macilentas;
E vou com as andorinhas. Até quando?
À vida breve não perguntes: cruentas
Rugas me humilham. Não mais em estilo brando
Ave estroina serei em mãos sedentas.
Pensa-me eterna que o eterno gera
Quem na amada o conjura. Além, mais alto, Em ileso beiral, aí espera:
Andorinha indemne ao sobressalto
Do tempo, núncia de perene primavera. Confia. Eu sou romântica. Não falto.
Natália Correia

Natália Correia nasceu na Fajã de Baixo, São Miguel, Açores, a 13 de setembro de 1923. Poetisa, ficcionista, contista, dramaturga, ensaísta, editora, jornalista, cooperativista, deputada à Assembleia da República (primeiro pelo PSD, depois como independente pelo PRD), foi uma das vozes mais proeminentes da literatura e da cultura portuguesas na segunda metade do século XX, tendo resistido energicamente ao Estado Novo e aos radicalismos do pós-25 de Abril. Ecuménica e eclética, filantropa e idealista, anteviu um novo tempo, que garantisse a paz, a dignidade humana, a justiça social e o direito à diferença como raízes indeléveis da democracia. Morreu em Lisboa, a 16 de março de 1993.
Foi para ti que desfolhei a chuva para ti soltei o perfume da terra toquei no nada e para ti foi tudo
Para ti criei todas as palavras e todas me faltaram no minuto em que talhei o sabor do sempre
Para ti dei voz às minhas mãos abri os gomos do tempo assaltei o mundo e pensei que tudo estava em nós nesse doce engano de tudo sermos donos sem nada termos simplesmente porque era de noite e não dormíamos eu descia em teu peito para me procurar e antes que a escuridão nos cingisse a cintura ficávamos nos olhos vivendo de um só amando de uma só vida
Mia Couto

Mia Couto (Antônio Emílio Leite Couto) é um escritor moçambicano, nascido em 5 de julho de 1955, na cidade de Beira. Trabalhou como jornalista durante quase 10 anos, porém ingressou na Faculdade de Biologia e, posteriormente, tornou-se professor universitário, profissão que concilia com a sua carreira de escritor. Assim, em 1983, publicou seu primeiro livro de poesias Raiz de orvalho.
Já seu primeiro romance — Terra sonâmbula — foi publicado, em 1992, com grande sucesso de público e crítica. Ganhador do Prêmio Camões em 2013, Mia Couto é um autor da literatura contemporânea, e suas obras são caracterizadas, principalmente, pelo resgate da tradição cultural moçambicana por meio de uma linguagem marcada por neologismos.
É bom envelhecer!
Sentir cair o tempo, magro fio de areia, numa ampulheta inexistente!
Passam casais jovens abraçados!...
As árvores balançam novos ramos!...
E o fio de areia a cair, a cair, a cair...
Saúl Dias

Poeta e artista plástico português, de nome verdadeiro Júlio Maria dos Reis Pereira, nascido a 1 de novembro de 1902, em Vila do Conde, e falecido a 17 de janeiro de 1983, na mesma cidade. Formou-se em Engenharia Civil pela Faculdade de Engenharia do Porto. Conviveu, por intermédio do seu irmão, José Régio, com alguns dos nomes que integraram a geração
da Presença.
Conhecido sobretudo como artista plástico, sob o nome de Júlio, os seus quadros foram expostos em inúmeras exposições individuais e coletivas, editou dois álbuns de desenhos (Música, Domingo), ilustrou as suas obras poéticas e as de outros poetas presencistas.
Mal nos conhecemos
Inaugurámos a palavra «amigo».
«Amigo» é um sorriso De boca em boca, Um olhar bem limpo, Uma casa, mesmo modesta, que se oferece, Um coração pronto a pulsar Na nossa mão!
«Amigo» (recordam-se, vocês aí, Escrupulosos detritos?)
«Amigo» é o contrário de inimigo!
«Amigo» é o erro corrigido, Não o erro perseguido, explorado, É a verdade partilhada, praticada.
«Amigo» é a solidão derrotada!
«Amigo» é uma grande tarefa, Um trabalho sem fim, Um espaço útil, um tempo fértil, «Amigo» vai ser, é já uma grande festa!
Alexandre O'Neill

Poeta português, Alexandre Manuel Vahia de Castro O'Neill de Bulhões nasceu a 19 de dezembro de 1924, em Lisboa, e morreu a 21 de agosto de 1986, na mesma cidade. Para além de se ter dedicado à poesia, Alexandre O'Neill exerceu a atividade profissional de técnico publicitário, forjando alguns dos mais conhecidos slogans portugueses. Um dos fundadores do Grupo Surrealista de Lisboa, desvinculou-se do grupo a partir de Tempo de Fantasmas (1951), embora a sua passagem pelo grupo marque indelevelmente a sua postura estética, conservando algumas características do movimento na sua poesia, por exemplo, o tom mordaz e em certo sentido absurdista na maneira de analisar o mundo. Um amante do jazz, do cinema e do teatro modernos, O’Neill fez ainda várias traduções, escreveu guiões para cinema e manteve algumas colunas de jornal durante vários anos. Da sua obra destacam-se as obras No Reino da Dinamarca (1958), Feira Cabisbaixa (1965) ou a reunião de contos e crónicas em Uma Coisa em Forma de Assim (1980).
Se te disserem que um gorila salvou a tua irmã
E que não é bonito pensares a todo o momento
Na caixa de correio vazia
Pensa bem, mano, na fórmula que adotaste
Para uma sociedade sem classes
Onde não adianta patinar na relva como os ursos.
Só eles possuem o dom do peso
Aliado à levitação,
Mas a um qualquer é permitido rir
E falar alto como se acordasse em forma.
Fora do ora bolas em que foste criado
Há muita coisa à espera de ser vista
Pela primeira vez
Se guardião-centauro de crespas unhas
Pronto ao disparo da saliva
Em vez de balas.
Não te rias de quem sofre à beira de água
Porque deles é também o reino da luta.
Na feira onde o loureiro medra ao quilómetro dezassete
E se afoga a virtude em cântaros de água
Não há lugar para a débil panaceia de risos.
As árvores crescem e tu com todas
Fora do pedúnculo
Junto à terra
Zeca Afonso

José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos – José Afonso, ou o Zeca Afonso para a família, para os amigos, e para muitos – nasce a 2 de agosto 1929 em Aveiro, Portugal.
A infância e adolescência, marcada pelas separações familiares sempre que o pai, Juiz, iniciava funções noutra colónia Portuguesa, é repartida por Portugal, Angola e Moçambique. Faz o liceu e a Universidade em Coimbra onde, a partir de 1940, integra diversos grupos de cantores estudantes acompanhados à guitarra portuguesa – o fado de Coimbra – que, deambulando pelas ruas da cidade, oferecem serenatas em frente à janela das raparigas homenageadas. Integra como cantor várias digressões da Tuna e Orfeão Académicos a Angola e Moçambique, onde impressiona pelo timbre notável e pela sua interpretação muito própria do fado clássico.
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https://pt.wikipedia.org/wiki/Wikip%C3%A9dia:P%C3%A1gina_principal
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