REVISTA CONCEITOS - 15ª EDIÇÃO

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O que Marx está dizendo é que o capital emprestado realiza um duplo retorno: no processo de reprodução volta ao capitalista direto (ativo) e em seguida repassa-se ao capitalista financeiro (o prestamista) Chesnais (2005) baseia-se em Marx para argumentar que o dinheiro entesourado adquire a propriedade milagrosa de se auto-reproduzir. Nas palavras do próprio Marx: “Desde que ele é emprestado ou investido em uma empresa, desde que ele produza uma renda distinta do lucro da empresa, o juro impulsiona [o dinheiro] o seu proprietário, quer dormindo ou em vigília, seja em sua casa ou em viagem, de dia

como de noite. O voto piedoso do entesourador se encontra realizado no capital portador de juros. [Suas ‘economias’, sua ‘poupança’ adquiriram] a propriedade de criar valor, de proporcionar juros (ou de angariar dividendos e mais-valias bursáteis) tão naturalmente como pereira dá pêras” (MARX, O Capital, livro 3 cap. XXIV, apud CHESNAIS, 2005: 50).

O essencial do que foi discutido até aqui é que a origem do capital é sempre o processo de produção capitalista, o que chama a atenção no caso do capital produtor de juros é sua capacidade de se reproduzir fora da produção real e tão “naturalmente” quanto - para usar um exemplo agronômico mais tropical -, a bananeira dá bananas.

François Chesnais e o capital portador de juros De acordo com Chesnais (2005), do ponto de vista do funcionamento, o capitalismo continua operando principalmente a partir das sociedades transnacionais - verdadeiros estados em termos de poder efetivo -, que possuem o encargo de organizar a produção das mercadorias, captar o valor e organizar a dominação econômica, social e política do capital sobre o trabalho. Contudo, são as instituições financeiras as responsáveis por “fazer dinheiro” sem sair da esfera financeira. É nesse sentido que se pode falar de um novo padrão de acumulação financeira, que, segundo Chesnais (2005), deve ser entendida como a centralização em instituições especializadas de lucros industriais não reinvestidos e de rendas não consumidas, que têm por encargo valorizá-las sob a forma de aplicação em ativos financeiros - divisas, obrigações e ações -, mantendo-se fora da produção de bens e serviços. Esse processo recente de ascensão dos mercados financeiros não deve ser compreendido como um automovimento, mas como resultado de políticas dos Estados Nacionais mais poderosos que decidiram liberar o movimento dos capitais e desregulamentar e desbloquear seus sistemas financeiros. Apesar de os Estados Unidos terem a primazia de ter iniciado o processo de centralização financeira dos anos cinqüenta, é no Reino Unido que o processo ganha força através do “mercado de eurodólares”. Os choques do petróleo nos anos setenta deram continuidade ao processo através dos petrodólares. Segundo Chesnais (2005), a reciclagem dos petrodólares tomou a forma de empréstimos e de CONCEITOS

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Março de 2009

abertura de linhas de crédito dos bancos internacionais aos governos do Terceiro Mundo, principalmente da América Latina, criando-se, assim, um mecanismo perverso de transferência de recursos que se reproduziu no tempo. Chesnais (2005) levanta três dimensões do poderoso processo de crescimento das finanças: (a) a primeira diz respeito ao movimento de autonomia relativa da esfera financeira em relação à produção, mas, sobretudo frente às autoridades monetárias nacionais; (b) a segunda relaciona-se ao caráter fetiche, mistificador, dos “valores” criados pelos mercados financeiros; (c) a terceira remete ao fato de que são os operadores que delimitam os contornos da mundialização financeira e decidem quais os agentes econômicos, pertencentes a quais países e em quais tipos de transações, participarão. É possível distinguir, segundo Chesnais (2005), três elementos constitutivos na implementação da mundialização financeira: (a) a desregulamentação ou liberalização monetária e financeira; (b) a descompartimentalização dos mercados financeiros nacionais; (c) a desintermediação, ou seja, a abertura das operações de empréstimos a todo tipo de investidor institucional. Quanto ao regime de propriedade atual do capital, trata-se, segundo Chesnais (2005), da propriedade 103


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