Gênero musical se entrelaça com a identidade local, enfrenta preconceitos e evolui com as novas gerações
Turismo na batida do reggae
O turismo no Maranhão se destaca com o reggae como um dos principais atrativos culturais de São Luís
MUSEUde RESPONSA
Guardião do reggae em São Luís preserva a alma do ritmo e do movimento no Brasil
Revista do curso de Jornalismo da Universidade Ceuma V. 01, n. 01, ago./nov. 2024
Foto: Albertiny Rodrigues
Publicação
elaborada pelos alunos dos 3º e 4º períodos do curso de Jornalismo da Universidade Ceuma, sob a Coordenação Editorial da Profa. Dra. Selma Cavaignac, responsável pelas disciplinas de Jornalismo de Revista e Jornalismo Investigativo. Contou também com as colaborações do Prof. Me. Alexandre Gouveia, da disciplina de Jornalismo Opinativo, e do Prof. Dr. Romulo Gomes, da disciplina de Jornalismo e Marketing Digital. Esta revista é o produto final do Projeto Interdisciplinar III, coordenado pelo Prof. Me. Miguel Abdalla.
A Revista Yebá é uma publicação semestral do curso de Jornalismo da Universidade Ceuma. Rua dos Castanheiros, nº 01, Jardim Renascença IICep: 65075-120 - São Luís/MA. www.ceuma.br
Equipe 1
Ian Ferreira: Editor-chefe
Thaís Emanuelle: Redatora
Fabiana Cristina: Redatora
Yohanna Massett: Redatora
Jéssica Gabrielle: Produtora
Arthur Ribeiro Vale: Produtor
Equipe 2
André Ferreira: Editor-chefe e Redator
Christyan França: Repórter e Redator
Iasmin Rafaelly: Fotógrafa
Kayo Matos: Redator
Thalisson Kaiqui: Redator
Ysabelle Ribeiro: Redatora
Equipe 3
David Bryan: Editor-chefe, Redator e Fotógrafo
Ana Carolina Nunes: Redatora e Repórter
Geyce Costa: Redatora e Repórter
Joyce Menezes: Redatora e Fotógrafa
Rafaella Fernandes: Redatora e Repórter
Equipe 4
Marlan Levi: Editor-chefe; Redator e Produtor
Yuri Nepomuceno: Redator e Produtor
Cauã de Sousa: Produtor
Ellen Cidreira: Fotógrafa
Ellen Sophia: Fotógrafa
Equipe 5
João Fernando: Editor-chefe, Redator, Fotógrafo e Repórter
Andreza Soares: Repórter, Redatora e Fotógrafa
Joyce Araújo: Fotógrafa/ Repórter
Pollyanna Lopes: Repórter
Murilo Cesar: Repórter
Equipe 6
Yuri Almeida: Editor-chefe e Redator
Yasmin Santos: Fotógrafa
Ana Clara D'Eça: Fotógrafa e Redatora
Juberlane Reis: Redatora
Juliana Maria: Produtora
Equipe 7
Ana Beatriz: Editora-chefe e Redatora
Gustavo Henrique: Fotógrafo
Jessyka Melo: Redatora
Ana Rodrigues: Fotógrafa
Rafael Goes: Produtor
UMA NOVA PROPOSTA DE
JORNALISMO
A escolha do nome "Yebá" para a nossa revista não é só por soar bem, mas pelo que ele representa. "Yebá" tem raízes nas culturas indígenas brasileiras, especificamente do tronco tupi-guarani, e refere-se a uma entidade feminina sábia, conectada à natureza e à comunidade. O jornalismo tem essa mesma essência: busca a verdade, está sempre investigando e, acima de tudo, mantém um compromisso com a sociedade. Como "Yebá" ilumina e orienta, o jornalismo deve agir como um farol para o público. Nossa primeira edição é dedicada ao reggae, o que faz todo o sentido. O reggae não é apenas música; é uma expressão de resistência, luta e cultura viva. E isso é muito "Yebá". Nossa revista se propõe a abordar temas profundos, resgatar raízes e dar visibilidade a questões frequentemente esquecidas. Assim como "Yebá", o reggae constrói uma ponte entre o passado e as batalhas do presente. Nesta edição, oferecemos uma visão abrangente dessa identidade cultural, que é parte essen-
cial da alma de São Luís, conhecida como a "Jamaica Brasileira". A missão da Yebá é mergulhar nos contextos histórico, social e econômico do reggae, evidenciando seu impacto na cultura local.
Yebá vai além do reggae; veio para ficar. Em cada edição, independentemente do tema, nossa essência será buscar a verdade, abrir novas perspectivas e investir em investigações profundas. A revista vai evoluir, e, como "Yebá”, continuará firme, trazendo sabedoria e resistência em cada página. A escolha deste nome indígena também é um lembrete constante da nossa pluralidade como nação. A comunicação tem o poder de unir diferentes realidades, de abrir diálogos entre o local e o global, e é exatamente isso que a Revista Yebá quer fazer. Com essa identidade, pretende conectar o público universitário e a sociedade em geral, promovendo o diálogo entre o local e o global. Quando feito com seriedade e coragem, o jornalismo transforma. E a Yebá busca essa transformação em cada página.
Nesta edição, destacamos o reggae maranhense em suas diversas nuances e impacto social. Exploramos sua trajetória, a resistência cultural e as questões de identidade e empoderamento que representa. A reportagem de capa visita o Museu do Reggae, ressaltando sua importância para a preservação da memória do gênero na capital. Abordamos ainda a participação feminina no movimento, a relevância da Lei Júnior Black e o papel do reggae como motor econômico e cultural.
Além disso, exploramos o papel das rádios na difusão do reggae em São Luís, ressaltando a importância desses veículos para a promoção da música e da cultura local. A atuação do Grupo de Dança Afro Malungos (GDAM), dedicado a cultura afro-brasileira e o reggae, também re-
cebe atenção especial. Apresentamos suas oficinas e projetos como iniciativas que valorizam a identidade negra e combatem o preconceito.
Exploramos ainda o potencial econômico do reggae, mostrando como o gênero fortalece a cultura local e impulsiona a economia, gerando empregos e renda por meio de eventos, festivais e da valorização de produtos artesanais. Essas reportagens se complementam, oferecendo uma visão ampla dessa rica cultura e convidando os leitores a refletirem sobre sua relevância social e sua ligação com os demais temas desta edição.
A Yebá se posiciona como uma revista de jornalismo com um tom informativo e reflexivo. Nosso objetivo é transmitir a riqueza das histórias de forma acessível, conectando todos os leitores, independentemente de seu conhecimento prévio, às experiências e discussões que trazemos. Acreditamos que o jornalismo deve ser um canal de expressão e investigação, e é nossa missão abordar cada tema com seriedade e profundidade.
Agradecemos aos colaboradores, alunos e professores que tornaram esta edição possível. Nosso agradecimento especial ao Museu do Reggae, por seu apoio e informações valiosas, e aos entrevistados, cuja disposição em compartilhar suas histórias e conhecimentos foi essencial para enriquecer nossas reportagens. A contribuição de cada um foi fundamental para que esta revista se concretizasse.
Estamos entusiasmados para as próximas edições da Yebá. Continuaremos abertos a explorar novos temas nas futuras publicações, sempre abordando questões relevantes para a sociedade. Convidamos nossos leitores a acompanharem esta jornada, pois a Yebá se empenhará em ser um espaço de produção jornalística comprometida e engajada.
A pulsação entre Jamaica e Maranhão
Reggae Roots como herança viva
Reggae e as grandes radiolas
Crônica
Nas ondas do rádio
O ritmo que pulsa nas noites
Artigo Vinis e Covers
Lei Junior Black e o futuro do reggae
Museu de responsa
Turismo na batida do reggae
Motor cultural e econômico
Cores, tranças e resistência
Expressão cultural e científica
GDAM no movimento do reggae
A força da mulher no reggae maranhense
A pulsação entre Jamaica & Maranhão
A pesquisadora Joyce Oliveira Pereira revela como esse gênero musical se entrelaça com a identidade local, enfrenta preconceitos e evolui com as novas gerações.
Por: Andreza Soares, João Fernando, Joyce Araújo, Pollyanna Lopes e Murilo Cesar
Achegada do reggae, trazido pelos marinheiros da Jamaica, em meados da década de 1970, encontrou um ambiente propício para florescer e se adaptar à realidade local em São Luís do Maranhão. Esses navegantes não trouxeram apenas o som do reggae, mas também um legado histórico e cultural repleto de mensagens de resistência e paixão, que se imortalizaram no DNA dos maranhenses.
São Luís, conhecida como a Capital Brasileira do Reggae, é um universo cultural onde o reggae jamaicano não é apenas um gênero musical, mas um fenômeno social e econômico que molda a vida de seus habitantes. As raízes e as transformações desse movimento são explorados na pesquisa de doutorado de Joyce Oliveira Pereira, que oferece uma visão única sobre como o reggae se entrelaça com a identidade maranhense.
A origem do reggae em São Luís é cercada de mistério. Joyce Oliveira menciona uma teoria intrigante: “Há registros de que uma rádio jamaicana transmitia para o Maranhão, e ouvintes enviavam cartões-postais, criando um laço quase íntimo com a música”. Essa conexão inicial reflete o poder das ondas sonoras que cruzaram fronteiras.
A importância das festas e bailes locais na popularização do reggae não pode ser negligenciada. Durante as décadas de 1950 e 1960, os sistemas de som que agitaram os bailes maranhenses, como a famosa Radiola Itamaraty, foram fundamentais para a disseminação desse gênero. Dados da Associação de Músicos do Maranhão indicam que, nos últimos cinco anos, o número de eventos de reggae na região cresceu de forma significativa, indicando uma crescente demanda por essa sonoridade.
À medida que o reggae se fortaleceu em São Luís, ele não apenas se estabeleceu, mas também foi transformado. “No início, os bailes eram mais simples, mas com a evolução tecnológica, as produções se tornaram sofisticadas”, observa Joyce. O Museu do Reggae, que acolhe eventos e celebrações, tornou-se um
Foto: Joyce Oliveira Pereira
Foto: Joyce Oliveira Pereira
símbolo dessa evolução. As danças, que antes eram mais limitadas a estilos tradicionais, agora incorporam o “agarradinho”, uma prática que reflete a singularidade da cultura local.
Além disso, o reggae maranhense passou a adotar temas locais, incorporando referências culturais e regionais em suas letras e sonoridades. O uso de ícones como Bob Marley e Jimmy Cliff não apenas prestam homenagem a esses artistas, mas também cria um vínculo emocional com a identidade maranhense. O que começou como uma influência externa, trazida da Jamaica, foi gradualmente absorvido e integrado à cultura local de forma
essencial, tornando o reggae uma expressão autêntica da vivência e das tradições do Maranhão.
Um exemplo notável é o de um mecânico que, com sua radiola móvel, leva a cultura reggae a diversas comunidades. “Durante a pandemia, suas máscaras estampadas com Bob Marley simbolizavam uma forma de resistência e pertencimento”, relembra Joyce Oliveira.
Mais que um simples estilo musical, o reggae se tornou um pilar econômico em São Luís. Segundo a pesquisadora, o movimento é fonte de renda para muitos, desde os donos de fabricantes de equipamentos sonoros até DJs que percorrem
Há registros de que uma rádio jamaicana transmitia para o Maranhão, e ouvintes enviavam cartões-postais, criando um laço quase íntimo com a música”
o estado em suas radiolas. “As festas de reggae atraem turistas e fomentam o comércio local”, ressalta.
Apesar do crescimento, o reggae ainda enfrenta preconceitos. Enquanto em São Luís a cultura é mais aceita, em áreas rurais ser um regueiro pode ser visto como um estigma. “A aceitação cultural é um desafio constante”, comenta a pesquisadora. Entrevistas com jovens de comunidades afastadas revelam que, apesar da paixão pela música, muitos enfrentam discriminação por sua escolha de estilo de vida.
O impacto do reggae nas novas gerações reflete uma evolução cultural. Joyce Oliveira aponta para a ascensão do “reggae digital”, um híbrido que mistura batidas de reggae com influências pop. “Os jovens estão se distanciando do reggae tradicional, buscando versões mais aceleradas”, destaca. Conforme a pesquisadora, um estudo recente indicou que uma grande parte dos adolescentes maranhenses consome reggae digital, destacando uma mudança significativa nas preferências musicais.
As redes sociais desempenham um papel crucial nessa transformação. O que antes era restrito a bailes e festas agora se espalha pelas plataformas digitais, permitindo que novas vozes e talentos se conectem com o público. Isso não só democratiza o acesso ao reggae, mas também promove uma nova onda de artistas que trazem frescor ao gênero.
A investigação sobre o reggae em São Luís revela uma narrativa rica e complexa. Essa música, que transcendeu fronteiras geográficas e culturais, criou raízes na vida cotidiana, solidificando-se como um elemento essencial da identidade maranhense. Com um impacto que vai além da música, o reggae se estabelece. Como motor econômico, uma importante expressão cultural e símbolo de resistência.
Assim, a “Jamaica Brasileira” continua a vibrar ao som das radiolas, dos dançarinos e das batidas que cruzaram o Atlântico, reafirmando sua posição como um verdadeiro lar da rica cultura reggae.
“
Um estudo recente indicou que uma grande parte dos adolescentes maranhenses consome reggae digital, destacando uma mudança significativa nas preferências musicais”
Foto:JanainaSousa
Reggae Roots como herança viva
Em São Luís, o reggae roots se ergue como um símbolo de resistência cultural, refletindo a luta e a identidade de um povo que se conecta com suas raízes, desafiando preconceitos e celebrando sua história. Por: André Ferreira, Christyan França e Thalisson Kaiqui
Após o desenvolvimento de estilos como o mento, ska e rocksteady, que trouxeram diferentes influências e ritmos mais acelerados, o reggae roots emergiu como a vertente mais profunda e espiritual do reggae. Surgido na Jamaica no final dos anos 1960, o reggae roots é amplamente reconhecido como a era de ouro da música jamaicana. Com batidas lentas e envolventes, esse estilo se destacou por suas letras carregadas de significado, abordando temas de espiritualidade, resistência e uma conexão profunda com as raízes africanas.
Durante esse período de ouro, o reggae roots explorou questões sociais e culturais de maneira intensa, abordando temas como a busca por justiça, a superação de adversidades e a construção de uma identidade cultural forte diante das transformações sociais e políticas da época. Com seu impacto significativo, o estilo musical ultra-
passou fronteiras, chegando ao Maranhão em 1970. Em São Luís, foi rapidamente adotado pela população, especialmente entre as camadas mais populares, que se identificaram com as mensagens presentes nas músicas.
As radiolas se tornaram um meio de difusão do reggae roots em São Luís. O DJ Jorge Black, uma refe-
“
O reggae não foi apenas um estilo musical para os ludovicenses, mas também uma expressão de identidade cultural e de busca por justiça”
rência no cenário local, explica que o reggae “surgiu no gueto, nas radiolas”, reforçando o caráter popular e periférico desse movimento musical. Outro ponto que mantém o roots vivo no Maranhão é a identificação com a realidade social local. As camadas mais populares rapidamente se reconheceram nas mensagens de luta e resistência, refletindo suas próprias experiências de marginalização social e pobreza. Assim, o reggae não foi apenas um estilo musical para os ludovicenses, mas também uma expressão de identidade cultural e de busca por justiça.
No entanto, o radialista e DJ Waldiney ressalta que a conexão com o reggae vai além das letras: “Nem todo mundo sabe o que o reggae está dizendo. A pessoa pode se identificar pela batida”. Muitas vezes, o ritmo e a energia das músicas transcendem a barreira linguística, especialmente quando as músicas são em inglês jamaicano.
Segundo Jorge Black, houve um aumento no interesse pelo roots reggae, e o estilo das décadas de 1970 a 1990 ainda predomina em São Luís, sendo celebrado por DJs e equipes de som especializadas. Essas equipes promovem festas dedicadas exclusivamente ao roots reggae, preservando sua batida inconfundível e suas mensagens de resistência. “Hoje temos várias equipes de vinil que só executam o roots reggae e muitos DJs que se dedicam exclusivamente a esse estilo”, explica Black. Esse cenário assegura a preservação do reggae roots na cidade, garantindo que seu legado e sua essência permaneçam vivos.
A cena reggae no Maranhão continua forte, com novos artistas e bandas surgindo e mantendo o gênero relevante e presente nas ruas, rádios e festivais. Bandas como a Tribo de Jah, formada em 1986 e que começou tocando em festas locais, logo alcançaram reconhecimento nacional e internacional, tornando-se um exemplo da força do reggae roots maranhense. Além dessas bandas, festivais e eventos que celebram o reggae roots continuam a manter o espírito do gênero vivo, oferecendo um espaço para que essa cultura seja constantemente celebrada e renovada.
Apesar de seu sucesso, ainda é
perceptível um certo preconceito em torno desse universo do reggae. O DJ Jorge Black destaca como a Tribo de Jah, mesmo com mais de 30 anos de carreira, ainda enfrenta estigmas, sendo muitas vezes vista como transgressora por abordar questões sociais e lutar contra injustiças. O grupo continua a utilizar sua música como uma ferramenta de conscientização e busca por conhecimento, mantendo-se fiel às raízes do reggae e à sua mensagem de resistência.
Janah Sousa, uma figura importante na cena do reggae em São Luís, conhecida como DJ e promotora da cultura reggae, complementa: “Ainda temos essa questão do preconceito com o reggae. Muitas pessoas ainda acham que as pessoas que gostam do reggae são marginais, são pretos, são pobres e moram geralmente em bairros periféricos. Eles ainda veem o reggae como algo de marginais”. Apesar desse preconceito persistente, ele não impediu que o reggae roots se tornasse um dos pilares da cultura maranhense. Janah também afirma que uma característica marcante na forma como os cantores de reggae transmitem suas mensagens é o fato de suas canções não desrespeitarem ninguém. O gênero continua sendo uma ferramenta poderosa de conscientização social e empode-
ramento, valorizando a cultura das periferias e unindo diferentes gerações em torno de suas batidas.
Um reggae diversificado
São Luís tem uma rica variedade de subgêneros do reggae, desde o tradicional reggae roots, que busca preservar as raízes jamaicanas, até a evolução para o “new roots”, que trouxe uma nova onda de artistas e sonoridades para a capital. O DJ Waldiney comenta que, embora o roots ainda tenha uma forte presença e um público saudosista, o “new roots” teve seu momento de explosão. Porém, essa evolução foi interrompida por fatores como o fechamento de casas de show e o conservadorismo local. Apesar dos desafios enfrentados pelo movimento, o estilo continua a crescer e se fortalecer na cidade. Eventos independentes têm sido a principal via de manutenção da cena roots em São Luís. “A gente tá vivendo um momento bom de eventos internacionais”, reconhece o DJ.
O reggae roots na nossa capital maranhense vai além da música; é, acima de tudo, uma expressão de resistência cultural. Waldiney acredita que o movimento está sendo bem-sucedido em transmitir essa herança, que, mesmo de forma lenta, continua sendo passada através das gerações. O fortalecimento contínuo dessa cena, por meio de novos artistas, DJs e equipes de vinil, além de festivais que celebram o reggae roots, mantém a chama do movimento acesa. São Luís, considerada a capital brasileira do reggae, segue sendo um ponto de resistência cultural, onde o legado do reggae roots é preservado e celebrado.
Para o futuro, a esperança é que essa cultura se mantenha forte, que novas gerações se apropriem dessa herança e que o reggae continue a ser uma voz potente para os marginalizados, como sempre foi. E, como Waldiney bem coloca, “o reggae tá cada vez mais forte, tá em movimento”, evidenciando que, mesmo diante de tantos desafios, o estilo roots continua vivo nas ruas e nos palcos da cidade.
e as grandes Reggaeradiolas
As Radiolas de reggae moldaram a identidade cultural de São Luís e continuam a celebrar a essência desse ritmo vibrante na "Jamaica Brasileira".
Por: Yohanna Massett, Thaís Emanuelle e Fabiana Cristina
Exclusivamente voltadas para o reggae, as radiolas de reggae foram peças-chave na transformação da capital maranhense na "Jamaica Brasileira". Esse título foi oficialmente reconhecido em 11 de setembro de 2023, com a promulgação da Lei 14.668, que declarou São Luís como a “Capital Nacional do Reggae”.
Derivados do conhecimento popular, esses aparelhos eletrônicos são compostos por duas partes
principais: o DJ, que comanda o sistema, e os paredões, de onde o som é emitido. Criadas de forma empírica por pessoas que, mesmo sem muito conhecimento técnico, souberam construir sistemas de som poderosos com um único objetivo: tocar as “pedradas” de maneira impactante. Mais do que simples caixas de som, elas são responsáveis por manter a vitalidade dos eventos de reggae no Maranhão, representando fisicamente a cultura do reggae.
A busca dos apaixonados pelos grandes paredões impecáveis persiste até hoje, embora o número de radiolas tenha diminuído nos últimos anos. Mesmo com essa redução, a paixão pelos imponentes paredões continua forte. De acordo com dados do Museu do Reggae do Maranhão, ainda existem mais de 200 radiolas espalhadas por todo o estado, mantendo viva essa tradição tão enraizada na cultura local.
Rivalidade entre as radiolas?
Quase todo ludovicense já ouviu falar da icônica competição entre a Mega Itamaraty e a Giga Estrela do Som, duas das radiolas mais populares da Ilha. Mas será que essas duas potências do reggae maranhense eram realmente rivais? Antes de responder a essa pergunta, vale a pena entender como esse embate histórico começou.
Em julho de 1990, a Estrela do Som fazia uma apresentação em um festejo tradicional. Coincidentemente, a Itamaraty também estava em ação, bem próxima do evento da Estrela. Esse cenário inesperado deu origem à primeira disputa entre as duas radiolas. Naquela noite, o principal DJ da Itamaraty, Valter Lindo, foi convidado a tocar na Estrela do Som, enquanto Carlinhos Tijolada assumiu o comando da Itamaraty. A apresentação da Itamaraty se destacou e conquistou o público, dando à radiola a vantagem naquela ocasião. Entretanto, a Estrela do Som não deixou barato e, em oportunidades seguintes, buscou sua revanche, aumentando ainda mais a visibilidade do duelo entre as duas radiolas.
Nessas competições, o que chamava a atenção não era apenas o volume, mas também a qualidade sonora e, principalmente, as chamadas “pedradas” — mú-
sicas exclusivas que só tocavam em determinadas radiolas, criando um fascínio entre os fãs do reggae. Mas, existia mesmo uma rivalidade?
A resposta é não, afirmou José Eleonildo Soares, também conhecido como Pinto Itamaraty, dono da Mega Itamaraty. “O que havia entre a Mega Itamaraty e a Giga Estrela do Som era uma saudável concorrência comercial. Ambas tinham um único objetivo: promover a cultura reggae e atrair o público para suas festas”, revela. Segundo Pinto da Itamaraty, em todas as grandes festas de reggae, havia momentos de confraternização. Os donos das radiolas costumavam visitar o paredão das concorrentes para cumprimentar e conversar com todos os presentes, em um gesto que simbolizava a união em torno da música. Esse espírito de camaradagem reforça uma característica essencial do reggae: ele é sinônimo de paz, união e celebração coletiva, muito mais do que uma simples disputa. Mesmo diante da aparente competição, o que sempre prevaleceu foi o respeito mútuo e a dedicação à cultura reggae. O público, por sua vez, também reconhecia esse espírito, contribuindo para que o reggae se consolidasse como uma força cultural poderosa no Maranhão.
O antes
Na década de 1970, as "radiolas de reggae" circulavam de forma itinerante pelos bairros de São Luís, alcançando tanto as áreas mais pobres quanto as de classe média e alta dos centros urbanos. Esse movimento ampliou o alcance do ritmo jamaicano na vida dos maranhenses e teve como um dos pioneiros Riba Macedo, o primeiro discotecário a tocar reggae em São Luís.
Foi nessa época que surgiram várias radiolas famosas, como Voz de Ouro Canarinho, Menina Veneno, Asa Branca e Som Jorge. Com a popularização das festas de radiolas nas periferias de São Luís, também surgiu a distinta maneira de dançar reggae ‘agarradinho’, além dos famosos melôs que são característicos da região.
George Gomes, músico e figura emblemática do reggae maranhense, revela que as radiolas tiveram grande importância em sua formação como artista, por terem sido seu primeiro contato com o reggae “Com as radiolas, eu tive minhas maiores referências em relação a música jamaicana, porque os DJs eram os responsáveis por trazer as músicas jamaicanas para que ouvíssemos e pudéssemos aprender um pouco mais”, disse. “Na minha trajetória musical com o reggae, as grandes referências foram as radiolas, isso em relação à captação de informações regueiras, informações musicais voltadas para o reggae”, ressalta.
A engenharia das radiolas
Segundo o pesquisador Moreira Neto, um dos aspectos mais marcantes da cultura reggae no Maranhão são as radiolas. Com o passar do tempo, essas estruturas imponentes foram profissionalizadas e organizadas em empresas e microempresas, movimentando toda uma cadeia de empresários, DJs, discotecários, investidores, intérpretes, pesquisadores e seguranças, todos envolvidos na realização dos eventos.
Foto: Arquivo pessoal
Em 1994
Homero Sette, professor e engenheiro especializado em caixas de som, escreveu um artigo sobre as radiolas de reggae, no qual afirmou ter tentado tocar rock em uma radiola, mas o som saiu desregulado e estranho. Contudo, ao testar o reggae, o som parecia agradável e natural.
Ainda de acordo com Moreira, o reggae no Maranhão adquiriu uma característica monumental com o surgimento dos "paredões de som" — grandes estruturas formadas por diversas caixas de som. Para viabilizar a montagem, o funcionamento e a desmontagem dessas construções sonoras, é necessário um grupo especializado de pessoas envolvidas no transporte, na montagem e na desmontagem, o que encarece significativamente a logística de operação.
Uma coluna ou paredão de radiola era formada por caixas de som graves, médio- graves e médias. A quantidade e a qualidade tecnológica dessas caixas amplificadas eram utilizadas pelos regueiros maranhenses para classificar o tamanho das radiolas e decidir seu "lado" nas disputas entre elas. As caixas sonoras eram montadas por técnicos e marceneiros especializados, que usavam materiais como compensado comum ou pinho naval. A escolha entre esses materiais afetou dois aspectos importantes: o custo e a durabilidade da radiola. Assim, a qualidade e a quantidade de caixas amplificadas não só determinavam o tamanho da radiola, mas também sua posição nas competições tradicionais entre os paredões de som.
O depois
Após uma trajetória de grande sucesso, as radiolas enfrentaram um período de declínio. Com o pas-
Foto: Acervo do Museu do Reggae
sar dos anos, o fácil acesso à música por meio das plataformas de streaming fez com que a exclusividade que as radiolas ofereciam perdesse força. O que antes era o diferencial foi substituído pela praticidade das novas tecnologias, restando hoje apenas os DJs que tocam nas festas. Assim, para alguns, as radiolas podem ter perdido o protagonismo que tinham nos anos 1970, mas essa mudança deve ser vista como uma evolução, e não como uma perda.
A mudança não foi totalmente negativa; foi uma adaptação às novas necessidades. Assim, o avanço
Foto: Jorrimar de Sousa
Foto: Acervo do Museu do Reggae
da tecnologia também despertou uma forte nostalgia em muitas pessoas, que passaram a valorizar novamente as formas mais tradicionais de ouvir música.
Os famosos “bolachões” — discos de vinil — voltaram à moda, não apenas entre colecionadores, mas também como um resgate das origens das radiolas. Dessa forma, o corpo e a alma da massa regueira ainda sobrevivem, mesmo com as evoluções nas formas de consumir música. A presença da radiola continua viva na disseminação do reggae, mantendo não apenas sua cultura, mas também a cultura maranhense.
Entre radiolas e memórias: O REGGAE EM FAMÍLIA
Por: Jessyka Melo
Quando o barro das paredes da casa de minha avó ainda sustentava o teto, e as folhas do cajueiro ainda se mantinham presas aos galhos, produzindo ventos fortes que sopravam meus cabelos, minha família se reunia inteira em volta da mesa de madeira gasta que havia lá, com um rádio que tocava reggae sem parar. E eu, criança, escutava as conversas atenta e fascinada:“Antes mesmo de sua mãe nascer”, minha vó dizia, “o reggae já estava aqui”, completava. E, ao observar a emoção com a qual ela dizia isso, me fazia ter a certeza de que aquela música fazia parte da família tanto quanto eu.
O reggae já fazia parte de nós, já pertencia às histórias de vida de meu avô, de meu bisavô e de todos aqueles que experimentaram a vida antes de mim. Foram meus antepassados que viram o reggae fazer da cidade de São Luís um lar. Foi lá, na década de 70, que as ondas das rádios que traziam as músicas da Jamaica, em especial dos DJs de Kingston, começaram a se espalhar pelo mundo. Em São Luís, a recepção desse ritmo foi calorosa, especialmente nas periferias, onde a classe pobre da cidade encontrou no reggae não só lazer e cultura, mas principalmente uma maneira de resistência de um povo que vivia à margem da sociedade.
Lembro-me de minha tia mais velha contando, em uma dessas rodas de conversa, sobre as vezes que saía de casa na surdina para ir atrás de alguma disputa entre a Itamaraty e a Estrela do Som. Ela falava com um brilho nos olhos sobre como o som das radiolas reverberava nas ruas; nas pessoas. De acordo com ela, em 1980, os imensos paredões eram vistos a quilômetros de distância e faziam tremer, de maneira literal, tudo que estivesse à sua volta. Reunindo multidões por onde quer que passassem, o ritmo jamaicano impregnou-se nas veias de nossa cidade, estando em cada beco, rua e viela da capital do Maranhão, tornando-se um ser vivo, assim como dizem viver a serpente sob o nosso chão. “Era mágico”, minha tia falava
sorrindo.
Dessa forma, o reggae expandiu-se em São Luís sem nenhum tipo de contenção, fazendo com que a cidade dos azulejos ganhasse um novo apelido: “Jamaica Brasileira”. E não é que fizeram jus ao título? Transformaram o reggae em pedras, as atiraram aos quatro cantos, principalmente por meio das grandes rádios da época, e não teve quem saísse ileso. Não houve preconceito que fosse forte o suficiente para suprimir uma massa regueira tão potente quanto a nossa.
E, revisitando minha memória, recordo-me de uma vez em que, no auge da minha curiosidade infantil, perguntei aos que estavam presentes: “E se o reggae acabar?”, e eles riram, o que me deixou confusa. Até minha vó finalmente responder: - “Enquanto houver regueiros, o reggae resistirá. Se manterá aqui após a minha partida, da mesma forma que se manterá após a sua”, ressaltou. E hoje, consigo entender o que ela disse, mesmo quando meus ossos se reduzirem a pó, o reggae continuará aqui, indestrutível. Encontrará mil maneiras de se reinventar e seguirá sendo uma das forças motrizes de São Luís, impulsionando o crescimento da economia, turismo, história e cultura. Afinal, para além das festas, radiolas e rádios, o reggae invadiu a moda, e virou roupa; entrou nas universidades, e se tornou ciência; chegou até a política e se transformou em lei. O reggae se fez tão essencial que virou museu. Adaptou-se ao mundo e se fez eletrônico. E é por isso que você pode nunca ter parado para ouvi-lo espontaneamente, mas sabe cantarolar, quase inconscientemente, o melô Cinderela, por exemplo.
O reggae não é apenas música, é a identidade de um povo. Para os regueiros, é a parte mais significativa de suas vidas; para um grupo de amigos, traz as lembranças de uma adolescência regada a reggae no Reviver; para minha mãe, são memórias do Bar do Seu Nelson; e, para mim, uma herança de família. Portanto, do passado ao presente, o reggae pulsa na história ludovicense. O reggae é um legado, é o nosso legado.
NAS ONDAS DO RÁDIO Vibraçoes
As rádios locais têm desempenhado um papel crucial na popularização do reggae na capital maranhense. Através de programas dedicados, elas promovem não apenas a música, mas também a cultura e a identidade regueira. Por: Kayo Matos e Ysabelle Ribeiro
Nas últimas décadas, a capital maranhense viu um crescimento expressivo de programas de rádio dedicados ao reggae. O aumento do número de emissoras que transmitem esse gênero reforça o papel central das rádios locais na divulgação e consolidação da cultura reggae na cidade. A expansão do ritmo em São Luís não se limitou às radiolas e festas; outros meios foram essenciais para expandir e legitimar o reggae na cidade, fortalecendo sua presença na vida dos maranhenses.
O programa "Reggae Night", lançado em 1985 e transmitido pela rádio Mirante FM, foi pioneiro na promoção do reggae em São Luís. Sob a liderança de Ademar Danilo e Fauzy Beidoun, foi o primeiro a se
dedicar exclusivamente ao gênero. “Reggae Night” não foi apenas um espaço para tocar músicas, mas também um ponto de partida para a difusão do reggae. Marcos Vinícius, radialista da Rádio Universidade FM, destaca que essa emissora teve a oportunidade de abrir o espaço para o reggae na década de 1990. A partir daí, outras rádios começaram a ir além das playlists, oferecendo análises sobre os principais artistas jamaicanos e promovendo eventos que consolidaram o reggae como parte vital da cultura local.
Entre os programas mais conhecidos atualmente estão o “Reggae Vibe” e o “Reggae Point”, ambos transmitidos pela Rádio Mirante FM. O “Reggae Point” no ar há 36 anos, continua exercendo grande influên-
cia. O DJ Waldiney, locutor da rádio, conta que, ao falar de reggae no rádio, o Reggae Point é uma referência imediata: “Eu acho que a influência do programa é muito grande e continua impactando cada vez mais”, afirma. Além disso, a Rádio Reggae Total também se destaca por ter toda a sua programação dedicada exclusivamente ao gênero. O crescimento da audiência do reggae nas rádios reflete o interesse do público, composto tanto por ouvintes que tiveram contato com o estilo por meio de influências familiares quanto por novos adeptos que passaram a se identificar com o estilo. A participação em festivais e a prática das danças típicas são formas de conexão com essa cultura, que se fortalece cada vez mais em São Luís.
Foto: Iasmin Rafaelly/Yebá
O reggae tem uma mensagem forte e precisa ser transmitido”
– DJ Waldiney
A Rádio Universidade FM também desempenha um papel significativo na popularização do reggae. Desde a década de 1990, o programa “Exodus”, transmitido aos sábados das 18 às 20h, tornou-se um dos principais programas de divulgação do gênero. O nome foi inspirado na capa do álbum Exodus, de Bob Marley, uma escolha feita pelo radialista Jorge Pinheiro, em parceria com Mário Rocha, conferiu ao programa uma identidade alinhada com a essência do reggae. Como rádio universitária, a Universidade FM adotou uma abordagem educativa, destacando a história e o impacto social do reggae, moldando sua programação para dialogar diretamente com o público regueiro e facilitar o acesso ao gênero.
“Na Universidade FM, nós atendemos uma editoria, uma filosofia de rádio acadêmica. Precisamos trabalhar com música no seu modo geral, mas também com disseminação da informação e da cultura. E como o rádio tem um papel educador, precisamos atender aos parâmetros da informação”, explica o radialista Marcos Vinícius.
Essas rádios não foram apenas veículos de comunicação, mas exemplos de como a mídia pode servir como instrumento de transformação social. Elas não se limitaram a transmitir o reggae na capital; alcançando também outras cidades, o que ampliou e atraiu novos ouvintes. O DJ Waldiney, destaca que “o reggae tem uma mensagem forte e precisa ser transmitido”, ressaltando a importância de levar essa cultura para um público mais amplo. Essa expansão foi crucial para aumentar a base de fãs e construir uma identidade musical única para o reggae.
O apresentador Cássio Maluvem,
do programa “Reggae Praia” da rádio Timbira, destaca que a diferença entre programas comerciais e alternativos reside na intenção. Segundo ele, “a diferença do programa de reggae comercial é que ele tem um propósito de sempre vender aquele conteúdo”, o que pode limitar a autenticidade e a conexão com a cultura reggae. Assim, a escolha entre diferentes formatos de rádio influencia não apenas a forma como a música é disseminada, mas também o impacto social que ela pode gerar.
As rádios comerciais tendem a priorizar a promoção de eventos, como festas e shows. Por outro lado, Cássio afirma que “as rádios alternativas se limitam um pouco mais a mostrar músicas”. Esses meios buscam se conectar diretamente com o público que gosta do reggae, oferecendo não apenas música, mas também uma forma dinâmica de interação entre apresentadores e
ouvintes. Maluvem também aponta essa diferença em relação às plataformas de streaming, que muitas vezes enfrentam limitações devido a questões de direitos autorais. Em contraste, as rádios não enfrentam essas restrições, permitindo uma programação mais diversificada e sem bloqueios. “Apesar de transmitir rádios de reggae, o youtube não exibe músicas que contém direitos autorais, fazendo com que tenham muita atenção na seleção de músicas da rádio”, disse o DJ. Apesar dos desafios enfrentados, programas dedicados ao reggae demonstram que, com inovação e compromisso, é possível preservar e promover essa cultura significativa para os maranhenses. Essa trajetória evidencia o papel da mídia como um veículo de disseminação cultural, ressaltando a influência das rádios na consolidação do reggae em São Luís e no Maranhão.
Foto: Ysabelle Ribeiro/Yebá
QUE PULSA NAS NOITES O RITMO
Os bares de reggae são espaços vibrantes que atraem amantes do ritmo para dançar e celebrar. Esses locais se tornaram pontos de encontro essenciais, onde a cultura reggae pulsa e une diferentes gerações. Por: Geyce Costa e Rafaella Fernandes
Nas décadas de 1980 e 1990, São Luís se destacou como um importante reduto do reggae, um gênero musical que passou a fazer parte da cultura local. A consolidação desse ritmo foi impulsionada pela criação de clubes e radiolas, que se tornaram pontos de encontro da chamada "massa regueira". O reggae se estabeleceu especialmente entre a população negra e de baixa renda da capital, que vivia nas áreas periféricas e nas palafitas. Nessas comunidades, as festas em bares e nas ruas eram espaços de celebração e resistência, contribuindo significativamente para a ascensão do ritmo jamaicano.
As atividades promovidas pelo reggae se popularizaram entre a juventude da periferia, trazendo
consigo um dinamismo cultural e político. O “dançar agarradinho”, caracterizado por movimentos próximos entre os parceiros, expressa uma sensualidade enraizada culturalmente em corpos negros livres. Esse aspecto simboliza a luta contra a exclusão imposta pela escravidão, revelando como as marcas desse passado ainda influenciam as dinâmicas sociais atuais. O ritmo não serve apenas como entretenimento, mas também como uma afirmação do movimento de resistência.
Os espaços em que esse movimento cresce e se expressa são os bares de reggae, onde os frequentadores se identificam como parte de uma mesma luta, tornando o ambiente familiar e carregado de uma intensa energia vibrante e positiva. As radiolas, com seus paredões de
som de até quarenta caixas, ecoam as músicas, inspiradas nos sound systems jamaicanos, cujas letras retratam, palavra por palavra, a história de luta do povo jamaicano.
No Mercado das Tulhas, localizado no Centro Histórico da capital maranhense, encontra-se um bar com profundas ligações com o reggae. No local, percebe-se a forte tradição familiar e a paixão por esse estilo musical, que transborda em todo o ambiente do bar. Com 75% das músicas tocadas sendo de reggae, o Bar do Edilson se destaca por seu espaço único. Segundo o proprietário do bar, um dos maiores desafios enfrentados são os horários de funcionamento, que se estendem até altas horas, tornando o trabalho cansativo. Apesar das dificuldades, Edilson se sente recompensado. “O prazer de estar em contato com a música que amo e a oportunidade de conhecer pessoas novas, são os principais benefícios”, revela.
O local atrai um público diversificado, consolidando-se como um ponto de encontro importante para quem curte o reggae na cidade. A história do Bar do Edilson e seus anos de funcionamento contribuem para uma perspectiva interessante no cenário dos bares temáticos de São Luís, destacando o equilíbrio entre a paixão e o investimento dedicado a um gênero musical tão específico.
Foto: Fernando dos
Anjos
Foto: David Bryan/Yebá
Foto: David Bryan/Yebá
O reggae é uma conexão com a liberdade, uma filosofia de vida e, principalmente, uma manifestação de respeito!”
O Reggae pelos Olhos de Klayson Levy:
Klayson Levy é um dos frequentadores assíduos das noites de reggae no Bar do Edilson, que visita desde 2014. Para ele, o reggae vai além de uma paixão; é também parte de seu trabalho, já que se dedica à cobertura fotográfica de shows. Ele conta ter participado de eventos importantes, como o Rebel Salute, na Jamaica, e Rototom Sunsplash, na Espanha, considerado o maior festival de reggae do mundo. No Brasil, Klayson participou do Maranhão Roots Reggae, realizado em São Luís.
Sua relação com o reggae vai muito além do profissionalismo. Klayson escreveu para uma revista sobre suas experiências pessoais com o gênero musical, que, segundo ele, foi essencial para superar um momento difícil em sua vida. "Principalmente Bob Marley. Logo que es-
cutei suas músicas, tudo mudou de forma rápida e significativa", afirma.
A conexão que Klayson Levy com o reggae vai além da música. Para ele, o ambiente das festas representa um espaço de liberdade, onde todos são tratados da mesma forma, independentemente de suas condições. Ele relembra sua primeira experiência em uma festa de reggae, ao lado de seu irmão. “Fiquei impressionado com os paredões de som e com a união das pessoas”. Para Klayson, mesmo sendo desconhecidas, essas pessoas compartilhavam um laço de afinidade.
Embora tenha uma relação forte com o reggae, Levy comenta que não frequenta eventos com muita regularidade, preferindo festas especializadas, como o Existência Reggae Festival, onde DJs tocam
Gerson Brito: do primeiro contato à conexão
Para entender melhor a relação profunda entre o reggae e a cidade, Gerson Brito, um veterano de 48 anos, conta que frequenta eventos “regueiros” desde menino. Com um sorriso nostálgico, ele relembra seu primeiro contato com o reggae. “Eu tinha uma namorada que gostava muito e me levou. Eu não sabia dançar, e ela me ensinou o jeito agarradinho de dançar o reggae”, lembra.
Ele conta que se apaixonou logo de cara pelo ritmo, mas principalmente pela sensação de pertenci-
mento que aquele ambiente proporcionava. Gerson afirma isso com brilho nos olhos, o que evidencia sua relação com o movimento. Para o veterano, o reggae significa liberdade, paz e espírito, e um símbolo de união.
Brito ainda relata que a sensação de estar em uma festa de reggae é algo difícil de explicar. "Quando o grave da radiola bate, traz uma energia que transcende as palavras”. Para quem frequenta os eventos de reggae, não se trata apenas
discos de vinil. “Esses momentos também são oportunidades para reencontrar amigos e viver a energia única que o reggae pode proporcionar”, destaca. Outro ponto citado por Klayson é o bem-estar que sente nesses ambientes. “O público regueiro se diferencia de outros eventos, pois tem uma vibração positiva e é totalmente acolhedor”, acrescentando que a energia respeitosa e a sensação de liberdade fazem com que as pessoas se sintam próximas.
Por fim, ele mostrou que não é apenas um profissional dedicado ao ritmo, mas também alguém que teve a vida transformada pelo estilo musical. Para ele, o reggae é uma conexão com a liberdade, uma filosofia de vida e, principalmente, uma manifestação de respeito.
de ouvir música, mas de vivenciar uma atmosfera única de pertencimento, onde cada batida se aproxima, conecta e emociona.
As festas de reggae em São Luís são um convite à comunhão, onde diferentes gerações trocam experiências, emoções e, acima de tudo, uma paixão pelo ritmo. Em cada encontro, a cidade reafirma que o reggae não é apenas um ritmo que embala as noites, mas uma força cultural que molda identidades e fortalece a comunidade.
POTENCIAL OU EXOTIZAÇÃO? O turismo musical do reggae em São Luís:
Por: Geyce Costa
O turismo musical do reggae em São Luís tem potencial para valorizar uma rica expressão cultural. Todavia, é fundamental questionar: estamos promovendo o reggae como uma cultura popular autêntica ou oferecendo um produto exótico e superficial para turistas? À medida que a cidade é promovida como a “Jamaica Brasileira”, surge a dúvida sobre se a essência do reggae está sendo realmente celebrada ou adaptada para atender às expectativas de um mercado turístico que busca experiências “exóticas”.
Por um lado, a apropriação do reggae como símbolo cultural traz benefícios econômicos e de visibilidade. Esse gênero é capaz de projetar São Luís como um destino turístico único, atraindo visitantes que buscam essa conexão cultural. Eventos como o "Encontro Internacional de Reggae" e bailes ao ar livre ajudam a movimentar a economia, gerando renda para setores como hotelaria e gastronomia. De acordo com dados de 2022 da Secretaria de Cultura do Maranhão, esses festivais atraíram cerca de 50 mil visitantes. Esses ganhos econômicos, no entanto, podem ser melhor direcionados para beneficiar diretamente as comunidades que sustentam essa cultura.
Apesar do impacto econômico positivo, há um aspecto preocupante: o reggae corre o risco de ser reduzido a um simples produto turístico ou excêntrico. Muitas vezes, ele é transformado em uma “experiência exótica” para entreter turistas, sem a profundidade que a cultura original possui. Esse tratamento superficial ignora o valor cultural do reggae maranhense, uma expressão de resistência da população negra que transcende as músicas e danças. Reduzir o reggae a uma imagem folclórica reforça estereótipos entre o público externo e enfraquece sua legitimidade enquanto cultura de resistência.
Nas periferias, onde o reggae nasceu e se consolidou, ele representa um símbolo de união e identidade para a população
negra. Nos “terreiros de reggae”, os moradores visitam espaços onde celebram sua cultura e resistência. Transformar esse cenário em um simples atrativo turístico desconsidera a trajetória histórica do reggae.
Outro ponto crítico é a concentração dos lucros do turismo de reggae nas mãos de empresários e grandes setores de entretenimento. Embora bares e eventos turísticos centralizados concentrem a maioria dos recursos, muitos artistas e produtores locais enfrentam dificuldades para sobreviver. A maioria dos bares de reggae que ainda mantêm viva essa cultura distinta está fora dos principais circuitos turísticos e carece de apoio e infraestrutura adequados. Esses locais, que não atraem tantos turistas, estão frequentemente ausentes das políticas de incentivo, limitando o seu desenvolvimento e impacto econômico.
Essa realidade revela uma contradição: o que é amplamente realizado no Centro Histórico de São Luís é frequentemente ignorado ou negligenciado nas periferias, onde o reggae tem raízes profundas e ainda resiste. A valorização do reggae enquanto “produto turístico” não dialoga com as comunidades que o mantêm vivo.
Para que o turismo musical do reggae realmente valorize a cultura local, é necessário que a promoção do gênero respeite suas origens e raízes. Isso inclui o incentivo à criação de programas para músicos e produtores locais, a proteção dos espaços culturais autênticos e o estabelecimento de parcerias com as comunidades que vivem o reggae diariamente. O papel da prefeitura, das empresas de turismo e dos organizadores de eventos deve ser o de curadores, promovendo o reggae de forma a contribuir para o fortalecimento cultural e econômico dessas comunidades. Em última análise, o reggae precisa ser mais do que uma atração exótica; ele representa uma cultura rica e autêntica que pertence ao povo maranhense e merece ser valorizada em toda a sua profundidade.
Vinis & Covers
Novos artistas lutam pelo espaço em um cenário onde até ícones como a Tribo de Jah buscaram reconhecimento fora do estado. Por: Yuri Nepomuceno
Nos meados dos anos 1970, o Brasil foi atingido por um ritmo. Mais que um ritmo, um movimento, algo que chegaria ao Maranhão e mudaria a rotina da cidade, a vida de algumas pessoas e a maneira como o estado é visto. As duas teorias mais fortes sobre sua chegada indicam que, em um primeiro momento, haveria pouco espaço para cantores no estado. Porém, a figura dos DJs era fortíssima, e eles impulsionaram o cenário. Esses artistas representam e continuam representando o reggae, junto com os cantores que, devido à preferência do público, começaram a conquistar seu espaço em meados dos anos 1980.
Os cantores e músicos de reggae, tanto do passado quanto os atuais, enfrentaram desafios para se inserir no mercado. Como o público do reggae se acostumou a ouvir o ritmo através de vinis reproduzidos em radiolas, os artistas tiveram que se adaptar a essa realidade. O músico João Beydoun, um dos cantores que busca conquistar seu espaço no movimento reggae, conta que: “Isso é algo que está enraizado na nossa cultura. Eu não julgo, não faço nenhum tipo de julgamento porque é
algo que faz parte da nossa cultura”.
Muitos cantores, para contornar essa situação, optam por cantar cover, o que reduz o espaço para produção de músicas autorais. “Hoje em dia, se você é cantor de reggae no Maranhão, você vai ter que cantar os clássicos que levantaram uma época forte no estado, você vai ter que cantar cover”, afirma João Beydoun.
Uma das bandas que conseguiram se adaptar bem ao mercado no
“
Hoje em dia, se você é cantor de reggae no Maranhão, você vai ter que cantar os clássicos que levantaram uma época forte no estado, você vai ter que cantar cover ”
– João Beydoun
Maranhão foi a banda Raiz Tribal. Em atividade desde 2001, a banda começou sua trajetória em Guarulhos, São Paulo, mas seus integrantes são todos maranhenses. Gill Enes, vocalista e fundador da banda, explicou que uma das dificuldades do artista ao performar músicas autorais era a língua, já que o público estava acostumado a ouvir músicas em inglês. Por isso, a banda passou a adaptar músicas populares brasileiras ao ritmo do reggae. “Foi o que a gente conseguiu fazer. A gente pegou o Djavan, Caetano Veloso, um monte de artista que não é do reggae e trouxe para o nosso som. E aí, até quem não gosta de reggae acabou se interessando”, revela Gil Enes.
A periferia do estado é o maior expoente do reggae; foi lá que surgiram os primeiros frequentadores e que os artistas puderam medir a aceitação de seu trabalho. Os DJs conquistaram espaço nesse cenário, com eventos e músicas voltadas para um público que queria ouvir o reggae roots e dançar agarradinho. Os DJs proporcionavam essa experiência por meio das sequências, que eram montadas conforme a energia do público.
A DJ Elizabeth Lago, com 12 anos de carreira e grande popularidade no estado, é uma das artistas que mantém a tradição de reproduzir discos de vinil em suas apresentações. Em 2017, ela lançou sua própria equipe de vinil, a Vinyl Woman, que conta com um acervo de 600 discos. “O dono de um evento não vai me dizer o que eu tenho que tocar. Eu não faço nenhuma ideia de quais desses discos eu vou tocar lá nesse local”, disse a DJ. “Tudo acontece na hora, sabe? A seletiva é na hora, a sequência eu faço na hora. E vai acontecendo, é meio matemático isso”, ressalta.
Eventos com DJs costumam atrair um público maior, independentemente da presença de cantores. A população maranhense tem seus DJs favoritos e costuma acompanhá-los nos eventos, o que faz com que esses artistas movimentem a massa regueira em todo o estado e na capital. Segundo a DJ Elizabeth Lago, em alguns eventos realizados em São Luís, mesmo com cantores internacionais consolidados no cenário do reggae, a mé-
dia de público é menor do que em eventos com DJs locais. “Tem festa de reggae em São Luís que dá 4 mil, 5 mil pessoas e são só DJs se apresentando. Aí vem Donna Marie, Kevin Isaacs, outros cantores da Jamaica e dá 800 pessoas”, observa Lago. Isso demonstra o quanto o público de reggae preserva as raízes do ritmo no estado.
A primeira banda de reggae maranhense a alcançar o sucesso nacional, e posteriormente mundial, foi a banda Tribo de Jah. Formada em 1986, na Escola de Cegos do Maranhão, o grupo surgiu quando alunos com deficiência visual se uniram para tocar em bailes e festas em São Luís. Posteriormente, o músico Fauzi Beydoun se juntou à banda, e juntos começaram a trilhar o caminho para o sucesso no reggae.
O músico João Beydoun, filho do Fauzi, conta que a banda precisou conquistar uma base de fãs fora do estado antes de realizar apresentações no Maranhão. “A Tribo de Jah só começou a ter uma carreira consolidada quando saiu do Maranhão e começou a ser valorizada fora do
Foto: Ellen Cidreira
Foto: Yuri Nepomuceno
estado”. O fato de uma das bandas maranhenses mais famosas precisar sair do seu estado para conquistar espaço no mercado fonográfico revela o quanto sempre foi difícil para os cantores de reggae em São Luís conseguirem oportunidades.
A Tribo de Jah tem um grande peso no cenário musical brasileiro. Uma história que exemplifica isso é contada por Gill Enes, vocalista da banda Raiz Tribal e filho do guitarrista Neto Enes, da Tribo de Jah. “Eles foram tocar em Porto Alegre, no bar Opinião, a maior casa de shows lá. Tinham fechado um show apenas, que vendeu todos os ingressos em uma noite. Abriram para a noite seguinte e lotou de novo. Tiveram que abrir mais uma noite. No total, tocaram em sete shows, todos com lotação esgotada”.
Ao analisarmos a história do reggae em São Luís, fica evidente a forte preservação desse movimento, que ocorreu de forma natural, sustentada pela própria população envolvida na cultura reggae. No entanto, essa tradição pode acabar limitando oportunidades para muitos músicos em início de carreira. Embora seja possível contornar essa situação, o fato de que bandas maranhenses frequentemente alcançam mais reconhecimento fora do estado pode desanimar novos artistas, especialmente aqueles que não têm recursos para se deslocar a outros lugares.
“Quando você pega um vinil para tocar, ele está pronto. Você bota lá para tocar na sua radiola e toca uma música massa. Quem gravou aquela música foi uma banda, então por que não uma banda? Por que não dividir com uma banda? Uma noite de reggae, um DJ e uma banda. Por que não? Se a banda gravou o vinil”, questiona Gill Enes ao falar sobre a divisão de espaço entre DJs e músicos.
O espaço para artistas no Maranhão existe para todos, e a presença dos DJs não deve excluir as oportunidades para os cantores, assim como o inverso. Com o apoio de produtores de eventos, é possível que o público comece a se abrir para novos cantores que estão ingressando no mercado maranhense.
Lei Júnior Black e o futuro do reggae
Importância da Lei Júnior Black, recentemente aprovada no Maranhão. Durante a entrevista, ele destaca os desafios enfrentados e as expectativas para o futuro do movimento no estado. Por: Ian Ferreira e Yohanna Massett
Otávio Rodrigues, uma das figuras mais icônicas e pioneiras do reggae no Brasil, conversou com a Revista Yebá sobre sua mais recente contribuição à cultura reggae: a Lei Júnior Black. Rodrigues, que iniciou sua trajetória no movimento em 1982, com o programa "Roots Rock Reggae" na Excelsior FM de São Paulo, vem, desde então, fomentando a cultura do reggae com programas como "Doctor Reggae" e o "Bumba Beat". Agora, junto ao Fórum do Reggae do Maranhão (FORMAR), Otávio destaca a importância da recém-aprovada Lei Júnior Black, que visa impulsionar a linguagem do reggae e garantir sua renovação cultural no Maranhão. Nesta entrevista, ele fala sobre a trajetória do reggae, a homenagem ao saudoso Júnior Black e sobre os impactos futuros dessa legislação para artistas e profissionais da área.
Como surgiu a ideia de criar a Lei Júnior Black?
O reggae contribui fortemente na cultura, no turismo e na economia do estado; contudo não dispõe de qualquer política pública em nível municipal, estadual ou federal. Como pode a Jamaica Brasileira, Capital Nacional do Reggae, ficar assistindo a outras cidades e estados brasileiros avançarem nisso e não fazer nada? Estava mais do que na hora de exercer nossa cidadania e encaminhar a proposta pela via correta: o Legislativo. Falta a sanção e o Edital - a luta continua!
Como
deve funcionar a Lei Júnior Black?
Essa Lei é uma iniciativa do Fórum do Reggae do Maranhão (FORMAR), coletivo constituído em julho de 2023. Foi aprovada por unanimidade na Assembleia Legislativa do Estado
em 28 de maio deste ano e, agora, aguarda sanção do governador. A Lei 153/2024 dispõe sobre a criação de um Programa de Fomento para a Linguagem Reggae, o que demanda a publicação de um edital anual, cujo texto, proposto pelo FORMAR, já está em análise no Executivo. Para a Lei funcionar de verdade, é fundamental que haja o edital anual.
Quem
foi Júnior Black e por que ele foi homenageado com a criação da lei?
Conheci Junior em minhas primeiras jornadas ao Maranhão, no final dos anos 1980. Soube que ele tinha conhecimentos de eletrônica e vinha, então, fazendo sucesso com a Black Power, uma radiola pequena, mas que “batia bonito”. Ao longo da década de 1990, Junior viajou várias vezes à Jamaica e à Londres em busca do santo graal da pedra perdida, voltando sempre com as malas cheias de bolachinhas, material precioso que colaborou para explosão da cena reggae maranhense nesse período. Generoso, querido por todos, partiu aos 60 anos em agosto de 2023, quando o Fórum do Reggae começava suas atividades - daí a ideia de a Lei receber seu nome.
Quem serão os artistas beneficiados?
A Lei Junior Black irá beneficiar agentes culturais ligados ao reggae em todo o estado, o que inclui artistas como cantores e cantoras,
Estava mais do que na hora de exercer nossa cidadania e encaminhar a proposta pela via correta: o Legislativo"
Foto: Márcio Vasconcelos
bandas, DJs, dançarinos e dançarinas, mas também trancistas, artesãos e artesãs, pesquisadores (as), cineastas e videomakers, fotógrafos (as), culinaristas, produtores (as) de eventos e demais participantes dessa imensa cadeia cultural e produtiva.
Quais são os critérios que a comissão utilizará para avaliar um projeto?
É um processo democrático e justo. São avaliados grau de adequação da proposta aos objetivos específicos do Edital (20 pontos), clareza e qualidade artística da proposta (20 pontos), o benefício à população e fomento ao público do reggae (20 pontos), compatibilidade da proposta em relação aos prazos, recursos e pessoas envolvidos no plano de trabalho (20 pontos) e, finalmente, o histórico artístico do grupo/artista (20 pontos). Ou seja, alguém pode pontuar bastante no quesito ‘histórico artístico’, mas não se dar bem na clareza da proposta ou no plano de trabalho. De maneira que, mesmo quem não possua anos e anos no reggae poderá concorrer em certa igualdade com os mais experientes, valendo-se de boa pontuação em outros quesitos, o que certamente colabora para a renovação na cena reggae – aspecto crucial da Lei Junior Black e seu edital anual.
Quantas vezes o artista poderá se beneficiar do edital?
Tudo isso pra estimular, incentivar, ampliar a cultura reggae e sua rede, deixar as portas abertas para as novas gerações” “
Não há limite de participação, ou seja, a pessoa sempre poderá inscrever seu projeto e, eventualmente, desde que atinja pontuação suficiente, ser aprovada ano após ano – como ocorre no futebol ou nos desfiles das escolas de samba. Entre as restrições, além do limite de um projeto para cada proponente, os integrantes da equipe ou convidados que estão em um projeto não podem aparecer em outros projetos inscritos. Quer dizer, tudo isso pra estimular, incentivar, ampliar a cultura reggae e sua rede, deixar as portas abertas para as novas gerações.
Como um artista aciona o edital?
Para se beneficiar da Lei e de seu edital anual, proponentes deverão inscrever um único projeto em apenas um dos Módulos de Criação Artística, naturalmente observando o prazo de inscrição e demais exigências. Todo o processo poderá ser feito digitalmente;caberá à Secretaria Estadual de Cultura informar as páginas de acesso.
Com que frequência os editais serão publicados?
Tal como colocado pelo Fórum do Reggae, o edital será publicado anualmente. Por ora, não há previsão de mudanças nos Módulos de Criação Artística ou nas demais cláusulas, mesmo porque o texto é baseado no edital da Lei Municipal do Reggae em São Paulo, portanto testado e aprovado com sucesso há vários anos.
Quais documentos são necessários para que um artista possa participar do edital?
Além de documentos básicos, como RG e CPF, é necessário comprovar residência no Maranhão e pelo menos três anos de atividade
“
Não há limite de participação, ou seja, a pessoa sempre poderá inscrever seu projeto e, eventualmente, desde que atinja pontuação suficiente, ser aprovada ano após ano"
no reggae, entre outras exigências que miram um processo democrático, e justo – por exemplo, funcionários públicos estaduais ou municipais não podem participar. Para ser aprovado, o projeto deverá ser criativo, bem defendido, ter relevância pra comunidade, apresentar plano de atividades, cronograma, orçamento detalhado e, ainda, oferecer contrapartidas. Caso passe pelo crivo da comissão julgadora, será preciso seguir à risca o que foi proposto, observando prazos e lisura na prestação de contas. Ou seja, o rigor do edital promoverá um salto na qualidade da criação artística, estimulando mais profissionalismo e capacidade de gestão, trabalho em equipe, criatividade e inovação.
Onde está a juventude?
Houve e há recursos para o segmento, mas são distribuídos de forma pontual, favorecendo DJs e radioleiros históricos que se tornaram empreendedores bem- sucedidos. Só que essa concentração de recursos não está promovendo renovação. O fenômeno pode ser observado também no público que gosta de um bom reggae: nos salões, bares e shows, homens e mulheres mais jovens estão na casa dos 40 anos. Cadê a molecada?! Cadê as novas gerações?! Acredito que a Lei seja uma boa saída para Jamaica Brasileira não virar lenda.
responsa Museu de
Guardião do reggae em São Luís preserva a alma do ritmo e do movimento no Brasil.
Por: Ana Clara D’Eça, Juberlane Reis e Yuri Almeida
Na manhã do dia 7 de agosto de 2017, Ademar Danilo Santos Júnior organizava os últimos detalhes de sua viagem ao Museu Bob Marley, em Kingston, Jamaica. Ele revisava o roteiro da visita técnica, planejada para contribuir com o projeto de implantação do Museu do Reggae Maranhão. A missão foi dada pelo então governador Flávio Dino: carregar a 'responsa' de criar o primeiro museu fora da Jamaica dedicado exclusivamente ao reggae e, ao mesmo tempo, honrar a história do movimento em São Luís, que sempre foi uma das capitais mundiais do ritmo. Essa não era uma tarefa simples. Não se tratava apenas de inaugurar um museu, mas de solidificar a conexão entre o Maranhão e as raízes culturais do reggae.
“A nossa viagem tinha um objetivo muito específico”, relembra Ademar.
“Eu e o então secretário de Cultura e Turismo, Diego Galdino, fomos à Jamaica dizer para os jamaicanos: 'Estamos aqui e criamos o primeiro museu dedicado ao reggae fora da Jamaica'. Fomos para lá com essa missão", enfatiza.
Pouco mais de cinco meses depois, em 18 de janeiro de 2018, o sonho se concretizou. O Museu do Reggae de São Luís abriu suas portas ao público, e Ademar Danilo, comunicador e DJ com décadas de envolvimento na cena reggae, foi escolhido para liderar a instituição. Durante uma entrevista no "Espaço Aberto" do museu, Ademar destacou o impacto que a viagem à Jamaica teve no projeto. "Apesar de
toda essa popularidade do reggae aqui, a Jamaica não sabia da nossa existência concretamente, apenas alguns artistas que já tinham vindo aqui", explica. "Essa nossa ida deu um impulso muito grande ao reconhecimento da 'Jamaica Brasileira”, complementa.
Com sua experiência prévia, já tendo sido tema de reportagens no país caribenho, Ademar compreendeu o simbolismo da viagem: “A Jamaica ama o Brasil. Durante as Copas do Mundo, eles se vestem de verde e amarelo de norte a sul. Fizemos com que eles soubessem que, nesse país que eles amam, existe um lugar que os ama de volta”, ressalta, referindo-se ao forte laço entre o reggae e São Luís.
Localizado no Centro Histórico de São Luís, o Museu do Reggae é dividido em cinco ambientes, cada um dedicado a uma parte essencial da história do reggae no Maranhão, no Brasil e no mundo. O primeiro ambiente é o dedicado ao Clube Pop Som, fundado em 1975 no bairro da Jordoa, conhecido como a "Universidade do Reggae". Esta sala reproduz a atmosfera de um clube típico de São Luís, com foco na figura do DJ, peça central das festas regueiras.
Diferentemente de outras cenas musicais, as festas de reggae em São Luís são comandadas pelas radiolas, também conhecidas como paredões, e não por bandas ao vivo. É nesses paredões que o DJ cria a magia, enquanto os frequentadores, muitas vezes dançando agarradinhos, entregam-se ao ritmo que chegou misturado a sons românticos como salsa, bolero e merengue, influências que moldaram o jeito
único de dançar reggae no Maranhão. "A primeira vez que dancei aqui, estranhei, porque todos dançavam juntinhos", comenta Marta Sousa, uma visitante de 32 anos. "Depois que você entende a história por trás, faz todo o sentido. É uma forma única de viver o reggae”, reitera.
O segundo ambiente é o Clube União do BF, um espaço internacional que celebra a influência global do reggae. Localizado originalmente no Bairro de Fátima, na periferia de São Luís, esse clube foi palco de festas onde o reggae internacional se encontrava com a alma maranhense. Discos raros de artistas como Bob Marley, Gregory Isaacs, Rita Marley e Jimmy Cliff, que moldaram o som das radiolas na cidade, podem ser vistos, e uma linha do tempo audiovisual conduz o visitante pelos momentos mais marcantes da história do reggae mundial, culminando na inauguração do museu em 2018.
No começo, eram principalmente os homens que dominavam as festas de reggae, mas nós mulheres sempre estivemos presentes e tivemos que nos impor”
– Célia Sampaio
"Eu me emociono toda vez que vejo esses discos", diz João Carlos, um frequentador de clubes de reggae desde os anos 1980. "É como reviver cada festa, cada dança", pontua.
Esse mesmo ambiente é compartilhado com a Sala dos Imortais, que homenageia grandes nomes do reggae local que já faleceram. Em uma das bancadas, além de discos de reggae, destaca-se o passaporte de DJ Serralheiro ao lado de sua radiola, Voz de Ouro Canarinho, uma das mais icônicas da cidade. Ainda na Sala dos Imortais, fotos dos clubes de reggae das décadas de 1980 e 1990 adornam as paredes, enquanto uma bancada central exibe discos importantes da década de 1980, como o álbum The Front Line, famoso por suas 12 "pedradas", termo que os regueiros maranhenses utilizam para descrever músicas de alta qualidade. Também há "bolachinhas", discos compactos com apenas uma música de cada lado, e uma coleção de CDs de reggae roots, com volumes que chegam até o 31, mostrando como o reggae roots foi responsável por dinamizar a maneira como o maranhense ouvia o reggae. Há também uma bancada dedicada à era dos jornais, com destaque para O Tambor, um jornal totalmente voltado à cultura regueira, e o passaporte de Edmilson Tomé da Costa, o DJ Serralheiro, que realizou mais de 50 viagens, inclusive para a Jamaica, em busca de discos originais.
O terceiro ambiente é dedicado ao Clube Toque de Amor, que celebra o reggae em nível nacional, destacando figuras como a banda maranhense Tribo de Jah e Gilberto Gil, que ajudaram a promover o reggae pelo Brasil. Nesse espaço, a música da Tribo de Jah ecoa pelas paredes, enquanto uma guitarra doada por Fauzi Beydoun, líder da banda, é um dos itens de destaque.
Em seguida, o visitante é conduzido ao quarto e último ambiente, dedicado ao Clube Espaço Aberto, localizado no bairro do São Francisco, que guarda memórias das primeiras manifestações contra a violência policial que marcaram as décadas de 1980 e 1990. O clube ainda funciona ocasionalmente, preservando a essência do reggae como expressão de resistência e luta. Nomes como Peter Tosh, Jimmy Cliff e Bob Marley dividem
o espaço com figuras locais, como Célia Sampaio, a Dama do Reggae, que se destaca com suas canções. "O Museu do Reggae veio para afirmar a resistência de um movimento que já acontece há mais de 50 anos", reflete Célia. "Foi uma luta de várias pessoas para conseguirmos esse espaço, para mostrar o valor e a importância dos regueiros maranhenses", reforça.
O Museu do Reggae veio para afirmar a resistência de um movimento que já acontece há mais de 50 anos”
– Célia Sampaio
Célia Sampaio, uma das poucas mulheres a conquistar destaque no cenário reggae do Maranhão, relembra que seu envolvimento com o ritmo começou ainda jovem, quando as festas de reggae eram dominadas por homens. "No começo, eram principalmente os homens que dominavam as festas de reggae, mas nós mulheres sempre estivemos presentes e tivemos que nos impor. A gente foi ganhando espaço e mostrando que o reggae é para todos", conta. Hoje, ela representa uma voz de resistência feminina nesse universo musical.
Foto: Yasmin Santos/Yebá
Foto: Yasmin Santos/Yebá
Desde a inauguração, o Museu do Reggae tem recebido milhares de visitantes a cada mês. Em 2023, o museu registrou um crescimento de 83% em relação ao ano anterior, com mais de 54 mil visitantes apenas naquele ano. Para Ademar Danilo, o crescimento é motivo de orgulho: "O mais significativo para nós é que, desde a inauguração, o museu já recebeu mais de 200 mil visitantes, dos quais 107 mil são maranhenses", destaca Ademar, reforçando a importância do museu tanto para os turistas quanto para a comunidade local.
Essa relevância levou São Luís a alcançar, em 2023, o título oficial de "Capital Nacional do Reggae", sancionado pelo presidente da República em exercício, Geraldo Alckmin. Para Ademar, esse reconhecimento só reforça o papel do reggae como parte essencial da cultura maranhense e nacional. "O reggae tem vários impactos no Maranhão, e eu
“
O reggae não chegou como um estrangeiro invasor, mas como um irmão, que se irmanou com as manifestações culturais locais”
– Ademar Danilo
destaco três principais: O primeiro é o impacto cultural. O reggae não chegou como um estrangeiro invasor, mas como um irmão, que se irmanou com as manifestações culturais locais. Para ter uma ideia, muitos grupos de bumba meu boi, que são seculares, contaram com a ajuda do reggae para se financiar. Durante muito tempo, o
reggae foi um dos bons financiadores das brincadeiras, pois, enquanto o ensaio do boi era gratuito, ao lado havia um barracão de reggae que cobrava a entrada, e isso ajudava financeiramente. Essa integração do reggae com manifestações culturais locais, como o bumba meu boi, é um dos exemplos mais marcantes de como o ritmo se enraizou na identidade maranhense”, explica Ademar. “O segundo impacto é no turismo. Uma pesquisa realizada em hotéis de São Luís mostrou que, além dos Lençóis Maranhenses, o reggae é o segundo elemento mais conhecido pelos turistas. O terceiro impacto, que considero o mais importante, é na economia. O reggae ajuda a sustentar milhares de famílias no Maranhão. Não é só a economia da festa, mas também moda, artesanato e o trancismo, que tem uma ligação direta com o reggae e é uma fonte de sustento para milhares de mulheres jovens negras", explica.
Do Maranhão para o mundo: o reggae enraizado
Em 2024, os laços culturais e econômicos entre o Maranhão e a Jamaica foram ainda mais fortalecidos com a visita do ministro do Turismo da Jamaica, Edmund Bartlett, e a assinatura de um acordo de cooperação com o Brasil, destacando a importância de um turismo sustentável e resiliente. A parceria inclui planos para a implementação de voos diretos entre São Luís e a Jamaica, bem como a criação de um Festival Internacional de Reggae, que acontecerá anualmente em São Luís, reforçando a identidade da cidade como a “Jamaica Brasileira”. "A partir de hoje, nasce uma grande parceria entre o Brasil e a Jamaica, com o Maranhão como protagonista", celebrou, na época, o governador Carlos Brandão, ressaltando os laços culturais que unem os dois povos por meio do reggae.
Entretanto, o espaço ainda precisa expandir a representação
das mulheres no reggae. "Essa é uma boa queixa que vai ser corrigida", admite Ademar, ao ser questionado sobre a ausência de mais mulheres no acervo. Para Thalisse Ramos, pesquisadora sobre mulheres no movimento reggae, essa falta de visibilidade
feminina reflete um padrão de negligência histórica: "O acervo do museu não foi feito para contemplar essa pauta. O discurso transmitido também precisa de ajustes para incluir essas personalidades e protagonismos", destaca.
Foto: Yasmin Santos/Yebá
Foto: Yasmin Santos/Yebá
Museu
do Reggae: mais do que um espaço de memória
Além das visitas guiadas, o Museu do Reggae tem planos ambiciosos para o futuro, como a criação de um estúdio para bandas ensaiarem e um sítio de festejos religiosos. "Estamos sempre trabalhando para que o museu não seja apenas um espaço de memória, mas também um centro vivo de produção cultural", afirma Ademar. Ele reforça o papel econômico do reggae no estado: "O reggae ajuda a sustentar milhares de famílias no Maranhão, não só através das festas, mas com a moda, o artesanato, e principalmente o trancismo, que gera sustento para muitas mulheres jovens
“ ”
res pon sa
no contexto do movimento reggae, tem um significado profundo e simbólico. No movimento, "responsa" vai além de simplesmente "responsabilidade". Refere-se ao compromisso de preservar a autenticidade e a essência cultural do reggae, respeitando suas raízes, sua mensagem de paz, justiça social e resistência.
No Maranhão, o termo "responsa" pode ser interpretado como o dever de manter viva uma tradição que é mais do que música — é uma expressão cultural, social e até política que une diferentes gerações. O Museu do Reggae, sendo o primeiro fora da Jamaica, tem a "responsa" de não apenas celebrar o passado do reggae, mas de garantir que sua mensagem continue ressoando e influenciando a cultura e a sociedade.
“
Estamos sempre trabalhando para que o museu não seja apenas um espaço de memória, mas também um centro vivo de produção cultural”
– Ademar Danilo
negras", reforça.
Com essa nova fase de expansão e de parcerias internacionais, o Museu do Reggae reafirma sua posição como um dos pilares da identidade cultural de São Luís, fortalecendo sua imagem como a "Capital Nacional do Reggae". O espaço se consolida não só como um ponto de preservação histórica, mas também como um centro de resistência e renovação cultural, onde passado e presente se encontram para manter viva a essência do reggae, que continua a moldar gerações no Maranhão e além.
Foto: Yasmin Santos/Yebá
Turismo na batida do reggae
O turismo no Maranhão se destaca com o reggae como um dos principais atrativos culturais de São Luís. Com a assinatura de um acordo entre Brasil e Jamaica para a promoção do turismo sustentável, a cidade reafirma sua identidade como "Jamaica Brasileira". Por: Ana Carolina Nunes, David Bryan e Joyce Menezes
Oturismo no Maranhão apresenta um grande potencial para a criação de recursos estratégicos que impulsionam o desenvolvimento econômico do estado. No caso específico de São Luís, o reggae se destaca como um dos principais elementos culturais e turísticos. A capital maranhense compartilha com a ilha caribenha características étnicas e sociais que a tornaram uma promotora do ritmo. Embora não se saiba ao certo como o reggae chegou a São Luís, ele é amplamente reconhecido como parte da identidade cultural local e um impulsionador do turismo. Esse papel do reggae pode ser
comprovado pela grande procura turística por pontos relacionados ao gênero, como o Museu do Reggae. Segundo o diretor do museu, Ademar Danilo, em quatro anos de funcionamento, o local recebeu mais de 200 mil visitantes, sendo 93 mil turistas.
Recentemente, um passo significativo foi dado para o turismo maranhense com a assinatura de um acordo entre Brasil e Jamaica para a promoção de um turismo sustentável. A escolha de São Luís como palco desse evento reflete a forte ligação cultural entre o Maranhão e a Jamaica. O acordo foi formalmente assinado no Museu do Reggae,
no Centro Histórico da capital maranhense, e reforça a importância do gênero musical como vetor de desenvolvimento econômico e cultural.
A inclusão do reggae no acordo demonstra como é possível promover o progresso econômico sem deixar de lado a preservação cultural. Além de fortalecer os laços entre Brasil e Jamaica, o acordo reconhece o reggae como um importante atrativo turístico, não apenas localmente, mas também em âmbito nacional. Ao ser escolhida como protagonista dessa parceria, São Luís reafirma seu papel de destaque no cenário cultural brasileiro, amplian-
do o impacto do reggae para além de suas fronteiras. O gênero musical, profundamente enraizado na cultura da cidade, se transformou em um elo de conexão entre turistas e o patrimônio histórico e social da capital maranhense.
De acordo com o secretário de Turismo do Maranhão, Ruan Tavares Ribeiro, o título de Patrimônio Cultural da Humanidade concedido à cidade pela Unesco é apenas um dos atrativos turísticos da capital maranhense. O reggae, com suas peculiaridades, é o que desperta maior curiosidade nos visitantes. “Muitos chegam aqui querendo saber onde podem curtir o reggae e por que São Luís é chamada de “Jamaica Brasileira”, comenta o secretário.
A forma como o reggae é vivido em São Luís, com o tradicional "dançar agarradinho" e as grandes radiolas, se diferencia significativamente da cultura jamaicana, o que torna
“
O ritmo se consolida como um produto turístico que movimenta a economia local, gerando emprego e renda em diversos setores”
a cidade um destino único para os apreciadores do gênero. Além do museu, os turistas são atraídos por clubes de reggae espalhados pela cidade e municípios vizinhos, como Paço do Lumiar, São José de Ribamar e Alcântara. A popularidade do gênero em toda a região metropolitana faz com que muitos prolonguem sua estadia, visitando diferentes pontos turísticos e participando das animadas festas que acontecem por toda parte.
Segundo Tavares, o impacto econômico do reggae é considerável. Um exemplo é o famoso Bar do Nelson, um dos principais pontos de encontro dos amantes do reggae na cidade. “Quantos empregos o Bar do Nelson gera? Quantas bandas tocam lá? E não é só o que acontece
dentro do bar, mas também fora: o Uber que transporta o turista, a vendedora de bombom, o churrasquinho na porta do clube de reggae”, enfatiza o secretário. Portanto, o ritmo se consolida como um produto turístico que movimenta a economia local, gerando emprego e renda em diversos setores.
Ciente desse potencial, o Governo do Estado, em parceria com as secretarias de Turismo e Cultura, planeja realizar um festival anual de reggae durante a baixa temporada. A iniciativa pretende atrair bandas e fãs de reggae de toda a região e de estados vizinhos, aquecendo o comércio, a rede hoteleira e outros serviços. No entanto, o crescimento do turismo também traz desafios, como o aumento dos preços em áreas muito visitadas, o que pode impactar a comunidade local. “Trabalhamos para minimizar os impactos negativos e potencializar os positivos, garantindo que o turismo seja benéfico para todos”, informa Tavares.
O impacto do acordo assinado vai além da visibilidade internacional de São Luís. Ao colocar o reggae como um dos pilares de um modelo de turismo sustentável, o Maranhão se consolida como um destino que valoriza a preservação cultural quanto o desenvolvimento econômico. Dessa forma, o reggae não apenas impulsiona o turismo na região, mas também reafirma sua importância dentro da cultura popular brasileira.
Foto: Secretaria de Estado do Turismo do Maranhão
Foto: Joyce Menezes/Yebá
CULTU RAL Motor econômico e
Acultura do reggae em São Luís, considerada a capital brasileira desse gênero musical, vai além de uma mera expressão artística, configurando-se como um verdadeiro motor econômico. O reggae impulsiona pequenos negócios e transforma vidas, com empreendedores locais demonstrando
A cultura do reggae em São Luís vai além da música, impulsionando o empreendedorismo e fortalecendo a identidade local. Por: Andreza Soares , João Fernando, Joyce Araújo, Pollyanna Lopes e Murilo Cesar como o ritmo fomenta o empreendedorismo, gerando oportunidades de renda em diversos setores, como moda, gastronomia, eventos e turismo. Além disso, o reggae fortalece a identidade cultural da cidade, criando uma rede de apoio que valoriza a história e a tradição local, enquanto movimenta a economia maranhense.
São Luís atrai milhares de turistas ao longo do ano. Com mais de 30 mil visitantes, o fluxo turístico impulsiona comércio local. Os trabalhadores autônomos da cidade, à medida que o reggae se expandiu na Ilha, descobriram que é possível obter renda por meio da produção
Foto: Andreza
artesanal e venda de produtos nas ruas do Centro Histórico e durante os eventos de reggae realizados na cidade.
A maioria dos produtos vendidos reflete as habilidades dos artesãos, que transformam fios de lã em pulseiras personalizadas e pedaços de madeira em colares nas cores da Jamaica. Na Feirinha Cultural, que acontece todos os domingos no Centro Histórico de São Luís, destaca-se um quiosque muito colorido com manequins maquiadas que exibem acessórios para cabelo. É o quiosque ‘Coisas da Vida’, de Virgínia Diniz, uma microempresária ribamarense do ramo de acessórios para cabelos.
O nome da loja “Coisas da Vida” carrega uma história significativa. O negócio, iniciado em 2014, foi batizado por Virgínia como uma homenagem à sua filha, que se chama Vida. “A minha filha se chama Vida. Parece um nome poético, mas não é. Coisas da Vida é um nome que escolhi porque realmente se refere aos acessórios que criei para ela. Ela não gostava do cabelo crespo e sempre pedia para que eu alisasse. Cheguei a fazer uma química no cabelo dela, mas me arrependi. Decidi, então, incentivá-la a se amar do jeito que é e a amar seu cabelo”, explica Virginia. “Comprei uma pequena faixa e fiz esse acessório para minha filha. Onde íamos, as pessoas
Com mais de 30 mil visitantes, o fluxo turístico impulsiona comércio local” “
observavam e perguntavam sobre o acessório, pois era muito bonito”, complementa.
“Dessa forma, eu consegui construir a autoestima dela, que passou a amar o cabelo com os acessórios”, revela a microempresária. Surgiu a ideia de fazer um negócio com um propósito: vender os acessórios e ajudar outras pessoas amarem os seus cabelos, da mesma forma que fiz com ela.
A microempresária Virgínia Diniz explicou que, em outubro, seu negócio completou exatamente 10 anos. Ela participa da Feirinha Cultural há mais de cinco anos, vendendo acessórios para cabelo e ajudando a elevar a autoestima de mulheres com cabelos crespos.
Em São Luís, 74% da população se identifica como preta ou parda, o que contribui para a conexão dos produtos com o público. “Eu já participei de vários eventos de reggae, e as pessoas que vão a esses eventos se identificam completamente com os acessórios de cabelo e
amam. Sempre que vou é um grande sucesso. A venda é a garantida, pois a gente já sabe que o próprio preto se reconhece onde quer que esteja”, disse Virgínia Diniz.
Virgínia Diniz já vendeu mais de 10 mil faixas de cabelo em um único ano e, atualmente, conta com a ajuda da sua filha Vida e de mais uma pessoa em sua linha de produção. “Hoje, temos o ateliê. A Vida costura desde os 10 anos de idade, mas de forma esporádica porque ela ainda estuda e está terminando os estudos agora. Também contamos com uma profissional que trabalha comigo, costurando ao meu lado. No entanto, toda a parte de corte, a escolha do tecido para o material é feita por mim”, comenta Virginia.
O público que compra faixas de cabelo na ‘Coisas da Vida’ não se limita apenas aos moradores locais. Turistas de outros estados até mesmo de outros países que visitam São Luís também adquirem os produtos da loja. A microempresária informou que a ‘Coisas da Vida’ envia as faixas para outros estados e países. “Como a gente está no coração de São Luís, no coração da Feirinha Cultural, conseguimos vender muito para turistas. Costumo dizer que as vendas são bem equilibradas”, enfatiza.
O sucesso de Virgínia Diniz vai além das vendas. Reflete como o reggae e a cultura afro-brasileira
se entrelaçam em seu negócio. Sua atuação impacta a autoestima de suas clientes e fortalece a economia criativa local. Contudo, sua história também evidencia a falta de apoio institucional para pequenos empreendedores, que enfrentam desafios estruturais apesar da popularidade do reggae na cidade.
Enquanto o gênero cresce como um símbolo cultural e econômico de São Luís, a trajetória de Virgínia ressalta a necessidade de políticas públicas que apoiem empreendimentos desse porte, garantindo seu crescimento sustentável e sua contribuição à identidade local.
Desafios de empreender
Carlos César é um artesão natural de São Luís que encontrou na cultura local e no reggae a inspiração para seu trabalho. Ele cria peças esculpidas em madeira, refletindo o patrimônio cultural da cidade. “O que mais me motiva são as peças que eu mesmo crio”, afirma César. Embora também revenda produtos que monta, suas criações pessoais são seu verdadeiro orgulho. No entanto, como ele mesmo conta, o mercado não é fácil. “Tem muita concorrência. A gente pega as mercadorias, faz nosso trabalho e bota para vender, mas tem que ser esperto para não ficar para trás. Tem muito artesão na cidade, e os preços variam bastante”, explica César. Ele destaca a importância da divulgação e da colaboração entre os artesãos para sobreviverem nes-
se cenário competitivo. Carlos Santos, proprietário do Black Bar, localizado na Avenida dos Africanos, em São Luís, encontra na cultura do reggae a alma do seu negócio. Ele compartilha sua experiência como empreendedor em um cenário desafiador. “O reggae trouxe uma nova dinâmica ao meu bar. Não é só música, é cultura”, frisa Carlos. Carlos reflete sobre os desafios de atrair e manter clientes em um mercado saturado, além de destacar a dificuldade de lidar com a falta de apoio institucional. “Muitos eventos de reggae não têm a regularização necessária, o que complica a obtenção de licenças para festas maiores. Isso torna tudo mais difícil”, observa. Para superar essas barreiras, ele promove festas de reggae e eventos com DJs locais, criando um ambiente acolhedor para a comunidade. “Eu vejo meu bar como um espaço de resistência. A música aqui é uma forma de celebrar nossa cultura e fortalecer os laços comunitários”, assegura Carlos, enfatizando o papel fundamental que o reggae desempenha em sua vida. Apesar das dificuldades econômicas, Carlos continua a investir no Black Bar, acreditando que a cultura reggae é um motor importante para a identidade local. Com essa visão, ele busca não apenas sobreviver, mas também contribuir para a valorização da cultura na cidade.
José Ribamar de Almeida também é uma figura importante no cenário do reggae em São Luís. Com sua radiola móvel, ele viaja por diversos bairros, levando música e cultura a comunidades que frequentemente não têm acesso a eventos culturais. Como DJ de reggae, José tem um talento especial para criar atmosferas vibrantes, misturando clássicos do reggae com novas batidas, atraindo um público fiel e diversificado. “Levar o reggae para quem não tem acesso é a minha missão. É mais que música, é cultura e pertencimento”, destaca.
Durante a pandemia, José inovou ao criar máscaras personalizadas com a imagem de Bob Marley, que se tornaram um símbolo de resistência e identidade para os frequentado-
Levar o reggae para quem não tem acesso é a minha missão. É mais que música, é cultura e pertencimento”
– DJ José Ribamar
res de seus eventos. Atualmente, ele vive exclusivamente da renda gerada por seus eventos de reggae, consolidando sua presença no cenário cultural de São Luís e contribuindo para a valorização da música.
A trajetória do reggae em São Luís revela não apenas a resiliência cultural de seus praticantes, mas também o poder desse gênero musical como motor econômico que impulsiona a criatividade e o empreendedorismo local. As histórias de Carlos César, Virgínia Diniz, Carlos Santos e José Ribamar de Almeida ilustram como o reggae se entrelaça com as identidades individuais e coletivas, promovendo um ambiente onde a música e a cultura se transformam em oportunidades de renda e desenvolvimento. Assim, o reggae, além de ser uma forma de expressão artística, se solidifica como um pilar fundamental da economia criativa em São Luís, reforçando a importância de apoiar e valorizar as iniciativas que emergem desse rico patrimônio cultural.
Foto: João Fernando/Yebá
Foto: João Fernando/Yebá
Cores, tranças resistência &
A estética vibrante do reggae em São Luís vai além das roupas. Com raízes culturais profundas, a moda expressa identidade e resistência, influenciando o estilo de vida de uma comunidade que celebra suas tradições e luta por representatividade.
Por: Ana Clara D’Eça, Juberlane Reis e Yuri Almeida
“
A moda reggae tornou-se uma parte fundamental do cotidiano”
Oreggae, mais do que um gênero musical, é uma verdadeira expressão de cultura, identidade e resistência. Originado nas ruas da Jamaica nos anos 1960, o movimento reggae logo transcendeu as fronteiras da música e influenciou a moda globalmente,
trazendo consigo uma estética vibrante e cheia de significados. Em São Luís, cidade conhecida como a “Jamaica Brasileira”, a moda reggae tornou-se uma parte fundamental do cotidiano, representando muito mais do que um estilo, mas uma forma de vida e expressão cultural.
Foto:
Raízes e cores: a identidade do Reggae
As cores do reggae são, talvez, um dos elementos mais reconhecíveis da moda associada ao movimento. Vermelho, amarelo e verde, as cores da bandeira da Jamaica, são onipresentes no vestuário de quem abraça o
estilo. Essas cores, além de remeterem às raízes jamaicanas, carregam significados profundos: o vermelho simboliza o sangue derramado na luta contra a opressão, o amarelo representa a riqueza da terra africana, e o
verde, a esperança e as terras férteis.
Nas ruas de São Luís, essa paleta é visível em roupas, acessórios e até em manifestações culturais. Lojas como a Jah Live, localizada no bairro Angelim, reforçam essa ligação entre moda e identidade cultural, oferecendo, desde 2012, peças com estampas que evocam sentimentos de amor, paz e união, representando a essência do reggae maranhense.
A professora e pesquisadora Thalisse Ramos, especialista em mulheres no movimento reggae, explica a importância da moda dentro desse universo: "O regueiro faz questão de se produzir, de colocar elementos, nem que seja uma pulseira. A questão da identidade é central, a pessoa faz questão de se apresentar: ‘eu sou regueiro’, e a vestimenta compõe essa identidade. Temos várias lojas que promovem esse segmento de forma específica", afirma.
A influência das tranças e dreads
Outra marca registrada da moda reggae é a relação íntima com os cabelos trançados e os dreadlocks. Segundo Elisiane Guterres Pinheiro Sousa, conhecida como Lika, trancista e sócia do salão "Pedra Rara", as tranças têm um significado ancestral profundo para a comunidade afrodescendente. “A trança é uma memória ancestral, algo passado de geração em geração desse povo”, explica. Para muitos, esses penteados são mais do que uma escolha estética: são um símbolo de
A trança é uma memória ancestral, algo passado de geração em geração desse povo” “
resistência e celebração da cultura negra.
Lika, além de trancista, também é professora de tranças e reforça a importância desse estilo no contexto do reggae. “O reggae é um movimento de pretos, veio da Jamaica, onde o povo tem o costume de usar o cabelo trançado e em dread. Esse cabelo é um símbolo de resistência”, ressalta. Ela também enfatiza que os dreadlocks, muitas vezes associados exclusivamente ao estilo, têm uma conexão profunda com o movimento Rastafari, religião que originou o visual. “Rastafari é, na verdade, uma religião. [Haile] Selassie foi o líder e criador da religião que utilizava os famosos ‘cabelos rastafaris’, e aqueles que seguem essa religião têm o costume de não cortar o cabelo. Algum tempo depois, Bob Marley aderiu à religião, espalhando seu nome e associando-o ao ritmo do reggae", explica Lica.
Foto: Ana Clara D'Eça/Yebá
Foto: Ana Clara D'Eça/Yebá
A evolução da Moda Reggae
Ao longo das décadas, a moda reggae também evoluiu. Nos primeiros anos, a vestimenta dos frequentadores dos bailes de reggae em São Luís era bastante específica. Lika lembra que, antigamente, "as mulheres precisavam se vestir de forma muito específica, usando shorts e calças para irem às baladas de reggae, caso levassem um ‘raspa’ dos homens". Esse comportamento refletia as dinâmicas sociais da época, onde os “raspas” (movimento brusco e invasivo dos homens ao tentar dançar com as mulheres) exigiam vestimentas mais práticas.
Nos anos 1980, quando o reggae de praia dominava as festas, as roupas passaram a ser mais leves, como biquínis, refletindo o clima de diversão na
praia ao som do reggae jamaicano. Hoje, a moda reggae combina conforto e expressão cultural, com peças mais soltas, como camisetas oversize e calças baggy, sempre acompanhadas de cores vibrantes e acessórios artesanais.
“
A moda reggae, com suas cores vibrantes e símbolos poderosos, é uma expressão cultural que vai além de tendências passageiras”
Moda Reggae no Museu e nas ruas de São Luís
Hoje, a moda reggae combina conforto e expressão cultural, com peças mais soltas”
José Raimundo Colins, responsável pela administração da loja Cidinho Moda Reggae, destaca como o estilo dos regueiros evoluiu ao longo dos anos: “Antigamente, até a moda era mais simples, era uma classe mais pobre. Hoje as pessoas se arrumam bastante para vir ao bar. Eu gosto disso”, afirma Colins, cuja loja, de propriedade de sua esposa, Waléria Martins Ribeiro, localizada no bairro Monte Castelo, é referência na venda de roupas e acessórios ligados ao reggae. Ele lembra que a ideia de abrir a loja surgiu quando percebeu a demanda crescente por peças com a temática reggae entre os frequentadores do bar. “Primeiro quis fazer uma grife normal, sem envolver o reggae, mas minha esposa na época me apoiou em fazer uma loja aprofundada nesse ritmo porque eu sempre tive mais conhecimento nesse assunto”, conta.
O Museu do Reggae, localizado no centro de São Luís, é um espaço que celebra essa cultura em sua totalidade, incluindo a moda. A loja presente no museu oferece uma variedade de peças inspiradas no movimento, desde roupas em tricô até camisas personalizadas e acessórios que carregam as cores e os símbolos do reggae. A galeria roots do museu destaca essa diversidade, mostrando como a moda reggae é tanto uma representação do passado quanto uma expressão do presente.
Nas ruas e festas de São Luís, é fácil identificar um regueiro pelo seu estilo. Os trajes carregam não apenas a estética, mas também a mensagem de luta e resistência que o movimento reggae sempre simbolizou. Para Thalisse Ramos, além das roupas, o cabelo também é um elemento crucial: “Agora, além da vestimenta, as tranças também compõem essa identidade”, comenta.
A moda reggae, com suas cores vibrantes e símbolos poderosos, é uma expressão cultural que vai além de tendências passageiras. Em São Luís, ela se consolidou como parte da identidade local, influenciando desde a forma de se vestir até as lutas sociais da comunidade. Para os regueiros, cada peça de roupa, cada trança e cada acessório conta uma história de resistência, celebração e conexão com suas raízes.
Foto: Ana Clara D'Eça/Yebá
EXPRESSÃO CULTURAL E CIENTÍFICA
O reggae, muito além de um ritmo musical, se tornou um campo de estudo no Maranhão, integrando ciência, cultura e identidade. Pesquisadores exploram suas raízes e ressignificações, revelando como a música jamaicana se transformou em um símbolo de resistência e orgulho para a população, especialmente a juventude negra periférica de São Luís.
Por: Jessyka Melo
Éimpossível ser maranhense ou já ter visitado a terra de Gonçalves Dias e nunca ter ouvido um reggae. Você pode até não ter percebido, mas, pelo menos uma vez na vida, já se balançou ao ritmo de um "melô". A verdade é que o reggae está presente em cada esquina de São Luís: nos bares, nas festas, nos churrascos de domingo, nas rádios, na história, nas estampas pintadas em verde, vermelho e amarelo, e no coração dos regueiros. Para além disso, o reggae transcendeu as ruas e os bares, alcançando novos horizontes. Ele também se tornou um campo relevante de pesquisa científica, consolidando-se como um dos principais temas de estudo no Maranhão e no Brasil.
Saindo das limitações do "dan-
çar agarradinho", o reggae se revela como um ritmo vasto e complexo, repleto de possibilidades a serem exploradas pela ciência. Mais do que música e dança, o reggae carrega em si cultura, resistência, alegria e a identidade da massa regueira,
Mais do que música e dança, o reggae carrega em si cultura, resistência, alegria e a identidade da massa regueira” “
o que o torna um objeto de estudo atraente para pesquisadores. Afinal, o reggae oferece um amplo campo para levantar hipóteses e desdobrá-las em questionamentos que busquem respostas profundas. Seu estudo pode abranger desde a origem de sua nomenclatura até a influência do movimento rastafári dentro do gênero, ampliando as perspectivas sobre sua relevância cultural.
O Doutor em Ciências Sociais Ramúsyo Brasil, autor da pesquisa “O Reggae no Maranhão: música, mídia e poder” define o reggae como: “Uma relação de identidade que atravessa simplesmente o gosto musical, mas entra por questões que estão ligadas a uma identidade ancestral.”
Qual a importância da pesquisa para o reggae?
É preciso tocar na ferida e falar sobre a crescente discriminação que o reggae sofria em meados da década de 1990. Afinal, a sociedade rica da época se recusava a abrir mão do título de “Atenas Brasileira” para dar lugar a “Jamaica Brasileira”. Negavam com veemência a ascensão do ritmo jamaicano em São Luís, pois não queriam ser associados a uma juventude negra e periférica, que eram os principais consumidores desse ritmo.
Hoje, o título de "Jamaica Brasileira" e a reputação de cidade nacional do reggae são motivo de orgulho, e isso se deve ao primeiro registro acadêmico sobre o reggae
no Maranhão: o livro ‘Da Terra das Primaveras à Ilha do Amo’, do antropólogo, sociólogo e professor Carlos Benedito, conhecido como Carlão. Esse trabalho desafiou paradigmas e preconceitos, misturou Atenas com a Jamaica e, acima de tudo, permitiu que o reggae fluísse livremente, integrando todas as classes, raças e etnias do Maranhão.
A importância da pesquisa científica sobre o reggae reside, primordialmente, na possibilidade de desmistificar as falsas narrativas que uma grande parcela da sociedade difundiu. Afirmações de que o reggae era apenas para homens, negros e pobres foram desmentidas pelas investigações e descobertas de diversos pesquisadores.
Em seu estudo, o professor Carlão analisa as relações sociais vivenciadas por grande parte da população
negra, que associava o reggae ao lazer e à diversão. Ele explora como as canções foram ressignificadas de acordo com uma identificação cultural que surgiu, principalmente, pela ancestralidade africana compartilhada entre a Terra das Primaveras (Jamaica) e a Ilha do Amor (São Luís).
Para a jornalista e pesquisadora Karla Freire, autora do livro Onde o Reggae é Lei, a obra de Carlão foi um incentivo para ela iniciar suas próprias investigações sobre o reggae. "Li o livro dele e [...] me deixou encantada ter outra perspectiva. O que o Carlão defende, e que é importante frisar, é que foi a primeira pesquisa sobre o reggae no Maranhão. Ele destaca que, apesar de ser uma música estrangeira, o reggae foi apropriado e ressignificado pelas pessoas de São Luís. Enfatiza bastante que quem se apropria disso é, principalmente, a juventude negra da periferia de São Luís. Ou seja, não existe uma indústria cultural por trás disso. Depois, peguei esse conceito que ele trabalha antropologicamente e o apliquei à comunicação, o que me levou a fazer minha própria investigação sobre o reggae”, declara a jornalista.
É fundamental considerar como, onde e, principalmente, com quem essas pesquisas são realizadas. No âmbito municipal, é inconcebível estudar o reggae sem dedicar tempo para visitas a bairros como Liberdade, Centro e João Paulo, bem como a bares como o Bar do Seu Nelson na Litorânea, Lendário Roots na Cidade Operária e Espaço Roots no Anil.
Entende-se que, sendo o reggae um agente identitário, ele pulsa com ainda mais intensidade nos amantes dessa música do que nas radiolas. São essas pessoas com quem os estudos são feitos; são elas que param momentos de seus dias para esclarecer dúvidas e compartilhar seus conhecimentos com os estudantes. Elas são as que transmitem seus sentimentos pelo reggae para que outros possam traduzi-los em palavras rebuscadas, seguindo as regras da ABNT. São essas pessoas que abrem suas casas para que jornalistas e pesquisadores realizem
Foto:
Karla Cristina Freire
seus registros e anotações. Ela são as principais fontes das pesquisas científicas sobre o reggae. Pergunta-se, então: que retorno elas recebem? Quantos pesquisadores voltam para explicar os resultados alcançados
Para Ramúsyo, os resultados de uma pesquisa servem como fundamento para a própria população maranhense, esclarecendo, sobretudo, a relevância do reggae no contexto local. Ainda assim, não há como esperar um resultado rápido, e por vezes, não há sequer como devolver essas pesquisas a seus originadores, uma vez que o encontro entre pesquisadores e os cidadãos que são seus objetos de estudo são, na maioria das vezes, únicos e breves. “Às vezes as pessoas acham que uma pesquisa tem que ter um impacto imediato dentro de algum arranjo produtivo, de alguma comunidade, de algum grupo social. Mas a pesquisa científica tem características específicas que às vezes não são tão facilmente percebíveis de imediato”, afirma o doutor em Ciências Sociais.
Já Karla Freire acredita que o principal resultado de uma pesquisa é o registro e perpetuação de cultura e identidade através das histórias. “No meu livro entrevistei muitas pessoas. E as pessoas vão morrer, eu vou morrer. Mas o livro vai estar aí e as histórias vão estar sendo contadas. As histórias dessas pessoas. Então eu acho que é um registro importante, para essa afirmação... da gente compreender a dimensão desse fenômeno, o reggae, para a gente”, destaca a jornalista.
O futuro do reggae na pesquisa
Antes de falar sobre o futuro do reggae na ciência, é fundamental refletir sobre seu futuro em um contexto mais amplo. O reggae está morrendo? Sumindo? Para onde foram as radiolas? Ainda existem bares de reggae? Alguém ainda sabe quem é Eric Donaldson? Podemos suspender o funeral: o reggae continua vivo. No entanto, assim como muitos movimentos
“
O principal resultado de uma pesquisa é o registro e perpetuação de cultura e identidade através das histórias”
culturais, ele precisou se adaptar à era atual, à tecnologia, aos novos ritmos, batuques e aos conceitos modernos de cultura. “O reggae não diminuiu, não perdeu força, ele vai se transformando, ele vai se adequando às demandas do mercado, às novas características do mercado. Por exemplo, aquilo que eram os programas de reggae, de TV e de rádio hoje, é o que os radioleiros fazem dentro das suas redes sociais, a divulgação dos materiais. Eu não diria que o reggae perdeu força, ele apenas se transmutou de acordo com as condições desse ecossistema que nós vivemos”, declara Ramúsyo Brasil.
E, se o reggae está vivo, há muito a ser pesquisado. Este ritmo é um vasto campo de pesquisa que abrange história, política, espiritualidade e globalização. Ao explorar essas dimensões, pesquisadores, mú-
sicos e amantes da música podem contribuir para um diálogo mais amplo sobre a importância do reggae na sociedade contemporânea.
Afinal, a música não é apenas entretenimento; é uma forma de arte que reflete e influência a realidade.
“Como é um fenômeno em mudança, então, para mim, é um campo aberto. Eu acho que tem muita gente ainda que pode pesquisar [...] tem gente pesquisando a mídia do reggae, tem gente pesquisando a dança, tem gente pesquisando a linguagem, a gente tem pesquisa sobre o léxico do reggae. Tem muito a ser pesquisado. [...] Tem uma infinidade de pesquisas, porque é um fenômeno complexo e em constante mudança”, finaliza Karla Freire.
O reggae, portanto, não se acomoda no ‘singular’; ele precisa do ‘plural’ para se expandir. O reggae não é um só – dentro dele há poesia, arte, política, pesquisa e pessoas. Estudar o reggae permite um olhar mais profundo sobre suas influências e adaptações ao longo do tempo. Com o crescente interesse acadêmico, novas vozes e perspectivas têm a oportunidade de emergir, contribuindo para uma compreensão mais abrangente e enriquecedora desse estilo musical. Suas múltiplas facetas, além de suas raízes, são essenciais para a construção de um diálogo cultural que respeite e celebre a pluralidade.
Foto: Marcus Ramusyo
GDAM no movimento reggae
O Grupo de Dança Afro Malungos (GDAM) é uma ONG que, desde 1986, promove a cultura afro-brasileira em São Luís, com foco no reggae. A organização oferece oficinas e projetos culturais que vão além da música, lutando contra o preconceito e fortalecendo a identidade negra. Agora, o GDAM busca ampliar sua atuação com o apoio do poder público para consolidar o reggae como um símbolo de resistência e inclusão.
Por: Ana Beatriz Santos
Foto: Grupo de Dança Afro Malungos (GDAM)
Ilha Magnética, Ilha do Amor, Cidade dos Azulejos, Athenas Brasileira, a cidade de São Luís possui diversos apelidos que refletem suas múltiplas culturas e tradições. No entanto, o que ganha destaque é o apelido "Jamaica Brasileira". Esse nome se deve à forte presença da cultura afro-brasileira e, é claro, à influência marcante do reggae na capital maranhense.
O ritmo tornou-se muito popular no Maranhão a partir dos anos 70, principalmente devido à forte influência da cultura jamaicana na região. Os artistas maranhenses desenvolveram seu próprio estilo, incorporando tradições e elementos da música local. Além dos museus e festas que preservam e difundem essa cultura, há também o trabalho de Organizações Não Governamentais que se dedicam à preservação, como é o caso do Grupo de Dança Afro Malungos (GDAM).
O GDAM é uma ONG que surgiu em 1986, devido à necessidade de ter mais artistas inseridos na cultura afro-brasileira, especialmente considerando que o Maranhão é o terceiro estado com maior população negra no Brasil. “Na época, não havia artistas dedicados às artes cênicas, especialmente na dança. Como sou da área, isso me deixou inquieto, e decidimos buscar novos talentos para formar jovens na cultura afro-brasileira”, explica Adão, um dos fundadores da ONG.
O Grupo de Dança oferece uma série de atividades voltadas para a cultura, incluindo o reggae. O GDAM não se limita a apenas divulgar o reggae, mas busca plantar e cultivar as sensações que esse ritmo pode proporcionar. Um dos projetos é o “Sonho do Bom Menino”, que, além de oferecer oficinas de dança, ca-
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poeira, percussão e turbante, proporciona vivências ligadas à música e à cultura popular do Maranhão, em sintonia com o movimento reggae. “A minha base, a minha origem, quem eu sou hoje, começou no GDAM, com as oficinas de dança; o penteado afro ajudou muito a construir a mulher que sou hoje”, disse Itane Soares, ex-participante das oficinas promovidas pela ONG. “A aceitação, enquanto menina e mulher negra com cabelo afro, não tive essa base em casa, mas no GDAM eu tive”, revela Itane, reforçando o impacto do projeto em sua vida.
Como forma de divulgar ainda mais o movimento, o Grupo GDAM se apresenta, também durante o carnaval na capital. O bloco carnavalesco é tradição na cidade, onde os brincantes se divertem, falam e vivem o reggae. Além dos participantes e da população local, o bloco atrai turistas que se conectam com o ritmo sem precisar ir à Jamaica, uma vez que estão na “cidade do reggae”.
Apesar dos esforços e incentivos grupo GDAM, existem desafios e preconceitos ao longo dessa trajetória. “O principal desafio é o preconceito racial, que ainda não foi superado na cidade, principalmente devido à forte presença da cultura
negra”, afirmou Adão. O reggae ganhou força nas periferias de São Luís e entre a juventude negra da cidade, mas, devido a essa origem, sempre houve preconceito social e racial.
O GDAM colabora com outros centros culturais que trabalham para reter o público no ritmo e na cultura do reggae. De acordo com o Adão, a sede do grupo é cedida para realização de seminários e rodas de conversa. Além disso, as atividades do GDAM são levadas também para escolas municipais e estaduais, promovendo o reggae e sua importância cultural no estado.
Organizações Não Governamentais, como o GDAM, são importantes para o desenvolvimento e conhecimento da cultura do reggae no Maranhão. A busca pela preservação e divulgação dessa cultura vai além do reconhecimento; é uma luta de resistência e inclusão na cidade. Para que isso continue a evoluir e engajar, é importante que todos, incluindo o poder público, participem dessa corrente de resistência. “Para o fortalecimento do reggae, não podemos mais ver essas ações como isoladas. O poder público deve trabalhar em conjunto com as secretarias para construir políticas públicas que fortaleçam a cadeia produtiva do reggae”, conclui Adão. A
Foto: Grupo de Dança Afro Malungos (GDAM)
A força da mulher no reggae maranhense
Mulheres ampliam sua participação no reggae maranhense, superando desafios e preconceitos. Lideranças como Célia Sampaio e Elizabeth Lago têm papel fundamental na transformação do movimento, participando em diversas áreas da cadeia produtiva. Por: Marlan Levi
Acultura reggae é um dos maiores movimentos e estilos de vida presentes em nosso país, englobando aspectos como moda, música e costumes. Nesse contexto, o papel da mulher, de forma geral, está totalmente ligado, seja por processos de produção ou consumo, nos bastidores ou no palco. Porém, a cena local nem sempre contou com um número expressivo de mulheres em sua cadeia produtiva, uma realidade que foi mudada com a ajuda de nomes importantes, como Célia Sampaio,
cantora e compositora conhecida como “A Dama do Reggae”.
Célia cresceu no bairro da Liberdade e marcou a história do reggae em São Luís, iniciando sua trajetória em 1884 como cantora no Bloco Afro Akomabu, o primeiro bloco afro de carnaval do Maranhão. Ela foi a única mulher a integrar a banda Guethos, a primeira banda de reggae a se apresentar no Teatro Arthur Azevedo. Em 2000, lançou seu primeiro disco solo, que a consagrou na história da música maranhense e lhe rendeu o Prêmio Universidade
FM, um dos mais relevantes da cena musical local. Essa personalidade de extrema importância é também responsável por colocar a imagem das mulheres negras em evidência, trazendo, assim, em seus trabalhos, a representatividade periférica feminina em estado puro. Gradativamente, Célia inspirou e transformou o cenário do reggae na Ilha do Amor, um ambiente no qual, muitas vezes, as funções dessas mulheres eram invisibilizadas.
Alessandra Vieira, arte-educadora, conta que, no início de sua trajetória dentro do reggae, ao participar de concursos de beleza negra, notou que as mulheres, muitas vezes, não falavam; eram apresentadas, porém não possuíam voz ou espaço para se expressar. Esse fato a fez perceber a necessidade da presença da mulher negra diretamente na direção e produção desses concursos, assim como em todo tipo de manifestação cultural feminina, com o objetivo de garantir que essas mulheres fossem realmente bem representadas. Isso a levou a criar seu próprio concurso de beleza negra, de forma que o poder de fala realmente estivesse, de fato, nas mãos das mulheres regueiras de São Luís.
Além do trabalho produtivo, a mulher, ao longo de sua história, também esteve socialmente ligada ao trabalho reprodutivo, que está intimamente relacionado à divisão sexual de trabalho. Tradicionalmente, esse tipo de serviço, que inclui afazeres domésticos e o cuidado e criação dos filhos, foi atribuído às mulheres. Esse fenômeno também existe dentro da comunidade regueira.
Thalisse Ramos de Sousa aborda o trabalho feminino, ressaltando as desigualdades enfrentadas pelas mulheres no mercado, em particular a segregação ocupacional e a disparidade salarial. Em sua pesquisa “Dos bastidores ao palco”, a pesquisadora quis compreender, além de outros temas, como as mulheres são frequentemente concentradas em empregos de menor prestígio e remuneração, além de serem sobrecarregadas pelo trabalho doméstico e reprodutivo não remunerado, o que agrava as dificuldades na luta feminina por espaço e igualdade de oportunidades dentro do movimento.
Elizabeth Lago, DJ e fundadora do “Reggae das Mulheres”, conta que, infelizmente, o público de reggae em São Luís ainda carrega preconceitos que afetam a avaliação do nível artístico entre DJs homens e mulheres. “As pessoas ao escolherem quem foi o melhor DJ da noite, usam falas como ‘Das mulheres a melhor foi…’. Eu vejo isso como se
estivesse dizendo que a mulher está em um nível inferior, como se elas só pudessem ser comparadas entre si, e não em um nível geral de profissionalismo”. Essa percepção exemplifica as barreiras enfrentadas pelas mulheres na disputa por espaço e visibilidade.
No entanto, diante de toda essa realidade, as mulheres regueiras vêm conquistando seu espaço de destaque nos mais diferentes âmbitos da comunidade. Em “As Ariris”, livro escrito pela pesquisadora e
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O público de reggae em São Luís ainda carrega preconceitos que afetam a avaliação do nível artístico entre DJs homens e mulheres”
Foto: Ellen Sophia
professora Thalisse Ramos de Sousa, a ‘Dama do Reggae’, Célia Sampaio afirma: “Olha, eu vejo de muita importância o trabalho das mulheres, porque eu até pontuei aqui onde eu vejo essas mulheres. Dentro do salão de reggae, elas são bilheteiras, seguranças, trabalham na limpeza, são vendedoras de bombons, de alimentos, são proprietárias de clubes, de salões afro, lojas de produtos do reggae. Aí, na parte da música, são cantoras, compositoras, instrumentistas, musicistas, DJs, costureiras na moda exclusiva, dançarinas. Então, até onde eu vejo, a mulherada sempre esteve construindo e contribuindo com esse movimento reggae”. Essa fala retrata claramente
que o cenário regueiro de São Luís é amplamente formado por mulheres em diferentes cadeias produtivas do movimento, mesmo que, muitas
– Célia Sampaio “
A mulherada sempre esteve construindo e contribuindo com esse movimento reggae”
vezes, precisem quebrar padrões e costumes impostos pelo patriarcado.
Elizabeth Lago afirma: “Em relação há 10 anos, a gente tá no paraíso”. Essa declaração evidencia uma superação cultural e histórica que enriquece e representa a vida de entusiastas e amantes do reggae, um ritmo musical que, no seu cenário empresarial, ainda possui uma forte presença masculina. No entanto, o papel da mulher se fez e continua a se fazer presente, representando não apenas resiliência histórica, mas também a capacidade de liderar e enriquecer um contexto cultural importantíssimo para a identidade maranhense.