Revista Vide História n.0

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Vide História

lheres no espaço urbano. “Mas aquela mocinha... Já passou... É estampa só! Modelo clássico de certas virgens contemporâneas, olha os homens com descaso, requebra os quadris, numa lúbrica provocação e sente-se com orgulho mulher para toda uma raça ao imaginar os desejos que provoca com a seminudez do corpo e o requebro musical das ancas. A natureza deu-lhe a estampa da mocidade, mas a civilização, roubando-lhe a alma terna e ingênua, essa cuja vida efêmera não devia passar das ilusões platônicas do amor, precipitou-lhe o despertar do instinto e fá-la pensar antecipadamente na caça ao homem, matando-lhe assim todos os sonhos castos da puberdade. O espetáculo que elas em conjunto apresentam no salão é desolador, é triste, é profundamente imoral.”

Nesse trecho, o jornalista analisado pelo autor, ao falar do requebrado e da seminudez da jovem mulher, expressa uma forte imagem de erotização desses novos modelos de comportamento trazidos e possibilitados pela “civilização”, comportamentos esses daninhos a uma sociedade de boa moral, capazes de desvirtuar a tal mocinha de “seus sonhos castos da puberdade”. A grande questão exposta nesse texto se dá na consciência da moça em relação aos efeitos sedutores provocados pelos seus

gestos. Ao analisar processos-crime da cidade de Fortaleza no mesmo período, é recorrente na observação de crimes sexuais e defloramentos, a culpabilização das mulheres devido a sua “adesão” a essas modernas formas de comportamento. Roupas menores, atitudes despojadas, passeios na cidade, participação em festas e bailes foram utilizados como justificativas para a isenção da culpa de homens que cometeram algum crime contra a honra das mulheres. A possessão física ou pela palavra estava ligada, nesse contexto, a uma ressignificação da própria participação das mulheres no espaço urbano que até então lhes era extremamente limitado, e passa a ser algo de grande evidência e visto como uma ameaça. Dessa forma, a diferenciação entre as mulheres de acordo com as suas atividades, comportamentos, cor e classe social se tornou necessária para uma convivência transparente no “quem é quem” no espaço das cidades. E hoje, são as mulheres vistas como provocadoras do “acesso ao seu corpo”, seja por intermédio da palavra ou da força física? Ainda são presentes diferenciações entre as mulheres, baseadas em critérios

“o espaço urbano ainda está imbuído de um campo simbólico onde a rua é espaço e lugar do masculino” 7


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