Entrevista c/ oelefante na revista Tribo Skate

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áudio // hc WANDER WILLIAN

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oelefante: BRUTO, SUJO E PESADO INTEGRANTES DO DEAD FISH EM SUA FASE CLÁSSICA, MÚSICOS RETOMAM PARCERIA CRIATIVA NUM PROJETO QUE CONDENSA INFLUÊNCIAS TÃO DIVERSAS COMO BLACK FLAG E HELMET. O PRIMEIRO ÁLBUM VEM AÍ! POR EDUARDO RIBEIRO

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elefante, cujo nome é escrito assim mesmo, tudo junto e em caixa baixa, é um trio formado pelos mesmos músicos que nas antigas constituíram o motor criativo do Dead Fish. Atualmente, só o vocalista Rodrigo Lima continua no DF. Já os irmãos Marcelo (guitarra/bateria) e Gustavo Buteri (baixo) deixaram o grupo em sua fase de ascensão. O Gustavo fundou o Dead Fish junto com o Rodrigo e os demais ex-integrantes em 1991, e ficou na formação até 1996, quando a banda entrou em hiato. O Marcelo voltou com a banda em 1997 e, entre idas e vindas, integrou o conjunto até 2003. Já faz um tempo que os três camaradas vêm arquitetando algum projeto musical pautado por uma estética mais experimental, pesada e aberta do que aquilo que fizeram juntos no Dead Fish. Antes d’oelefante tomar forma, rascunhou-se até umas investidas entre o dub e o industrial, que não vingaram, mas que datam de 2006. Há pouco mais de um ano, em março de 2014, eles finalmente lançaram um EP de estreia do projeto, contendo as faixas “Adaptado”, “Picolé” e “Ode ao Ódio”. O resultado é uma sonoridade massuda e melodiosa, desencavando referências que vão do pós-hardcore ao stoner metal. Pense numa mistura bem acabada de Black Flag, Bad Brains, Quicksand, Snapcase, Queens Of The Stone Age e Helmet. É mais ou menos essa a vibe. Como o Marcelo e o Gustavo moram em Vitória (ES) e o Rodrigo, em São Paulo, capital, o processo de composição e produção das faixas segue um esquema meio quebra-cabeças. Bases, ritmos e vocais daquilo que pode virar música são trocados por arquivos, via internet. E, assim, o repertório vai sendo lapidado. No momento, eles estão trabalhando nos rascunhos que darão forma ao primeiro álbum da banda. A ideia é finalizar pelo menos dez sons antes de fechar o projeto. Nessa onda, troquei uma ideia com os caras para saber mais detalhes acerca da proposta e o futuro dessa empreitada. Chega mais: Um ano depois do lançamento do EP de estreia do oelefante, a minha pergunta é: o que vocês vêm fazendo de lá pra cá? Marcelo Buteri: Então, depois que lançamos o EP, caímos em cima da divulgação na internet, tentando fazer com que o máximo de pessoas conhecesse o nosso som. Show ainda não rolou por conta da agenda de geral da banda. Ainda não estamos totalmente estruturados e o Dead Fish andava até há pouco em processo de composição e gravação do novo disco. Mas muita gente conheceu a banda e gostou. Isso já foi bastante proveitoso, ver uma galera curtindo de verdade o som. Rodrigo Lima: As pessoas envolvidas estão vivendo suas vidas cotidianas, e fechar uma agenda de trampo da banda é bastante complicado.

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O Gustavo acabou de ser pai e tem um bar novo pra administrar, além do seu trabalho regular. Eu estou no meio da turnê do Vitória, do Dead Fish, e ela está dando muito certo, estamos praticamente todos os fins de semana na estrada. Eu tenho recebido os arquivos em casa e trabalhado algumas letras, mas precisamos nos encontrar pra fechar pelo menos uma dezena de sons. Enfim, acho que a velocidade desse processo pode aumentar de dezembro desse ano pra frente, mas não é uma garantia. oelefante atualmente toma o tempo de vocês na mesma proporção que o Dead Fish tomava? Ou, ainda toma, no caso do Rodrigo? Rola um processo diferente, mais laborioso? Rodrigo: Definitivamente não é esse o objetivo. Entrei nesse projeto pra estar com os velhos amigos, de volta ao Espírito Santo e produzindo no tempo deles. O mais legal de se fazer parte de uma banda é estar com os amigos e produzir. Tem sido divertido trabalhar de novo com os caras. São meus amigos de infância. Foi como retomar um contato íntimo que estava perdido em algum lugar entre 2002 e 2013. É muito bom ver o quanto a gente mudou, mas ainda temos aquela coisa de olhar pro outro e saber o que queremos musicalmente. Isso é uma coisa muito rara dentro de uma banda nos tempos de hoje. Marcelo: O oelefante é bem tranquilo. Não tem como colocar a banda num ritmo acelerado. Primeiro, porque o Rodrigo mora em São Paulo e eu e meu irmão moramos em Vitória. Segundo, que ainda não temos um guitarrista (ou um baterista, caso eu resolva tocar guitarra), então é bem na onda, com um objetivo mais elaborado, fazendo as músicas em casa, mandando um para o outro por e-mail, compondo para podermos fazer um disco com pelo menos dez músicas e, aí sim, ter uma banda completa, fazer alguns shows e divulgar mais a banda. Mas o objetivo desde o começo sempre foi mais lento. Já sabíamos disso por conta de todos os nossos outros afazeres. As músicas nas quais vocês vêm trabalhando desde o EP de estreia seguem a mesma linha ou estão ficando diferentes? Marcelo: As novas composições estão saindo mais pesadas. Na real, bem mais pesadas e mais lentas. Estamos tentando novas afinações. Tudo o que estou compondo anda saindo mais pesado e arrastado, mais denso e tenso. Mas acho que só poderemos ter uma visão real da estética quando fecharmos as dez músicas pra valer. Por agora só temos alguns esqueletos, alguns rascunhos e poucas músicas prontas mesmo. Rodrigo: É nossa intenção algo mais lento e denso. Letras mais obscuras e um clima mais pesado mesmo. As coisas que tenho recebido em casa têm me surpreendido positivamente nesse sentido. Tem sido até

complicado me acostumar a cantar um pouco mais lentamente e com notas mais graves. Está sendo uma baita nova experiência. Bruto, sujo e pesado. Assim pode ser descrito o som da banda? Ou preferem enfatizar que oelefante conta com influências mais refinadas, tipo coisas do pós-hardcore e do stoner? Marcelo: Talvez exista um pouco de sujeira proposital [risos]. Bruto, sim. Fazer a banda ser bruta sempre foi a intenção, até mesmo para evitar comparações com qualquer outra banda na qual tocamos e da qual já fizemos parte. As influências são essas mesmo, de bandas da fase pós-hardcore. Tem um pouco de stoner também, mas falando por mim, eu tiro mais influências de bandas da década de 90. “Adaptado”, por exemplo, vem de quando eu estava ouvindo muito o My War, do Black Flag, e conversando com o Rodrigo. Quando ele escreveu a letra de “Adaptado”, coincidentemente também estava ouvindo o My War. Então, sei que não tem nada a ver, mas quando compus os primeiros acordes, foi depois de ter escutado bastante a esse disco. Muita gente compara essa música com o Queens Of The Stone Age, por exemplo, o que eu acho do caralho também. Ouço muito dub, música instrumental. Adoro o Dub Trio, uma banda de Nova York que mistura dub com rock bem pesado, e tenho escutado muito o Macaco Bong, que é uma puta banda daqui do Brasil que faz um som instrumental incrível. Queria essa banda com o oelefante. Gustavo Buteri: Meu irmão já disse tudo. Quanto a comparar nosso som ao QOTSA, acho uma boa, sou muito fã dos caras! Rodrigo: Concordo com o Marcelo, o caminho é ficar mais feio, sim, mas, acho que não nessas músicas que temos. É engraçado como o My War, do Black Flag, entrou nessa. Sou um grande fã desse álbum. E esses dias vi o documentário NOLA, os caras de New Orleans e suas bandas. Eles citam muito o My War do Black Flag no documentário e eu nunca imaginei que bandas como aquelas de New Orleans tivessem esse tipo de influência, foi realmente surpreendente, apesar de que, agora, ficou bem nítido. A minha intenção como vocalista nesse projeto é usar mais notas baixas e letras mais subjetivas, algo entre um Danzig bem mal cantado [risos] e Killing Joke, talvez isso... Não tenho referências de stoner, mas já ouvi algumas coisas que podem ter influenciado de alguma forma, vai saber. Como tem rolado os ensaios e o processo de composição/gravação das músicas novas d’oelefante? Vocês têm feito tudo na independência, gravando em casa, no laptop? Marcelo: Então, vou te contar um segredo... nós nunca ensaiamos [risos]. O processo de composição normalmente é feito aqui na minha casa. Gravo algo no computador, monto as trilhas, e mando pros caras por e-mail. Aí meu irmão escreve uma letra, Rodrigo escreve outras, e quando rola, ele consegue encaixar um vocal e aí a gente vai montando. Acredito que se já tivéssemos um guitarrista ou um batera que se adequasse à banda, sairia mais fácil, pois poderíamos ensaiar aqui em Vitória nós três, gravar algo com ideias melhores e mandar para o Rodrigo encaixar melodia e letra em São Paulo. Eu acho que, hoje em dia, é possível tirar um bom resultado em um home studio tanto quanto em um estúdio profissional, se você tiver o conhecimento e, principalmente, o sangue para a coisa. Já vi muito disco de banda grande em estúdio profissional sair uma porcaria na mão de produtor que não tem realmente as manhas, e já vi banda que está começando produzir seu próprio trabalho em casa, e tirando um puta som, tudo na raça. Acho válidos os dois lados, contanto que exista o comprometimento e o conhecimento para o trampo. Rodrigo: Eu só gostaria de fazer alguns ensaios e fechar um set [risos]. O resto eu deixo na mão dos caras. Para mim tanto faz um estúdio ou o quarto da casa do Marcelo ou do Gustavo. E sobre shows, turnês, essas coisas? Algum plano de agenda pela frente que já possam adiantar para os leitores? Marcelo: Shows, assim que tivermos o disco com as dez músicas e a banda estruturada, com certeza vai rolar. Turnê, sem chances. Existe muita coisa que ocupa demais todos nós, e turnê realmente seria uma parada fora de cogitação. Rodrigo: O que mais quero agora é fazer algo ao vivo do oelefante, estou muito curioso pra ver como ficará ao vivo. Estrada, nem pensar, no máximo lançar o álbum em algumas cidades e é isso. Só de pensar em tour já fico gelado de medo. Qual é a mensagem nas letras da banda? Gustavo: Bom, a letra que escrevi, “Ode ao Ódio”, fala sobre tantos sentimentos ruins praticados por nós, seres humanos, em uma só vida. É quase um pedido de socorro para que sejamos menos escrotos. Rodrigo: “Adaptado” é sobre estar voluntariamente preso a um sistema

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humano e ocidental de trabalho e de vida e o vazio que todo mundo sente vivendo dessa forma. Às vezes eu escuto o Dead Fish das antigas e penso que ali tem um espírito de urgência muito juvenil. Já oelefante, sugere uma sonoridade mais madura, mesmo. Isso foi arquitetado por vocês na hora de montar a banda? Como veem essa polaridade? Rodrigo: A intenção é fazermos algo sinceramente diferente do que já tínhamos feito durante nossa adolescência e começo da vida adulta. Lembro do Marcelo me desafiando a ser menos óbvio com os sons que ele mandava. É um baita exercício de evoluir e de preservar uma conexão musical ao mesmo tempo. Marcelo: Acho que pelo fato de já estarmos mais velhos, de termos crescido juntos e, principalmente, de definir com antecedência o tipo de som que queríamos para a banda, o processo foi bastante natural mesmo. Para você ter uma ideia, oelefante começou mesmo em 2006, comigo e o Rodrigo tentando fazer algo puxado para um eletrônico Nine Inch Nails, Ministry, Filter. Fizemos até algumas músicas, mas não conseguimos colocar para frente. Mesmo assim, ainda tenho essas músicas gravadas (no caso, gravamos no meu computador, na minha casa) e guardadas. A necessidade sempre foi de fazer algo diferente do que já tínhamos feito no passado, até mesmo com o intuito de experimentar. Já que estamos numa revista de skate, qual a relação de vocês com a cultura do skate, ontem e hoje? E da prática do skate com o hardcore e o metal? Marcelo: Nossa, a relação é total. Se não fosse o skate acredito que todos nós aqui não estaríamos em uma banda, sempre tocando desde muito novos. O Dead Fish foi criado a partir de um grupo de skatistas. Amamos o esporte. Eu não ando de skate tem bastante tempo. Quando ando, saio com o meu longboard, dando rolê no calçadão mesmo, aqui na praia, ouvindo um som, bem relax. O meu esporte, desde os 18 anos, é o jiu-jitsu, que eu amo de paixão. E o skate, com toda certeza, anda lado a lado com o punk, o hardcore e o metal. Assim como o surf também, na maioria das vezes. Rodrigo: Existe um parentesco tenso ali no meio, né? O skate não é como o hardcore, é mais aberto, e foi ali que eu ouvi quase todos os estilos de música que me acompanham até hoje, de metal a EBM. Trazemos esse ecletismo do skate-punk dos anos 80 e 90. Eu ainda dou umas voltas, quero voltar mais forte esse ano, mas nunca parei. Em São Paulo, já morei em lugares onde o skate estava na porta de casa, então pra mim é algo como comer e ler. Gustavo: Adoro skate, já andei bastante. Nossa formação musical originou-se em torno das sessions de skate, e eu levo isso pra minha vida. Sempre que possível tento fazer alguma analogia do skate com as minhas bandas. Infelizmente, hoje não ando mais como há 20 anos, mas ainda tenho meu longboard, para sempre que bater aquela vontade. O Espírito Santo é conhecido no cenário nacional pelo seu hard­ core tosco moleque. oelefante chegou para quebrar com este paradigma? Marcelo: [risos] Cara, nem sei o que te responder. Isso é novidade para mim, esse rótulo “hardcore tosco moleque” [risos]. Cara, não... oelefante veio para fazer algo bacana de tocar, algo que a gente curta estar fazendo e que as pessoas curtam ouvir. Gustavo: Pois, é. Sem preocupação com paradigmas. Acho que oelefante resulta da bagagem musical de três caras distintos, amigos e cheios de particularidades, que quando sentam pra fazer música e escrever letra, dá nisso aí! Rodrigo: Eu acredito que esse rótulo seja legal até certo ponto, mas tem muita banda fazendo coisas menos toscas e molecas por lá. A minha intenção é estar perto dos caras com quem cresci junto e fazer algo que possamos ficar satisfeitos. Até agora é só isso. Tem alguma produtora ou gravadora com quem a banda fez ou fará parceria para projetos futuros? Ou a ideia é apostar na independência, crowdfunding, essas paradas? Marcelo: Não, cara. Não tem. Eu até tenho algumas, umas duas, na real, na cabeça, para as quais gostaria de oferecer a banda assim que o disco ficar pronto. Mas por enquanto é na independência mesmo. Gustavo: É isso aí. Por enquanto é na independência. A gente curte muito essa parada de do it yourself, mas sem nunca deixar de ouvir propostas, caso pintem. Rodrigo: Vamos seguir produzindo, quero pensar em gravadoras e propostas quando tivermos algo bom e resolvido na mão. oelefanteoficial.com

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